Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
133/04.4TBRSD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: PRÉDIO RÚSTICO
FRACCIONAMENTO DA PROPRIEDADE RÚSTICA
CLASSIFICAÇÃO
TERRENO
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – JC CÍVEL – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1376º, 1377º, AL. A), E 1379º DO C. CIVIL; DEC. LEI Nº 384/88, DE 25/10.
Sumário: I – O fraccionamento parcelar no que concerne ao caso em apreço encontra-se regulado nos art.ºs 19º, 20º e 21º do D.L. nº 384/88, de 25 de Outubro, e nos art.ºs 1376º e 1379º do C.Civ.

II - Posterior ao art.º 1376º do C.C. é o DL nº 384/88, que estabelece um regime global para o problema do fraccionamento, e o DL nº 103/90, de 22.03, que regulamenta aquele.

III - Mais uma vez o objectivo do regime é a formação de unidades agrícolas com uma dimensão que lhes proporcione um mínimo de viabilidade e de exigibilidade económica – (cfr. Ac. STJ de 5.02.81, Processo nº 069143, disponível em www.dgsi.pt.).
IV - Ou seja, a divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável só poderá realizar-se se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico – económica.

V - Por sua vez preceitua o art.º 1379º do C.C. que o fraccionamento dos prédios em desobediência às regras legais estabelecidas, e atrás aludidas, designadamente no art.º 1376º do mesmo diploma, gera a anulabilidade dos respectivos atos; no mesmo sentido vai o art.º 47 do D.L. n.º 103/90, de 22 de Março, ao preceituar: «São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal que contrariem o disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro».

VI - Os terrenos de sequeiro são os que não dispõem de qualquer sistema de rega, ou seja, de aproveitamento de águas, incluindo as pluviais. Já os terrenos de regadio são os que dispõem de tais sistemas de aproveitamento de águas próprias e alheias. A cultura arvense reporta-se a culturas anuais ou vivazes, integradas ou não em rotações, excluindo as culturas arbustivas, arbóreas e florestais. Por fim, a cultura hortícola é a que tem por objeto legumes e hortícolas, normalmente em pequena dimensão, intensiva e com baixo grau de sazonabilidade, requerendo maio abundância de recursos hídricos do que a arvense.

VII - O único critério aceitável para a classificação dos terrenos com vista à aplicação do disposto na portaria n.º 207/70 é o proposto pelo Acórdão do STJ de 11.10.79, BMJ n.º 290, p. 395 – o da cultura predominante em cada um dos prédios.

VIII - É, todavia, admissível o fraccionamento de prédios rústicos que integram terrenos destinados a fins diversos da cultura, bem como o fraccionamento de terrenos para construção, ficando esta sujeita ao regime jurídico dos loteamentos urbanos, sempre que esteja em causa a constituição de novos prédios destinados, imediata ou subsequentemente, à construção urbana, que abrange a construção de edifícios destinados a habitação, escritórios, indústria ou comércio.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

                                               1. Relatório

            1.1- O Ministério Público instaurou a presente ação comum, sob a forma de processo ordinário, contra os réus M... e marido J..., F... e esposa R..., “I..., SA” e “C..., SA”.

Para tanto alegou o autor, em síntese, que os 1ºs réus venderam à ré “I...” quatro prédio urbanos, e que os 2.ºs réus também venderam aquela ré quatro parcelas que faziam parte de determinado prédio rústico, parcelas essas que foram integradas nos ditos prédios urbanos. Sobre aqueles prédios foram registadas hipotecas voluntárias em benefício da ré C... Sucede que as parcelas vendidas foram desanexadas de um terreno com aptidão agrícola e florestal, denominado “Quinta ...”, correspondendo a um fraccionamento ilegal, por violação do disposto no artigo 1376.º, nos 1 e 3 Código Civil com referência à Portaria no 202/70, de 21/4, e artigos 19.º, 20.º e 21.º do Dl 384/88, de 25/10 e nos artigos 44.º e 45.º do Dl 103/90, de 22/3.

Assim, concluiu o autor solicitando a declaração de nulidade dos referidos contratos de compra e venda, a inutilização das descrições prediais lavradas em consequência de tais negócios, o cancelamento das inscrições que incidem sobre tais prédios.

1.2. Verificando-se que o réu J... falecera em momento anterior ao da propositura da presente ação, foram habilitados como seus sucessores ...

1.3 – Foi citada por forma edital a ré M..., com observância das formalidades legais, não tendo deduzido contestação.

Os demais réus foram pessoal e regularmente citados para o efeito.

A C..., SA contestou, defendendo-se quer por impugnação, quer por exceção, alegando ter concedido à co-ré “I...” um financiamento, tendo sido constituída uma hipoteca sobre cada um dos imóveis em causa, desconhecendo a contestante quaisquer vícios subjacentes a anterior fracionamento ou qualquer vício suscetível de colocar em causa o direito de propriedade da “I...”. Assim, considerou a contestante ser terceira de boa fé, nos termos do disposto no artigo 291.º CC, beneficiando da proteção que lhe é conferida pela norma citada por a presente ação não ter sido objeto de registo no prazo de três anos posteriores à conclusão do negócio cuja nulidade foi peticionada pelo autor.

Concluiu a contestante alegando que caducou o direito que o autor pretende fazer valer por via da presente ação, que, consequentemente, deverá ser julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido.

A ré “I..., SA” na sua contestação informou ter sido dissolvida e encontrar-se em fase de liquidação, requereu a apensação à presente de outras causas com similar objeto.

Defendendo-se por exceção, a contestante arguiu a caducidade da ação por decurso do prazo de três anos previsto no artigo 1379.º, n.º 3, CC. Mais considerou que a desanexação em causa não constituiu ato ilegal por às parcelas desanexadas ter sido atribuído um destino diferente do da cultura, dado que as mesmas se destinaram a logradouro dos prédios urbanos.

Acresce que as parcelas desanexadas integram a totalidade dos prédios rústicos em questão, tendo sido vontade real das partes a de comprar e vender a totalidade de tais prédios rústicos.

Assim, mesmo que a ação viesse a ser julgada procedente sempre teria que ser convertido o negócio jurídico em questão na compra e venda dos referidos prédios rústicos, na sua globalidade.

Terminou a contestante pugnando pela procedência das exceções por si arguidas, com as legais consequência ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação, deduzindo subsidiariamente reconvenção, peticionando que em caso de procedência da ação se considere operada a conversão dos negócios jurídicos em causa no sentido de que as compras e vendas tiveram por objeto a totalidade dos prédios dos quais foram desanexadas as parcelas, com a consequente alteração da situação registral dos prédios.

F... e M... e herança de J... defenderam-se por exceção, arguido a caducidade da ação por decurso do prazo de três anos previsto no artigo 1379.º CC, considerando ainda que o negócio em causa não violou as normas relativas ao fracionamento, que não se mostra legalmente obstaculizado quando a parcela a destacar passe a ter fim diferente do da cultura. Acresce que com o referido negócio as partes pretenderam comprar e vender a totalidade de um prédio rústico, o que foi precedido de contrato promessa que incidiu sobre uma porção de terreno com a área de 73.254 m2 a destacar do seu prédio denominado “Quinta ...”. Consequentemente, a vontade “última” dos réus contestantes era a de transmitir à ré “I...” tal área, independentemente das desanexações e anexações subsequentes, não tendo previsto a invalidade do negócio, pelo que a proceder a ação sempre deverá ser determinada a conversão do negócio, nos termos do artigo 293.º, CC.

Concluíram os réus que a ação deve ser julgada improcedente por não provada com na sua consequente absolvição do pedido.

1.4 – O Ministério Público apresentou réplica considerando não operar a exceção de caducidade, por a ação ter sido instaurada no prazo de três anos a contar da data da realização da escritura de compra e venda em causa. Mais alegou o Ministério Público não se verificar qualquer exceção à proibição de fracionamento de prédios rústicos com aptidão agrícola ou florestal, dado que com o negócio em causa os réus pretenderam fracionar a “Quinta ...” em quatro parcelas todas com área inferior a um hectare com vista a “fazer um condomínio fechado de quintinhas” como referido na cláusula 2.ª do contrato promessa invocado. Reiterando a invocada ilegalidade do fracionamento, o Ministério Público alegou que para a mesma deveria ter sido obtido parecer favorável da Direção Regional de Agricultura de entre Douro e Minho, parecer esse que foi negativo no que se reporta à “Quinta ...”.

Concluiu o Ministério Público que com o fracionamento os réus visaram operações de loteamento, contornando os obstáculos legais existentes, não correspondendo à verdade que os réus tenham pretendido vender e comprar na íntegra os respetivos prédios, pois tal intenção não tem um mínimo de correspondência no texto da escritura, correspondência essa que sempre teria que existir por estar em causa um negócio formal.

Concluiu o autor que deveriam improceder as exceções invocadas, bem como os pedidos reconvencionais.

1.5 – Treplicou a ré “I...”, declarando impugnar a matéria alegada na réplica.

1.6. Por despacho constante de fls 328 e ss e com base nos fundamentos aí exarados foi determinada a apensação aos presentes autos das seguintes ações declarativas:...

Cumprido tal despacho, foram apensas à presente as referidas ações.

            3 – Ação ... (apenso F da principal)

...

4 - Ação ... (apenso G da presente)

...

5 – Ação ... (Apenso H)

...

6 - Ação ... (Apenso D)

...

7 - Ação ... (Apenso E)

...

8 - Ação ... (Apenso C)

...

1.9. Foi proferido despacho saneador, no qual foi afirmada a validade e regularidade da instância. Foram ainda admitidas as reconvenções deduzidas, fixado valor à causa e dispensada a realização da audiência prévia.

Julgada improcedente a exceção de caducidade invocada, foram selecionados os factos assentes e enunciada a base instrutória, por despacho que não mereceu reclamação.

Porém, na sequência de requerimento apresentado em ata (fls 435) veio a ser determinada a alteração dos factos assentes e da base instrutória (fls 466).

1.10. No decurso da causa, e como dependência, quer da ação principal, quer dos seus apensos, foram deduzidos e decididos incidentes de habilitação de adquirente ou cessionário pelos quais foi julgada habilitada a sociedade “Q... – Promoção Imobiliária SA” a prosseguir os autos principais ocupando a posição da ré “I..., SA” (apensos N, M, L, K, J, B).

Foi ainda deduzido e decidido, nos próprios autos principais, incidente de habilitação de herdeiros do réu F... por meio de decisão que considerou habilitados como seus sucessores ...

1.11. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com respeito pelo legal formalismo, após foi proferida sentença onde foi decidido:

- Julgar improcedente a presente ação principal instaurada pelo Ministério Público, sob a forma de processo ordinário, absolvendo os réus...;

- Julgar improcedente a ação n.º ..., tramitada sob o apenso C), ...

- Julgar improcedente a ação n.º ..., tramitada sob o apenso D), ...

- Julgar improcedente a ação n.º ..., tramitada sob o apenso E), ...

- Julgar improcedente a ação n.º ..., tramitada sob o apenso F), ...

- Julgar improcedente a ação n.º ..., tramitada sob o apenso G), ...

- Julgar improcedente a ação n.º ..., tramitada sob o apenso H), ...

1.12. Inconformada com tal decisão dela recorreu o M.P. terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

1.13. A C... apresentou resposta não terminando a sua motivação com conclusões, na qual pede que seja negado provimento ao recurso interposto, ou ainda que assim não fosse, julgando-se a acção improcedente em relação à C..., mantendo-se o registo da hipoteca que onera os imóveis em causa.

1.14. Os habilitados como sucessores de F... respondem ao recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

...

1.15. A Massa Insolvente responde e termina com as seguintes conclusões:

...

            1.16. Colhidos os vistos cumpre decidir

                                              2. Fundamentação .

                                            2.1 Factos provados

... 

                                   3. Apreciação
3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.
      Assim, a questão a decidir consiste apenas em saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que anule os contratos celebrados.

A questão em análise tem a ver com os condicionamentos legais ao fraccionamento da propriedade rústica apta para a cultura e seus fins.

 O fraccionamento parcelar no que concerne ao caso em apreço encontra-se regulado nos art.ºs  19, 20 e 21 do D.L. nº 384/88, de 25 de Outubro, e nos art.ºs 1376 e 1379 do C.C.

Na interpretação destes preceitos é imprescindível não perder de vista a finalidade da mesma, socorrendo-nos de uma interpretação teleológica.

« O conteúdo que o legislador dá à lei depende em primeiro lugar dos fins que prossegue, das soluções ( para um problema jurídico ou de política social ) que tem em vista realizar ( ... ) toda e qualquer disposição legal deve portanto interpretar-se de forma a que seja tanto quanto possível realizado o fim que se sabe ter sido querido pelo legislador ( ... ) e se evitarem decisões contrárias ao fim » - Karl Larenz, in Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian p. 379 e 380.

« A disposição revela que a lei procura evitar o fraccionamento da propriedade, sobretudo por razões de ordem económica, que respeitam à exploração da terra ». -vide Pires de Lima e Antunes Varela « C. Civil Anotado » vol. III, 2ª ed., p. 259.

Também sobre os objectivos legislativos a respeito desta matéria vale a pena citar Rui Pinto Duarte, “Curso de Direitos Reais “, 2002, p. 93: «O fraccionamento da propriedade ( usando-se a palavra em sentido não técnico-jurídico) é uma tendência histórica facilmente comprovável. (...).

Daqui que, desde há muitas dezenas de anos, o Estado tenha formulado medidas no sentido de evitar esse fraccionamento (...) ».

Pretende a lei que um terreno com aptidão para a cultura não seja dividido de forma a pôr em causa essa aptidão.

A propósito da filosofia inerente a este regime Antunes Varela escreveu na RLJ nº 33849 p. 374: «visa eliminar os minifúndios pelos graves inconvenientes duma exploração rural que não reúna condições mínimas de rentabilidade».

Posterior ao art.º 1376º do C.C. é o DL nº 384/88, que estabelece um regime global para o problema do fraccionamento e o DL nº 103/90, de 22.03, que regulamenta aquele.

Mais uma vez o objectivo do regime é a formação de unidades agrícolas com uma dimensão que lhes proporcione um mínimo de viabilidade, exigibilidade económica – (cfr. Ac. STJ de 5.02.81, Processo nº 069143, disponível em www.dgsi.pt.

Nos termos do art. 19º nº 1 do DL nº 384/88 de 25.10 com a epígrafe «Fraccionamento e Troca de Prédios Rústicos » determina-se que: «Ao fraccionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal aplicam-se além as regras dos arts. 1376º e 1379º do Código Civil, as disposições da presente lei.».

Nos termos do art. 20º nº 1 al. c) do DL nº 384/88, de 25.10, com a epígrafe «Fraccionamento de Exploração Agrícola» determina-se, para o que importa: 1 - A divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável só poderá realizar-se: a) Para efeitos de redimensionamento de outras explorações, operada nos termos da presente lei; b) Para reconversão da própria exploração ou se a sua viabilidade técnico-económica não for gravemente afectada; c) Se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico-económica; d) Se do fraccionamento não resultar grave prejuízo para a estabilidade ecológica».

Ou seja, a divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável só poderá realizar-se se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico – económica.

Tais artigos prevêem duas realidades diferentes:

O art.º 19º refere-se ao fraccionamento dos prédios rústicos e o art. 20º ao fraccionamento da exploração agrícola.

Qual é a distinção?

Da análise da lei chegamos a dois conceitos:

O prédio rústico traduz a existência de uma aptidão agrícola, excluindo assim os prédios que pelas suas características naturais nunca poderão ter capacidade para suportar uma actividade agrícola.

A exploração agrícola traduz uma exploração agrícola efectiva.
É nesse sentido que aponta o disposto no art. 19º nº 1 da lei em causa quando fala em «aptidão agrícola » e o art. 44º do DL 103/90, de 22.03, regulamentar, quando usa a expressão « prédios explorados » referindo-se ao conceito de exploração agrícola.

O art. 20º pretende salvaguardar situações em que existe uma exploração agrícola com êxito económico, impondo a lei que a divisão não ponha em causa esse êxito (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Évora de 1 de Fevereiro de 2007, relatado por Bernardo Domingos).

Por sua vez preceitua o art.º 1379 do C.C. que o fraccionamento dos prédios em desobediência às regras legais estabelecidas, e atrás aludidas, designadamente no art.º 1376 do mesmo diploma, gera a anulabilidade dos respectivos atos, no mesmo sentido vai o art.º 47 do D.L. n.º 103/90, de 22 de Março, ao preceituar «São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal que contrariem o disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro».               

Atendendo ao supra referido, há necessidade, desde logo, saber qual a unidade de cultura.  Face à  Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, que preceitua «A Norte do Tejo: 2 ha para culturas arvenses em terrenos de regadio; 0,5 ha para culturas hortícolas em terreno de regadio; 2 ha, 3 ha e 4 ha em terrenos de sequeiro situados,

respectivamente, no norte e centro litoral, no norte e centro interior e em Lisboa e Santarém», temos que a unidade de cultura para as regiões situadas a norte do Tejo e estando em causa terrenos de regadio, arvenses e de sequeiro, foi fixada em 2 hectares, pelo que, para aquele tipo de terrenos e na zona em questão, mostra-se vedado o fraccionamento de terrenos aptos para cultura em área inferior a 20.000 m2.

Escreve-se na sentença recorrida a este respeito « A eleição de tal unidade de cultura para os prédios rústicos na zona em discussão nos autos resulta da ponderação do critério defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 17/12/20152, (proferido no processo n.º 285/1999.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt) nos termos do qual os terrenos de sequeiro são os que não dispõem de qualquer sistema de rega, ou seja, de aproveitamento de águas, incluindo as pluviais. Já os terrenos de regadio são os que dispõem de tais sistemas de aproveitamento de águas próprias e alheias. A cultura arvense reporta-se a culturas anuais ou vivazes, integradas ou não em rotações, excluindo as culturas arbustivas, arbóreas e florestais. Por fim, a cultura hortícola é a que tem por objeto legumes e hortícolas, normalmente em pequena dimensão, intensiva e com baixo grau de sazonabilidade, requerendo maio abundância de recursos hídricos do que a arvense.

A classificação dos terrenos como de sequeiro ou de regadio deverá ponderar as espécies vegetais ali cultivadas, mas também as próprias características dos terrenos e da sua exploração.

A este propósito, salienta-se que a descrição e caraterísticas dos prédios fraccionados não permitem a sua qualificação como como terrenos de regadio hortícolas, mostrando-se, ao invés, tal qualificação infirmada dos elementos objetivos analisados nos autos. A título exemplificativo, veja-se que a “Quinta ...” (descrição de fls 45 dos autos principais), constitui “terra de sequeiro com árvores de fruto, pinhal, mato e mata de acácias”. Ora, as caraterísticas dos prédios rústicos em causa nos autos, sendo todas similares entre si, evidenciam que a unidade de cultura a ponderar é a de dois hectares, nos termos da Portaria 202/70, por estarem em causa terrenos de sequeiro, e não de regadio».

Sobre a distinção dos conceitos do terreno pode ler-se no Ac. do STJ de 12.7.83 , in BMJ 329, p. 566: «Contrapõe-se as de sequeiro o terreno de regadio. Os próprios termos patenteiam o contraste: - um dispõe de água de rega, o outro não. Ambos os demais ( arvense e hortícola ) são terrenos de semeadura ( como o é também para as plantas que prescindam de água de rega ou sejam deixadas à sorte do clima, o terreno de sequeiro ). Mas embora com diferenças menos salientes, os terrenos de cultura hortícola e arvense não se confundem: enquanto que um – o primeiro – normalmente de dimensões mais reduzidas, se destina no essencial, à cultura de hortaliças e legumes (aquilo a que noutras regiões, se dá a designação de « novidades », é o outro ( o segundo ) aplicado à cultura de outras plantas herbáceas anuais, em especial as produtoras de grão e forragens. Terrenos há, todavia, que servem ao aproveitamento, simultâneo ou não, de ambas essas culturas. E se, por outro lado, há muitas vezes vinha em terreno de sequeiro, também frequentemente se vêem árvores de fruta ou vinha em terreno de cultura hortícola ou arvense ».

Como classificar um terreno onde existem em simultâneo elementos hortícolas, arvenses e de sequeiro?

O único critério aceitável para a classificação dos terrenos com vista à aplicação do disposto na portaria n.º 207/70 é o proposto pelo Acórdão do STJ de 11.10.79, BMJ n.º 290, p. 395 – o da cultura predominante em cada um dos prédios.

«Tais categorias são estabelecidas em função da predominância daquilo que lá se cultiva, o que quer dizer que um terreno se pode destinar a culturas de seco, árvores e horta ao mesmo tempo, razão porque a única forma de o poder classificar é mediante o critério da predominância (...) A classificação de terrenos como hortícolas (...) depende no estado actual da legislação não daquilo que os terrenos possam vir a produzir por exemplo através de um processo de irrigação e do estudo da constituição geológica mas apenas da agricultura a que normal e predominantemente vêm a ser aplicados. » - vide Ac. do STJ de 11.10.79, In BMJ 290, p. 395 e 397 e no mesmo sentido Acs. do STJ de 17.11.94, Processo nº 085789; de 25.06.85, Processo nº 072528 e Ac. RL de 18.04.85, Processo nº 0022483, disponíveis em www.dgsi.pt.

A jurisprudência maioritária tem vindo a adoptar este critério.

Note-se aliás que alguma jurisprudência que defende o critério da finalidade que se pretende dar ao terreno surge a propósito de uma situação totalmente diferente da dos autos: a do prédio ser destinado a construção urbana e não ao cultivo, caindo-se depois na excepção prevista no art. 1381º do CC. (como por exemplo o Ac. RP de 9.01.90, in CJ, Ano XV, tomo 1, p. 222 e Ac. STJ de 6.02.03, Processo nº 02B4164, disponível em www.dgsi.pt. ).

A segunda dificuldade é a de saber se a análise da natureza do terreno deve se feita de forma estática, parada ao tempo do negócio ou se a natureza do terreno deve ser avaliada projectando no tempo para além da data da escritura a utilização dada ao mesmo e as suas possibilidades.

Atendendo apenas à afectação do prédio ao tempo da escritura ou considerando a afectação que é dada posteriormente?

Antes de mais, parece-nos fundamental assentar que deve fazer-se uma análise do terreno como um todo, à data do fraccionamento, ou seja, importa saber é qual era a utilização dada àquele terreno quando ainda não tinha sido fraccionado, por isso a análise se reporta à data em que se fez a escritura: só sabendo as características do terreno na sua globalidade e à data em que se pretende fraccionar é que se pode concluir se essas características são postas em causa com o fraccionamento – no mesmo sentido, de que o que é relevante é a utilização dada no momento da escritura, vide Ac. STJ de 6.02.03, Processo nº 02B4164 e Ac. RP de 23.05.96, Processo nº 9531188, disponíveis em www.dgsi.pt.

Como já antes referimos, entendemos que o critério correcto e seguro nestes casos para a classificação do terreno face à unidade de cultura é o da predominância da aplicação efectiva do terreno e não o da sua aptidão – vide também em defesa deste critério o Prof. Antunes Varela ,in RLJ n.º 3849, p. 377.

Até porque este critério tutela efectivamente o que a lei visa proteger: o fraccionamento não pode pôr em causa a viabilidade de um terreno ao qual está a ser dada determinada utilização económica.

O critério do aproveitamento possível ou querido deve ser afastado – a propósito, Ac. STJ de 1.06.83, in BMJ 328, p. 568.

Com efeito, há que ter segurança na aplicação deste critério , já que a verdade é que em termos de aptidão podemos dizer que actualmente, com as tecnologias disponíveis, tudo é possível: até fazer uma horta no deserto, desde que haja tecnologia para tal, o que levantaria muitas dificuldades e tornaria muito insegura a aplicação do critério da aptidão, que assim afastamos.

« Pensando que a simples aptidão em abstracto, dadas as muitas virtualidades da técnica moderna, conduziria à incerteza e à dúvida e por outro lado que é vulgar no mesmo prédio existirem culturas diversas, parece que a solução será a de classificar o terreno de harmonia com a natureza da cultura que nele predominava por ocasião da venda.» - vide Ac. STJ de 1.06.83 , BMJ n.º 328 p. 570.

Ainda a este propósito pode ler-se no Ac. RC de 5.03.91, in BMJ 405º, p. 539: «A natureza e categoria dos prédios têm de ser determinadas olhando o seu todo ou conjunto e atendendo às características que predominam na sua maior área e não ao seu respectivo significado económico ».

E nem se diga ainda que o art.º. 1376º do C.C. impõe o critério da aptidão por falar em «prédio apto», pois tal expressão não nos vincula ao critério da aptidão, para averiguar qual a unidade de cultura.

Salvo melhor entendimento, a lei utiliza esta expressão para não deixar fora da proibição do fraccionamento os terrenos que embora não estejam cultivados são próprios para isso - vide a propósito Ac. RP de 30.07.76, disponível em www.dgsi.pt.
Mas uma coisa é saber quais os terrenos abrangidos pela previsão legal: todos os que são próprios (apto) para cultura, ou seja todos os que servem para ser cultivados.

Outra coisa diferente é saber como determinar qual a unidade de cultura aplicável, para efeitos de divisão.

Dito isto, e como bem se refere na sentença recorrida, socorrendo-se a título exemplificativo da “Quinta ...”, onde na descrição se refere a terra de sequeiro com árvores de fruto, pinhal, mato e mata de acácias, e tendo em conta as características dos prédios rústicos em causa nos autos e seus apensos, sendo em tudo similares entre si, evidenciam que a unidade de cultura a ponderar é a de 2ha, nos termos da citada Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, por estarem e causa terrenos de sequeiro.

Chegados aqui cabe verificar se os atos de divisão e de alienação visam ou não a constituição de parcelas com área inferior à unidade de cultura, que no caso em apreço, como já dissemos, é de 2ha.

Na ação principal (acção ...) está em causa um contrato de compra e venda formalizado por intermédio de escritura pública celebrada em 27 de Junho de 2001, pela qual os aí identificados como vendedores (falecido réu F... e esposa R...) venderam à “I...” quatro prédios urbanos e quatro parcelas de terreno que se destinaram a logradouros dos referidos prédios urbanos. Tais parcelas foram desanexadas de terreno com aptidão agrícola e florestal. Acresce que tais parcelas possuíam áreas inferiores à unidade de cultura pois mediam 8504 m2, 5099 m2, 2669 m2 e 7940 m2 e faziam parte do prédio rústico denominado “Quinta ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...

No apenso C estão em causa dois contratos de compra e venda, formalizados por intermédio de escrituras públicas celebradas em 27 de agosto de 2001, pela qual os aí identificados como vendedores venderam à “I...” um prédio urbano e uma parcela de terreno que se destinou a logradouro do referido prédio urbano. Tal parcela foi desanexada de terreno com aptidão agrícola e florestal. Acresce que tal parcela possuía uma área inferior à unidade de cultura pois media 5.080 m2 e fazia parte do prédio rústico, denominado “Quinta do ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...

No apenso D está em causa um contrato de compra e venda formalizado por intermédio de escritura pública celebrada em 9 de Julho de 2001, pela qual os aí identificados como vendedores venderam à “I...” dois prédios urbanos e duas parcelas de terreno que se destinaram a logradouros dos referidos prédios urbanos. Tais parcelas foram desanexadas de terreno com aptidão agrícola e florestal. Acresce que tais parcelas possuíam áreas inferiores à unidade de cultura pois mediam 5194 m2 e 5773 m2 e faziam parte do prédio misto denominado “Quinta ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...

No apenso E está em causa um contrato de compra e venda formalizado por intermédio de escritura pública celebrada em 13 de Julho de 2001, pela qual os aí identificados como vendedores venderam à “I...” seis prédios urbanos e seis parcelas de terreno que se destinaram a logradouros dos referidos prédios urbanos. Tais parcelas foram desanexadas de terreno com aptidão agrícola e florestal. Acresce que tais parcelas possuíam áreas inferiores à unidade de cultura pois mediam 4250 m2, 5034 m2, 2241 m2, 2607 m2, 5661 m2, 5016 m2 e faziam parte do prédio rústico denominado “Quinta do ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº...

No apenso F está em causa um contrato de compra e venda formalizado por intermédio de escritura pública celebrada em 28 de Junho de 2001, pela qual os aí identificados como vendedores venderam à “I...” quatro prédios urbanos e quatro parcelas de terreno que se destinaram a logradouros dos referidos prédios urbanos. Tais parcelas foram desanexadas de terreno com aptidão agrícola e florestal. Acresce que tais parcelas possuíam áreas inferiores à unidade de cultura pois mediam 4003 m2, 3969 m2, 4241 m2, 2539 m2, e faziam parte do prédio rústico denominado “Quinta do ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº...

No apenso G está em causa um contrato de compra e venda formalizado por intermédio de escritura pública celebrada em 5 de Julho de 2001, pela qual os aí identificados como vendedores venderam à “I...” seis prédios urbanos e seis parcelas de terreno que se destinaram a logradouros dos referidos prédios urbanos. Tais parcelas foram desanexadas de terrenos com aptidão agrícola e florestal. Acresce que tais parcelas possuíam áreas inferiores à unidade de cultura pois mediam 6420 m2, 4578 m2, 4.948 m2, 2180 m2, 2164 m2, 4133m2 e faziam parte dos prédios rústicos denominados “Quinta ...” e “Quinta ...”, descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os nos ...

No apenso H está em causa um contrato de compra e venda formalizado por intermédio de escritura pública celebrada em 5 de Julho de 2001, pela qual os aí identificados como vendedores venderam à “I...” um prédio urbano, e o segundo réu, A..., vendeu à mesma compradora uma parcela de terreno que se destinou a logradouro do referido prédio urbano. Tal parcela foi desanexada de terreno com aptidão agrícola e florestal. Acresce que tal parcela possuía área inferior à unidade de cultura pois media 5.026 m2 e fazia parte do prédio rústico denominado “Vinha ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...  

Por aqui e tendo presente que as áreas em questão inferiores às de unidade de cultivo as vendas em causa poderiam dar origem a anulabilidade.

Entende-se na sentença recorrida que ao caso tem aplicabilidade o preceituado no art.º 1377 do C.C. e, por isso, nessa vertente não haveria lugar à anulabilidade.

Entendimento diferente tem o recorrente ao afirmar que o preceito não se aplica ao caso vertente, por a norma se referir a terrenos a fraccionar (terrenos que constituem partes componentes de prédios urbanos, e a prédios que não sejam rústicos “ se destinem a algum fim que não seja a cultura”, não tendo como pressuposto de aplicação naturalmente prédios rústicos, como é o caso dos autos cujo fraccionamento se discute.

Advogamos a tese defendida na sentença recorrida, ou seja que o preceituado na alínea a) do artº 1377º do C.C. se aplica ao caso em apreço.

Preceitua o art.º 1377 do C.C. com a epigrafe Possibilidade de fraccionamento «a) A terrenos que constituam partes componentes de prédios urbanos ou se destinem a algum fim que não seja a cultura; b) Se o adquirente da parcela resultante do fraccionamento for o proprietário de terreno contíguo ao adquirido, desde que a área da parte restante do terreno fraccionado corresponda, pelo menos, a uma unidade de cultura; c)Se o fraccionamento tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou retificação de estremas».

Analisando a exceção enunciada à proibição de fraccionamento - aludida na alínea a) do preceito – por ser nesta vertente que a questão tem de ser analisada -, verificamos que devem considerar-se partes componentes dos prédios urbanos os terrenos que lhes sirvam de logradouro, nos termos do artigo 204.º, n.º 2, CC. As quais podem, consequentemente, ser fraccionadas “independentemente do fim a que se destinem, atenta a sua função em face do prédio urbano que integram.” (cfr. Pires de Lima e A. Varela, in Código Civil, Anotado, Vol .III, edição 1972, fls. 240, onde referem em relação à 1.ª parte «Os casos previstos na alínea a) são os referidos no n.º 1da Base II da Lei n.º 2116. Apenas deixou de subordinar a determinação do que constitui partes componentes de prédios urbanos aos preceitos da legislação tributária, para se aplicarem os critérios da lei civil, naturalmente mais indicados para o efeito. Segundo o disposto no n.º 2 do art.º 204, considerando-se partes componentes dos prédios urbanos os terrenos que lhes sirvam de logradouro. São estes, por conseguinte, os que podem ser fraccionados, independentemente do fim a que se destinem, atenta a sua função em face do prédio urbano que integram).

Porém, quanto à 2.ª parte do preceito, onde se alude «se destinem a algum fim que não seja a cultura», dizem Pires de Lima e A. Varela, in ob. citada fls. 240 «Em

atenção ao fim, admite a segunda parte desta alínea a) que se fraccione qualquer terreno, desde que a parcela se destine a algum fim que não seja a cultura. Não importa que o terreno, no momento do fraccionamento, tenha por fim a cultura agrícola ou florestal, basta que o seu destino posterior passe a ser outro. Este sentido do texto ficou bem esclarecido no parecer da Câmara Corporativa, de 21 de Abril de 1960, quando se substituiu a frase equívoca “ destinados” a algum fim que não seja a cultura, que estava na proposta do Governo, por “sejam destinados a algum fim que não seja a cultura”. O código, ao referir-se agora aos terrenos “que se destinem “, mantém claramente a orientação da Câmara e da lei anterior. O terreno pode destinar-se, por exemplo, a um campo de jogos, a um fim acessório de qualquer indústria, e pode, o que é mais vulgar, destinar-se a uma construção»).

No mesmo sentido parece ir o Ac. Rel. do Porto de 8/5/2012, Proc. n.º 4810/0.1TBVFR-P1, onde se escreveu « O artigo 19º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro circunscreve o âmbito de aplicação do fraccionamento previsto nesse diploma aos terrenos com aptidão agrícola e florestal, estipulando que: Ao fraccionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal aplicam-se, além das regras dos artigos 1376º e 1379º do Código Civil, as disposições da presente lei.

(…)

As limitações ao fraccionamento de prédios rústicos visam evitar os inconvenientes de ordem económica, designadamente, de menor produtividade agrícola dos prédios quando estes se reduzem a proporções muito limitada.

A Portaria nº 202/70, de 21 de Abril fixou a área de cultura mínima para as diversas regiões do território continental, classificando para este efeito os prédios rústicos em terrenos de regadio, arvense ou hortícolas, bem como de sequeiro.

Tal significa que o proprietário do terreno que dele queira dispor em parcelas ou fracções só poderá exercer esse direito de disposição se cada uma dessas unidades fundiárias que se vier a formar tiver área não inferior à unidade de cultura fixada pela aludida Portaria.

É, todavia, admissível o fraccionamento de prédios rústicos que integram terrenos destinados a fins diversos da cultura, bem como o fraccionamento de terrenos para construção, ficando esta sujeita ao regime jurídico dos loteamentos urbanos, sempre que esteja em causa a constituição de novos prédios destinados, imediata ou subsequentemente, à construção urbana, que abrange a construção de edifícios destinados a habitação, escritórios, indústria ou comércio….».

 Aplicando-se ao caso, como pensamos, o preceituado no art.º  1377 do C.C., cabe verificar se resulta provado que o fim é diverso do da cultura. Dos factos assentes resulta que as parcelas passaram a constituir logradouro de prédios urbanos, inscritos na respectiva matriz na sequência da apresentação do designado modelo 129, no qual foi manifestado que os mesmos se encontravam omissos.

Assim, nesta vertente não assiste razão ao recorrente.

Afirma ainda o recorrente que não havendo qualquer parecer, designadamente na modalidade que vem prevista no art.º 45, n.º 3, do D.L. n.º 103/90, de 22 de Março, já revogado pela Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, mas aplicável, por vigente à data, - certidão de parecer favorável – se impõe concluir que os actos de fraccionamento dos prédios que são objecto das várias acções são nulos desde logo porque se reportam a áreas inferiores à unidade de cultura e, ao contrário do  afirmado na decisão recorrida a lei estabelece sanções para a omissão daquele parecer – no art.º 47, do D.L. 103/90, de 22 de Março, onde se consigna «são anuláveis os actos de financiamento a troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal que contrariem o disposto no art.º 20 do D.L. 384/88, de 25 de Outubro, normativo que contempla a divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos”.

Apreciando tal matéria, temos para nós, que não assiste razão ao recorrente.

Preceitua o art.º 20 do citado D.L. com a epigrafe « Fraccionamento de exploração agrícola, preceitua, para o que importa ; 1 - A divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável só poderá realizar-se: a) Para efeitos de redimensionamento de outras explorações, operada nos termos da presente lei; b) Para reconversão da própria exploração ou se a sua viabilidade técnico-económica não for gravemente afectada; c) Se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico-económica; d) Se do fraccionamento não resultar grave prejuízo para a estabilidade ecológica».

            Preceituava o art.º 45 do D.L. 103/90, de 22 de Março - com a epigrafe
Fraccionamento de exploração agrícola
(hoje revogado - Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, mas vigente à data que) « 1 - A divisão a que se refere o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, só se pode realizar sob parecer favorável da respectiva direcção regional de agricultura, emitido a requerimento do interessado, 2 - Decorridos 30 dias sem que o parecer a que se refere o número anterior seja emitido, considera-se para todos os efeitos a existência de parecer favorável. 3 - Verificada a situação prevista no número anterior, a direcção regional de agricultura respectiva deve, a pedido dos interessados, passar de imediato certidão comprovativa de tal facto».

            Na verdade, operando à leitura dos preceitos da sua conjugação resulta que o parecer só faz sentido nos casos de redimensionamento de outra exploração agrícola ou de reconvenção da própria exploração alvo de fraccionamento. Ou seja, o parecer só é exigível nos casos vertidos de fraccionamento previstos no citado art.º 20. Já não nos casos aludidos no art.º 1377 do C.C., onde se permite o fraccionamento, desde que verificado algum dos pressupostos enunciados em qualquer das suas alíneas.

            Assim, face ao exposto esta pretensão do recorrente não pode proceder.

            Sem mais, e face a todo o exposto não merece censura a sentença recorrida.

                                    4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Em julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.

 Sem custas por o recorrente delas estar isento art.º 4, n.º 1, al. a), RCP

Coimbra, 07/02/2017

  Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Jorge Loureiro (adjunto)