Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
53/14.4TBACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
NÃO RECEBIMENTO
VALIDADE
EFICÁCIA
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: NO ARTIGO 224.º, N.º 2, DO CC
Sumário: A resolução do contrato comunicada por carta registada com aviso de recepção que a destinatária não recebe nem vai levantar à estação dos correios, não obstante para tal ter sido avisada, é válida e eficaz.
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A..., S.A., com sede na (...), Lisboa, requereu providência cautelar de entrega judicial e antecipação do juízo sobre a causa principal com inversão do contencioso contra B..., Lda., com sede em (...), Moitas Venda, alegando, em síntese, que celebrou com esta um contrato de locação financeira que tinha como objecto um equipamento (máquina escavadora).

O contrato não foi cumprido, por parte da requerida, que não pagou várias das rendas devidas, em face do que a requerente procedeu à resolução do contrato, através do envio de carta registada com aviso de recepção, para as instalações da requerida. Todavia, ainda assim, o equipamento objecto do contrato não lhe foi entregue.

Terminou peticionando a título cautelar e com antecipação do juízo sobre a causa principal:

a) A entrega imediata ao Requerente do equipamento objecto da presente providência,

b) A condenação da requerida a pagar a quantia de 27.312,99€ e os juros à taxa de 11,25% que se venceram desde 11.03.2014 e os juros que se vencerem após a citação à taxa de 4%, sobre o montante de 12.300,15€, até efectivo e integral pagamento (valores que corrigiu, posteriormente, como consta de fl.s 127, nos termos que aí constam).

*

Citada a Requerida esta apresentou oposição dizendo, em síntese, que a taxa de juro acordada não é de 11,25% e que o contrato em apreço não foi resolvido, com o fundamento em que já após a invocada resolução do contrato por parte da requerente, esta, em 23 de Maio de 2013, recebeu da requerida a quantia de 1.282,63 €, respeitante a uma renda do aludido contrato e nunca lhe foram prestados esclarecimentos por parte do requerente, que solicitou, quanto aos valores em dívida, para além de que impugnou a matéria de facto alegada pelo requerente, na parte em que este alegou ter enviado a mencionada carta registada com aviso de recepção, com vista a comunicar a resolução do contrato.

Termina peticionando a sua absolvição do pedido.

*

Em sede de audiência de julgamento o Requerente respondeu nos termos do disposto no artigo 3.º, nº 4, do Código de Processo Civil, em síntese, admitindo que a carta de resolução não foi recebida, com a menção de que a destinatária “não atendeu”, nem a foi levantar à estação dos correios, não obstante para tal ter sido avisada, pelo que tal facto lhe é imputável e que em 23 de Maio de 2013 ocorreu um pagamento por débito directo no montante de 1.282,63€, por lapso dos seus serviços, em face do que corrigiu os valores pedidos, como melhor consta a fl.s 127, e no demais pugnando pelo alegado na petição inicial.          

            Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, conforme consta da respectiva acta, após o que foi proferida a sentença de fl.s 138 a 151, na qual se procedeu ao saneamento tabelar dos autos, se fixou a matéria de facto dada como provada e não provada, com indicação da respectiva fundamentação e a final, julgou-se improcedente o requerido procedimento cautelar e a título antecipado e definitivo, absolveu-se a requerida do pedido, ficando as custas a cargo do requerente.

            Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso, o requerente A...., SA; o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 165), finalizando a respectiva motivação com a seguinte conclusão:

Em conclusão, portanto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 224º, nº 2, do Código Civil, que violou, bem como do disposto no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei 159/95, de 24 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 30/2008, de 25 de Fevereiro, preceito que igualmente violou, pelo que face à matéria de facto dada como provada nos autos deve o recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, ser decretada a providência nos precisos termos que requeridos foram, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei à matéria de facto provada nos autos, desta forma se fazendo

 Justiça.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635.º, n.º 4, do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se deve ser considerada como válida e eficaz a resolução do contrato, efectuada pela requerente.

            É a seguinte a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida:

1. O A...., S.A., antes denominado AA...., S.A., por escritura de cisão-fusão de sociedades, outorgada em 28 de Dezembro de 2011, integrou no seu património todos os elementos do activo e passivo associados aos ramos de actividade “financiamento de aquisições a crédito” e “leasing mobiliário” da sociedade – que foi extinta por tal escritura – B...., SA, NIPC (...), tendo por tal escritura sido alterada pela sociedade incorporante a sua denominação de AA...., S.A. para A...., S.A, (documento junto aos autos a fls. 14/50 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos).

2. B...., no exercício da sua actividade de locação financeira, a pedido e solicitação da requerida, adquiriu o Equipamento que por contrato constante de título particular, datado de 15/11/2007, entregou à Requerida em regime de locação financeira mobiliária, nos termos constantes fls. 52/54, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Nos termos do referido contrato de locação financeira mobiliária, era de 48 o número total de rendas a pagar pela requerida ao requerente, sendo a primeira renda de € 43.750,00 e as restantes rendas do montante de € 1.552,84 cada, e sendo de € 2.175,00 o valor residual do Equipamento, ou seja o preço pelo qual a dita ora requerida tinha o direito de o adquirir ao ora requerente no final do prazo do dito contrato, cumprido integralmente que fosse o mesmo.

4. Era mensal a periodicidade das rendas referidas, com vencimento ao dias 23 de cada mês, com início, em 23/11/2007, rendas a pagar antecipadamente.

5. No referido contrato foi acordada a seguinte cláusula:

Artigo 19.º - Resolução

1. O presente contrato poderá ser resolvido, por iniciativa do locador, para além dos casos previstos na lei:

a) Sempre que o locatário se atrasar no pagamento de qualquer renda da locação ou qualquer outro débito conexo com o presente contrato;

b) Sempre que, e independentemente de interpelação, contra o locatário seja instaurado processo especial de insolvência e recuperação de empresas, em caso da sua dissolução ou liquidação, ou correr contra si execução ou providência cautelar em que esteja ou possa estar em causa o bem locado;

c) Sempre que exista manifesta deterioração da situação económico-financeira do Locatário, bem como, de práticas pelo mesmo de deterioração ou qualquer outra forma de alienação patrimonial que possa fazer perigar as garantias inerentes ao contrato;

d) Sempre que o Locatário incumpra definitivamente qualquer das suas obrigações pecuniárias decorrentes deste contrato. O incumprimento temporário tornar-se-á definitivo através do envio ao mesmo pelo Locador de carta registada com aviso de recepção intimando-o ao cumprimento em prazo que desde já é fixado em 8 dias.

2. Em qualquer dos casos, o Locador enviará ao Locatário carta registada com aviso de recepção em que lhe comunicará a resolução do contrato indicando a respectiva dívida.

6. De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas rendas, deveria ser paga por débito directo na conta bancária da requerida indicada no contrato.

7. No referido contrato foi acordada a seguinte cláusula:

Artigo 20.º - Direitos do Locador

Quando o locador resolver o contrato nos termos do artigo anterior terá direito:

a) A fazer definitivamente suas as rendas vencidas e pagas pelo locatário,

b) À restituição imediata do equipamento,

c) Ao pagamento, à data da resolução, das rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora, encargos e portes de acordo com o preçário em vigor, do montante do capital financeiro em dívida e de uma indemnização igual a 20% deste sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

8. No contrato em apreço foi acordada a taxa de juro de 7,25%.

9. Mais se convencionou, na cláusula 22.º, nº 2, que os juros de mora são calculados pela adição taxa de juro convencionada para o contrato, da sobretaxa máxima permitida por lei às sociedades de locação financeira.

10. A requerida recebeu o dito equipamento que, nos termos do referido contrato, o ora requerente, a solicitação do mesmo, adquiriu.

11. Em 03/09/2010 foi celebrado entre o requerente e a sociedade requerida um aditamento ao contrato referido no facto nº 2, tendo então sido alterado o número de rendas do contrato, de 48 para 72 rendas, e o valor de cada renda para € 1.264,28, mantendo-se no demais tudo aquilo que constava do contrato referido, e sendo que estas alterações produziriam efeitos a partir de 30/09/2010 e, consequentemente, na data do vencimento da 36.ª renda, em 23/10/2010.

12. Após o aditamento referido no artigo anterior, a requerente enviou à requerida o novo plano de rendas.

13. A requerida não pagou ao ora requerente as rendas 52.ª e 53.ª, a 55.ª a 60.ª, e a 63.ª a 65.ª, nem as demais rendas posteriores, rendas aquelas que se venceram respectivamente em 23/02/2012, 23/03/2012, entre 23/05/2012 e 23/10/2012, e em 23/01/2013 e 23/03/2013, no montante global de 13.907,08€.

14. O Requerente dirigiu à Requerida carta registada com aviso de recepção, datada de 04/04/2013, dirigida para as instalações da Requerida da qual consta:

Rendas em mora: 14.149,36€,

Juros de mora:2.952,63€

Total: 17.101.99€

O não pagamento da referida quantia leva-nos a considerar, no prazo de 10 dias a contar da data desta carta, o contrato em referência rescindido nos termos das condições gerais do contrato (…).

15. Em 08.04.2013, o capital em débito era de 10.250,54€.

16. Em 16.11.2007, o valor do equipamento era 131.587,50€.

17. O equipamento referido não foi restituído ao requerente.

18. Em 23 de Maio de 2013, no âmbito do contrato em causa, o Requerente recebeu da Requerida a quantia de 1.282,63€, por débito directo da conta bancária da requerida.

19. Em 17 de Junho de 2013, o requerido dirigiu-se à agência do Requerente em Santarém e pretendia, nessa data, entregar à requerente, por conta do referido contrato, a quantia de 8.000,00 € em numerário. Foi informado pela requerente que o processo não para, segue na mesma para advogado e que o valor se for entregue é tido em conta em Tribunal.

20. Em 19 de Junho de 2013, a requerida enviou uma carta registada com aviso de recepção à requerente, dizendo que deslocou-se ao Banco A.... em Santarém por forma a ser esclarecido quanto aos valores em dívida, bem como quanto aos valores que entretanto tinham sido amortizados e respectiva discriminação dos mesmos e que queria proceder à entrega de 8.00,00€ em numerário, mas que não foi informado quanto aos valores em dívida, quanto aos valores que entretanto tinham sido amortizados, nem quanto à imputação que seria dada aos 8.000€, pelo que não procedeu à entrega deste montante.

21. Termina solicitando uma reunião com a requerida por forma a obter os competentes esclarecimentos quanto à conduta da requerente e proceder à regularização do contrato.

22. A requerida não recebeu a carta referida em 14, tendo a mesma sido devolvida com a indicação “não atendeu”.

***

B) Factos não provados

Com interesse à decisão a proferir, resultaram não provados os seguintes factos:

a) A Requerente fez saber à Requerida, nos termos e condições gerais do contrato, através da carta referida no facto nº 14, que o referido no facto nº 13 implicou a resolução do contrato.

Se deve considerar-se como válida e eficaz a resolução do contrato, efectuada pelo requerente.

Como resulta do que se deixou dito no relatório que antecede e da posição assumida pelo recorrente, a questão em apreço reconduz-se em saber se é imputável à recorrida o facto de a carta registada com aviso de recepção que o recorrente lhe enviou, com vista a efectivar a resolução do contrato, não ter sido por aquela, efectivamente, recebida.

Na decisão recorrida, no que a esta questão interessa, considerou-se o seguinte:

Acresce que da factualidade provada não resulta que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (cfr. facto nº 14: a carta sido devolvida com a indicação “não atendeu”. Não atendeu porque não podia? Não atendeu porque se quis furtar à notificação? Tal não resulta da factualidade, tanto mais que a requerida demonstrou vontade séria na regularização da dívida (cfr. factos nº 19 e 20). Ou seja, da factualidade provada não preenche a previsão normativa do artigo 224.º, nº 2, do Código Civil).

Em face do que se concluiu, não poder operar a pretendida resolução.

Com o devido respeito pelo teor da decisão recorrida, neste segmento, a mesma, não merece a nossa concordância.

Não constitui dissídio entre as partes que as mesmas celebraram um contrato de locação financeira, regulado pelo DL 149/95, de 24 de Junho, sucessivamente alterado, constando a última alteração do DL 30/2008, de 25 de Fevereiro.

É igualmente consensual que em conformidade com o estipulado na cláusula 19.ª, das respectivas condições gerais, foi prevista a resolução do contrato, nas condições ali explicitadas, entre as quais consta, o não pagamento das rendas por parte do locatário, sendo que a resolução deveria ser comunicada através do envio de carta registada com aviso de recepção e indicando a respectiva dívida.

Foi igualmente contratado que (cf. cláusula 20.ª):

“Quando o locador resolver o contrato nos termos do artigo anterior terá direito:

a) A fazer definitivamente suas as rendas vencidas e pagas pelo locatário,

b) À restituição imediata do equipamento, c) Ao pagamento, à data da resolução, das rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora, encargos e portes de acordo com o preçário em vigor, do montante do capital financeiro em dívida e de uma indemnização igual a 20% deste sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”.

Uma das consequências decorrentes da resolução contratual por banda do recorrente, consiste em este poder requerer ao tribunal providência cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo do bem locado, no caso de resolvido o contrato por resolução, como decorre do disposto no artigo 21.º, n.º 1, do referido DL 149/95.

Conforme consta do item 13.º da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida (devendo notar-se que o recurso ora interposto não incide sobre a matéria de facto) a requerida não pagou as rendas aí referidas, o que consubstancia para o requerente o direito a resolver o contrato, com esse fundamento.

E foi, precisamente, para exercer o direito à resolução do contrato que o requerente enviou à requerida a carta registada com aviso de recepção, dirigida para as instalações da requerida, dando conta da sua intenção de considerar resolvido tal contrato, se no prazo de 10 dias, contados da respectiva data, não fosse paga a quantia em dívida e que, em tal carta, era quantificada, cf. item 14.º.

Acontece que, cf. item 22.º, a requerida não recebeu esta carta, tendo a mesma sido devolvida com a indicação “não atendeu”, tendo-se, como resulta do a.r. de fl.s 132, feito constar, que o carteiro deixou aviso para a estação dos CTT de Minde.

Assim, tudo se reconduz em averiguar da eficácia desta carta, ou seja, se a mesma se deve ou não, considerar como não recebida por culpa exclusiva do destinatário.

Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 224.º, n.º 1 do CC:

“A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”.

Acrescentando-se, todavia, no seu n.º 2 que:

“É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”.

 Estabelece-se no n.º 1 deste preceito a distinção entre declarações “receptícias e não receptícias”, considerando-se como receptícias as que se dirigem a um destinatário ou declaratário e como não receptícias as que não se dirigem a um destinatário.

Como refere Heinrich Ewald Horster, in Sobre a formação do contrato Segundo os arts. 217.º e 218.º, 224.º a 226.º e 228.º a 235.º do Código Civil, na Revista de Direito e Economia, Ano IX, N.os 1-2, 1983, a pág.s 135 e 136, “é necessário e suficiente que se verifique um dos dois pressupostos enunciados – ou a chegada ao poder ou o conhecimento – para que a declaração se torne eficaz. Consequentemente, esta solução legal dá relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando nesta medida a teoria da recepção («… logo que chega ao poder …») com a teoria do conhecimento («… logo que … é dele conhecida»).”.

Ali acrescentando que, no caso da verificação da chegada ao poder não se exige conhecimento efectivo por parte do destinatário, partindo a lei da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário está em condições de tomar conhecimento e que ele toma este conhecimento e bastando para tal o depósito no local indicado para o efeito em condições normais ou a entrega a pessoa autorizada para tal.

E adiantando, ainda, que a previsão do n.º 2 do artigo 224.º do CC, tem em vista a protecção do declarante, em caso de não recebimento de uma declaração que só por culpa do destinatário, não foi por este recebida, no sentido de «chegada ao poder», esclarecendo que “a declaração é tida como eficaz apesar de não ter chegado ao poder, quando isso foi culposamente impedido pelo destinatário. P. ex., o destinatário recusa-se a receber a carta do carteiro ou não vai levantá-la à posta restante, como costumava fazer.” – ob. cit., a pág.s 137 e 138.

No mesmo sentido, se pronunciam P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição Revista E Actualizada, a pág. 214.

E também Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 1999, a pág. 291.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 14 de Novembro de 2006, in CJ, STJ, Ano XIV, tomo 3, pág.s 109 a 111, o regime legal previsto no n.º 2 do art.º 224.º do CC visa “contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte cartas registadas, que são devolvidas aos respectivos remetentes.

Por isso se compreende que a não recepção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz.”.

Ali se acrescentando que se houver culpa do declarante ou de terceiro, caso fortuito ou de força maior, afastada fica a aplicabilidade desta norma, pelo que se impõe demonstrar em cada caso que sem a acção ou a abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime “um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração”, citando-se, em abono deste entendimento, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição, a pág. 296.

Igualmente no Acórdão do STJ, de 09 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi, se refere que no juízo de culpabilidade do destinatário deve ponderar-se a situação de as partes terem estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais e na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para efeitos do n.º 2 do artigo 224.º do CC, teremos de nos socorrer do disposto nos artigos 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do CC, nos termos do qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.

Ora, no caso em apreço, o requerente enviou para as instalações da requerida, carta registada com aviso de recepção, dando conta da sua intenção de proceder à resolução do contrato se, no prazo nela referido, não fosse liquidada a quantificada dívida, que a requerida não recebeu, com a menção de “não atendeu”, ficando aviso para a estação do Correios de Minde, onde a mesma não foi levantada e acabou por ser devolvida para o remetente.

O contrato impunha que a resolução fosse comunicada através de carta registada com aviso de recepção e o normal e lógico é a mesma ser enviada para o endereço do respectivo destinatário (para as instalações desta, como o foi).

A requerida sabia que estava em dívida para com o requerente, pelo que bem deveria saber qual a razão do envio de tal carta.

Assim, nos termos expostos, impunha-se-lhe que se dirigisse à estação dos correios onde foi avisada que poderia levantar a referida carta, a fim de dela tomar conhecimento.

Não o fazendo, como não o fez, tem de considerar-se, em conformidade com o disposto no artigo 224.º, n.º 2, do CC, que só por sua culpa não recebeu a carta em questão, em função do que se tem de considerar como eficaz a declaração que lhe foi dirigida por parte do requerente com vista a operar a resolução do contrato, nos moldes contratados e em obediência ao disposto no artigo 436.º do CC.

E assim sendo, em conformidade com o disposto no artigo 21.º, n.º 1, do citado DL 149/95, assiste ao recorrente o direito a ver decretada a pretendida providência, nos termos requeridos.

As considerações tecidas na decisão recorrida acerca da “antecipação do juízo sobre a causa principal”, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 7, do referido DL 148/95, são válidas, por referência à procedência da requerida providência.

            Consequentemente, procede o presente recurso.

           

            Nestes termos se decide:      

            Julgar procedente o presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que decreta a imediata restituição do equipamento locado ao requerente e;

condenando-se, ainda, a requerida a pagar ao requerente a quantia de 25.898,72 € (vinte e cinco mil oitocentos e noventa e oito euros e setenta e dois cêntimos), acrescida dos peticionados juros de mora vencidos e vincendos, sempre sobre o capital e até integral pagamento (conforme redução/correcção do pedido efectuada a fl.s 127, nos precisos termos que ali constam).

Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.

            Coimbra, 16 de Setembro de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves