Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/08.0TBSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
ARRENDAMENTO RURAL
FALTA DE FORMA ESCRITA
PRÉDIO CONFINANTE
PREÇO
DEPÓSITO
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 28º, Nº 1 DA LAR; 1380º, Nº 1 DO C. CIVIL
Sumário: I – A não redução a escrito de um contrato de arrendamento rural e a não prova, por quem invoca a existência desse contrato, de ter notificado a parte contrária para essa redução a escrito, torna imprestável a situação contratual invocada como base para o exercício de um direito de preferência pelo arrendatário fundado no artigo 28º, nº 1 da Lei do Arrendamento Rural;

II – Nos casos de preferência por confinância predial, previstos no artigo 1380º, nº 1 do CC, o preço a depositar pelo preferente corresponde ao valor real da venda;

III – Assim, confessado pelos RR. (comprador e vendedor do prédio objecto da preferência) que o valor real dessa venda foi superior ao declarado na escritura, deve o preferente reiterar a pretensão de preferir por esse valor – se for esse o seu propósito – e, nesse caso, reforçar o seu depósito, acautelando a ulterior consolidação na acção do valor mais elevado como correspondente ao valor real.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

III – A Causa


            1. Em 12 de Novembro de 2011[1], L…, M…, D… e C… (AA. e Apelantes neste recurso; são todos irmãos), intentaram contra A… (1º R e Apelado), R… (2ª R. e Apelada), B… (havia esta falecido em 30/08/2008, tendo sido habilitado o seu filho, também R., J…, v. apenso A), J… (3º R. e Apelado) e mulher, P… (4ª R. e Apelada), intentaram, como dizíamos, aqueles AA. contra estes RR., a presente acção visando o exercício por todos eles, conjuntamente, de um direito de preferência que se arrogam, fundando-o em duas situações, ambas geradoras de direitos de preferência autónomos aqui apresentados como concorrenciais: (a) um direito de preferência atribuído ao arrendatário rural [artigo 28º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, Lei de Arrendamento Rural (LAR)]; (b) um direito de preferência atribuído ao proprietário confinante [artigo 1380º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código Civil (CC)[2]].

            Com efeito, foi vendido aos dois primeiros RR. pelos restantes três RR. o prédio rústico correspondente ao artigo matricial … (é o prédio objecto da preferência) sito em …, declarando-se na escritura o preço de €1.500,00 (escritura de fls. 11/13), sendo que os AA. afirmam-se arrendatários rurais dos RR. alienantes, relativamente a esse mesmo prédio, além de proprietários do prédio correspondente ao artigo matricial …, confinando este com o prédio alienado (ambos estes prédios apresentam áreas inferiores à unidade de cultura vigente na região).

            Em função disto, formulam os AA. os seguintes pedidos:


“[…]
A) Devem os RR. ser condenados a reconhecer que os AA. têm o Direito de Preferência na venda do prédio [artigo …], a que se refere a escritura celebrada no Cartório Notarial de Vila Nova de Paiva, no dia 08/08/2008.
B) Deve o prédio [artigo …] ser adjudicado aos AA. e, em consequência dessa adjudicação devem os registos eventualmente levados a efeito na Conservatória do Registo Predial, relacionados com a escritura de compra e venda referenciada […] ser cancelados, atenta a incompatibilidade deles com a decisão a proferir nestes autos. 
[…]”
            [transcrição de fls. 6/7]

            Relativamente a esta pretensão, tendo em vista o disposto no artigo 1410º, nº 1 do CC, ex vi do disposto no artigo 1380º, nº 4 do CC, procederam os AA. ao depósito no processo (v. fls. 20), no próprio dia da propositura da acção, do montante de €1.730,54 (valor da venda declarado na escritura mais as despesas desta). 

            1.1. Contestaram os RR. a fls. 37/43 – e cingimo-nos aqui aos aspectos com relevância para este recurso –, negando a qualidade de arrendatários rurais dos AA. e invocando terem estes feito descaso de uma proposta de venda a eles do prédio objecto da preferência por €3.000,00, sendo que a venda aos dois primeiros RR. acabou por ocorrer por €3.300,00 (juntam os documentos de fls. 45/46), não representando o valor declarado na escritura o valor real dessa venda (houve, pois, confessam-no os RR., simulação para menos quanto ao preço declarado na escritura).

            1.1.1. Responderam os AA. à contestação (fls. 55/56), mantendo o alegado no articulado inicial, referindo o seguinte: “[e]m relação ao preço, os AA. depositaram o que consta da escritura de compra e venda” (fls. 56). 

            1.2. Fixados que foram os factos provados (despacho de 21/01/2011, não incluído no suporte de papel do processo, mas correspondente à referência 456350 no histórico do Citius), foi a acção julgada totalmente improcedente através da Sentença de fls. 92/108esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, afastando-se a integração de ambos os direitos de preferência invocados.

            1.3. Inconformados, reagiram os AA. com o presente recurso, motivando-o a fls. 109/128 aí formulando as seguintes conclusões:
“[…]

            1.3.1. Os Apelados responderam ao recurso a fls. 133/148 pugnando pela confirmação da Sentença. Todavia, nos termos do artigo 684º-A, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), requereram, “prevenindo a hipótese de serem acolhidos […] os argumentos esgrimidos pelos Recorrentes, a ampliação do objecto do recurso na sua perspectiva, impugnando as respostas a determinados pontos da matéria de facto considerada pelo Tribunal a quo, nos seguintes termos (a numeração sequencial foi aqui introduzida):
“[…]

            1.3.2. Os Apelantes contraditaram esta pretensão de ampliação (fls. 159/161) – suprindo a falta de concessão do contraditório subsequente à ampliação –, pugnando aí pela manutenção integral dos factos indicados na Sentença.


II – Fundamentação

            2. Apreciando a presente apelação, sublinhamos que a incidência temática da impugnação resulta do teor das conclusões, transcritas no item anterior, com as quais os Apelantes (os AA.) remataram a respectiva alegação. É o que resulta, relativamente a qualquer recurso, do disposto nos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[3].

            No que respeita à ampliação suscitada pelos Apelados, nos termos do artigo 684º-A, nº 2 do CPC, valem, quanto à delimitação desse alargamento do objecto do recurso, aproveitados aqui como conclusões, as considerações transcritas no item 1.3.1. supra aí numeradas sequencialmente (sem indicação de números, têm tais considerações a estrutura de conclusões).

            Note-se que, em qualquer dos casos (em qualquer dos âmbitos de recurso), a obrigação de pronúncia desta instância fica excluída por razões de prejudicialidade (v. o trecho intermédio do artigo 660º, nº 2) referidas a questões previamente apreciadas. Este condicionamento actua – actuará – aqui, quanto à ampliação suscitada pelos Apelados, caso o recurso dos Apelantes não obtenha ganho e a Sentença apelada seja, por isso, integralmente mantida no seu resultado decisório. Em tal caso, a ampliação do recurso ficará sem efeito[4].

            2.1. Relativamente ao recurso dos AA./Apelantes, está em causa, enquanto ratio decidendi da Sentença apelada, o afastamento dos dois direitos de preferência invocados: (a) a preferência do arrendatário rural (artigo 28º da RAR), pressupondo esta a existência de um contrato de arrendamento rural formalmente válido (artigo 3º, nº 1 do RAR), incidência afastada pela decisão apelada – no que constituirá o primeiro fundamento do recurso; (b) a preferência do proprietário confinante (artigo 1380º, nºs 1 e 2, alínea b) do CC), aqui afastada em função do depósito do preço previsto no artigo 1410º, nº 1 do CC não ter incidido, depois de confessada a simulação, sobre o preço real – este constitui o segundo fundamento do recurso.

            Como dissemos, só se atendido algum destes fundamentos terá sentido a apreciação da ampliação suscitada pelos Apelados.

            2.1.1. Os factos considerados na primeira instância, resultantes do despacho de 21/01/2011 (referência 456350 no Citius) são os seguintes:
[…]

            2.2. (a) Interessa-nos primeiramente determinar a existência do direito de preferência real[5] atribuído ao arrendatário rural pelo artigo 28º, nº 1 da LAR: “[n]o caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão”.

            Interessa a este respeito, assente ter existido uma cedência aos AA. da exploração agrícola do prédio objecto da preferência, mediante o pagamento de uma contrapartida pecuniária (alíneas L), M) e N) dos factos)[6], pressuposto isto, dizíamos, interessa-nos ponderar, seguindo o roteiro da decisão impugnada, a incidência decorrente da ausência da forma legalmente estabelecida para esse contrato aparentado a um arrendamento rural e da não exigência por qualquer das partes envolvidas na situação, no decurso da vigência desta, da redução a escrito dessa situação contratual[7].

            Atalhando argumentos, entendendo-se ter a Sentença apelada decidido correctamente, face à inobservância da forma no contrato e à inexistência de qualquer notificação (designadamente aos três últimos RR.) para regularização do contrato através da sua redução a escrito, ponderando estas incidências, dizíamos, consideramos a situação dos AA. relativamente ao prédio alienado não apta à invocação com essa base (arrendamento rural) de um direito de preferência.

            Aderimos, a tal respeito, ao entendimento expresso, numa situação com relevantes pontos de contacto com a presente, no Acórdão da Relação do Porto de 22/11/2007, relatado pelo ora segundo adjunto (Manuel Capelo) proferido no processo nº 0735962[8], cujo sumário aqui transcrevemos:
“[…]
I – Só um contrato de arrendamento rural plenamente válido poderá servir de fundamento ao exercício de um direito que o tenha como requisito (v. g., a preferência) ou a obstar ao exercício de um direito que o tenha como causa justificativa (v. g. como obstáculo à entrega da coisa na reivindicação), não bastando apenas a existência do mesmo.
II – É no momento da alienação que deve ter-se em consideração a existência, ou não, de um contrato válido de arrendamento para se aferir se deve, ou não, ser feita a comunicação ao arrendatário para a preferência, sendo nesse momento que este último tem de apresentar a existência do seu direito válido, não bastando que argumente que tem a base de facto do seu direito, que não diligenciou pela sua validade, pedindo a redução a escrito, mas que o pode ainda fazer.

[…]”[9]

            Vale isto, constatada a inobservância da forma escrita e a não imputação desse desvalor a qualquer das partes envolvidas na situação fáctica pretendida apresentar como correspondente a um arrendamento rural, vale isto, dizíamos, pela exclusão dessa situação não formalizada como base do exercício do direito de preferência aqui visado pelos AA.

            Confirma-se, pois, a correspondente asserção decisória da Sentença apelada.

            2.3. (b) Interessa-nos agora a preferência, cumulativamente invocada, referida à confinância predial (artigo 1380º, nº 1 do CC[10]), sendo que, como incidência relevante quanto à construção desse direito de preferência, logo introduzida na petição inicial pelos AA., temos a circunstância dos dois primeiros RR., os adquirentes do prédio objecto da preferência a exercer pelos AA., serem igualmente proprietários confinantes. A situação resolver-se-ia (e a matéria de facto alberga essa incidência na alínea K) do respectivo elenco[11]) através do critério plasmado na alínea b) do nº 2 do mesmo artigo 1380º: “[s]endo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito […] ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona”. Pressupomos aqui que os privilegiados pela aplicação deste critério fossem os AA./Apelantes.

            Existe, todavia, outra incidência fáctica da situação, que afasta, como acertadamente entendeu a decisão apelada e ora se confirmará, a relevância do pretendido exercício pelos AA. do direito de preferência com esta base (confinância predial). Referimo-nos à confessada simulação do preço, estando assente, através de prova regularmente produzida[12], que o verdadeiro preço da venda correspondeu a €3.300,00 (alínea V) dos factos) e não aos €1.500,00 que, acrescidos das despesas, os AA. depositaram inicialmente (v. fls. 20)  e mantiveram, reiterando a sua adequação, como cumprimento do ónus previsto no trecho final do nº 1 do artigo 1410º do CC (ex vi do disposto no artigo 1380º, nº 4 do CC).

            Tenha-se aqui em conta que os AA., quando confrontados, através da contestação dos RR., com a simulação do preço, afirmaram na subsequente resposta, tão-só, que o preço por eles depositado era o preço declarado na escritura. Ora, vista esta incidência não pode ela deixar de significar a reserva da preferência visada a esse concreto valor[13], sendo que sempre omitiram os AA., até às alegações de recurso (momento inadequado a desencadear consequências visando o sentido da decisão a proferir em primeira instância[14]), afirmar a sua pretensão de preferirem (de também preferirem) pelo novo preço mais alto e omitiram também – e este aspecto é fulcral na economia decisória desta acção – a realização do depósito do preço, que aqui funciona como condição da acção de preferência (cfr. o artigo 1410º, nº 1 do CC: esta disposição, quando no seu trecho final condiciona a acção de preferência ao depósito, alcandora essa iniciativa do preferente – não uma sua notificação pelo tribunal – à categoria de elemento condicionador do exercício do direito).

            Vale tudo o que acabámos de referir como constatação do não preenchimento pelos AA. desse condicionalismo da preferência: depositar, anteriormente à decisão em primeira instância, no caso de simulação do preço da venda (quando maior o preço pago que o preço declarado na compra e venda), o valor real desse preço. É, aliás, neste sentido que, Agostinho Cardoso Guedes, a respeito do exercício do direito de preferência e explicando a verdadeira natureza do depósito neste tipo de acções, observa o seguinte:
“[…]
Nos casos em que o preferente suspeite de uma eventual simulação de preço (preço real inferior ao preço simulado), terá de ponderar se está interessado em preferir mesmo pelo preço alegadamente simulado, ou se, pelo contrário, só lhe interessa preferir por aquele que pensa ser o preço verdadeiro. Nesta última hipótese, o preferente procederá ao depósito do preço que ele entende ser o real, arriscando-se a perder o seu direito pela insuficiência do depósito efectuado na eventualidade de não conseguir fazer prova da aludida simulação; querendo precaver-se contra esta possibilidade, e estando interessado em preferir mesmo pelo preço simulado, o preferente não terá outro remédio senão depositar o preço declarado pelos contraentes, com a certeza de que feita a prova da simulação a sua obrigação de pagamento se restringirá ao preço real.
Parece não levantar dúvidas entre a doutrina e a jurisprudência qual a consequência da não realização do depósito do preço devido nos termos acima descritos dentro do prazo fixado no artigo 1410º, nº 1 do CC; essa consequência será, naturalmente, a caducidade do direito de preferir. [T]rata-se […] de um ónus que, a não ser observado pelo preferente, determinará a extinção do seu direito por caducidade.
[…]”[15].

            Note-se que estas considerações valem, por absoluta identidade de razão, para a situação aqui configurada de preço real superior ao preço simulado, devendo ocorrer, a partir do momento em que essa possibilidade é introduzida no processo, um reforço do depósito até atingir o montante real (além da reiteração do propósito de preferir pelo novo valor, seja ele aquele que se venha a apurar como correspondente ao valor real da alienação, como aqui sucedeu).

            2.5. Improcedem, pois, os fundamentos do recurso, circunstância que nos dispensa, por prejudicialidade de apreciar a pretensão de ampliação do recurso formulada pelos Apelados.

            Resta-nos, antes de formular a competente decisão confirmatória do julgamento apelado, deixar aqui nota da súmula do antecedente percurso expositivo nos aspectos que assumiram a natureza de ratio decidendi do recurso:
I – A não redução a escrito de um contrato de arrendamento rural e a não prova, por quem invoca a existência desse contrato, de ter notificado a parte contrária para essa redução a escrito, torna imprestável a situação contratual invocada como base para o exercício de um direito de preferência pelo arrendatário fundado no artigo 28º, nº 1 da Lei do Arrendamento Rural;
II – Nos casos de preferência por confinância predial, previstos no artigo 1380º, nº 1 do CC, o preço a depositar pelo preferente corresponde ao valor real da venda;
III – Assim, confessado pelos RR. (comprador e vendedor do prédio objecto da preferência) que o valor real dessa venda foi superior ao declarado na escritura, deve o preferente reiterar a pretensão de preferir por esse valor – se for esse o seu propósito – e, nesse caso, reforçar o seu depósito, acautelando a ulterior consolidação na acção do valor mais elevado como correspondente ao valor real. 

            III – Decisão

            3. Pelo exposto, na improcedência do recurso, decide-se confirmar a Sentença apelada.

            Custas pelos Apelantes.


J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Tratando-se de processo iniciado posteriormente à entrada em vigor (01/01/2008) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplica-se o regime dos recursos introduzido por este último Diploma (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil adiante referida, cujo texto tenha sido alterado pelo indicado DL 303/2007, sê-lo-á na versão resultante deste Diploma.
[2] A referência à alínea b) do nº 2 do artigo 1380º do CC decorre de uma concorrência de preferências, por confinância predial, entre os AA. e os dois primeiros RR., os compradores do prédio objecto da preferência, também proprietários confinantes com esse prédio. Afirmam os AA., assim, que a junção do respectivo prédio com o prédio em causa na preferência propicia uma unidade predial mais próxima da unidade de cultura.
[3] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[4] É neste sentido que Armindo Ribeiro Mendes, caracteriza a faculdade de ampliação prevista no artigo 684º-A do CPC como “[…] uma espécie de recurso subsidiário do recorrido para a hipótese de proceder o recurso do recorrente […]” (Recursos em Processo Civil. Reforma de 2007, Coimbra, 2009, p. 85).
[5] Consiste a preferência real – que traduz um direito real de aquisição –, “[…] na faculdade de adquirir um bem, suportando as mesmas condições do outro adquirente, que celebrou um contrato relativamente àquele bem” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direitos Reais, Coimbra, 2009, p. 517).
[6] O que corresponderá, afora a questão da inobservância da forma legal, à integração da facti species do arrendamento rural, nos termos em que essa situação contratual é definida pelo nº 1 do artigo 1º da LAR: “[a] locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização, denomina-se arrendamento rural”.
[7] Interessam a este respeito os seguintes trechos do artigo 3º do RAR:
Artigo 3º
Forma do contrato
1 – Os arrendamentos rurais, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são obrigatoriamente reduzidos a escrito.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
3 – Qualquer das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato.
4 – A nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
 
[8] Directamente disponível na base do ITIJ (nº convencional JTRP00040860) no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e35367303affb59a802573cb005e4b9b.
[9] Diz-se na fundamentação deste aresto, com notória relevância para a situação sub judicio:
“[…]
Numa exegese maior, o art. 3º da LAR ao estabelecer a obrigatoriedade da redução a escrito dos arrendamentos rurais determina que aqueles que não tenham sido assim celebrados se encontrem feridos desse vício mas, enquanto o celebrado à data da entrada em vigor da lei se encontra ferido de nascença, o celebrado antes dessa data e que era válido até aí, passa a estar ferido a partir desse momento, isto é, a própria lei lhe passa a atribuir um vicio que não possuía, dando-lhe o tempo até 30 de Junho de 1989 para se restabelecer, reduzindo-se a escrito, sob pena de passar a ser como todos os outros contratos de arrendamento celebrados depois da data da entrada em vigor da lei e não reduzidos a escrito.
Porque feridos desse vício, tais contratos não têm a virtualidade de poderem ser pressuposto de qualquer acção que seja, conduzindo necessariamente essa falta de prova do contrato (o escrito) à extinção da instância, a menos que desde logo se alegue que a culpa é da parte contrária
.
Num caso e noutro, porém, tais contratos não reduzidos a escrito, independentemente se terem sido celebrados antes ou depois da data da entrada em vigor da LAR, mantêm a todo o tempo - e sem qualquer limite de tempo - a possibilidade de se converterem em contratos válidos notificando qualquer das partes a parte contrária para proceder a essa redução a escrito, não podendo invocar a sua nulidade quem tenha recusado a redução a escrito, pois que só pode invocar a nulidade quem não foi notificado para reduzir o contrato a escrito ou naturalmente quem, tendo-o sido, a não recusou[1].
Assim sendo pode dizer-se, como no ac. do STJ de de 8/3/2007, que esta é uma nulidade atípica porque na nulidade típica o contrato é nulo a todo o momento e qualquer interessado pode pedir a declaração de nulidade; “e pode (deve) mesmo o tribunal declará-la oficiosamente (art.286º CCivil); a declaração da nulidade tem inexoravelmente efeito retroactivo, quer as partes queiram quer não e a qui, nesta nulidade por isso mesmo atípica, o contrato é nulo mas mantém a lei sempre em aberto a possibilidade de atingir (ou recuperar) a validade, bastando para tal impor à contraparte a obrigação de reduzir o contrato a escrito, obrigação a que esta não pode fugir. E, por outro lado, aquela das partes que se recusar a esta validação, não pode por si própria invocar a nulidade do contrato ... sujeitando-se assim à sua validade.
(…) E se se lhe chama “nulidade atípica” (e não anulabilidade atípica) é porque a LAR se encarrega de falar aqui em nulidade e não em anulabilidade.”
Este entendimento revela claramente que o legislador não está interessado em declarar a nulidade de contratos que, apesar de verbais e por isso nulos, regulam de uma forma efectiva o arrendamento fundiário, e não estabeleceu qualquer sanção para o não cumprimento do disposto no nº2 do art.3º mantendo sempre possível a possibilidade de tornar escrito o que escrito deve estar (mas ainda não está, apesar de existir), até ao último momento, o momento em que para exercer qualquer direito ou propor qualquer acção que tenha o arrendamento como elemento da causa de pedir a parte tenha de se munir de um exemplar do contrato, sem o qual nenhuma acção pode ser recebida ou prosseguir - nº5 do art.35º.

[…]” (sublinhado acrescentado).
[10] “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos +prédios a quem não seja proprietário confinante”.
[11] Mantendo essa asserção nos factos, o que aqui se pressupõe.
[12] A circunstância de ser aqui a confissão a fonte de prova da simulação afastaria, à partida, a limitação do artigo 394º, nºs 1 e 2 do CC, não estando em causa a prova testemunhal, nem por presunção (artigo 351º do CC) sendo o recurso a estas o que está vedado (v. Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 1987, p. 344).
Note-se que a esta incidência sempre acresceria, desta feita no sentido da admissibilidade da prova testemunhal quanto à essência do acordo simulatório quanto ao preço, fazendo sobressair o valor dissimulado (o valor real) da venda, a circunstância de existir, apresentada pelos RR. a fls. 45 e 46, um relevante princípio de prova escrita referente ao efectivo pagamento, entre os RR., do preço real em detrimento do preço simulado. Com efeito, este aspecto (início de prova escrita) tem entre nós uma base doutrinária que é comummente aceite (v. os Acórdãos indicados na nota 9, supra), decalcada do regime do artigo 2724º do Codice Civile italiano (refere-se esta a “[e]xcepções à proibição de prova testemunhal”; v. o sentido desta excepção no Direito italiano, em Salvattore Patti, “Prova testimoniale. Presunzioni”, in Commentario del Codice Civile Scialoja-Branca, Bolonha, Roma, 2001, pp. 57/61).
Com efeito, entre nós, na sequência da publicação do Código Civil de 1967, Adriano Vaz Serra, sempre sublinhou a impossibilidade de um “alcance absoluto” da proibição de prova emergente dos artigos 394º e 395º do CC, por referência a uma reconstrução racional interpretativa destas disposições nos casos elencados no Direito italiano no artigo 2724º. Citando esta disposição, referia o Prof. Vaz Serra:
“[…]
 Os artigos 394º e 395º não formulam expressamente excepções às regras neles consignadas.
Mas não quer isso dizer que tais regras sejam sempre aplicáveis, pois da razão de ser destas conclui-se que não têm alcance absoluto, havendo que ressalvar algumas hipóteses em que a prova testemunhal será admissível apesar de ter por objecto uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento.
[…]” (anotação na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103º/1970, p. 13).
[13] Esquecendo que o valor a considerar na preferência seria o valor real, como se extrai da circunstância do artigo 1410, nº 1 falar em “preço devido” e não do preço contratado [v. Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1984. p. 374, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20/01/2005, (Pinto de Almeida), proferido no processo nº 0435909, nº convencional JTRP00037601, directamente disponível, na base do ITIJ, no endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f9f09b0e83fa6f1680256f9e003e6d7].
[14] Estamos, inequivocamente, perante questão que poderia e deveria ter sido suscitada perante o Tribunal a quo, sendo que as consequências dessa omissão recaem – só podem recair – sobre os AA.
[15] O Exercício do Direito de Preferência, Porto, 2006, p. 664.