Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
452/05.2GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: PRESCRIÇÃO DA PENA
CONTUMÁCIA
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 125.º E 126.º, DO CP; ART. 476.º DO CPP; ARTS. 8.º, 9.º E 138.º DO CEPMPL
Sumário: I - A revogação do artigo 476.º do CPP não significa a invalidade dos actos praticados na sua vigência.

II - Não obstante a lei atribuir agora ao tribunal de execução das penas a competência para proferir a declaração de contumácia, o acto praticado (declaração de contumácia) a coberto da lei antecedente e em consonância com esta, é um acto inteiramente válido e eficaz, em consonância com o princípio tempus regit actum, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo, óbice à imediata aplicabilidade da lei processual nova – cfr. artigo 5.º do Código de Processo Penal.

III - Nos casos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal não há prazo máximo para a suspensão da prescrição pelo que, verificando-se o facto suspensivo, a pena permanece indefinidamente suspensa até que cesse o facto suspensivo, não funcionando o limite do artigo 126.º, n.º 3.

IV - Enquanto durar a situação de contumácia, mantém-se a suspensão da prescrição, ou seja, o prazo de prescrição não corre até à cessação desse facto suspensivo.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

1. No processo sumário n.º 452/05.2GTLRA, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Leiria – Instância Local – Secção Criminal – J1, em que é arguido A... , com os demais sinais nos autos, foi proferido, em 27 de Outubro de 2015, despacho que indeferiu o requerimento do arguido, a fls. 273 a 274 vº, onde suscitou a questão da declaração da nulidade da contumácia por falta de notificação da sentença condenatória e, por via disso, a extinção do procedimento criminal por efeito da prescrição.

2. Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«I - O requerente foi julgado em 2005 pela prática de um crime de condução sob o efeito de álcool, e condenado em 7 meses de prisão por sentença de 09-11-2005.

II - Tal sentença não foi notificada pessoalmente ao arguido até à data, uma vez que o arguido apenas esteve presente na 1ª sessão de julgamento, e não chegou a ser notificado para a leitura de sentença.

III - A sua defensora oficiosa de então recorreu da referida sentença mesmo sem o arguido ter sido dela notificado.

IV - Confirmada a mesma pelo Tribunal da Relação, continuou o arguido sem ser notificado quer da sentença da primeira instância, quer da 2ª instância, tendo o tribunal de 1ª instância considerado o trânsito em julgado da mesma em 20/06/2006.

V - Foi ordenada a publicação de editais para comparência do arguido em Juízo com vista à sua notificação, o que, frustrado tal propósito, veio a originar que o mesmo fosse declarado contumaz nos termos do então vigente artº 476º do CPP.

VI - Decorre do nº5 do artº 333º do CPP que a notificação da sentença deve ser feita ao arguido pessoalmente.

VII - Não tendo a mesma sido notificada ao arguido, nunca poderá ter-se tal sentença como transitada em julgado.

VIII – O recurso interposto pela defensora oficiosa não deveria ter sido admitido uma vez que a notificação pessoal da sentença ao arguido não tinha tido lugar. (Veja-se nesse sentido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-03-2012 proferido no processo 83/08.5JAGRD.C1 – Relator – Alberto Mira)

IX - A exigência da notificação pessoal da sentença ao arguido assenta na ideia de que este será quem tem o poder de decisão de reação ou aceitação de uma sentença que sobre ele recai, sendo o mandatário/defensor oficioso, apenas a entidade tecnicamente legitimada para pôr em prática a vontade processual do arguido.

X - Neste caso, a vontade processual do arguido não pode ter-se como vertida no processo uma vez que o mesmo nunca chegou a ser notificado da sentença.

XI - Foi o arguido declarado contumaz, com fundamento no então artº 476º do CPP, ora revogado, e que tinha por pressuposto a situação em que o arguido se terá eximido ao cumprimento da pena, o que pressupõe que a mesma teria chegado ao conhecimento deste e transitado em julgado. Tal não aconteceu.

XII - A falta de notificação pessoal da sentença ao arguido constitui uma nulidade insanável que foi invocada no requerimento do arguido e que aqui se reitera, e que inevitavelmente afeta de nulidade todos os atos processuais posteriores que dela estejam dependentes. (artºs 120º e nº 122º do CPP).

XIII - Nomeadamente a interposição de recurso, a decisão que sobre o mesmo recaiu e a declaração de contumácia que deverá também ela ter-se por nula.

XIV – Sem prescindir, nunca a contumácia deveria ter lugar mesmo com fundamento no artº 335º do CPP por não ter o mesmo previsto a detenção para notificação de sentença, pelo que, concluindo, seja por que fundamento for, não deveria a contumácia ter tido lugar nestes autos por falta de enquadramento legal.

XV - Não sendo a declaração de contumácia válida não existe causa de suspensão que impeça o decurso do prazo de prescrição do crime em causa, pelo que decorridos que estão já 10 anos sobre os factos, encontra-se o respetivo procedimento criminal já prescrito.

XVI - Os argumentos acima enunciados, corporizam o requerimento sobre o qual recaiu o despacho ora recorrido.

XVII - Sobre os mesmos, nenhuma análise crítica fundamentada decorre da decisão ora recorrida que rebata legal e juridicamente a posição defendida pelo arguido.

XVIII - Efetivamente, é esta completamente omissa sobre a análise do mérito da mesma, no que diz respeito à defendida inexistência de trânsito em julgado limitando-se apenas a constatar factos como assentes – sentença, recurso, trânsito em julgado - e remetendo a análise da questão para momento processual posterior dos autos, que tem a factualidade processual posta em causa pelo arguido como pressuposto pacífico, sem que tal opção tivesse sido fundamentada.

XIX - Com efeito, a considerar-se procedente a argumentação do arguido no seu requerimento, a contumácia não teria validade e, como tal, nada obstaria ao decurso do prazo de prescrição, neste caso há muito expirado.

XX - Pelo que, não ocorrendo qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, previsto no artº 118º do CP, a mesma deve ser conhecida e declarada.

XXI - O despacho ora recorrido, seguindo a linha de continuidade processual dos autos, dando tudo o que para trás ficou como assente, não conhecendo de qualquer nulidade invocada (que podia até ser de conhecimento oficioso atenta a sua natureza) veio defender, antes sim, a solução de continuidade jurídica da ratio da norma revogada constante do artº 476º do CPP. que fundamentou a declaração de contumácia do arguido.

XXII - Tal norma foi, como referido na decisão ora recorrida, revogada pelo artº 8º 2 a) da Lei 115/2009 de 12-10.

XXIII - Tal Lei retirou também competência ao tribunal de primeira instância onde corre o processo para decidir sobre a contumácia a declarar após trânsito em julgado da sentença.

XXIV - Tal alteração resulta do artigo 138.º nº 4 x) do CEPMPL da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

XXV - Atenta a vertente de análise da questão, optada pelo tribunal “ a quo” como sendo a jusante de uma condenação e não a montante como defendíamos, este não terá competência material para o fazer, cabendo tal desiderato ao Tribunal de Execução de Penas em conformidade com o dispositivo legal acima indicado.

XXVI - Peca assim, o despacho ora recorrido, neste aspeto e desde logo, por incompetência material para o conhecimento da questão nos termos em que o foi.

XXVII - Aliás, considerando a questão nesta perspetiva, que note-se, na nossa opinião se encontraria já prejudicada pelos motivos acima invocados, temos que existe neste momento uma contumácia declarada ao abrigo de uma norma revogada e declarada por uma entidade que agora é materialmente incompetente.

XXVIII - Com a entrada em vigor da Lei 115/2009 o TEP passa a ser competente para chamar a si e fiscalizar o cumprimento, não cumprimento e execução de todas as medidas que digam respeito a penas transitadas em julgado.

XXIX - Isto será dizer que, sejam processos anteriores à referida lei, sejam posteriores à mesma a sua competência é atribuída e deve ser imediatamente assumida, com a entrada da Lei 115/2009.

XXX - Pese embora o disposto no artº 9º da referida Lei quanto aos processos pendentes, o certo é que, é necessário que se verifique um agravamento da situação do arguido ou uma quebra de harmonia e unidade dos atos para que a mesma não tenha aplicação e seja mantida a aplicação da(s) norma(s) revogada(s).

XXXI - Porém, o que está em causa aqui parece-nos ser mesmo a assunção da competência por parte do TEP na situação dos autos, que não aconteceu, e não tanto a revogada norma fundamentadora da declaração de contumácia.

XXXII - Mesmo que se dê de barato que o artº 476º do CPP mantém-se com a sua aplicabilidade intocada em nome da harmonia e unidade dos atos, tal ideia acaba por ficar destituída de sentido se considerarmos que quem tem competência agora para decidir é o TEP, e se o fizer, quando o fizer, não vai dar aplicação à norma revogada mas sim ao regime atual que em pouco difere do anterior.

XXXIII - A harmonia e unidade dos atos só existiria quando o TEP recebesse e conhecesse do processo em ato formal e ratificasse, subsumindo a situação aos normativos atuais aplicáveis (artº 97º nº 2 alíneas a) e b) da Lei 115/2009), o que anteriormente havia sido decidido.

XXXIV - Não significa isto que cessassem todas as contumácias automaticamente por via da alteração legislativa por caducidade, até porque na prática, tal cessação teria que ser sempre declarada para surtir os efeitos primeiros que visa produzir (obrigar o destinatário da contumácia a apresentar-se em juízo por impedimento do exercício dos seus direitos civis mais básicos), mas sim que, enquanto não fosse “ratificada” confirmada pelo novo tribunal competente a mesma deveria considerar-se irregular, cessando tão só a suspensão do decurso do prazo de prescrição dela decorrente, enquanto a mesma não fosse novamente confirmada pelo TEP agora competente.

XXXV - Caso assim não fosse, teríamos uma medida aplicada sem sustentação legal quer do ponto de vista da lei que a sustente, quer do ponto de vista do órgão que a aplica.

XXXVI - Enquanto não for proferido despacho pelo TEP a declarar válida, regular e eficaz a declaração de contumácia esta não poderá considerar-se como apta a produzir efeitos quanto à suspensão do prazo prescricional.

XXXVII - Com a entrada em vigor da Lei 115/2009 deve ter-se por cessada a suspensão do decurso do prazo prescricional, só devendo esta ter lugar novamente quando o TEP proferir despacho a manter e validar a contumácia.

XXXVIII - Atento o tempo decorrido, tal despacho não fará já sentido uma vez que, salvo melhor opinião, encontra-se assim já decorrido o prazo de prescrição.

XXXIX - O despacho ora recorrido violou assim, o nº 5 do artº 333º, o artº 476º, 120º e 122º do CPP, 118º, 125º e 126º do CP e artº 9º, 97º nº 2 alíneas a) e b) e 138º nº4 alínea x) da Lei 115/2009 e artº 9 do C. Civil.

Termos em que deve ser levada em consideração a presente motivação e em consequência:

- Ser considerado prescrito procedimento criminal ou

- Ser considerada prescrita a pena.

Assim se fazendo a costumada Justiça»

3. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal([1]), acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve resposta.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

                                                      *

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. O despacho recorrido

«O arguido A... foi condenado no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de sete meses de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de dez meses (fls. 29 e 30).

O arguido foi julgado na ausência e a sentença foi lida na sua ausência (fls. 31).

Interpôs recurso da decisão para o TRC que ao mesmo negou provimento (fls. 93).

A decisão transitou em julgado a 20.06.2006 (fls. 107).

As penas não chegaram ainda a ser cumpridas.

Suscita-se a questão da prescrição das penas, tendo em conta o tempo já decorrido.

O prazo de prescrição das penas (principal e acessória) em causa nestes autos é de 4 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória (art.ºs 122º-1-d)-2 e 123º do C. Penal).

A prescrição da pena tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade (artº 126º-3 do C. Penal).

Importa considerar se ocorreram factos subsumíveis a causas de suspensão ou de interrupção do prazo prescricional da pena (artºs 125º e 126º do C. Penal).

O arguido foi notificado por editais nos termos do disposto do então vigente artº 476 do CPP, vindo a ser, decorridos que foram os éditos, declarado contumaz por decisão de 03.12.2007 (fls. 127, 140-1 e 144).

Desconhece-se o paradeiro do arguido.

A contumácia suspende e interrompe o decurso do prazo prescricional (artºs 125º-1-b) e 126º-1-b) do C. Penal).

Sucede que a contumácia em causa nos presentes autos foi declarada ao abrigo do artº 476º do CPP que entretanto foi revogado pelo artº 8º-2-a) da Lei n.º 115/2009, de 12-10. Esta Lei aprovou o novo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que passou a conferir ao Juiz do TEP a competência para decretar a contumácia (artº 138º-4-x)) que antes estava sob alçada do juiz do processo (artº 476º do CPP).

Quer dizer, a nova lei regulou a competência material para a declaração de contumácia, não deixando de a continuar a prever, embora tenha revogado o artº 476º do CPP que foi a norma ao abrigo da qual a declaração de contumácia foi declarada e ao abrigo da qual o prazo prescricional da pena imposta se tem mostrado suspenso até ao momento. Não parece que corresponda ao pensamento do legislador que tenha pretendido fazer cessar todas as contumácias em curso – com a inerente cessação da suspensão e da interrupção dos prazos prescricionais em curso – a partir da entrada em vigor do CEPMPL que passa a conferir ao TEP a competência material para a declaração de contumácia (cf. artº 9º do C. Civil).

Daí que relativamente aos processos pendentes à data da entrada em vigor do CEPMPL, não se aplicarão as normas deste previstas no seu Livro II se delas advier para o arguido (i) um agravamento da sua situação processual de recluso ou (ii) da sua aplicação imediata resultar quebra de harmonia e unidade dos vários atos do processo.

Nestes dois casos, ressalvados pela nova lei, os processos pendentes continuarão a reger-se, até final, pela legislação revogada pelo CEPMPL (artº 9º da Lei nº 115/2009, de 12-10).

Termos em que a contumácia decretada nos presentes autos se mantém eficaz – com os inerentes efeitos interruptivos e suspensivos do prazo prescricional – uma vez que se se aceitasse que a mesma havia caducado com a entrada em vigor do CEPMPL, uma vez revogada a norma que a sustentava (artº 476º do CPP), tal equivaleria a uma interpretação da lei sem correspondência com o pensamento e vontade do Legislador e acarretaria uma quebra da unidade dos vários atos do processo.

Nesta medida, considerando a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, o prazo prescricional de quatro anos, que se estende para mais metade (dois anos), sem prejuízo da suspensão, ainda operante e produtora de efeitos (artºs 122º-2, 123º e 126º-3 do C. Penal), não podem considerar-se, portanto, prescritas as penas (principal e acessória) impostas ao arguido nos presentes autos e ainda não cumpridas, pelo que improcede o pedido que antecede, por falta de fundamento legal.

Notifique.»

*

2. Apreciando

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:

- nulidade insanável por falta de notificação pessoal da sentença condenatória;

- validade da declaração de contumácia;

- prescrição da pena de prisão e da pena acessória aplicadas ao arguido;

2.1. Da nulidade insanável por falta de notificação pessoal da sentença condenatória
Segundo o recorrente verifica-se uma nulidade insanável por não ter sido notificado pessoalmente da sentença condenatória, uma vez que apenas esteve presente na 1ª sessão de julgamento e não chegou a ser notificado para a leitura da sentença.
O artigo 119.º do Código de Processo Penal fere de nulidade insanável a verificação de qualquer das situações tipificadas nas suas alíneas, sendo a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, a que se encontra prevista na citada alínea c).
Conforme resulta dos autos, o recorrente foi detido em flagrante delito por condução de veículo de veículo em estado de embriaguez, foi constituído arguido, foi sujeito a termo de identidade e residência e, tendo sido libertado, foi notificado, além do mais, para comparecer no dia 17 de Outubro de 2005, pelas 10 horas, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, sob pena de incorrer no crime de desobediência (fls. 2 a 5 e verso).
No dia 17 de Outubro de 2005, o arguido compareceu perante nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (fls.7).
O Ministério Púbico requereu o seu julgamento sob a forma de processo sumário e, considerando que não constava dos autos o respectivo certificado de registo criminal, sendo tal dado importante para a escolha e determinação da escolha da sanção que viesse a ser aplicada, requereu a designação de data para a continuação da audiência e que se desse cumprimento expresso ao artigo 386.º, n.º 2 do CPP (na redacção então em vigor, dada pela Lei n.º 59/98, de 25/08), ficando a advertência a constar expressamente da acta de audiência de julgamento (fls. 8 a 9).
Após remessa à Secção Central, para efeitos de distribuição, os autos foram conclusos ao M.mo Juiz que exarou despacho no sentido de o julgamento ser efectuado de imediato (fls. 10 e 11).

No dia 17 de Outubro de 2005, aberta a audiência, estando o arguido presente, o M.mo Juiz, considerando que não se mostrava junto aos autos o respectivo certificado de registo criminal, sendo tal documento indispensável para a decisão da causa, designadamente para efeitos de determinação da pena que eventualmente viesse a ser aplicada, adiou a audiência de julgamento, nos termos do artigo 386.º, n.º 1, b) do CPP (na redacção então em vigor), para o dia 2 de Novembro de 2015, pelas 14:00 horas, ordenando a notificação do arguido nos termos e para os efeitos do artigo 386.º, n.º 2 do CPP (na redacção então em vigor).

O referido despacho foi notificado a todos os presentes, tendo o arguido sido advertido nos termos do disposto no artigo 386.º, n.º 2 do CPP (na redacção então em vigor), do que disse ficar ciente (acta de fls. 10 a 11).

No dia 2 de Novembro de 2015, pelas 14:00 horas, o arguido não se encontrava presente, continuando a verificar-se a sua ausência quando, pelas 16:10 horas, foi declarada aberta a audiência de julgamento, tendo o M.mo Juiz proferido despacho, ordenando o início do julgamento sem a presença do arguido e a sua condenação em multa por falta injustificada.

Ouvida a testemunha a inquirir e feitas as alegações orais, o M.mo Juiz designou o dia 9 de Novembro de 2005, pelas 14:00 horas, para a continuação da audiência de julgamento com a leitura da sentença (acta de fls. 26 a 28).

No dia 9 de Novembro de 2005, pelas 14:22 horas, estando o arguido ausente, foi lida a sentença condenatória na presença da ilustre defensora do arguido (acta de fls. 31 a 32).

Decorre do exposto que, no dia 17 de Outubro de 2005, estando o arguido presente, a audiência de julgamento foi adiada, tendo o arguido sido notificado da data designada e advertido nos termos do n.º 2 do artigo 386.º do Código de Processo Penal (na redacção então em vigor), isto é, o arguido foi advertido de que a audiência prosseguiria na data designada, mesmo que não comparecesse, sendo representado pela sua ilustre defensora, o que veio a acontecer.

Assim, ao contrário do que sustenta o recorrente, no caso dos autos, não é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 333.º do Código de Processo Penal, pois o recorrente esteve presente no início da audiência, a qual teve lugar no dia 17 de Outubro de 2005, como, aliás, o próprio reconhece nas suas conclusões (cfr. II conclusão acima transcrita).

Como resulta do preceituado nos artigos 372.º, n.º 4 e 373.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, ao estabelecerem que «[a] leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência» e que «[o] arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído», o recorrente considera-se notificado da sentença condenatória no dia 9 de Novembro de 2005, dia em que foi lida na presença da sua ilustre defensora.

Na sequência da referida notificação veio a ilustre defensora do arguido a interpor recurso da sentença para este Tribunal da Relação, tendo sido proferido o acórdão de fls. 89 a 93 que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença proferida, acórdão este que foi notificado à ilustre defensora do arguido, nos termos do n.º 6 do artigo 425.º do Código de Processo Penal, posto que a lei não impõe a notificação pessoal do arguido([2]).

Conclui-se, pois, que a sentença condenatória de fls. 29 a 30 verso, confirmada pelo acórdão desta Relação de fls. 89 a 93, foi regularmente notificada ao arguido e transitou em julgado.

Improcede, portanto, a invocada nulidade.

2.2. Da validade da declaração de contumácia

Alega o recorrente que o artigo 476.º do CPP, ao abrigo do qual foi declarada a contumácia, foi revogado pelo artigo 8.º, n.º 2, a) da Lei n.º 115/2009, de 12/10, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, pelo que, sendo, agora, da competência do tribunal de execução das penas proferir a declaração de contumácia, enquanto não for proferido por este tribunal despacho a declarar válida, regular e eficaz a declaração de contumácia, esta não poderá considerar-se como apta a produzir efeitos quanto à suspensão do prazo prescricional.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de sete meses de prisão bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de dez meses.

Por ser desconhecido o seu paradeiro com vista ao cumprimento da pena de prisão imposta, o arguido foi notificado por éditos para se apresentar em juízo, no prazo de vinte dias, na sequência do que veio a ser declarado contumaz por despacho de fls. 140 a 141, proferido em 03/12/2007, ao abrigo do disposto no artigo 476.º do Código de Processo Penal.

O novo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12/10, no seu artigo 138.º, n.º 4, x), atribuiu ao tribunal de execução das penas, a competência para proferir a declaração de contumácia quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento, que antes estava na alçada do juiz do processo, revogando, consequentemente, o artigo 476.º do Código de Processo Penal (artigo 8.º, n.º 2, a) da Lei n.º 115/2009).

A revogação do artigo 476.º não significa, porém, ao contrário do que parece entender o recorrente, a invalidade dos actos praticados na sua vigência, pois, não obstante a lei atribuir agora ao tribunal de execução das penas a competência para proferir a declaração de contumácia, o acto praticado (declaração de contumácia) a coberto da lei antecedente e em consonância com esta, é um acto inteiramente válido e eficaz, em consonância com o princípio tempus regit actum, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo, óbice à imediata aplicabilidade da lei processual nova – cfr. artigo 5.º do Código de Processo Penal.

Aliás, o artigo 9.º da Lei n.º 115/2009, de 12/10, estabelece expressamente que as disposições do livro II do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade – nas quais se inclui o artigo 138.º – não se aplicam aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do recluso, ou quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo, como é o caso.

Assim, uma vez que a declaração de contumácia do arguido foi proferida pelo tribunal competente à luz da lei em vigor na altura, conclui-se que a decretada contumácia mantém-se válida e plenamente eficaz.

Improcede, portanto, esta questão.

2.3. Da prescrição da pena de prisão e da pena acessória aplicadas ao arguido

Alega o recorrente que, com a entrada em vigor da Lei n.º 115/2009, deve ter-se por cessada a suspensão do decurso do prazo prescricional, só devendo esta ter lugar novamente quando o TEP proferir despacho a manter e validar a contumácia, acrescentando que, atento o tempo decorrido, tal despacho não fará já sentido, uma vez que encontra-se já decorrido o prazo de prescrição.

Como vimos, a contumácia decretada nos autos mantém-se válida e plenamente eficaz, produzindo os seus efeitos em matéria de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição das penas, justamente porque são efeitos decorrentes de um acto validamente realizado, à luz da lei em vigor na altura.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena principal de sete meses de prisão, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de dez meses, por sentença transitada em julgado em 20/06/2006 (fls. 107).

O prazo de prescrição a considerar é o de quatro anos, nos termos dos artigos 122.º, n.º 1, d) e 123.º do Código Penal, prazo esse que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 122.º do mesmo código, começou a correr a 20/06/2006.

O arguido foi declarado contumaz em 03/12/2007 (fls. 140 a 141).

A declaração de contumácia interrompeu a prescrição, nos termos do artigo 126.º, n.º 1, b) do Código Penal, inutilizando o prazo então em curso.

Porém, nesta data – 03/12/2007 – não começou a correr novo prazo porque a declaração de contumácia é também causa de suspensão da prescrição, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, b) do Código Penal.

O artigo 126.º, n.º 3 do Código Penal determina que a prescrição da pena tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.

Nos casos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal não há prazo máximo para a suspensão da prescrição pelo que, verificando-se o facto suspensivo, a pena permanece indefinidamente suspensa até que cesse o facto suspensivo, não funcionando o limite do artigo 126.º, n.º 3([3]).

Temos assim que, enquanto durar a situação de contumácia, mantém-se a suspensão da prescrição, ou seja, o prazo de prescrição não corre até à cessação desse facto suspensivo.

Assim, uma vez que a pena permanece indefinidamente suspensa até que cesse a declaração de contumácia, resta concluir que a pena principal e a pena acessória, aplicadas ao arguido nos presentes autos, não se encontram prescritas.

Improcede, portanto, também esta questão.

                                          *

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.

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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III).

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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

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Coimbra, 15 de Junho de 2016

(Fernando Chaves – relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)


[1] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[2] - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/5/2007, in CJ, ACSTJ, Ano XV, Tomo II, pág. 179 e Acórdão da Relação de Coimbra de 4/10/2006, Processo n.º 132/05.9TBCTB.C1, in www.dgsi.pt.
[3] - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, página 388.