Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
228/10.5YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: RECUSA DE JUIZ
Data do Acordão: 11/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENALINDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGOS 43º DO CPP
Sumário: 1 O facto de o juiz ter participado à Ordem dos Advogados de um advogado por determinada conduta processual deste, não constitui, por si só, fundamento de recusa daquele juiz para proceder a julgamento num outro processo, com outros sujeitos processuais, em que aquele advogado é mandatário do assistente.
Decisão Texto Integral: 5

Acordam na Secção Criminal da Relação de Coimbra –
I –
1- M. e S. assistentes no processo comum colectivo 57/09.9GBSCD, vêm pedir que seja recusada a intervenção no respectivo julgamento da Ex.ma Sr.ª Juiz Dr.ª C. a quem cabe presidir ao colectivo.
Alegam que em anterior julgamento cível que embora lhes não dissesse respeito mas em que foi mandatário o seu advogado, Dr. M. manifestou-se parcial em prejuízo da aí sua constituinte.
Referem que para além disso a Sr.ª Juiz enviou à Ordem dos Advogados uma participação contra o advogado face aos termos que, nessa acção cível, usou nas alegações de recurso para a Relação.
Consideram por isso haver sério risco de parcialidade também neste julgamento, tanto que o advogado também é demandante nesse processo/crime.
2- Pela documentação junta constata-se que numa das sessões de julgamento da matéria de facto naquela acção cível a Sr.ª Dr.ª C. deixou consignado em acta que nalguns articulados os advogados, no calor da defesa dos interesses dos seus constituintes, utilizaram linguagem por vezes “carregada de excessos” que em nada contribuía para a realização da justiça (cfr. fls. 414).
Depois, nas alegações escritas apresentadas nos termos do art.º 657º do CPC, o Ex.mo mandatário deixou expresso que «a matéria de facto foi julgada de modo atabalhoado e desconcertado, ao arrepio não só da prova documental (…) bem como da testemunhal» (cfr. fls. 94).
Esta apreciação levou a que a Sr.ª Juiz, a Dr.ª C., disto desse conhecimento ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados.
Mas interposto recurso de apelação, tanto da matéria de facto como de direito, pela parte patrocinada pelo Ex.mo Mandatário das ora requerentes o recurso não obteve provimento salvo quanto à condenação da sua constituinte como litigante de má fé.
3- A M.ma Juiz visada respondeu nos termos que constam de fls. 253 e ss., referindo não conhecer as assistentes.
Mas confirma que julgou a acção ordinária n.º 45/04, frisando que nessa acção não deixou de exercer, na audiência de julgamento, os poderes de direcção que lhe competiam. Contudo, nunca agiu com intuito de beneficiar ou de prejudicar quem quer que fosse, como é de seu timbre. E que face aos excessos de linguagem utilizados pelo advogado nas alegações de recurso «em estrito cumprimento dos deveres que sobre si recaíam (…) decidiu participar do mesmo ao Conselho distrital da Ordem dos Advogados».
Afirma não conhecer as assistentes. E pelo teor da sua resposta resulta que não tem qualquer animosidade contra quem quer que seja.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
1.1- O art.º43/1 do Código de Processo Penal estatui que «A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade».
O n.º2 do mesmo artigo estatui que «Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art.º 40º».
O entendimento unânime nos tribunais é de que a seriedade e gravidade do motivo invocado causador do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do julgador só são susceptíveis de conduzir à recusa quando objectivamente consideradas.
Com efeito, não basta o mero convencimento subjectivo do requerente.
1.2- A lei não define nem caracteriza a gravidade e a seriedade dos motivos, pelo que será a partir do senso e da experiência comuns que as circunstâncias do caso terão de ser ajuizadas.
Ora, as desinteligências e pequenos arrufos que por vezes ocorrem nas audiências de julgamento têm de ser encaradas com normalidade pois que muitas vezes o calor posto pelos Exmos. Mandatários na defesa dos interesses dos seus constituintes a isso conduz; e nem sempre o Julgador tem ou detém de momento a paciência necessária para ultrapassar sem melindres tais arrufos.
Mas daí não tem de resulta qualquer espírito de vingança ou de desforço em futuras lides participadas pelo mesmo advogado e presididas pelo mesmo juiz.
Magistrado judicial que assim proceda não tem perfil para o exercício de tão nobre função.
E di-lo aqui quem goza da experiência de cerca de 30 anos na função de julgar lides judiciais, onde também não ficou imune a situações parecidas, embora nunca tivesse participado de quem quer que fosse ou tivesse sido alvo de qualquer participação.
Mas só quem não trabalha nos tribunais é que pode achar estranho achaques destes.
Passe a comparação, é como a situação em que as partes em litígio surpreendem os seus advogados em amena conversa no café da esquina do tribunal da comarca e logo daí concluem que «não valeu a pena vir para tribunal pois que os seus advogados estão feitos um com o outro…»
Afinal, no caso, trata-se dum incidente ocasional ocorrido já no relativamente distante ano de 2006…
De resto, a Dr.ª C. não é o único juiz chamado a julgar o caso, pois que se trata dum julgamento em colectivo onde os outros dois juízes gozam de igual poder de voto sobre a matéria.
Não nos parece, pois, que os receios do Ex.mo Mandatário ou das suas mandantes se justifiquem na procura da obtenção da melhor justiça.
Compreendemos que lhe possa ser incómodo encarar com a mesma juiz do anterior caso…
Mas quiçá seja até o momento ideal para se ultrapassarem suspeições, más impressões de carácter e receios... E até de obter um início ou reatamento de são convívio entre profissionais “do mesmo ofício” ou, melhor, de ofícios que sendo diferentes se complementam na procura da melhor Justiça.
Francamente estamos convictos que a Dr.ª C. não será pessoa para um detestável desforço...
III-
Termos em que se não concede a requerida recusa.
Custas de incidente, pelo mínimo, a cargo das requerentes.
Coimbra,