Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1546/19.2T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ACTA DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 05/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 6º, Nº 1, DO DL Nº 268/94, DE 25/10; ATº 1436º, AL. B) DO C. CIVIL.
Sumário: 1. A acta a que se reporta o artigo 6º, nº 1, do DL nº 268/94, e à qual se atribui força de título executivo, é a da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio (al. b) do artigo 1436º CC) – deliberação de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos – deliberação esta que é constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos.

2. Sendo esta ata uma formalidade ad substantiam relativamente à deliberação constitutiva da obrigação ao condomínio, não poderá a mesma ser substituída por uma Acta de uma posterior reunião onde se delibere quais os montantes até então em dívida por determinado condómino.

3. O mencionado no artigo 6º, nº 1, não faz depender a força executiva da acta da assembleia de condóminos da liquidação do montante concreto da divida de cada condomínio, bastando que os dados da acta e demais documentos que a completem permitam a determinação de tal valor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

O Condomínio do Edifício b..., Blocos A, B e C, instaura a presente ação executiva para pagamento de quantia certa sob a forma ordinária contra I... – Empreendimentos Imobiliários, S.A., com base na Ata da Assembleia de Condomínio nº 15, realizada no dia 3 de novembro de 2018, alegando, em síntese: pelo menos desde 2014 que a executada não procede ao regular funcionamento das quotizações devidas e inerentes às despesas correntes do Edifício; como resulta da referida Ata, em tal data a executada era devedora da quantia de 14.337,74 €, contabilizadas até outubro de 2018; a tal valor acrescem quotizações, aprovadas em assembleia e contabilizadas até julho de 2019, no valor de 451,71 €.

O juiz a quo proferiu despacho de indeferimento liminar, aqui sob impugnação, com fundamento em que a ata da reunião de assembleia de condomínio não tem a força de título executivo para pagamento das quantias sob cobrança, e ainda em que, a haver titulo válido, a liquidação apresentada é totalmente incompreensível, sendo inexplicável como alcançam o valor de 5.168,10 €.

Inconformada com tal decisão, a Exequente dela interpõe recurso de apelação, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui reproduzimos por súmula[1]:

...

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 657º do CPC cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se a Ata nº 15 de 3 de novembro de 2018 constitui titulo executivo bastante para as quantias sob cobrança.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O despacho recorrido indeferiu liminarmente a execução com fundamento em que a Ata de reunião da assembleia de condomínio não tem a necessária força de título executivo, baseando-se nas seguintes considerações:

“(…)

Deste modo, a acta que constitui, à face da lei, título executivo, é a acta da reunião da assembleia de condóminos que documente a deliberação da qual nasce a obrigação de pagamento da contribuição por parte do condómino e estipule o prazo e o modo de pagamento e não já a que declare, tão só, o montante da dívida, desacompanhada dos elementos que contenham a fixação da quota-parte devida a título de contribuição de condomínio.

Com efeito, o elenco legal dos títulos executivos é típico e taxativo, não admitindo interpretações extensivas, e a excepcional força executiva atribuída por lei à acta da reunião da assembleia de condóminos circunscreve-se àquelas despesas que se encontram taxativamente previstas no art.º 6.º/1 do DL.268/94 o qual apenas se reporta às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns que não devam ser suportadas pelo condomínio (por outras palavras: são encargos colectivamente suportados pelo conjunto de todos os condóminos, mas a pagar individualmente por cada um deles na proporção da quota-parte que o valor da respectiva fracção representa do valor total do prédio). Deste modo, só quanto a estas obrigações pode a acta constituir título executivo, e não quanto a quaisquer outros montantes objecto de deliberação facultativa dos condóminos mas não protegidos pela lei com força executiva.

Assim:

Não constitui título executivo a acta que documente deliberações sobre aplicação de penas pecuniárias ao abrigo do art.º 1434.º CC. (…)

Não constitui título executivo a acta que documente deliberações a impor apenas sobre um determinado condómino (sem o seu acordo) o pagamento de determinadas despesas ou serviços, nomeadamente de cobrança de dívidas e de honorários de Mandatários ou Agentes de Execução.

(…)


*

No caso concreto:

A acta apresentada como título executivo com o requerimento executivo (RE) apenas fazem mera referência às alegadas dívidas da condómina aqui Executada/Embargante anteriores a essa acta.

Estas deliberações não criam qualquer obrigação jurídica para a condómina, pelo que não fica a mesma, por força destas deliberações, vinculada a qualquer pagamento ao condomínio [seria algo semelhante a reconhecer força executiva não a um reconhecimento de dívida pelo devedor (art.º 458.º CC) mas, ao contrário, a um mero reconhecimento de crédito pelo próprio credor. Nas palavras do Professor ALBERTO DOS REIS (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, 4.ª Edição, página 437): “De que valeria alguém declarar em documento particular que determinada pessoa ficava obrigada a pagar-lhe certa quantia? Como ninguém pode criar, por simples acto seu, título de obrigação a seu favor, é claro que a declaração referida nenhum valor teria como fonte de obrigação; não passava de mera afirmação ou pretensão, sem efeito vinculativo em relação ao pretenso devedor.”].

Por outro lado, a nosso ver, o que a lei pretende ao atribuir força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos é possibilitar ao condomínio um meio célere e logo executivo para obter o cumprimento das suas deliberações quanto ao pagamento dos montantes das quotas-partes a cargo de cada um dos condóminos da aprovada quantia colectiva global necessária para executar as suas competências de administração das partes comuns e não para, sem recurso à acção declarativa, obter o pagamento de indemnizações ou despesas, deliberadas pelo condomínio contra o condómino relapso, por incumprimento da obrigação de pagamento das quotas-partes.

Deste modo, também não existe título executivo que permita a cobrança de multas, penalizações, honorários e outras quantias sancionatórias.

Em conclusão, a nosso ver, a acta da reunião da assembleia de condóminos apresentada não tem a necessária força de título executivo para cobrança coactiva das quantias peticionadas à luz do art.º 6.º/1 do DL 268/94, de 25/10.”

  Insurge-se a Apelante contra o decidido com a alegação de que a doutrina e a jurisprudência se têm dividido quanto à definição das deliberações da assembleia de condóminos passíveis de servir como titulo executivo: enquanto uns somente atribuem força executiva às Atas em que se proceda à liquidação dos valores em dívida de condóminos concretos outros defendem serem títulos executivos as Atas que definem  a fixação  dos montantes das contribuições devidas ao condomínio em cada ano pelos condóminos. E daí conclui que a divergência tem vindo a convergir a favor da 2º tese, à qual adere, invocando a seu favor o a tal respeito afirmado por Henrique Delgado de Carvalho: “Consideramos como melhor doutrina a primeira das soluções apontadas, porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino relapso é a própria assembleia de condóminos, vertida em ata, que aprova e fixa o valor a pagar de imediato e para o futuro, correspondente à sua quota parte nas contribuições e nas despesas comuns. Mais invoca ainda a seu favor uma série de acórdãos que se pronunciam no sentido de que a força executiva de uma ata de assembleia de condóminos não depende da liquidação do montante concretamente em dívida, bastando que os dados da ata e dos demais documentos que a completam permitam determinar esse valor.  

De tal alegação se extrai que a Apelante não atingiu o sentido das razões que estão na base do indeferimento liminar, assim como, não terá entendido o alcance quer da doutrina, quer da jurisprudência que invoca.

Desde logo a opinião expressa por Henrique Delgado de Carvalho, citada pela Apelante, vai precisamente no sentido da argumentação de que o juiz a quo se socorreu para negar exequibilidade à apresentada Ata da Assembleia de Condomínio.

Já quanto ao teor dos acórdãos de que se socorre dizem respeito, não à questão da essência da exequibilidade do título, mas aos requisitos necessários à liquidação da obrigação, caso a mesma conste do título.

Vejamos, assim, se conseguimos expor a questão da forma mais clara e simples possível.

Como salienta Rui Pinto[2], a questão de fundo suscitada pelo artigo 6º – em que condições as atas de condomínio têm força executiva ? –, tem-se desdobrado em várias sub questões, dentro das quais destacamos: i) deve a ata constituir as obrigações de pagamento ou deve declarar/liquidar as dívidas incumpridas? ii) pode a dívida estar determinada/liquidada em documentos complementares?

No campo dos títulos executivos rege o princípio da legalidade, segundo o qual só podem servir de base a um processo de execução documento a que seja legalmente atribuída força executiva[3].

O artigo 703º do CPC enumera quatro espécies de títulos de crédito, enumeração que é taxativa, não sendo válida qualquer estipulação que atribua força executiva a outros documentos ou retire força executiva aos documentos elencados[4].

Relativamente aos documentos exarados ou autenticados, o legislador optou por lhes atribuir exequibilidade: i) quer eles importem a constituição de uma obrigação, ii) quer eles se limitem a reconhecer uma obrigação pré-existente (artigo 703º, nº1, al. b), distinção que surge como relevante relativamente a outros títulos não judiciais, nomeadamente quanto aos títulos particulares que podem constituir título executivo por disposição especial de lei (al. d), nº1, art. 703º).

Na primeira situação, os documentos são títulos executivos, quando e porque, formalizam o ato de constituição de uma obrigação.

O que importa, sob o ponto de vista substancial, é que o documento tenha dado origem a uma obrigação, ou melhor, que contenha ou represente um ato jurídico, por virtude do qual alguém haja assumido determinada obrigação para com outro[5].

No segundo caso, são-no, ainda, quando e porque, deles consta o reconhecimento de uma obrigação pré-existente, ou seja, contendo a confissão do ato (ou do mero facto) que a constituiu[6].

No caso em apreço, encontramo-nos perante um documento, a que, por disposição legal, é conferida força executiva, e que caberá, não na alínea b), mas na alínea d) do nº 1 do artigo 703º.

A tal respeito dispõe o artigo 6º, nº 1, do DL nº 268/94, de 25 de outubro:

1. A ata de reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte.

A decisão recorrida explicita exatamente o cerne da questão aqui em apreço (que a Apelante não terá alcançado), ao afirmar que “ a acta que constitui, à face da lei, título executivo, é a acta da reunião da assembleia de condóminos que documente a deliberação da qual nasce a obrigação de pagamento da contribuição por parte do condómino e estipule o prazo e o modo de pagamento e não já a que declare, tão só, o montante da dívida, desacompanhada dos elementos que contenham a fixação da quota-parte devida a título de contribuição de condomínio.

E a polémica que vem sendo suscitada na doutrina e na jurisprudência a este respeito divide-se, efetivamente, entre duas correntes, uma, mais restritiva, em que apenas se atribui força executiva à Ata da reunião em que é deliberada a aprovação de determinadas despesas (ordinárias ou extraordinárias) e fixada a comparticipação pelos condóminos, e uma outra, mais ampla, que atribuiu igualmente força executiva à posterior Ata de reunião na qual a Assembleia delibere proceder-se judicialmente contra determinado condómino para cobrança das dívidas por este acumuladas durante anos, discriminando os respetivos montantes[7].

Haverá, antes de mais, que relacionar a previsão do título executivo em causa com o regime substantivo respeitante às contribuições para o condomínio.

Os condóminos estão obrigados a contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respetivas frações (art.º 1424.º, n.º 1 do C Civil).

Para o efeito, cabe ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano (alínea b) do art.º 1436.º do C Civil), o qual deverá ser sujeito a aprovação em Assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de janeiro de cada ano (art.º 1431.º do C Civil).

Aprovado o orçamento, incumbirá ao administrador cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns (e outras para as quais tenha sido autorizado – art.º 1436.º, alíneas d) e h) do C Civil) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (art.º 1436.º, alínea e) do C Civil.

Da conjugação de tais normas poder-se-á afirmar que a deliberação a que se refere a al. b) do artigo 1436º CC – deliberação de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos – é constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos.

E, em nosso entender, é precisamente à Ata desta assembleia, em que é tomada a deliberação a que se reporta o nº 1 do artigo 1431º do CC, bem como aquela em que se venha a deliberar a realização de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que o artigo 6º vem conferir força executiva[8].

E assim validamente constituída a obrigação de cada um dos condóminos, em caso de posterior incumprimento por parte de algum deles, o Administrador de condomínio encontrar-se-á devidamente habilitado para proceder à respetiva cobrança judicia sem necessidade de qualquer deliberação de autorização nesse sentido por parte do condomínio.

Não sendo o elenco de títulos executivos suscetível de aplicação por analogia é unicamente à Ata em que é tomada a deliberação de aprovação de determinadas despesas e a forma de comparticipação pelos condóminos que é atribuída força executiva.  É esta deliberação que é constitutiva da obrigação de cada um dos condóminos, sendo que a Ata na qual a mesma é exarada constitui um requisito essencial, uma formalidade ad substanciam, para a respetiva validade e vinculação a todos os condóminos[9].

Como sustenta Rui Pinto[10], atendendo à excecionalidade das normas que preveem títulos executivos, à discricionariedade legislativa na conformação do teor e requisitos de um dado titulo executivo e que as normas que atribuem força executiva a um documento devem ser interpretadas de acordo com a Constituição e com os princípios da segurança jurídica e da proibição de discricionariedade na aplicação da lei, deve poder retirar-se do título executivo, com um grau de segurança razoável, a constituição e o reconhecimento de uma certa obrigação, ainda que não vencida, face ao titulo, contra certa pessoa.

Ainda segundo tal autor[11], a resposta à questão em causa – qual o objeto da deliberação documentada e ata? É a constituição da divida a vencer-se no futuro (ata constitutiva da obrigação)? Ou é o reconhecimento da dívida vencida e não paga (ata recognitiva da dívida)? –, numa leitura da lei efetuada de acordo com os referidos parâmetros, levar-nos-á a atribuir força executiva à ata que documenta a deliberação de constituição da obrigação, ou seja, à ata que documente a deliberação onde nasce a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condomínio.

Sendo esta ata uma formalidade ad substantiam, relativamente à deliberação constitutiva da obrigação ao condomínio, não poderá a mesma ser substituída por uma Ata de uma posterior reunião onde se delibere quais os montantes até então em dívida por determinado condómino[12].

Tem de ser proferida uma deliberação que aprove o valor global que os condóminos ficam obrigados a pagar por contribuições ou por despesas e quanto é o quinhão de cada comproprietário, seja nas contribuições, seja na despesa[13].

Concluindo, a ata apresentada não constituirá título executivo relativamente a qualquer um dos valores alegadamente em dívida pela executada à data da sua realização – os tais 14.337,74 €, contabilizados até outubro de 2018.

Pede ainda a exequente a quantia de 451,71 €, de quotizações, supõe-se que aprovadas nessa assembleia de 3 de novembro de 2018, e contabilizadas até julho de 2019.

Ora, se o documento apresentado como título exequendo – Ata da reunião de 03 de novembro de 2018 – atesta a deliberação de aprovação do orçamento respeitante ao período de 01.08.2018 a 31.07.2019, e a execução é instaurada 30 de outubro de 2019, tal ata constituirá, de facto, título executivo para as obrigações que, com aquela deliberação, se constituíram para cada um dos condóminos e que se achassem em atraso.

Aqui vem a segunda questão – determinabilidade da quantia em dívida pela executada, face ao teor da Ata e documentos acompanhantes.

Relativamente a tal questão, invoca a apelante o entendimento expresso nalguma jurisprudência de que o mencionado no artigo 6º, nº 1, não faz depender a força executiva da ata da assembleia de condóminos da liquidação do montante concreto da divida de cada condomínio, bastando que os dados da ata e demais documentos que a completem permitem determinar esse valor – entendimento com o qual concordamos na íntegra.

Embora a apelante não concretize, nas suas alegações de recurso, por que motivo, no seu entender, a dívida sob cobrança é liquidável face ao título e documentos acompanhantes, uma leitura atenta do requerimento executivo inicial, da Ata da reunião de Condomínio e dos documentos que a acompanham, leva-nos a concluir que as quantias devidas pela executada relativamente ao período de agosto de 2018 até julho de 2019, são perfeitamente determináveis e determinadas.

Alegando, no requerimento executivo, relativamente a tal verba, que “A este valor acrescem quotizações, aprovadas em assembleia e contabilizadas até julho de 2019, no valor de 451,71 €”, na própria Ata exequenda encontra-se reproduzido o orçamento a aprovar nessa assembleia – “Simulação do Exercício Agosto de 2018 a Julho de 2019” – (da qual consta igualmente a deliberação de aprovação do mesmo) e num dos documentos juntos com o Requerimento executivo inicial denominado “Valores a liquidar por entidade I… Empreendimentos mobiliários, Lda”, é discriminada cada uma das prestações em dívida, relativamente a cada uma das frações de que a Executada é proprietária e, que, de facto, ascendem no total ao peticionado valor de 451,71 € (doc. de fls. 14v. a 18 do processo físico).

Ou seja, nesta parte haverá que revogar a decisão recorrida, uma vez que a peticionada parcela de 451,71 € respeita às quotizações previstas no orçamento respeitante ao período de agosto de 2008 a julho de 2019, aprovado nessa assembleia e relativamente às quais a ata exequenda constituiu titulo executivo.

Por fim, na parte do requerimento executivo reservada à “Liquidação da obrigação”, para além dos 14.789,45€ (resultantes da soma dos valores anteriormente referidos de 14.337,74 €, mais 451,71 €), como “Valor dependente de simples cálculo aritmético”, apõe a quantia de 5.168,10 €, que não tem qualquer correspondência na parte inicial do Requerimento reservada aos Factos, ficando-se sem se saber a que se reporta (juros, despesas judiciais, extrajudiciais, penalidades?), sendo que, caso se reporte ou na parte em que se reporte aos juros das quantias em dívida à data da Assembleia, não disporiam de título executivo, pelas razões anteriormente expostas.

A Apelação será de proceder apenas parcialmente.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que rejeita a execução relativamente à quantia de 451,71 € e respetivos juros, vencidos e vincendos, relativamente à qual prosseguirá a presente execução, confirmando-se, no mais, o decretado indeferimento liminar.

Custas a suportar pela Apelante e pela apelada, na proporção do respetivo decaimento. 

                                                                Coimbra, 18 de maio de 2020
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A ata a que se reporta o artigo 6º, nº 1, do DL nº268/94, e à qual se atribui força de título executivo é a da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio (al. b) do artigo 1436º CC) – deliberação de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos – deliberação esta que é constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos.
2. Sendo esta ata uma formalidade ad substantiam relativamente à deliberação constitutiva da obrigação ao condomínio, não poderá a mesma ser substituída por uma Ata de uma posterior reunião onde se delibere quais os montantes até então em dívida por determinado condómino.
3. O mencionado no artigo 6º, nº 1, não faz depender a força executiva da ata da assembleia de condóminos da liquidação do montante concreto da divida de cada condomínio, bastando que os dados da ata e demais documentos que a completem permitam a determinação de tal valor.
 

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[1] Face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, em violação do nº1 do artigo 639º CPC
[2] “A execução por dívidas de condomínio”, in “Novos Estudos de Processo Civil”, Petrony, p.192.
[3] António Abrantes Geraldes, “Títulos Executivos,” Revista Themis, Ano IV-nº7-2003, A Reforma da Ação Executiva, pp.37-38.
[4] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª ed., p. 91.
[5] Cfr., José Alberto dos Reis, embora reportado, então, unicamente às escrituras públicas – Processo de Execução, I Vol., Coimbra Editora 1985, p. 158.
[6] Neste sentido, José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ªed., Coimbra Editora, p.65.
[7] Neste sentido, Fernando Pereira Rodrigues, “Elucidário de Temas de Direito (Civil e Processual), Coimbra Editora, 211, pp.105-106.
[8] Neste sentido, entre muitos outros, cfr., Acórdão do TRG de 08-01-2013, relatado por Paulo Barreto, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, Sandra Passinhas, segundo a qual, “Uma vez aprovadas e exaradas em ata as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na reunião ou que, participando, se abstiveram de votar ou de votar contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação. (…) A acta forma um corpo único com a deliberação da assembleia, atribuindo-lhe certeza jurídica e permitindo, outrossim, que o administrador a execute e que os condóminos a impugnem” – “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, pp.257-258.
[10] “A execução de dívidas do condomínio”, local citado, pp. 197-198.
[11] Artigo e obra citada, pp.198-200.
[12] Se o condomínio apresentar à execução uma ata de cobrança, Rui Pinto distingue duas situações, i) se existir a ata de aprovação das contribuições e despesas, não é suficiente a mera remessa para tal ata, defendo ser a execução indeferida liminarmente, tendo o exequente de propor nova execução com a ata correta que é a primeira; ii) se não existir ata a certificar a deliberação de aprovação das contribuições e despesas põe-se um problema da oponibilidade de tal deliberação, supondo que ela foi mesmo produzida – Artigo e local citados, p.102.
[13] Rui Pinto, local citado, p.200.