Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
582/12.4TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXECUÇÃO. COMUNICABILIDADE
DÍVIDA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1691.º DO CÓDIGO CIVIL,
Sumário: 1. O apuramento do proveito comum do casal traduz-se numa questão mista ou complexa, envolvendo questões de facto e de direito, residindo a primeira na determinação do destino dado ao dinheiro representado pela dívida, e a segunda, já de carácter jurídico, que consiste em averiguar se tendo em conta aquele destino, se encontra preenchido o conceito legal de proveito comum.

2. Como a responsabilização de ambos os cônjuges tem de assentar na verificação de qualquer uma das circunstâncias elencadas no n.º 1 do artigo 1691.º do Código Civil, os factos que as suportam são considerados constitutivos do direito do credor que, por consequência, os tem de alegar e provar, de acordo com as regras gerais do ónus da prova.

3. Daqui decorre, pois, que incumbe ao credor/exequente a alegação e prova dos factos integradores da comunicabilidade da dívida com base no proveito comum.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            Na presente oposição à execução que A... e B... movem ao exequente C... por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que este move contra aqueles, pretendem os opoentes que, pela sua procedência, seja extinta a instância executiva quanto a si, fundando-se para tanto, nas seguintes excepções:

- o cheque sem preenchimento da data não constitui título executivo, sendo que o cheque dado como título executivo não apresenta data;

- o cheque dado à execução não foi apresentado a pagamento no prazo de 8 dias, pelo que, não tem força de título executivo, já que não foi invocada no requerimento executivo a relação jurídica subjacente;

- a acção cambiária encontra-se prescrita, dado que, prescrevem no prazo de 6 meses a acção do portador contra os endossantes, contra o sacador ou demais co-obrigados, a contar do termo do prazo de apresentação (oito dias após a data de emissão);

- O exequente nunca emprestou qualquer quantia à executada mulher, que, segundo alega, do mútuo nada sabia, nem tirou qualquer proveito ou benefício, sendo que, também não deu a sua autorização ou consentimento, além de que, nas datas das alegadas declarações de dívida encontrava-se separada de facto do executado, pelo que, não pode a mesma ser responsabilizada por tal dívida.

Regularmente notificado o exequente contestou a presente oposição à execução aduzindo, fundamentalmente, que a dívida é da responsabilidade de ambos os executados, pois, o cheque dado à execução foi emitido sobre uma conta da executada e os mútuos destinaram-se ao proveito comum de ambos, já que se destinavam a resolver questões atinentes a partilhas de uma herança da qual a executada mulher é titular, pretensamente para adquirirem quotas partes de outros interessados.

Ademais, caso se considere que o cheque padece de qualquer vício formal, o mesmo sempre valeria enquanto documento particular com valor executivo.

Pugna pois, pela improcedência da presente oposição à execução.

Com dispensa da audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador tabelar, com dispensa da seleção da matéria de facto.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante dos requerimentos de oposição e contestação, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 67 a 69, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 70 a 74, na qual se decidiu o seguinte:

“I - Termos em que, tudo visto e considerado decido julgar a presente oposição à execução parcialmente procedente por provada e consequentemente, decido:

a) Declarar a executada B... parte ilegítima para figurar na execução de que estes autos constituem apenso, absolvendo-se a mesma da instância;

b) No mais, julgar a presente oposição improcedente, determinando-se, em consequência, o prosseguimento dos autos de execução.

II- Custas a cargo do Opoente e Exequente na proporção, respectivamente, de 90% e 10%.”.

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso o exequente C..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 118), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

a. Em causa no presente recurso está a parte da sentença que julgou a Recorrida B... como parte ilegítima para figurar como Executada nos presentes autos, já que no modesto entendimento do Exequente, ora Recorrente, a sentença em apreço, naquela parte, atento a prova produzida, merece os reparos e a censura que lhe vão feitas pelo presente recurso.

b. Nos autos principais está em apreço uma Execução que tem por base a emissão de um cheque, sacado sobre uma conta da qual é primeira titular (da conta) a ora Recorrida B... que, ao mesmo tempo, era a cônjuge do co-executado A...; no entanto, apesar de ser cônjuge e primeira titular da conta, que emitiu e assinou o cheque em apreço foi o co-Executado A...

c. Assim a questão central que se coloca em apreço é se sendo a Recorrida cônjuge e primeira titular da conta, deve ou não ser considerada parte legítima para efeitos de execução.

d. É que apesar de em face do Cheque – atenta a identidade de quem preencheu e assinou o cheque - ser patente que a Recorrida não é parte directa na relação jurídica cambiária decorrente do titulo, no sentido que não foi ela quem emitiu o referido cheque, a questão, que de facto, fáctica e jurídica, que se coloca, é que sendo essa Executada e ora Recorrida como primeira titular da conta bancária sobre a qual é emitido e sacado o cheque e sendo, ela, cônjuge do outro executado, se deve ou não ser parte legítima para ser executada nos presentes autos?

e. Importa notar que no tocante a esta Recorrida foi, desde logo, alegada causa debendi, que é constituída pelo contrato de mútuo, que, segundo o requerimento executivo, vincularia ambos os cônjuges.

f. É certo que a recorrida figura nos cheque numa única qualidade: a de titular da conta bancária e, correspondente, de parte no contrato de depósito e da convenção de cheque.

g. No entanto, conforme se referirá adiante, é modesto entendimento do Recorrente que tendo, desde logo, sido alegada a causa debendi e sendo esta Recorrida cônjuge do outro Executado, seria a esta que incumbiria a prova de que “era alheia ao mútuo e nada beneficiou com os mútuos” titulados pelo cheque e para que remetem as declarações de dívida juntas aos autos.

h. E, conforme adiante notado, é modesto entendimento do Recorrente que a Recorrida não fez esta prova que sobre si incumbia e, razão pela qual sendo a Recorrida a titular da conta e estando à data da emissão do cheque (e bem assim da emissão das declarações de dívida juntas) casada com o Executado A..., que também ela deve ser considerada parte legítima para figura na Execução como Executada.

i. Para julgamento da matéria de facto releva a prova documental junta aos autos, designadamente o cheque que serve de base à Execução, as declarações emitidas pelo co-Executado A... e a documentação junta pelo banco sacado (esta a pedido do Tribunal a quo) e, bem assim, a decisão que decretou o divórcio entre os Executados.

j. Quanto à prova testemunhal, relevarão, para efeitos de apreciação, os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Executados, G... e D..., supra transcritos.

k. E, atenta a prova documental e testemunhal referida e, ainda, atento as regras do ónus da prova, é modesto entendimento do Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada a seguinte matéria:

(…)

5. O exequente emprestou as quantias em Execução ao casal constituído pelo Executado A... e executada B...;

6. A aqui executada B... não assinou o cheque em Execução, mas era a primeira titular da conta e autorizou o co-Executado, seu marido, a assinar o referido cheque.

7. Desconhece-se quando é que a executada B... teve conhecimento da sua situação em apreço nos autos;

8. Não resultou provado que os empréstimos feitos aos executados A... e B... não tenham revertido em proveito comum do casal, para a aquisição de bens e satisfação de interesses comuns.

(…)

l. E, em face da matéria de facto que, atento as regras do ónus da prova, devia ser dada por provada, merece censura e os reparos que são feitos pelo presente recurso à sentença, na parte em que considerou a Recorrida como para ilegítima, para figurar como Executada.

m. Não se desconhece que, juridicamente, a acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título, que constitui a matriz da prestação a que se reporta (artºs 2, 4 nº 3 e 45 nº 1 do CPC, 10 nºs 1, 4 e 5 do NCPC) e, ao mesmo tempo, define os limites quantitativos e qualitativos da prestação e, bem assim, da Execução.

n. Não se desconhece que o título executivo, que é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva, incorpora, em si mesmo, o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação.

o. O título executivo exerce, assim, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.

p. Mas, conforme notado, o título executivo cumpre, no processo executivo, também uma função delimitadora, dado que é por ele que se determinam, designadamente, os limites subjectivos da acção executiva, i.e., os limites respeitantes às partes na execução (artºs 45 nº 1 do CPC de 1961 e 10 nº 5 do NCPC).

q. E, em termos processuais, exerce, por fim, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva.

r. Ou seja, as partes legítimas para a execução determinam-se, em regra, pelo próprio título executivo: são partes legítimas, aquelas que figuram no título como credor e devedor (artº 55 nº 1 do CPC de 1961 e 53 nº 1 do NCPC).

s. Neste sentido, juridicamente a ilegitimidade executiva só ocorre quanto a parte não coincide com aquela que consta do título executivo e nenhuma outra circunstância lhe atribua legitimidade.

t. É será incontroverso que o título que Serve de suporte à execução no tocante ao recorrente é um cheque (artº 1 da LUC), ao qual estão associadas um conjunto de declarações particulares, que atestam um conjunto de mútuos; e também é claro que foi sacados sobre uma conta bancária do casal, da qual é primeira titular (tal qual figura no cheque) a Executada mulher (isto apesar do cheque ter sido emitido e assinado pelo Executado marido)

u. Trata-se, portanto, de uma conta do casal, que, atento ao documento junto aos autos pela Instituição Bancária sacada, cada titular podia proceder à sua movimentação, sem o concurso do outro contitular, e sem ter também de demonstrar, perante o banco, a autorização do outro.

v. Referem-se estes aspectos para fazer notar que, pelas razões expostas, porque em causa está uma conta bancária do Casal que ambos os cônjuges podiam movimentar e que atenta a legitimidade que se afere do próprio título (cheque), que identifica a cônjuge como titular, que esta, contrariamente ao que advém da sentença, também será parte legítima para figurar como Executada.

w. Aliás, conforme notado, a causa debendi, quanto a Recorrida, foi alegada em sede de Requerimento Executivo, o que associado ao facto de se tratar de um casal e de ser a Recorrida a primeira titular da conta, incumbiria a ela – e não ao Exequente – a prova de que não beneficiou dos mútuos e, quanto a esta questão, conforme notado, não foi produzida qualquer prova.

x. Não desconhece o Exequente que abertura de conta é uma das operações típicas dos denominados contratos bancários, (artºs 362 do Código Comercial e 4 e 8 nºs 1 e 2 do RGIC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro) e que, por isso, a noção de abertura de conta deve ser cuidadosamente analisada.

y. A abertura de conta é um contrato celebrado entre um banco ou banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos e diversas práticas bancárias, das quais se destacam as operações a crédito e a débito, podendo estar ser ou não a descoberto.

z. Se a conta for titulada por duas ou mais pessoas, qualquer depósito diz-se plural e será solidário se qualquer dos credores – depositantes ou titulares da conta - apesar da indivisibilidade da prestação, tiver a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja o reembolso de toda a quantia depositada e em que a prestação assim efectuada libera o devedor – o banco depositário – para com todos eles (artº 512 do Código Civil).

aa.Uma conta desta espécie pode ser movimentada por qualquer dos seus titulares, indistinta ou isoladamente, podendo, os cheques ou melhor, as ordens de pagamento, ser subscritas apenas por qualquer um dos titulares da conta, seja ele qual for.

E, tratando-se de casal, como é o caso em apreço nos autos, não é uma solidariedade circunscrita ao lado activo, que respeita à disponibilidade e à movimentação da conta a débito, mas igualmente uma solidariedade passiva (Cfr. artº 528 do Código Civil).

bb.E também por esta razão a Executada e Recorrida deve ser considerada parte legítima para efeitos da presente Execução.

cc. Depois, em face do regime da convenção de cheque, é controversa a sua natureza. No entanto, a jurisprudência e uma doutrina maioritária não hesitam em assinalar-lhe a natureza de um contrato de mandato, não representativo, ordenado, justamente, para a realização dos actos jurídicos inerentes ao pagamento do cheque.

dd.Esta qualificação é extraordinariamente importante, dado que, em tudo o não for objecto de regulação específica, são aplicáveis as regras do mandato, seja directamente seja por força da extensão de regime das regras desse tipo contratual a todas as modalidades atípicas de contrato de prestação de serviço (artº 1156 do Código Civil).

ee.E, na situação em apreço, atento as regras do mandato referenciadas e ao facto de se tratar de cônjuges e, ainda, do facto da Recorrida ser a primeira titular da conta sobre a qual foi sacado o cheque, assinado pelo co-executado sob sua autorização e mandato, que também ela, Recorrida, deve ser considerada parte legítima e, consequentemente, figurar como co-executada.

ff. Está em causa o disposto nas alínea a), b) do n.º 1 do artigo 1691.º do Código Civil, pelo exposto e porque a Recorrida não fez qualquer prova, como lhe incumbia, de que não tenha dado consentimento aos mútuos as quais se presumem que se destinaram a ocorrer aos encargos normais da vida familiar.

A sentença recorrida mostra-se em desconformidade e julgou incorrectamente, atento as regras do ónus da prova e em contradição, entre outros, com o disposto nos artigos 45.º, N.º1, 46.º, N.º 1 AL. C), 820.º. do Código Processo Civil e alíneas a) e b) do artigo 1691.º do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito cujo Douto suprimento de V. Ex.as se invoca,

Deve ser o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a Sentença recorrida na parte em que considerou Ilegítima para efeitos da Execução dos presentes autos a ora Recorrida B... e, consequentemente, proferido acórdão no sentido da procedência da pretensão do Recorrente, pois só assim é de DIREITO e só assim será feita JUSTIÇA!

            Contra-alegando, a executada-opoente B..., pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em a prova ter sido bem apreciada e ter sido correctamente aplicada a lei, atenta a factualidade apurada, designadamente, que é sobre o executado-oponido, que impende o ónus de provar o proveito comum, o qual, nos termos legais, não se presume.

           

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4 do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos itens 5.º a 8.º, dos factos dados como provados na sentença recorrida e;

B. A quem compete a alegação e prova dos factos integradores da comunicabilidade da dívida com base no proveito comum e consequente responsabilização da executada pelo pagamento da dívida exequenda.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1) C... intentou a presente execução para pagamento de quantia certa contra A...e B..., com vista a haver destes a quantia de 359.051,00 (trezentos e cinquenta e nove mil e cinquenta e um euros);

2) No requerimento executivo, o Exequente alegou o seguinte:

“ O exequente é portador do cheque n.º 9202128133, sacado sobre a conta n.º (...), da Caixa (...) o qual titula o montante de € 359.000, 00 (trezentos e cinquenta e nove mil euros).

É titular da conta e do cheque a Executada B... e o cheque em apreço foi livremente emitido e assinado pelo Executado A...;

O cheque supra identificado destinava-se ao pagamento de diversos mútuos – (que, nos termos do disposto no art.º 1142º do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade) – efectuado pelo Exequente aos Executados, desde 1997 e, além disso, comporta, em termos de montante, diversos empréstimos, conforme declarações de dívida emitidas pelo Executado, que se anexam e cheques que, tal como o que ora é levado em execução, não foi honrado.

Efectivamente, após indicação nesse sentido pelo Executado A..., o Exequente, por diversas vezes, dirigiu-se ao balcão da Caixa (...) para proceder à cobrança do montante titulado pelo cheque, tendo sido informado que a conta em apreço não tinha fundos suficientes para o efeito e que o depósito do cheque iria acarretar as despesas inerentes à devolução.

Ora, o cheque é por definição uma ordem de pagamento à vista expedida contra um Banco sobre fundos depositados na conta do emitente para o pagamento do beneficiário do cheque. É, ainda, um título de crédito que consubstancia uma ordem dirigida ao Banco no sentido de pagar ao seu legítimo possuidor o valor nele inscrito, mais precisamente é “um título cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, ordem de pagar à vista a soma nele inscrita.

Nos termos do disposto no art.º 46º, al. C) do CPC, o cheque configura a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária e neste contexto é, ainda, caracterizado como um documento particular, assinados pelo devedor, que importa a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinado ou determinável nos termos do art.º 805º.”

3) Com o requerimento executivo foi junto um cheque sacado sobre a conta n.º (...) na qual consta como primeira titular B... e como outros titulares o executado A..., no valor de € 359.000,00, datado de 04.04.2012 e no qual se encontra aposta a assinatura do executado, não tendo tal cheque sido apresentado a pagamento;

4) Com o requerimento executivo foram também juntas oito declarações constantes dos autos principais de execução a fls. 5 a 8 verso, e cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, em que consta como declarante o ora executado e em que este declara ser devedor do Exequente nas quantias nelas apostas, contendo tais declarações a assinatura feita pelo punho do executado;

5) O exequente nunca emprestou quaisquer quantias à executada B..., que do mesmo nada sabia nem tirou qualquer proveito o benefício;

6) A aqui executada B... não contraiu qualquer dívida para com o Exequente, nem deu a sua autorização ou consentimento para o mesmo;

7) A executada apenas teve conhecimento da sua situação com a citação para a presente acção;

8) Dos empréstimos feitos ao executado A... não resultou qualquer dívida que tenha revertido em proveito comum do casal, executado e seu cônjuge, nem para a aquisição de bens e satisfação de interesses comuns;

9) A conta bancária a que se alude em 3) pode ser movimentada pelos dois titulares aí referidos;

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada – relativamente aos itens 5.º a 8.º dos factos dados como provados na sentença recorrida.

Alega o recorrente que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos itens 5.º a 8.º da matéria de facto dada como provada na sentença, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como provados tal como refere na conclusão k), estribando-se, para tal, na prova documental junta aos autos (cheque exequendo, declarações de dívida emitidas pelo executado A..., documentação relativa à titularidade da conta a que se reporta o aludido cheque e a sentença que decretou o divórcio entre ambos os executados) e nos depoimentos das testemunhas G... e D....

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do nCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, as respostas postas em causa pela ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Alteração da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e constante dos respectivos itens 5.º a 8.º.

           

Como se verifica da leitura destes itens, a matéria em causa prende-se com a questão de saber se o exequente emprestou ou não quaisquer quantias à executada e se do empréstimo que aquele fez ao executado, a executada retirou ou não, qualquer benefício ou proveito; entendendo o Tribunal a quo que, quanto a tal se provou que a executada não contraiu qualquer empréstimo do exequente, nem do concedido ao executado para ela resultou qualquer benefício ou proveito.

Ao invés, o exequente entende que se deve dar como provada a matéria que elenca na conclusão k), em resumo, que o empréstimo foi concedido ao casal constituído por ambos os executados, não se sabendo quando a executada disso teve conhecimento e, ainda, que não resultou provado que o empréstimo não tenha revertido em proveito comum do casal, como melhor ali consta.

A motivação dada pelo Tribunal a quo, para dar aquela matéria como provada, é a seguinte (cf. fl.s 68):

“Em primeiro lugar, cumpre referir que na seleção da matéria de facto - provada e não provada - atrás transcrita e posto que nos autos foi dispensada a seleção da matéria de facto assente e controvertida teve o tribunal em conta as regras pelas quais se deve pautar tal seleção.

Assim, selecionou os factos tendo em conta as regras da repartição do ónus da prova, limitou a seleção aos factos que apresentam interesse para a decisão da causa e omitiu qualquer referência a matéria de direito e/ou conclusiva.

Assim, a factualidade alegada em sede de oposição à execução quanto aos artigos que resultaram demonstrados resultou basicamente da aplicação das regras do ónus da prova, pois, a quem incumbia demonstrar o proveito comum do casal e o consentimento para o contrair da dívida era ao exequente já que era este quem se pretendia fazer valer do regime estabelecido no artigo 1691º do Código Civil, já que o ambos os títulos juntos à execução (autos principais) apenas contemplam o executado marido.

Na verdade, as testemunhas inquiridas não revelaram grande conhecimento da matéria em discussão nos autos, todas depondo num registo assaz vago e nada circunstanciado, não podendo o Tribunal retirar dos mesmos qualquer conclusão fáctica com um grau de certeza minimamente aceitável.

No mais, e quanto à matéria que resultou demonstrada da contestação à oposição, a mesma resultou pelo simples compulso do cheque junto aos autos principais de execução e, bem assim, dos documentos juntos a fls. 60 e 61 (informação bancária relativa à conta solidária dos executados sobra a qual foi sacado o cheque dado à execução. No que concerne á factualidade dada como não demonstrada, tal resultou face à total falência da prova a seu respeito, pelos motivos que já s deixaram supra explicitados.

Assim, e em conclusão, feita a apreciação crítica da prova, não podia o tribunal apreciar a matéria de facto de modo diferente daquela que acima se deixou expressa.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelo recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvidos, na íntegra, todos os depoimentos prestados pelas testemunhas que depuseram acerca desta questão, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

A testemunha G... , amigo dos executados há mais de 30 anos, referiu apenas que há alguns anos, o executado lhe referiu ter pedido dinheiro, mas não sabe a quem o fez, nem quanto pediu, bem como, igualmente, afirmou desconhecer qual a razão de o executado ter tido necessidade de pedir dinheiro emprestado, nem para quê.

Desconhece se a executada B... teve ou não conhecimento de tais empréstimos o que fundamenta no facto de o executado lhe ter dito que “a mulher não sabia nem podia ter conhecimento”.

D... , amigo do executado desde 2004, referiu nada saber acerca dos empréstimos em causa.

E... , amigo do exequente, desde a infância de ambos e que conhece o executado dadas as funções de funcionário bancário que este exerceu, disse que o exequente lhe referiu ter “emprestado mais de 300.000 euros ao A...” e que tais empréstimos foram motivados por o executado “ter umas contas para acertar com as heranças da mulher”.

A testemunha F... , filho do exequente, referiu que o pai lhe disse que “tinha emprestado dinheiro ao A...” e que este, de cada vez que lhe pedia dinheiro assinava uma declaração e entregava-lhe um cheque pré-datado.

Acrescentou que o pai lhe disse que lhe emprestou o dinheiro porque “o A... andava a construir uma clínica e a tratar de uma herança”.

Analisados estes depoimentos e relativamente à matéria de facto posta em crise com o presente recurso e que, como acima já referido, se prende com a questão de saber se os empréstimos que estão na génese dos presentes autos foram apenas concedidos ao executado, ou a ambos; se a executada deles teve conhecimento ou neles consentiu e; por último, se dos mesmos, a executada retirou algum proveito, o que se prende com a questão do destino que foi dado às quantias mutuadas, é forçoso concluir que a prova testemunhal produzida é muito débil, para não dizer completamente irrelevante.

Efectivamente, as testemunhas G... e D..., referiram nada saber relativamente aos mencionados empréstimos, alegadas motivações e destino, eventualmente, dado às quantias mutuadas.

Por seu lado, as testemunhas E... e F..., apenas disseram o que lhes havia sido transmitido pelo próprio exequente, sem que demonstrassem qualquer conhecimento directo, pessoal e fundado, acerca das matérias em causa.

Também da prova documental junta, nada releva que nos ajude a decidir a matéria de facto a dar como provada e não provada.

As declarações de dívida encontram-se assinadas apenas pelo executado e nelas nada se refere quanto às razões que subjazem ao acordo nelas plasmado, intervenção ou conhecimento da executada nem quanto ao destino a dar às quantias mutuadas.

O teor do cheque exequendo, como é óbvio, também nada retrata quanto a tal e, não obstante ter como suporte uma conta em que figura como 1.ª titular a executada, apenas se mostra assinado pelo executado, a tal nada obstando, em desabono da sua eficácia, dado que se trata de conta que podia ser movimentada por qualquer deles.

Por outro lado não se pode esquecer que as regras de repartição do ónus da prova estão vocacionadas para intervir aquando da aplicação do direito aos factos e não no momento em que se fixa a matéria de facto (relevante) a considerar como provada ou não provada, determinando que, no caso de não demonstração dos factos que suportam as pretensões de cada uma das partes, a decisão (de direito) tenha de ser desfavorável à parte a quem incumbia a sua demonstração, de acordo com aquelas regras.

Assim, não é por não se ter demonstrado qual o destino que foi dado às quantias mutuadas que, em virtude de ser ao exequente que incumbia o ónus da prova de tal facto, se tenha, forçosamente, de concluir que as quantias correspondentes a tais empréstimos não tenham sido aplicadas em proveito comum do casal (que, aliás, encerra um conceito/questão misto ou complexo, cuja verificação depende da prova do destino do dinheiro que origina a dívida ou bens adquiridos e num segundo plano, de direito, tendo em conta a sua concreta aplicação, se o mesmo preenche o conceito legal de “proveito comum”), nem para a aquisição de bens e satisfação de interesses comuns a ambos os executados.

Consequentemente, por nada se saber acerca do destino que foi dado às quantias mutuadas ao executado, sendo que, de igual modo, nada pode fundamentar a conclusão de que a executada também solicitou tais empréstimos (ninguém o disse, nem isso se retira de qualquer outro elemento probatório), nem que esta deles tivesse ou não conhecimento ou os tenha ou não autorizado, tão só se pode ter por assente que o empréstimo foi apenas concedido ao executado.

Pelo que, se passa a fixar a matéria de facto descrita nos itens 5.º a 8.º da sentença recorrida da seguinte forma:

5.º - O exequente não emprestou quaisquer quantias à executada B...;

6.º - A aqui executada B... não contraiu qualquer dívida para com o exequente;

7.º e 8.º - Não provado.

            Em consequência do o ora decidido, passam os itens 5.º e 6.º dos factos provados, a ter a redacção ora referida, e eliminam-se dos mesmos os itens 7.º e 8.º.

Assim, procede, parcialmente, quanto a esta questão, o presente recurso, em função do que se altera a factualidade que foi dada como provada (e não provada) na sentença recorrida, em conformidade com o ora decidido.

B. A quem compete a alegação e prova dos factos integradores da comunicabilidade da dívida com base no proveito comum e consequente responsabilização da executada pelo pagamento da dívida exequenda.

Alega o recorrente que tendo indicado no requerimento executivo a causa debendi que é constituída pelo contrato de mútuo que favoreceu ambos os executados, é à executada que incumbe o ónus da prova de que não se verifica nenhuma das circunstâncias que impeça a comunicabilidade da dívida, designadamente que em nada deles beneficiou nem resultou em proveito comum do casal, então, constituído por ambos os executados.

A recorrida, por seu turno, defende que é ao exequente que incumbe o ónus da prova de tais factos, não se presumindo o proveito comum, nos termos do disposto no artigo 1691.º, n.º 3, do Código Civil.

Na sentença recorrida decidiu-se pela inexistência de título executivo contra a executada, por a mesma não ter assinado o cheque exequendo, nem se verificar nenhuma das situações de comunicabilidade da dívida, nos termos do artigo 1691.º, n.º 1, ora citado.

Dada a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, deixou de estar demonstrada a inexistência do proveito comum, apenas estando assente que o mútuo foi concedido só ao executado, pelo que se impõe averiguar a quem incumbe o ónus de provar o proveito comum a fim de saber se a executada também responde ou não, pela dívida exequenda.

Ora, dispõe o artigo 1691.º do CC que:

“1. São da responsabilidade de ambos os cônjuges:

a) As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro;

b) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar;

c) As dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração;

d) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens;

(…)

3. O proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar.”.

No caso em apreço está em causa saber se a responsabilidade da executada pela dívida exequenda radica no facto de ter consentido ou aproveitado da quantia mutuada ao executado, por o mesmo ter resultado em proveito comum do casal.

Como acima já referido, o apuramento do proveito comum do casal traduz-se numa questão mista ou complexa, envolvendo questões de facto e de direito, residindo a primeira na determinação do destino dado ao dinheiro representado pela dívida e a segunda, já de carácter jurídico, que consiste em averiguar se tendo em conta aquele destino, se encontra preenchido o conceito legal de proveito comum, tal como vem sendo considerado, uniformemente, pela jurisprudência – neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 11/11/2008, Processo 08B3303; de 07/12/2005, Processo 05B1995; de 22/10/2009 e Processo 419/07.6TVLSB.S1, todos disponíveis no sítio do itij.

Quanto ao conceito de “proveito comum”, propriamente dito, tem-se entendido que o mesmo “se afere, não pelo resultado mas pela aplicação da dívida, ou seja, pelo fim visado pelo devedor que a contraiu. Se este fim foi o interesse do casal, a dívida considera-se aplicada em proveito comum dos cônjuges, embora, na realidade, dessa aplicação tenham resultado prejuízos.” – cf. Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, Lições ao curso de 1977/78, Coimbra, 1977, a pág.s 348 e 349.

Em idêntico sentido se pronunciam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. IV, 2.ª Edição Revista E Actualizada, pág. 331 que ali referem que:

“Há assim proveito comum do casal, sempre que a dívida é contraída, tendo em vista um interesse de ambos os cônjuges ou da sociedade familiar em geral (…).

Do que fundamentalmente se trata, portanto, é de saber se o cônjuge administrador, ao contrair a dívida, agiu em vista de um fim comum (ainda que precipitada ou desastrosamente) ou procurou, pelo contrário, realizar um interesse exclusivamente seu, satisfazendo uma necessidade apenas sua.

No primeiro caso, a dívida responsabiliza ambos, seja qual for o regime de bens vigente; no segundo é da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraia (art.1692.º, al. a)).”.

Assim, atento a que a responsabilização de ambos os cônjuges tem de assentar na verificação de qualquer uma das circunstâncias elencadas no n.º 1 do artigo 1691.º do Código Civil, têm os factos que as suportam de se considerar como constitutivos do direito do credor que, por consequência, os tem de alegar e provar, de acordo com as regras gerais do ónus da prova – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Daqui decorre, pois, que é ao credor/exequente que, relativamente à executada, incumbe alegar e provar a existência do proveito comum do casal ou de qualquer outro dos requisitos de comunicabilidade da dívida previstos no referido art.º 1691.º - neste sentido, podem ver-se, os Acórdãos do STJ, de 07/12/2005 e de 22/10/2009, acima já citados.

Conclusão que mais se reforça, se atentarmos a que, nos termos do n.º 3 de tal preceito, o proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar (v. g. artigo 15.º do Código Comercial).

Como referem P. de Lima e A. Varela, ob. cit., a pág. 339 “O preceito (n.º 3 ora citado) parece, à primeira vista, uma inutilidade, visto que, sendo o proveito comum do casal um dos elementos constitutivos da responsabilização de ambos os cônjuges no vasto sector das dívidas abrangidas pela alínea c) do n.º 1, ao demandante incumbiria sempre, de harmonia com os princípios gerais válidos em matéria de ónus da prova, não só alegar como provar a existência deste requisito.

Há, todavia, todo o interesse em destacar a excepção ainda agora indirectamente contida no artigo 15.º do Código Comercial …”.

O mesmo defende Vasco da Gama Lobo Xavier, in RDES, Ano XXIV – N.º 4, Outubro-Dezembro – 1977, pág. 245, (ao comentar a hipótese de comunicabilidade das dívidas prevista na al. d) do artigo 1691.º do CC) que ali refere que “o credor da dívida contraída no exercício do comércio sempre resultará especialmente protegido, na medida em que, diversamente do que aconteceria se apenas pudesse lançar mão do preceituado naquela al. c), não tem que fazer a prova do proveito comum para responsabilizar os bens do cônjuge do devedor. É antes sobre tal cônjuge que recai o ónus de provar que a dívida não foi contraída no proveito comum do casal, a fim de poder beneficiar do disposto na al. d) em atenção a este caso excepcional.”.

 No caso em apreço, não goza o credor/exequente da excepcionalidade de se presumir o proveito comum do casal, a ele incumbindo, nos termos expostos, o ónus de provar qualquer das circunstâncias que fazem operar a comunicabilidade da dívida, tal como previsto no n.º 1 do artigo 1691.º do Código Civil, no que se inclui a prova de que a dívida exequenda foi contraída em proveito comum do casal.

Conclui-se, pois, que é ao exequente que incumbe o ónus da prova de que a dívida exequenda foi usada em proveito comum do casal.

Não o tendo feito, como não fez, e em virtude de se encontrar onerado com tal prova, tem a decisão desta questão de lhe ser desfavorável e por conseguinte se declare, como ocorreu em 1.ª instância, que não goza o exequente de título executivo contra a executada.

Uma última palavra quanto à questão de o cheque exequendo respeitar a uma conta bancária solidária, já que podia ser movimentada por qualquer dos titulares (ambos os executados) e da qual figurava como 1.ª titular a executada (cf. itens 3 e 9).

As contas bancárias solidárias caracterizam-se pelo facto de poderem ser movimentadas, sem restrições, por qualquer dos titulares.

No entanto, em conformidade com o disposto no artigo 513.º do Código Civil, a solidariedade na dívida exequenda só poderia resultar da lei ou da vontade das partes.

Quanto a esta, nada foi demonstrado no sentido de que a executada se responsabilizou pelo seu pagamento.

Por outro lado, a lei aplicável à questão da pretendida comunicabilidade da dívida exequenda e subsequente responsabilização da executada pela sua satisfação é o disposto no artigo 1691.º, n.º 1, al. c), do Código Civil, cujos requisitos de comunicabilidade, como vimos, não se verificam, pelo que, também, por este prisma, não pode ter êxito o recurso em apreço.

Consequentemente, no que toca a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

            Coimbra, 21 de Outubro de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves