Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/15.0T8SAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DATA
CONSTITUIÇÃO
ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
PARTE COMUM
TERRAÇOS
TERRAÇOS DE COBERTURA INTERMÉDIOS
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – SÁTÃO – INST. LOCAL – SEC. COMP. GENÉRICA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1308º E 1421º C. CIVIL.
Sumário: I – O nascimento do direito de propriedade na esfera jurídica de alguém rege-se pela lei em vigor à data da ocorrência dos respectivos factos constitutivos.

II - Uma vez constituído o direito de propriedade sobre um bem, o direito só se extingue pelas formas previstas na lei, como vem referido no artigo 1308º do Código Civil, onde se determina que «Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei».

III - Uma lei que altere posteriormente o estatuto das partes comuns e das partes individuais inerentes à constituição do direito de propriedade horizontal não produz «uma expropriação sem indemnização» de direitos anteriormente constituídos, antes respeita as situações já existentes e consolidadas.

IV - Da leitura das redações vemos que a após a entrada em vigor Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, se eliminou a referência ao «último pavimento», segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de «partes comuns», ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Cimbra
1. Relatório

1.1.-F... e mulher M..., residentes em França, e quando em Portugal na Av. ..., intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra M..., residente na Rua ..., pedindo:

a) a condenação da ré a proceder às obras tidas por necessárias e convenientes à reparação e manutenção do terraço da sua fração – identificada no artigo 7.º da petição inicial - e por forma a evitar que os defeitos que o mesmo apresenta na sua estrutura, paredes e chão, origine e permita infiltrações de água para a fração dos Autores – identificada em 1.º da petição inicial – e que provocam diariamente danos na tinta e massas interiores do teto, paredes e pilares deste;

b) a condenação da ré a proceder, de hoje em diante, a obras de reparação e manutenção frequentes e periódicas que impeçam o terraço de permitir novas infiltrações de águas no prédio dos Autores;

c) a condenação da ré a proceder à execução de obras de reparação dos danos verificados e existentes no teto, paredes e pilares interiores do prédio dos Autores e que têm origem nessas infiltrações;

d) alternativamente em relação pedido elencado na alínea c), a condenação da ré a pagar aos autores a quantia de 3.690,00 euros (três mil seiscentos e noventa euros) que estes terão de despender na realização de obras de reparação dos danos verificados e existentes no teto, paredes e pilares interiores do prédio dos autores e que têm origem nessas infiltrações;

e) em qualquer caso, a condenação da ré a pagar aos Autores a quantia de 2.500,00 euros (dois mil e quinhentos euros), a título de danos morais.

Para fundamentar a sua pretensão os autores invocaram, em curta em síntese, que o terraço pertencente à fração da autora e que se situa imediatamente por cima do estabelecimento comercial dos autores padece de anomalias que têm provocado danos, que especificam, naquele estabelecimento.

1.2. - A ré apresentou contestação, impugnando motivadamente a matéria alegada pelos autores e invocando, como matéria excetiva, a sua ilegitimidade processual para intervir no presente pleito, pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada, caso não se julgue a R. parte ilegítima.

1.3. Os AA., após notificados nos termos do art.º 3º do C.P.C., responderam à exceção de ilegitimidade invocada, pugnando pela sua improcedência.

1.4. Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador“stricto sensu”, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, tendo ainda sido tomada posição sobre a exceção de ilegitimidade invocada pela R., tendo a mesma sido julgada improcedente.

1.5. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após foi proferida decisão, onde se decidiu:

a) Condenar ré a proceder às obras tidas por necessárias e convenientes à reparação e manutenção do terraço da sua fração, identificada no ponto 4. da matéria de facto assente, por forma a evitar que os defeitos que o mesmo apresenta, identificados no ponto 8. daquela matéria, originem e permitam infiltrações de água para a fração dos autores, identificada no ponto 1. matéria de facto assente e que provocam os danos elencados no ponto 10. matéria de facto assente;

b) Condenar a ré a proceder, de hoje em diante, a obras de reparação e manutenção frequentes e periódicas que impeçam o terraço de permitir novas infiltrações de águas no prédio dos autores;

c) Condenar a ré a proceder à execução de obras de reparação dos danos verificados e existentes nas superfícies interiores (paredes, tetos e elementos estruturais - vigas e pilares) da fração dos autores, situados por baixo do terraço da ré, que têm origem nessas infiltrações, elencados no ponto 10. matéria de facto assente;

d) Alternativamente em relação à obrigação constante do ponto antecedente, condeno a ré a pagar aos autores a quantia de €289,53 (duzentos e oitenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos), à qual acrescerá o IVA em vigor, pela realização de obras de reparação dos danos referidos no ponto 10. da matéria de facto provada;

e) Absolvo a ré do demais peticionado.

            1.6. Inconformada com tal decisão dela recorreu a R. terminando a sua motivação com as conclusões que se seguem:

...

            1.7. Os AA. contra-alegaram não tendo findado a motivação com conclusões: ...             1.8. Os Senhores Desembargadores Adjuntos tiveram visto dos autos, cumpre decidir.

                                   2.Fundamentação

                                   2.1. Factos provados

...

                                   3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

Assim, são três as questões a decidir, a saber:

I - Se a R. é parte ilegítima na presente acção, ou seja se existe ilegitimidade passiva.

II - Se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

 II - Ou caso não se entenda a existência da ilegitimidade invocada, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva a R.

3.2. Tendo presente que são três as questões em análise, por uma questão de método vejamos cada uma de per si.

Porém, antes de entrarmos na análise das questões supra, como questão prévia, cabe verificar se o despacho que considerou a R. parte legitima transitou em julgado, como alegam os recorridos.

Vejamos.

Segundo a recorrente o recurso interposto sobre esta matéria é tempestivo, não havendo caso julgado,  porquanto face à redacção do art.º 644º do C.P.C. esta decisão não é susceptível de impugnação autónoma; citou nesse sentido António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2016, 3.ª edição, fls. 169, pelo que nos termos do disposto no n.º 3 deste preceito pode ser impugnada da decisão que ponha termo ao processo.

            Preceitua o art.º 644º do C.P.C. 

«1 — Cabe recurso de apelação:

            a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

            b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

            2 — Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

            a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;

            b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;

            c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;

            d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

            e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;

            f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;

            g) De decisão proferida depois da decisão final;

            h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;

            i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.

            3 — As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

4 - ….»

 Operando à leitura da alínea b) do n.º 1 e às várias alíneas do n.º 2 do preceito verificamos que a questão em apreço não se enquadra em qualquer delas.

Assim, temos para nós que forçosamente a situação terá de cair no n.º 3 do preceito, razão pela qual e advogando o entendimento do Sr.º Conselheiro António Abrantes Geraldes, na obra citada, a questão apreciada no saneador ainda não transitou em julgado, pelo que é legal a sua apreciação neste recurso.

I - Se a R. é parte ilegítima na presente acção, ou seja se existe ilegitimidade passiva.

A questão que temos entre mãos consiste em saber se o terraço através do qual se deram as infiltração é uma parte comum do edifício, compropriedade dos condóminos, ou é propriedade individual da R.

Temos para nós que se trata de parte comum, ao contrário do entendimento pugnado na decisão recorrida.

 1.º-  O nascimento do direito de propriedade na esfera jurídica de alguém rege-se pela lei em vigor à data da ocorrência dos respectivos factos constitutivos.

Com efeito, uma vez constituído o direito de propriedade sobre um bem, o direito só se extingue pelas formas previstas na lei, como vem referido no artigo 1308.º do Código Civil, onde se determina que «Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei».

Por conseguinte, o direito de propriedade no que respeita ao mencionado terraço constituiu-se de acordo com a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e de acordo com o respectivo título constitutivo.

Uma lei que altere posteriormente o estatuto das partes comuns e das partes individuais inerentes à constituição do direito de propriedade horizontal não produz «uma expropriação sem indemnização» de direitos anteriormente constituídos, antes respeita as situações já existentes e consolidadas.

Por isso, os direitos já definidos não podem ser afectados.

O que se afigura estar de acordo com o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, onde se dispõe que «Quando a lei dispõe (…) sobre (…) quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos».

Com efeito, uma lei que posteriormente à constituição da propriedade horizontal altere a definição legal acerca daquilo que é parte comum do edifício ou parte individual de um edifício construído em regime de propriedade horizontal, versa sobre um facto, ou seja sobre a construção de um edifício com determinadas características, que o tornam apto para a constituição da propriedade horizontal, e versa também sobre os efeitos desse facto, isto é sobre que partes do edifício são obrigatoriamente comuns, individuais ou livremente submetidas pelo título a uma destas situações jurídicas, pelo que a nova lei só se aplica às situações factuais que surjam após a sua vigência.

2.ª – No caso em apreço existiu uma alteração legislativa no que respeita ao artigo 1421.º do Código Civil onde se definem quais são as partes comuns do edifício submetido ao regime da propriedade horizontal.

Com efeito, no caso dos autos, à data da constituição da propriedade horizontal, a al. b) do n.º 1 do Artigo 1421.º do Código Civil dispunha que eram comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento».

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, reformulou esta norma, a qual passou a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».

Face à atual redação da al. b) do n.º 1 do Artigo 1421.º do Código Civil, não existiria qualquer dúvida no sentido de que o terraço em causa seria parte comum, desde logo por se ter provado que – “A fração da ré fica no andar imediatamente superior e seguinte à fração dos autores, sendo que, por cima de uma parte do estabelecimento comercial dos autores, se localiza a habitação propriamente dita e na parte de trás do estabelecimento comercial, a sul, se localiza o terraço” – ponto 6. dos factos provados.

Porém, a lei à luz da qual tem de se verificar se o referido terraço é parte comum ou individual, seria a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e tal lei seria a que resulta da redacção primitiva do Código Civil, por a constituição da propriedade ter ocorrido em 14 de Novembro de 1989 (cfr. 5. dos factos provados ao remeter para fls. 20 – fls. onde se encontra o titulo de propriedade horizontal), antes da actual redacção.

Afigura-se, no entanto, que a nova redacção dada à al. b) do n.º 1 do Artigo 1421.º C. C., pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, constitui lei interpretativa em relação à anterior redacção (neste sentido Ac. Rel. de Coimbra de 23/9/2008, proc. n.º 521/1996, relatado pela Desembargadora Sílvia Pires, nossa adjunta, ao escrever «anteriormente era a seguinte a redacção desta alínea, a qual correspondia à versão original do C. Civil de 1966, que quase copiou o ponto 2.º do artigo 13º do antigo Decreto-Lei n.º 40.333:

O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento.

Na vigência desta redacção discutiu-se se tal previsão abrangia os chama­dos terraços de cobertura intermédios, isto é os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varanda a estas.

Enquanto uns consideravam que tais terraços estavam incluídos na previ­são da transcrita alínea (vide os seguintes acórdãos da Relação de Lisboa de 23 de Março de 1982, relatado por Eliseu Figueira, na C.J., Ano VII, tomo 2, pág. 173, da Relação de Lisboa de 27 de Abril de 1989, relatado por Ianquel Milhano, na C.J., Ano XIV, tomo 2, pág. 151, da Relação do Porto, de 2 de Julho de 1991, relatado por Mettelo de Nápoles, na C.J., Ano XVI, tomo 4, pág. 231, da Relação do Porto, de 3-11-1994, relatado por Cesário de Matos, na C.J., Ano XIX, tomo 5, pág. 197,  outros sustentavam opinião contrária (Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Maio de 1991, relatado por Diniz Nunes, na C.J., Ano XVI, tomo 3, pág. 148).

Ora, como as alterações efectuadas pelo DL 267/94, de 25/10, não esque­ceram o estudo atento das decisões judiciais que sobre esta matéria e ao longo do tempo se têm vindo a pronunciar, a nova redacção introduzida à alínea b) do artigo 1421º, n.º 1, do C. Civil teve como intenção acabar com as dúvidas que a anterior redacção suscitava relativamente aos terraços de cobertura intermédios, optando pela sua inclusão no seu âmbito de previsão.

Estamos, pois, perante uma lei interpretativa que se integra na lei inte­grada (art.º 13º do C. Civil), pelo que o esclarecimento interpretativo efectuado deve ser considerado para classificar um terraço de cobertura intermédio, mesmo que a propriedade horizontal tivesse sido constituída em data anterior à entrada em vigência do referido DL 267/94, como sucede neste caso».

Como referiu Batista Machado, «Para que uma Lei Nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a Lei Nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora» in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pág. 246/247.

Como se sabe a solução dada à questão em análise era controvertida, quer na doutrina quer na jurisprudência.

Com efeito, a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal dispunha que «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento» - al. b) do n.º 1 do Artigo 1421.º do Código Civil.

Após o Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, a norma foi reformulada passando a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».

Da leitura das redacções vemos que a após a entrada em vigor Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, se eliminou a referência ao «último pavimento», segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de «partes comuns», ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.

Ora, já era possível chegar a esta conclusão no âmbito da lei antiga, como resulta do antes exposto, embora aquela norma desse também origem a decisão em sentido oposto.

Temos para nós, e advogando o entendimento perfilhado no Ac. desta Relação, supra citado n.º 521/996, relatado pela nossa adjunta Desembargadora Sílvia Pires, que a nova lei veio colocar termo à controvérsia, sendo por isso uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange as situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Código Civil, onde se dispõe que «1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

No caso dos autos resulta provado que o terraço mencionado nos autos é a cobertura de uma parte do estabelecimento comercial dos AA, ou seja servindo de “telhado”, sublinhado é nosso.

Como já deixamos referido, in supra, temos para nós que o terraço integra as partes comuns do edifício e não uma parte individual da R.

Às razões supra referidas, neste sentido, cabe ainda acrescentar outras, a saber:

- Em primeiro lugar cumpre ter presente, como se referiu no ponto 4 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 40.333, de 14 de Outubro de 1955, relativo à definição dos bens comuns aos diversos proprietários, diploma que definiu o regime da propriedade horizontal até ao início de vigência do novo Código Civil, que «A ideia fundamental sobre a qual deve repousar o critério de distinção entre as coisas comuns e as coisas de propriedade singular parece ser esta: devem considerar-se comuns, na falta de título em contrário, as coisas que se encontram afectadas ao uso comum dos diversos proprietários.

Quanto a nós tal não significa que – uso em comum e propriedade comum – andem necessariamente associadas no capítulo do domínio horizontal. Concebe-se perfeitamente que uma coisa possa ser usada por alguns ou todos os interessados, que todos os co-utentes concorram por esse facto para as respectivas despesas de conservação e funcionamento e, no entanto, a propriedade dela caiba a um ou a alguns deles apenas, não sendo é esse o regime correspondente à intenção com que, em regra, agem os interessados».

Desde logo, por a natureza e função do direito de propriedade horizontal não excluir que uma parte do prédio pode ser comum e, no entanto, o seu uso exclusivo pode encontrar-se reservado para um dos condóminos.

 Em segundo lugar, a letra e o sentido da norma constante da al. b) do n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil apontam no sentido de se considerarem como partes comuns os terraços com função de cobertura.

Com efeito, afigura-se ser esse o sentido imediato da norma: são comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento».

Com efeito, toda a cobertura de um edifício ou parte de um edifício interessa ao universo dos condóminos, pois a cobertura tem uma função de protecção da totalidade ou de parte do edifício.

A natureza comum de tais partes do edifício justifica-se apelando ao interesse comum que existe no sentido de garantir permanentemente a segurança e protecção do edifício, pois a boa manutenção das coberturas do edifício (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), torna-se necessária para garantir a «saúde» do edifício.

No sentido dos terraços que servem ao mesmo tempo de cobertura serem sempre comuns, independentemente do piso em que se situam, pronunciou-se Rui Miller, in Propriedade Horizontal, 3.ª edição revista e actualizada. Almedina, 1998, pág. 156,  ao comentar a nova redacção dada à al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, ao referir «O Decreto-Lei n.º 267/94, além de aditar a este artigo o n.º 3, introduziu ligeiras alterações nas alíneas b) e d) do n.º 1 e d) do n.º 2.
Na primeira dessas alíneas, veio afirmar que são comuns o telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção e não apenas, como constava, ao do último pavimento. Veio, assim, tornar certo o que já podia concluir-se por interpretação do texto anterior: pois que, sendo o telhado ou a cobertura do edifício essencial à normal fruição do prédio por todos os condóminos, o seu uso por um só deles, seja ele o do último pavimento ou de qualquer outro, ou por parte ou pela totalidade daqueles, é insusceptível de desvirtuar a natureza comum dessa parte do edifício»,
 Ac. S.T.J. de 16/10/2003, do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Novembro de 2003).

Em sentido oposto pronunciou-se Moutinho de Almeida, in Propriedade Horizontal. Almedina, 1996, pág. 57, ao referir que «Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor, telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de “terraza a livello», Ac. Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 8 de Abril de 1997, www.DGSI.pt, identificado com o número 96A756 onde refere «I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, o terraço

intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento. II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrário do artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), do citado Código. III - O artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, não abrange os terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros andares. IV - Mesmo que assim não devesse entender-se, a nova redacção desse preceito dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica às situações jurídicas constituídas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficaram legalmente determinados com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos, como sucede no caso de o terraço já ter sido afectado ao uso exclusivo de determinado condómino no domínio da lei na sua primitiva redacção, sob pena de se atribuir efeito retroactivo à nova redacção do preceito, efeito que ela não tem» e Ac. do mesmo venerando Tribunal datado de 8 de Abril de 1997, relatado pelo Conselheiro  Machado Soares.            Ponderando as várias posições, temos para nós, como já deixamos referido in supra, que a tese que melhor se adequada às normas legais é a primeira porque é aquela que promove os interesses dos condóminos, dado que os terraços de cobertura existentes nos edifícios, dados os riscos que apresentam para a degradação dos edifícios, não podem ficar na dependência da vontade individual de um ou alguns condóminos.

No caso em apreço estamos perante um terraço de cobertura que serve de parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso.

Sendo que também não vimos diferença entre esse terraço intermédio que tem função de cobertura, “telhado” ainda que situado numa posição intermédia e um mesmo espaço físico agora colocado no topo do edifício mas agora coberto com um telhado (deixando de ser terraço)  (cfr. neste sentido  o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2003 (Luís Fonseca), em www.dgsi.pt, identificado sob o n.º 03B2567, onde se escreveu: «E tais terraços de cobertura tanto podem ser do último pavimento como de pavimentos intermédios pois onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir ser outro o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica neste caso».

Assim, face ao exposto temos para nós que assiste razão ao recorrente e por conseguinte a R é parte ilegítima da presente acção, sendo absolvida da instância.

II - Se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Face ao referido em I), esta questão ficou prejudicada, pelo que não se conhece dela.

 II - Ou caso não se entenda a existência da ilegitimidade invocada, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva a R.

Face ao referido em I), esta questão ficou prejudicada, pelo que não se conhece dela.

            4. Decisão.

Em face de todo o supra exposto, acordam os Juízes na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

a)-Julgar procedente o recurso no que concerne à invocada ilegitimidade da R. e por consequência absolvê-la da instância.

b) Não conhecer o recurso quanto aos pontos II) e III) supra, por terem ficado prejudicados pela decisão proferida em I).

Sem custas

Coimbra, 15/11/2016
Des. Pires Robalo (relator)

            Des. Sílvia Pires (Adjunta)

            Des. Jorge Loureiro