Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/15.6JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 374.º, N.º 2, E 379.º, N.º 1, AL. A), DO CPP; ART. 40.º, 71.º, 72.º, 131.º E 132.º, N.º 2, ALS. E) E H), DO CP
Sumário: I – As meras declarações do arguido em audiência de julgamento, por si só, “não estava bem e tinha bebido” e “se voltasse atrás não o fazia”, para além de não merecerem a credibilidade do tribunal, não configuram qualquer justificação que diminua a culpa do arguido ou se traduza em arrependimento e não são factos essenciais que o tribunal devesse apurar e dar como provados.

II – A decisão da matéria de facto mostra-se devidamente fundamentada e não se mostra omitido o exame crítico, quando são indicadas as provas, que sendo de tal modo concludentes e não contraditadas ou postas em causa, o tribunal, com base nas mesmas descreve os factos e circunstâncias em que ocorreram e tratando-se de prova testemunhal, perante a evidência dos factos se limita a dizer que “as testemunhas depuseram com rigor, objectividade, sem animosidade merecendo credibilidade”, mostrando-se assim cumprida a exigência da apreciação crítica da prova exigida pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.

III – A atenuação especial da pena, por via do art. 72.º, do CP mostra-se manifestamente infundada quando apenas intervém a favor do arguido o facto de ser primário e há circunstâncias agravantes que influenciam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do arguido e a necessidade da pena.

IV – O tribunal de recurso só deve alterar as penas concretamente aplicadas quando forem notórios o desvio e violação dos critérios legais apontados para a sua fixação, nos arts. 40.º e 71.º, do CP.

Decisão Texto Integral:







Processo comum com intervenção do tribunal colectivo da Comarca de LEIRIA - Instância Central – Secção Criminal – Juiz 1.


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Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório

No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , casado, trabalhador de máquinas pesadas, nascido a 23.01.1970 na freguesia e concelho da Batalha, filho de (...) e de (...) e residente na Travessa (...) , em Leiria, actualmente em prisão preventiva à ordem destes autos, tendo sido condenado:

a) Como autor material e em concurso real pela prática de:

- um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art. 131.º e 132.º n.º 2 al e) e h) ambos do CP na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão;

- um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º n.º 1 al c) por referência aos art. 3.º n.ºs 1 e 6 al c), 2.º n.º 1 al p), s), aj) e ar) e n.º 2 al a), c), d), h), m), s), u) e n.º 3 al b) e c) da Lei 5/2006 de 23/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei 17/2009 de 6 de Maio na pena de 2 (dois) anos de prisão.

- em cúmulo jurídico condenamos o arguido na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

b) Na procedência parcial do pedido de indemnização civil, foi condenado a pagar às demandantes a quantia global de 195.000,00€, (cento e noventa e cinco mil euros) a que acrescem juros, sobre 30 000,00 € desde a notificação e sobre 165 000,00 € desde a data do acórdão.

c) Foram declarados perdidos a favor do Estado:

- a espingarda caçadeira de dois canos justapostos, calibre 12, com fuste e coronha em madeira; com o número de série 30632, de tiro a tiro de dois canos de alma lisa com o comprimento de 70 cm, com sistema basculante,

- 16 cartuchos de calibre 12 encontrados na casa do arguido;

- uma bucha de cartucho calibre 12 encontrada no local dos factos;

- quatro cartuchos de calibre 12, deflagrados, encontrados na cozinha (2) e na sala (2), bens apreendidos a fls. 53;


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Inconformado com o acórdão recorreu o arguido, o qual, em síntese pugna redução da pena, formulando, as seguintes conclusões:

«1. O objeto do presente recurso é o Douto Acórdão final proferido a fls .... dos autos, que, para além das custas e encargos, condenou o Arguido A... :

a) Pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 132.º nºs 1 e 2, alíneas e) e h) do Código Penal, na pena de 21 (VINTE E UM) anos de prisão.

b) Pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p pelos artigos 86.º n.º 1 al. c) por referência aos artigos 3.º n.ºs 1 e 6 alínea c), 2, n.º 1 alínea p), s), aj) e ar) e n.º 2 alínea a), c), d}, h), m), s), u) e n.º 3 alínea b) e c) da Lei 5/2006 de 23/2 na redação que lhe foi dada pela Lei 17/2009 de 6 de Maio, na pena de 2 (DOIS) anos de prisão.

2. EM CÚMULO JURÍDICO, nos termos do art. 77.º do Código Penal, CONDENOU o Arguido, A... , na pena única de 22 (VINTE E DOIS) anos;

3. Condenou o Arguido no pagamento das custas criminais, fixando a taxa de justiça em 2 (dois) UC's.

4. E ainda, JULGOU PROVADO E PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL deduzido contra o Arguido A... condenando-o, a pagar a quantia de 195.000,00 € (cento e noventa e cinco mil euros), a que acrescem juros, sobre 30.000,00 € (trinta mil euros) desde a notificação e sobre 165.000,00 € (cento e sessenta e cinco mil euros) desde a data do acórdão.

5. Na verdade, o arguido A... foi o autor dos crimes de que vinha acusado.

6. A ilicitude do acto levado a cabo pelo arguido é considerada bastante elevada.

7. O arguido agiu com intenção directa de causar a morte a H... , ou seja, o seu comportamento revestiu a forma mais grave de culpa.

8. Não obstante, importa ponderar que o arguido sofre de perturbações afectivas e inconstância emocional e necessita de intervenção terapêutica ao nível psicológico e psiquiátrico.

9. A situação de desemprego, os hábitos alcoólicos e o gradual desgaste da relação conjugal terão suscitado um agravamento numa postura social do arguido tendencialmente hostil conflituosa.

10. A pena aplicada de 22 anos de prisão efectiva ao arguido, que é um jovem de 45 anos à data dos factos, em nada poderá contribuir para a sua reinserção social, dado a sua medida excessiva, que só poderá resultar em desvantagens para a sua reinserção na sociedade.

11. Atendendo assim a que existem sérias razões para crer que da atenuação da pena resultarão vantagens seguras para a reinserção do arguido, deve esta ser atenuada, atendendo não só às condições pessoais do arguido mas também ao arrependimento que o mesmo demonstrou em audiência.

12. Assim, o Douto Acórdão sub júdice, fez errada interpretação do disposto no artigo 70.º, 71.º e 72.º do Cód. Penal e artigo 29.º, da C.R.P., pelo que deve ser revogado e substituído por outro mais adequado à situação descrita.

13. Face a todo o exposto, conclui-se, portanto, que a douta decisão faz uma aplicação inadequada e violadora do disposto no art. 29.º da C.R.P. e nos artigos 70.º, 71.º e 72.º do Cód. Penal, pelo que, deve ser revogada e substituída por outra adequada à situação descrita nas motivações, que aqui se avocam, para todos os legais devidos efeitos.

14. Face a todo o exposto, a decisão proferida pelo Douto Tribunal Criminal a quo objeto do presente recurso, deve ser apreciada - quer quanto à matéria de Direito, quer quanto à matéria de facto, - por este Venerando Tribunal da Relação e decidido em conformidade com as motivações e conclusões, supra».


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Notificados os sujeitos processuais, nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, veio o Ministério Público sustentar, em síntese, que o recurso não merece provimento, por o tribunal a quo ter interpretado e valorado devidamente a prova e feito uma correcta aplicação do direito apos factos dados como provados e fixando as penas de acordo com a gravidade dos factos e culpa do arguido.

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Nesta instância, os autos tiveram vista da Exumou Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, emitiu douto parecer no mesmo sentido que o Ministério Público em 1.ª instância, concluindo igualmente que o cordão recorrido não merece censura, devendo ser negado provimento ao recurso.

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Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP não houve respostas.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

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Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

Factos provados:

«1).- O arguido A... alega uma desavença relacionada com questões de propriedade com H... , dizendo A... que H... queria apoderar-se de terrenos da sua pertença.

2).- Em ocasiões anteriores, A... já anunciara a H... que, por esse motivo, o mataria.

3).- No dia 27 de Abril de 2015 decidiu concretizar a anunciada intenção de matar H... .

4).- Cerca das 19 horas foi buscar a caçadeira, municiou-a e dirigiu-se a H... que se encontrava num terreno agrícola sito na Travessa ..., em ... a trabalhar com um tractor disparando, com a caçadeira de marca Buhagsuhl, modelo Handwerksarbeit, nº 30632 de calibre 12mm, quatro tiros, sendo que o primeiro atingiu o H... na perna direita, o segundo atingiu o H... na zona dorsal junto da omoplata esquerda e os terceiro e quarto na zona frontal da cabeça, tendo estes dois últimos disparos causado a destruição dos tecidos e ossos do crânio de H... .

5).- Bem como a projecção de massa encefálica a 2 e 3 metros do corpo da vítima, com entrada do projéctil na parte frontal da cabeça, junto da testa e saída na zona da orelha direita e parte posterior da cabeça.

6).- Os disparos desferidos pelo arguido provocaram no corpo de H... :

- na parte direita da perna direita, junto ao gémeo, múltiplas perfurações típicas de projécteis de arma de fogo;

- na zona do músculo peitoral direito, junto da clavícula, quatro perfurações de forma oval, com cerca de 0,5 cm de comprimento com características de saída de pequenos projécteis de arma de fogo;

- na zona dorsal, abaixo da omoplata esquerda, oito perfurações com características de entrada de pequenos projécteis de arma de fogo;

- na cabeça, por cima do nariz, uma fractura craniana extensa, com perda de massa encefálica;

- fracturas múltiplas dos ossos do crânio, com maior destruição, com perca de osso e de massa encefálica, na zona posterior da cabeça e junto da orelha direita, que foram causa directa e necessária da morte de H... , verificada no local pelas 19h50.

7).- De seguida, o arguido abandonou o local, refugiando-se numa zona de mato, levando consigo a arma e cartuchos.

8).- A arma de fogo: é uma espingarda caçadeira de dois canos justapostos, calibre 12, com fuste e coronha em madeira; com o número de série 30632, de tiro a tiro de dois canos de alma lisa com o comprimento de 70 cm, com sistema basculante e encontra-se em mau estado de conservação, mas em bom estado de funcionamento.

9).- Os cartuchos que o arguido detinha consigo e no interior da sua residência, todos próprios para deflagrar na arma supra referida, têm as seguintes características:

- quatro cartuchos de calibre 12, com a inscrição Semi Magnum de marca Cheddii, de chumbo nº 6,

- dois cartuchos de calibre 12, da marca Fiocchi

- dois cartuchos calibre 12, com a inscrição Polvichumbo de chumbo nº 7

- um cartucho de calibre 12, com a inscrição Qivlio fiocchi lecco, da marca Fiocchi

- um cartucho calibre 12 da marca Fiocchi

- um cartucho calibre 12 com a inscrição Polvichumbo

- cinco cartuchos de calibre 12, com a inscrição Polvichumbo, de marca Cheddite, carregados com um projéctil único designado por “balote”.

10).- Ao disparar contra o corpo de H... , o arguido agiu com intenção alcançada de lhe tirar a vida

11).- Tendo anunciado por várias vezes o seu propósito em momentos anteriores.

12).- Sabia que não lhe era permitido deter ou usar a arma e munições supra descritas.

13).- Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

14).- I... era mulher do falecido H... .

15).- J... e L... são filhas do falecido H... e de I... .

16).- I... e suas filhas J... e L... são as únicas herdeiras do falecido H... .

17).- À data deste trágico acontecimento, o falecido H... era uma pessoa alegre, com muita vontade de viver, saudável, muito sociável, que amava a sua família e trabalhava para o bem-estar da mesma.

18).- As demandantes sofreram um enorme desgosto e uma profunda dor com a morte de seu marido e pai.

 19).- Recordam-no permanentemente e a sua memória perdurará por muito tempo.

20).- O H... era o suporte económico da sua casa e ajudava as suas duas filhas.

21).- Explorava um talho onde vendia carne proveniente de animais que criava.

22).- Vendia animais vivos.

23).- Com a morte do H... a venda de animais vivos findou.

24).- A actividade de comércio de venda de carnes, ficou reduzia ao mínimo e permanece ainda activa devido a ajudas de terceiros.

25).- O H... amanhava, tratava e cultivava os seus próprios terrenos.

26).- No ano de 2013 declarou um rendimento ilíquido de 29 016,73 €, e

27).- No ano de 2014 declarou um rendimento ilíquido de 36 992,34 €.

28).- O arguido é delinquente primário.

29).- A... é o mais novo de 5 filhos do casal progenitor, sendo que a mãe sempre foi doméstica e o pai, madeireiro, faleceu quando o arguido tinha apenas cinco meses. O arguido recorda uma infância na qual passou por muitas dificuldades económicas e destaca a existência de episódios de violência física e verbal da progenitora para com os filhos. Estes acontecimentos parecem ter tido um impacto negativo no seu processo de desenvolvimento, dado que os sentiu como uma desprotecção. A relação entre os irmãos é caracterizada por vínculos afectivos entre todos.

29.1).- O arguido ingressou na escola com 7 anos de idade, abandonado o ensino com 11 anos e apenas concluiu o 1º ano do ensino básico. Refere que esta situação se deveu às dificuldades de aprendizagem, mas também ao facto de ter começado a trabalhar como criado de servir desde muito novo e os patrões não o deixarem ir à escola. Mais tarde, já adulto, concluiu o 4.° ano de escolaridade.

29.2).- Com 14 anos e com o intuito de se livrar dos maus tractos alegadamente infligidos pela progenitora fugiu de casa e até aos 18 anos trabalhou na pastorícia e na agricultura.

29.3).- Com 18 anos regressou ao agregado materno e passou a trabalhar nas obras, actividade que desenvolveu até aos 24 anos. Nesta idade foi trabalhar com máquinas industriais para a fábrica de cimentos da ..., sendo esta a profissão que desempenhou até 2011.

29.4).- Com 25 anos de idade começa a viver maritalmente com M..., com quem viria a casar dez anos depois. Deste relacionamento nasceu uma filha, actualmente com 20 anos. O agregado viveu inicialmente e durante dois anos em casa dos sogros do arguido, depois passaram a residir em casa arrendada.

29.5).- Uns anos depois o arguido e a mulher construíram a habitação da família, com recurso a empréstimo bancário em ..., ... onde passaram a morar. A... recorda que esta mudança não foi pacífica em virtude de não ter sido bem aceite pela vizinhança, alegadamente por não aprovaram que construísse a sua casa naquele local.

29.6).- Segundo o arguido, a dinâmica conjugal no início do relacionalmente era pautada pela existência de vínculos afectivos, mas a relação foi-se desvanecendo alegadamente porque a mulher alterou o seu comportamento isolando-se socialmente.

29.7).- Refere que a mulher apenas convive com alguns familiares e com os patrões onde faz algumas horas como empregada de limpeza.

29.8).- A filha mantém uma relação de afectividade mais próxima com a mãe, e de algum afastamento para com ele.

29.9).- O arguido ficou desempregado há 3 anos devido à extinção do posto de trabalho, situação que se repercutiu negativamente não só na sustentabilidade económica da família mas também na maior deterioração da relação conjugal. Quando trabalhava refere que o seu salário (850 € mensais) era ajustado às necessidades familiares.

29.10).- Com a situação de desemprego e a instabilidade conjugal, A... iniciou um processo de hábitos etílicos, ingerindo bebidas alcoólicas em excesso quase diariamente. Reconhece esses abusos, porém nunca considerou a necessidade de efectuar qualquer tipo de tratamento.

29.11).- O arguido conta que, por influência da mulher e da filha, procurou ajuda psicológica mas que apenas fez dois meses de medicação e acompanhamento terapêutico, por achar suficiente. Aos longos dos anos A... foi mantendo contendas e discussões com os vizinhos, que originaram diversas queixas na GNR de Leiria e consequentes intervenções judiciais. Contudo, nunca foi condenado por estes acontecimentos.

29.12).- À data dos factos constantes na acusação o arguido morava na casa de família com a mulher e a filha. Embora reconheça que a relação com a mulher era fria e distante, refere que existiam alguns momentos de intimidade entre ambos.

29.13).- A... era beneficiário do fundo de desemprego, auferindo 415 € mensais, a estes rendimentos acresciam cerca de 200 € mensais que recebia de alguns biscates que fazia na agricultura.

29.14).- Todavia, explica que se encontrava numa situação financeira muito difícil, pois não estava a conseguir efectuar os pagamentos bancários referentes à habitação. Esses encargos estão a ser suportados pelo irmão do arguido N..., que foi fiador da dívida. N... confirma esta situação e refere que embora com muita dificuldade continua a pagar o empréstimo da habitação do irmão para que a cunhada e a sobrinha não fiquem sem ter onde morar.

29.15).- O arguido mantinha uma vida pessoal e social muito exposta, referindo que gostava de ocupar os seus tempos livres no café onde frequentemente lanchava com a nova namorada, refere também que gostava de a levar a bares e discotecas.

29.16).- Socialmente o arguido é referenciado como uma pessoa trabalhadora, mas muito reivindicativa e de postura hostil (mantinha discórdias com alguns vizinhos por questões de terras e de estremas). São conhecidos actos de violência no relacionamento social, principalmente nos cafés que frequentava, nomeadamente quando estava alcoolizado.

29.17).- Em termos pessoais, o arguido aparenta alguma inconstância emocional.

29.18).- Quando foi preso preventivamente, por manifestar um evidente estado de ansiedade e sintomas de abstinência alcoólico, foi sujeito a tratamento médico e encaminhado para acompanhamento psiquiátrico.

29.19).- Com a família de origem, em particular com os irmãos a relação do arguido é próxima e apoiante, recebendo visitas destes no estabelecimento prisional.

29.20).- A mulher e a filha nunca o visitaram.

29.21).- A... aparenta um certo distanciamento emocional.

29.22).- No EPL o arguido mantém um comportamento consentâneo com as regras institucionais, sem ocorrência de registos disciplinares, já teve alta clínica e encontra-se inactivo.

29.23).- O conhecimento da comunidade sobre os factos de que o arguido vem acusado, gerou um forte impacto social.

29.24).- A imagem social do arguido está associada aos constantes conflitos que protagonizava e há muito a comunidade residencial temia um acontecimento da natureza do que consta nos autos.

b).- factos não provados

-- não se provou que o A... tenha tomado a decisão de tirar a vida ao H... dois dias antes do dia 27 de Abril e que tenha ficado duas noites dentro do seu carro em vigia àquele, perto de sua casa, mantendo uma caçadeira de marca Buhagsuhl, modelo Handwerksarbeit, nº 30632 de calibre 12mm guardada num terreno próximo.

c).- fundamentação dos factos provados e não provados:

Os factos acima provados tiveram por fundamento os seguintes meios de prova, ponto 1 declarações do arguido, mas que solicitado a esclarecer os ditos problemas, limitou-se a dizer que o terreno onde tem a sua casa há 13 ou 14 anos construída, fora anteriormente da vítima, mas nada mais adiantou além disto, donde pudesse concluir-se a existência de desavenças relacionadas com terrenos; a viúva I... disse que o terreno onde o arguido tem a casa foi amanhado por si e seu falecido marido durante 20 anos, mas entregaram o terreno pacificamente, sem qualquer problema; mais acrescentou que não tem qualquer terreno seu confinante com terrenos do arguido; ponto 2 a viúva I... ouviu do arguido dizer por mais do que uma vez que “um dia lhe dava um tiro”; pontos 3 a 5 a testemunha I... , viúva do falecido H... , andava a sulfatar batatas e o marido ao volante do tractor a fresar; o tractor estava voltado para a estrada, daí vem o arguido que aparece de frente para o seu marido e faz dois disparos; ao ouvir estes dois disparos retira a máquina das costas e vai ter com o seu marido; o marido encontrava-se nas traseiras do tractor; vê o arguido com a arma na mão, apercebe-se que foi ele que disparou contra o seu marido, agarra-se à arma tentando retirá-la das mãos do arguido; este dá-lhe um empurrão afastando-a e uma vez livre dela, dirige-se ao seu marido e a uma curta distância faz dois disparos na direcção da cabeça do H... e que lhe acertaram em cheio; o relatório da autópsia nas suas conclusões refere “as lesões traumáticas encontradas denotam haver sido produzidas por instrumento perfuro contundente, podendo ter sido devidas a disparo de arma de fogo do tipo caçadeira, num número mínimo de quatro disparos, dois dos quais atingindo a região cefálica, com características de disparo a muito curta distância e os restantes atingindo o tronco e membro inferior direito, estes com características de disparo a longa distância, atenta a dispersão corporal das lesões produzidas pelos projécteis”; ponto 6 relatório de autópsia médico legal de fls. 270; ponto 7 a testemunha P... , Sargento da GNR disse que foi chamado ao local, viu a mulher do arguido à janela, entrou em casa com permissão desta, no interior da residência havia muitos cartuchos deflagrados, encontrou o arguido com a arma no meio das pernas numa zona de mato; o arguido também declarou que após o sucedido fugiu para o mato com a arma e adormeceu; pontos 8 e 9 características da arma e dos cartuchos pelo auto de exame directo de cadeira de fls. 80, bem como pelo relatório do exame pericial à espingarda e cartuchos de fls. 37 e seguintes; ponto 10 é o que se pode concluir do relatório da autópsia sobretudo quanto aos dois últimos disparos, feitos a muito curta distância da vítima, direccionados para a cabeça; ponto 11 depoimento de Q... ouviu o arguido a dizer-lhe uns dias antes deste trágico acontecimento “para comprar roupa preta que a vida do seu cunhado - referia-se ao H... - ia ser breve; a viúva I... também ouviu o arguido dizer por mais do que uma vez que “um dia lhe dava um tiro” referindo-se ao seu marido; ponto 12 a informação do núcleo de armas e munições da PSP de fls. 114 diz que a espingarda caçadeira usada pelo arguido para tirar a vida ao H... está manifestada em nome de O... não sendo o arguido portador de licença para o seu uso; o arguido não tem licença de uso e porte de arma nem armas registadas em seu nome, conforme informação de fls 70; ponto 13 reporta-se ao dolo e ele resulta das presunções materiais, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência. – Ac RP de 23.2.83 BMJ 324-620. Quanto ao elemento subjectivo, apenas cumpre citar as palavras de Malatesta (A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pág 172) quando refere que “o homem ser racional não obra sem dirigir as suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim”. Ou como refere o Ac do STJ de 26.10.2011 Procº 19/05.5JELSB.S1 “no que concerne ao elemento subjectivo do tipo, a partir do momento em que se demonstram os pressupostos de facto que indicam a prática de actos integrantes do tipo legal imputado, a afirmação do elemento subjectivo é uma questão de dedução lógica, ou seja, e também aqui, de prova indiciária; pontos 14 a 25 resulta da conjugação dos depoimentos de B... , C... ; D... ; E... e F... , cujos depoimentos coincidiram dizendo o que fazia o H... , o comércio que tinha, como ficou a actividade económica da família após a sua morte; foram ainda elementos de prova o relatório social de fls 377; pontos 26 e 27 pelas declarações de fls 267 e 268; a testemunha F... que tem sociedade com o TOC G... disse que a actividade do H... se podia caracterizar nestes termos: 70% dos seus ganhos resultavam do comércio de venda de gado vivo e os 30% restantes da actividade de talho; RC de fls 381; pontos 29 e seguintes pelo relatório social de fls 378 e seguintes. Foram ainda elementos de prova o auto de busca e apreensão de fls 53 e o Auto de Inspecção Judiciária do Gabinete Perícia Criminalística de fls 28 e seguintes onde se pode ver a zona de cultivo da propriedade onde a vítima se encontrava a trabalhar; vista da retaguarda do tractor, onde ainda se encontrava a vítima prostrada no solo; fotografia das lesões exuberantes no crânio do H... e a distância a que ficou massa encefálica do mesmo.  

Os não provados porque sobre eles não incidiu qualquer depoimento e não há nos autos outros elementos que permitam resposta diferente.

Apreciação crítica da prova: as testemunhas depuseram com rigor, objectividade, sem animosidade merecendo credibilidade; os relatos médicos e o relatório da autópsia, estão em consonância com o que disseram as testemunhas. Pelo conjunto de toda a prova carreada para os autos, não temos a mais pequena dúvida que foi o arguido que tirou a vida ao malogrado H... e o fez pelo modo que se deixou descrito na factualidade provada».


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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir no âmbito do recurso:

a) Apreciar se o acórdão sofre de nulidade prevista nos art. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por não ter valorado e apreciado criticamente a prova.

b) Medida concreta da pena: Apreciar se as penas devem ser atenuadas especialmente ou reduzidas, face à matéria de facto provada.

Apreciando:

Questão prévia:

Como atrás se refere são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso, as quais devem sumariar as questões expostas na motivação.

No caso dos autos o recorrente não é coerente com as questões suscitadas na motivação e as conclusões.

Na motivação limita-se a levantar questões sem qualquer fundamentação.

A fls. 506 diz concretamente que o objecto e delimitação do recurso se traduz no seguinte:

1. Toda a matéria de facto e de direito do acórdão.

2. Errada valoração da prova.

3. A medida da pena aplicada.

É notória a confusão da motivação, pois suscita várias questões, designadamente relativamente quanto à matéria de facto que diz existir errada valoração da prova e que houve “erro de julgamento”.

Diz concretamente que o tribunal a quo devia, ter ponderado toda a prova produzida, tê-la analisado e examinado criticamente.

Não o tendo feito, conclui, ofendeu, de forma directa e intolerável os direitos e garantias do arguido, com consequente violação do art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, enfermando o acórdão recorrido de nulidade, por violação do disposto no art. 379.º do CPP.

Escreve o recorrente a fls. 510 da sua douta motivação (ponto 7):

«7. Ora, no caso em apreço, o Tribunal recorrido limitou-se a indicar as provas em que se baseou para dar os factos como provados e também aquelas em que se baseou no que concerne aos factos não provados, não efetuando o necessário exame crítico das provas, nomeadamente a razão pela qual, não deu especial realce às declarações do arguido quando o mesmo mostrou arrependimento, não fazendo qualquer alusão ao mesmo».

Ora, o acórdão não é posto em causa minimamente, com base na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, do CPP, pois na motivação não se apontam quaisquer provas que apontem em sentido diverso da decisão recorrida.

Por outro lado, quanto à errada valoração da prova não é apontado concretamente em que se traduz e não resulta qualquer indício nesse sentido do texto do acórdão, quanto à existência dos vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do CPP.

A confusão continua, pois a fls. 511 da motivação (ponto 12) escreve o recorrente:

« 12. Assim, o Douto Tribunal “a quo" não configurou a existência dos factos essenciais constantes nos pontos supra, ao ora arguido, pelo que, com o devido respeito por melhor opinião, há erro de julgamento. Estes factos deveriam ter sido considerados provados».

Esses factos são declarações do arguido de que “não estava bem e tinha bebido” e o arrependimento que extrai da declaração “se voltasse atrás não o fazia”.

O que se extrai do recurso é que estas observações nada têm a ver com a valoração da prova, pois não consubstanciam o vício de erro notório na apreciação da prova e aquelas simples declarações não se traduzem em arrependimento e nem implicam qualquer diminuição da culpa.

Se por ventura tivessem interesse para a decisão consubstanciariam antes a omissão d etais factos o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto.

Em conclusão, estamos apenas perante duas questões minimamente claras a decidir no âmbito do recurso, que é a falta de fundamentação e a medida da pena, que o recorrente diz ser exagerada.


*

a) Da nulidade prevista nos art. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por não ter valorado e apreciado criticamente a prova.

Alega o recorrente que o tribunal a quo ao não ter indicado, ainda que resumidamente, os analisou e examinou a prova criticamente e ao não tê-lo feito ofendeu os direitos e garantias do arguido, com a consequente violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP e incorrendo o acórdão da nulidade prevista pelos art. 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, todos do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação.

Apreciemos pois a falta de fundamentação alegada.

Nos termos do art. 97.º, n.º 5, do CPP “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

O julgador, devendo obedecer a regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com referência aos elementos probatórios e os termos em que foram apreciados.

Assim, nos termos do disposto no art. 374.º n.º 2 CPP “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

Relativamente à redacção anterior do referido preceito legal, a revisão do CPP levada a cabo pela Lei 59/98 de 25 de Agosto, aditou a exigência do exame crítico das provas.

Na verdade o Tribunal Constitucional já havia julgado inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º CPP/87, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do art. 205.º da CRP, bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art. 32.º CRP (Acórdão nº 680/98, P. 456/95, 2ª Secção, de 2 de Dezembro de 1998, DR II Série, nº 54, 99.03.05, pág. 3315.).

Significa isto que, para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tenha ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito.

O objectivo dessa fundamentação é, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 2.ª Ed., III, pág. 294 a de permitir “ a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.

Como escreve Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processo Penal, pág. 229, “ Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.

Também a propósito da fundamentação das sentenças refere Eduardo Correia "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, “convencer” as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por “convencido” sugere" - Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184.

Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles.

É isto a fundamentação a que se alude no art. 374.º, n.º 2, do CPP.

Impõe-se pois, que no exame crítico se indique, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da sua convicção.

Ora, nesta perspectiva o acórdão em análise não só está fundamentado, como devidamente fundamentado, constando da mesa a motivação, através da qual o tribunal explica o modo como chegou à matéria dada como assente, designadamente quanto às razões por que deu como assentes os factos integradores do crime de homicídio, na forma que consta do acórdão, aquele que está em causa na motivação de recurso e não valorou ou atribuiu qualquer significado a declarações prestadas pelo arguido.

Sobre os factos provados o tribunal a quo não se limitou a indicar os meios de prova em que se baseou, constando da convicção os meios probatórios que sustentam os diversos pontos da matéria de facto, não se limitando a fazê-lo de forma genérica, mas ponto por ponto ou por pontos agrupados.

Mostra-se esclarecido nos autos a relevância ou falta dela que o tribunal deu às declarações do arguido.

Quanto à forma e circunstâncias como ocorreram os factos foi determinante o depoimento da testemunha I... , que referiu as desavenças a vítima seu marido e o arguido e as ameaças que este vinha fazendo, referindo designadamente que “um dia lhe dava um tiro”.

Esta testemunha que se encontrava no local a sulfatar batatas e o marido ao volante do tractor a fresar; presenciou a chegada do arguido, disparando dois tiros.

Depois de ter feito os dois disparos a testemunha I... tenta foi ao encontro do marido e apercebendo-se que fora o arguido o autor dos disparos, ao ver o arguido com a arma na mão, agarra-se à arma tentando retirá-la das mãos do arguido e este depois d esse livrar dela a uma curta distância faz dois disparos na direcção da cabeça do H... .

Nada nos autos se vislumbra que ponha em causa esta versão dada pela esposa do falecido.

É inquestionável que o relatório de autópsia revela que as lesões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento perfuro contundente, adequadas a disparo de arma de fogo do tipo caçadeira, num número mínimo de quatro disparos, dois dos quais atingindo a região cefálica, com características de disparo a muito curta distância e os restantes atingindo o tronco e membro inferior direito (o que está em consonância com o depoimento da testemunha I... ) estes com características de disparo a longa distância, atenta a dispersão corporal das lesões produzidas pelos projécteis, conforme consta de fls. 270.

A testemunha P..., Sargento da GNR, o qual se deslocou ao loca após os factos, encontrou o arguido com a arma no meio das pernas numa zona de mato.

O próprio arguido admitiu que após o sucedido fugiu para o mato com a arma e adormeceu.

O propósito de matar o H... foi referido também pelo depoimento de Q... a que o arguido disse “para comprar roupa preta que a vida do seu cunhado ia ser breve”.

Toda a factualidade relacionada com a conduta do arguido, designadamente o crime de homicídio que de uma forma confusa o recorrente põe em causa quanto à fundamentação, está claramente descrita pelo tribunal a quo no acórdão recorrido, não deixando quaisquer dúvidas ou ambiguidades e devidamente fundamentada nos meios probatórios que indicou e com a necessária e suficiente a apreciação crítica, considerando que as testemunhas depuseram com rigor, objectividade, sem animosidade, concluindo assim que por isso lhe mereceram credibilidade.

Também o tribunal a quo não se esqueceu de referir que a prova pericial constante dos médicos e o relatório da autópsia estão em consonância com versão das testemunhas, que depuseram em audiência de julgamento.

A justificação relativamente à realidade dos factos que o tribunal deu como assentes, advém da apreciação que fez da prova e neste domínio o acórdão não padece notoriamente do vício de erro notório na apreciação da prova, constante do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

Concluímos deste modo que o acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, de acordo com as exigências do art. 374.º, n.º 2, do CPP, não sofrendo assim da nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 379.º, n.º 1, al a), do mesmo diploma legal.


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b) Da medida concreta das penas: atenuação especial e redução.

O arguido foi condenado:

- Por um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art. 131.º e 132.º n.º 2 al e) e h) ambos do CP, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão;

- Por um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º n.º 1 al c) por referência aos art. 3.º n.ºs 1 e 6 al c), 2.º n.º 1 al p), s), aj) e ar) e n.º 2 al a), c), d), h), m), s), u) e n.º 3 al b) e c) da Lei 5/2006 de 23/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei 17/2009 de 6 de Maio na pena de 2 (dois) anos de prisão.

- Em cúmulo jurídico na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

Os crimes em apreço têm as seguintes molduras penais abstractas:

Crime de homicídio - 12 a 25 anos de prisão.

Crime de detenção de arma proibida – 1 a 5 anos ou multa até 600 dias.

Alega o recorrente que na fixação das penas foram violados os art. 71.º e 72.º, do CP e art. 29.º, da CRP sem especificar dentro destes normativos em que termos concretamente foram violados, limitando se a concluir no fim da motivação, sem fundamentação, a dizer que a condenação do arguido foi “indevida, injusta, excessiva e desproporcional”, o que depois verte nas conclusões sob os n.ºs 10 a 13.

Não basta discordar das penas aplicadas.

Impõe-se que o recorrente aponte e especifique em que termos foram violados os critérios prescritos pelas normas acima mencionadas e qual devia ter sido a opção do tribunal a quo.

Aliás, é este o procedimento processual apontado pelo art. 412.º, n.º 2, al. b), do CPP, isto é, o recorrente, para além de discordar do sentido perfilhado das normas violadas, deve indicar, no seu entendimento, em que termos devem aplicadas.

Mas, face á matéria de facto dada como demonstrada, vejamos se as penas em que o arguido foi condenado se se mostram adequadas em função da culpa com que o arguido actuou e a gravidade dos factos.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Feito o enquadramento jurídico-penal dos factos há que determinar a medida concreta da pena, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

Nesta conformidade, na determinação concreta das penas há que atender às diversas circunstâncias influenciadoras.

A culpa do arguido assume a modalidade de dolo directo e é muito intenso, uma vez que o arguido quis praticar aqueles factos, que programou anunciando por várias vezes a intenção de os levar acabo, bem conhecendo as graves consequências do uso daquela caçadeira.

O arguido agiu iniciando o seu acto criminosos com persuasão e determinação, o que fez desferindo quatro tiros de caçadeira marca Buhagsuhl, modelo Handwerksarbeit, nº 30632 de calibre 12mm sobre a vítima, sendo que o primeiro atingiu o H... na perna direita, o segundo atingiu o H... na zona dorsal junto da omoplata esquerda e os terceiro e quarto, a curta distância, na zona frontal da cabeça, tendo estes dois últimos disparos causado a destruição dos tecidos e ossos do crânio de H... .

O acto final de consumação revela uma brutalidade absolutamente anormal, não dando qualquer hipótese de defesa à vítima e contradiz em absoluto o tom suavizador que se pretende dar à conduta do arguido na motivação de recurso, disparando à “queima roupa” sobre o H... , não lhe dando qualquer hipótese de escapar ao fim trágico, como se extrai do facto da massa encefálica ter sido projectada a 2 e 3 metros do corpo da vítima, com entrada do projéctil na parte frontal da cabeça, junto da testa e saída na zona da orelha direita e parte posterior da cabeça.

O grau de ilicitude dos factos é elevadíssimo, atentos os valores em causa: supressão da vida humana de uma pessoa, sem qualquer justificação.

Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância, como bem se acentua no acórdão recorrido.

Dado que o crime de homicídio doloso atenta directamente contra o valor ou bem supremo que a ordem jurídica mais presa entre todos, a vida humana, suscita por isso fortíssimas exigências sociais de reprovação.

A conduta arrepiante do arguido expressa nas circunstâncias em que os factos ocorreram revela a total falta de arrependimento do arguido, quando pretende sustentar em julgamento que apenas quis assustar a vítima, ou seja, provocar susto, medo, aterrorizar, amedrontar.

A morte tinha sido anunciada antes aos familiares.

Ora, para assustar e amedrontar a vítima bastava apontar a arma caçadeira, que por si só provocava o efeito pretendido, se tal fosse a intenção do arguido, o que não se compadece com a atitude brutal do arguido, desferindo dois disparos na direcção da cabeça do H... , a cerca de 2 a 3de distância.

A favor do arguido milita apenas o facto de ser delinquente primário.

Neste tipo de crimes, ao nível da prevenção geral há que dar à sociedade uma resposta de confiança na lei, contribuindo para fortalecer a consciência jurídica da comunidade, satisfazendo o sentimento de justiça perante a comunidade, impondo-se mostrar à sociedade através da pena, o quanto são censuráveis estes comportamentos.

Também ao nível da prevenção especial a pena deve servir de emenda e correcção ao arguido, fazendo-lhe tomar consciência o mal que causou à vítima, aos familiares e à sociedade em geral, de forma gratuita e injustificada e que a pena lhe sirva de alerta e reprovação e evitar a prática de actos que ponham em causa a protecção dos bens jurídicos violados que a lei quis acautelar.

Face ao que deixamos exposto, perante as circunstâncias acima descritas em que os factos ocorreram é manifesto que não estão reunidos de forma alguma os requisitos para a atenuação especial da pena de prisão. 

Aliás, não faz qualquer sentido falar em atenuação especial da pena.

Ora, quanto à atenuação especial das penas, cabe dizer que, nos termos do art. 72.º, n.º 1 do C.P., ela só será aplicada, para além dos casos previstos na lei, "quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena".

A favor do arguido intervém apenas a circunstância de não ter antecedentes criminais, mas que é irrelevante para a atenuação especial da pena, como decorre daquele preceito legal.

Não há quaisquer circunstâncias que revelam um comportamento extraordinário que nos permita concluir que diminuem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, conforme exigência do art. 72.º, n.º 1, do CPP.

Assim, para além de manifestamente não estarem reunidos os requisitos para atenuar especialmente a pena, o comportamento do arguido, merece pelo contrário uma elevadíssima censurabilidade.

Face ao exposto, considerando as molduras penais abstractas acima apontadas, ponderadas todas as circunstâncias a favor e desfavor do arguido, de acordo com os critérios enunciados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, as pena concretas, fixadas em 21 (vinte e um) anos de prisão para o crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art. 131.º e 132.º n.º 2 al e) e h) do CP, 2 (dois) anos de prisão para o crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º n.º 1 al c) por referência aos art. 3.º n.ºs 1 e 6 al c), 2.º n.º 1 al p), s), aj) e ar) e n.º 2 al a), c), d), h), m), s), u) e n.º 3 al b) e c) da Lei 5/2006 de 23/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei 17/2009 de 6 de Maio, bem como, em cúmulo jurídico na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão, mostram-se justas e adequadas.

Não se justifica a alteração das penas em que o arguido foi condenado, as quais foram aplicadas, de acordo com a culpa com que o arguido actuou, os bens jurídicos violados, a gravidade das circunstâncias e as finalidades da punição.

O tribunal de recurso só deve alterar as penas quando for notório que houve desvio e violação dos critérios legais apontados para a sua fixação.

Não é manifestamente o caso, pelo que se mantêm tanto as penas parcelares, como a pena única.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... , confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.


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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4UCS (art.513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                               *

NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 6 de Julho de 2016


 

(Inácio Monteiro - Relator)


(Alice Santos - Adjunta)