Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
583/10.7TAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
DECISÃO PENAL
DECISÃO
PEDIDO CÍVEL
LEGITIMIDADE
RECURSO
DEMANDANTE CIVIL
Data do Acordão: 06/24/2015
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE POMBAL - SECÇÃO CRIMINAL - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ART. 401.º, AL. C), DO CPP
Sumário: Constituído caso julgado (formal) da decisão penal, a legitimidade para recorrer do demandante está circunscrita à matéria dos danos alegados no pedido cível.
Decisão Texto Integral:

Decisão Sumária

I. Relatório

No processo comum singular 583/10.7TAPBL da Comarca de Leiria, Instância Local de Pombal, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de discussão e julgamento, em 16.6.2014, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Parte Criminal.

Em face do exposto, julga-se a acusação totalmente improcedente, por provada e, consequentemente,

I. Absolvo o arguido A.... da prática de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código Penal.

II. Absolvo o arguido B... da prática de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 1, al. a), e n.ºs 2 e 3 do Código Penal.

Sem custas criminais - Artigo 513.º e 514.º a contrario do CPP.

Parte civil.

III. Julgo O pedido civil improcedente por não provado e consequentemente absolvo A... e B... do pedido formulado contra si pela Caixa C.... , Crl.

Custas cíveis pelo demandante - artigo 523.º do CPP e 527.º do CPC.

 

Inconformada com o decidido, recorreu a demandante civil Caixa C... , C.R.L., formulando o pedido de condenação solidária dos arguidos no pagamento da indemnização peticionada.

Para tanto impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, invocando erro de julgamento da matéria de facto, e pretendendo que se considerem provados os factos que constam como não provados da sentença recorrida e que constavam da pronúncia, integradores do crime de insolvência dolosa.

Mais invoca o vício de omissão de pronúncia porque a sentença recorrida se não pronunciou sobre os factos alegados no pedido cível sob os nºs 42º a 52º.

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público não interpôs recurso da decisão penal de absolvição.

A demandante e ora recorrente não se constituiu assistente.

Notificados, os demandados B... e A... responderam ao recurso suscitando a questão da inadmissibilidade do recurso e pronunciando-se quanto às questões de fundo pela sua improcedência.

Efectuado o exame preliminar, verificou-se existir motivo para rejeição do recurso interposto, importando proferir decisão sumária.


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            II. Apreciação

A demandante civil recorre da sentença que absolveu o demandado (arguido) do pedido de indemnização civil que formulou por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, entre os quais avulta a existência do facto ilícito.

Não foi interposto recurso da decisão sobre matéria penal, o que significa que transitou em julgado nessa parte a sentença que absolveu o arguido por não se haver provado o facto ilícito criminal que lhe era imputado.

  No presente recurso o recorrente, entre o mais, pretende que se considerem provados os factos que configuram o ilícito que determinou a dedução de pedido cível e que coincide com o ilícito penal.

Tal significa que se o recurso fosse apreciado e considerado procedente existiriam no mesmo processo duas decisões de sentido contrário, uma considerando não provado o ilícito que foi objecto do processo penal e outra considerando-o provado.

Com efeito, deve-se ter presente que nos termos do artigo 71º do Código de Processo Penal o pedido de indemnização civil em processo penal só pode ter por fundamento/causa de pedir o facto ilícito criminal que é objecto do processo.

A possibilidade da prolação de decisões contraditórias no mesmo processo constituiria um grave atentado contra o princípio da segurança e é neste pressuposto que deve ser analisada a questão da recorribilidade/legitimidade para recorrer da demandante.

Preceitua o artigo 401º do Código de Processo Penal sob a epígrafe “Legitimidade e interesse em agir”:

1. Têm legitimidade para recorrer:

a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;

b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;

c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;

d) (…)

A interpretação da citada alínea c) terá, pois de ser compaginada com o respeito do referido princípio, ou seja, a legitimidade para recorrer do demandante civil apenas se pode confinar à matéria dos danos; à parte da decisão que não afecte o caso julgado que já se haja formado por não haverem recorrido o Ministério Público e o assistente da decisão penal.

No caso nem se poderá concluir que ao recorrente foi vedado o direito ao recurso em toda a sua extensão porque tinha legitimidade para se constituir assistente e se se tivesse constituído como parte do processo crime teria a possibilidade de recurso também na parte penal.

No entanto sempre se dirá que se trata de caso de conflito de garantias que nos termos do artigo 18º, nº 2 da CRP sempre teria de ser resolvido com a restrição do direito ao recurso, sob pena de ofensa do princípio estruturante do processo da segurança das decisões judicias.

Neste sentido já se pronunciou esta Relação no Acórdão de 15.6.2011, na senda, aliás, do Acórdão do STJ de 10.12.2008 de 10.12.2008, ambos publicados em www.dgsi.pt.

No que concerne à suscitada questão de nulidade da sentença por “omissão de pronúncia” (na realidade com assento legal no disposto nos artigos 368º, nº 2, 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a) e não na alínea c) deste último preceito que se refere à omissão de pronúncia) deve-se ter presente o disposto no artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal no sentido de que “as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo licito ao tribunal supri-las (…)” regime que supõe que possa ser interposto recurso.

Não sendo o caso, também este Tribunal está impedido de conhecer de eventual nulidade da decisão.

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III. Decisão
Nestes termos e em conformidade com o disposto nos artigos 414º, nºs 2 e 3, 417º, nº 6, alínea b) e 420, nºs 1, alínea b) e 3 do Código de Processo Penal, decide-se rejeitar o recurso interposto pela Demandante, condenando-a no pagamento da importância de quatro UC.
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Coimbra, 24 de Junho de 2015
(Texto processado e integralmente revisto pela signatária).

Maria Pilar de Oliveira