Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANA CAROLINA CARDOSO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO NOVA OMISSÃO DE CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DE SUSPENSÃO AUDIÇÃO PRESENCIAL DO CONDENADO NULIDADE INSANÁVEL | ||
Data do Acordão: | 03/10/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J4 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 53.º E 56.º DO CP; ARTS. 119.º, AL. C), E 495.º, N.º 2, DO CPP | ||
Sumário: | I - Tendo o incidente de incumprimento do plano de reinserção social imposto como condição da suspensão da execução da pena de prisão sido objecto de decisão – a qual, dirigindo ao condenado uma solene advertência, determinou a continuidade da dita pena de substituição –, o reatamento da intenção do tribunal de revogar a suspensão pressupõe novo cumprimento do contraditório do condenado, através da sua audição presencial. II – Nesse circunstancialismo, a preterição da audição presencial do condenado, por colidir com os direitos fundamentais de defesa daquele, constitui a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPP. | ||
Decisão Texto Integral: | Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra “O arguido F. foi condenado nestes autos, por acórdão proferido em 23 de Abril de 2015, há muito transitado em julgado, como autor material de um crime de roubo agravado, p. e p. no art. 210º/n.os 1 e 2-b), por referência ao art. 204º/n.º 2-f), ambos do Código Penal (C.P.), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, sendo todavia a respetiva execução suspensa pelo mesmo período temporal, acompanhada cumulativamente de um regime de prova assente em plano individual de reinserção social focado sobretudo na potenciação e preservação de hábitos de ocupação laboral, nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal (cfr. acórdão de fls. 102 a 108 deste processo, cujo teor ora se dá inteiramente por reproduzido). Pois bem, decorrido todo o (já vasto) tempo desde a prolação do apontado acórdão, percebemos claramente, da análise dos presentes autos, uma certa postura remissa e negligente (para dizermos o mínimo…) do arguido naquilo que tem sido a (não) vivificação do plano de reinserção social a seu tempo definido, notificado àquele mesmo arguido e homologado pelo Tribunal. Plano de reinserção que passou, de forma decisiva, por estar o visado disponível e mostrar-se presente junto dos serviços de acompanhamento sempre que tal lhe fosse solicitado, mormente para fins da manutenção de um programa de abstinência a propugnar e monitorizar pelo Centro de Apoio a Toxicodependentes de Coimbra (plano de fls. 178 a 181), tudo com a finalidade de o afastar do “caminho” da prática de crimes – amiúde ligado, como sabemos, ao consumo de substâncias psicoativas. Após uma primeira fase em que o arguido começou por denotar alguma adesão ao mencionado plano de reinserção social, a verdade é que veio o mesmo a faltar, de forma injustificada e sistemática, às convocatórias que lhe foram sendo feitas por parte dos referidos serviços de acompanhamento. No contexto acabado de aludir, foi levada a cabo a audição do arguido, na presença da técnica dos serviços em causa, em 22 de fevereiro de 2018, tendo então feito o Tribunal uma solene advertência ao primeiro, para que ficasse bem ciente de que não seriam tolerados mais atos de negligência da sua parte relativamente ao cumprimento do plano, dizendo o arguido ficar consciencializado de tal necessidade (cfr., quanto a tais aspetos, o auto de tomada de declarações de fls. 237 a 240). Desde então, e segundo os serviços de acompanhamento do arguido, recomeçou ele por mostrar algum empenho, inscrevendo-se no Centro de Emprego, comparecendo às entrevistas, e ainda a pouquíssimas consultas no Centro de Apoio a Toxicodependentes de Coimbra. Só que, passado algum tempo – e sempre mediante a utilização de expedientes explicativos sem consistência (a par da reafirmação de que não deixaria de consumir droga, por ser essa a sua vontade...) –, deixou novamente, e ao longo de bastantes meses, de comparecer, em termos pontuais, às consultas no mencionado Centro de Apoio a Toxicodependentes. E tanto assim foi que, conforme comunicação de abril do corrente ano de 2019, o arguido primou pela falta injustificada em quatro consultas, em julho, setembro e outubro de 2018 e janeiro de 2019 (fls. 274), tendo comparecido, neste mesmo último ano, somente a uma consulta, no mês de março; acresce, depois, ser visado em um processo na Comissão de Dissuasão da Toxicodependência, por posse de cocaína, onde também não comparece. Por último, diga-se ainda que, se é verdade continuar inscrito no Centro de Emprego, fazendo a renovação de inscrição ao fim de três meses, também não é menos verdade manter-se sem atividade laboral (vide relatório final de fls. 278 e 279). Ao ser notificado para comunicar nos autos o que tivesse por conveniente quanto ao seu incumprimento do plano de reinserção, o arguido nada disse a tal propósito. Ora, no quadro acabado de referir, opinou o Ministério Público no sentido da revogação da suspensão da execução da pena na qual foi o arguido condenado. E, de facto, aqui chegados, considerando todo o tempo transcorrido e as hipóteses concedidas ao arguido, vemos, em uma análise desapaixonada e realista da matéria, que da parte dele não ocorreram o investimento, a atenção e o cuidado que lhe seriam exigíveis para que o plano de reinserção social frutificasse como era suposto, deixando aquele mesmo arguido, pura e simplesmente, de se interessar pelo conteúdo do dito plano, maxime no tocante à questão da sua abstinência e ao acompanhamento que nesse domínio seria suposto ser efetuado pelo Centro de Apoio a Toxicodependentes de Coimbra. Segundo o art. 56º/n.º 1 C.P., «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas». De todos é sabido que a teleologia própria das denominadas penas de substituição, maxime das que substituem penas de prisão de curta duração, reveste uma inegável, embora não exclusiva, “colagem” à consecução dos objetivos de prevenção especial, intimamente conexionados a uma política criminal de reintegração do condenado na sociedade; isto, a par da necessidade de proteção de bens jurídicos (art. 40º/n.º 1 C.P.; a propósito, cfr. Prof. Anabela Miranda Rodrigues, “Critérios de escolha das penas de substituição no Código Penal Português”, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, “Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia”, Coimbra, 1988, págs. 22 e 23, e 31 e ss.). Mais concretamente, impõe o art. 50º C.P. a análise judicativa da especificidade de cada hipótese por forma a poder concluir-se (ou não) por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente, isto é, por forma a entender-se (ou não) que a «(…) censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (…) “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade” (…)». E «para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto». Mas a lei torna também claro que, «(…) na formulação do aludido prognóstico, o Tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto» (Prof. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime”, Lisboa, 1993, pág. 343; no mesmo sentido, vide ainda Ac. Rel. Guimarães de 10/5/2010, in www.dgsi.pt). Ora, a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão situa-se a jusante daquilo que acabamos de expor, devendo as causas da revogação serem entendidas «(…) como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado, com o seu comportamento, que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão» (Drs. Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, “Código Penal Anotado”, volume I, 3ª edição, Lisboa, 2002, pág. 711), e que foram, como vimos, determinantes para essa mesma decisão suspensiva. In casu, e como já dissemos, o arguido denotou um evidente alheamento em relação aos deveres que a ele incumbiam para efeitos de vivificação do plano de reinserção social [art. 54º/n.º 3-a) C.P.]. Assim, e sem outra ilação a extrair, nos termos do art. 56º/n.º 1-a) C.P., declara-se revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido F. foi condenado nos presentes autos, devendo o mesmo arguido, em consequência, cumprir a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão a ele aplicada. ” 1. Estatui o n.º 2 do art. 495.º do C.P.P. que “O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão” (negrito e sublinhado nossos). 2. Como resulta claramente da letra da lei, e vem sendo corroborado pela jurisprudência, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser sempre precedida da audição pessoal e presencial do arguido. 3. In casu, o recorrente não só não foi ouvido pessoal e presencialmente perante o técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento das condições da suspensão como não foi notificado para se pronunciar sobre a revogação da suspensão da pena promovida pelo Ministério Público. 4. Compulsados os autos, verifica-se que tribunal a quo procedeu apenas às seguintes diligências: - Ofício à autoridade policial competente para proceder à notificação pessoal do arguido, com conhecimento da promoção de revogação da suspensão (promoção de fls. 262), notificação esta que não se logrou, conforme resulta da certidão negativa junta aos autos por aquela entidade, não obstante o arguido viver na Rua (…), desde abril 2017; - Notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão, por via postal simples com prova de depósito, remetida para a Rua (…), que não pode considerar-se efetuada, por já não ser esta a morada do arguido e este ter informado os autos da respetiva alteração em fevereiro de 2018. 5. Antes de proferida a decisão de revogação, o tribunal a quo podia e devia, à luz dos normativos legais já mencionados, ter marcado uma data para a audição pessoal e presencial do arguido, recorrendo, sendo caso disso, à emissão de mandados de detenção para fazê-lo comparecer. 6. Ao invés, determinou o tribunal a quo a revogação da suspensão da execução da pena sem ter dado ao arguido a oportunidade de se pronunciar e de exercer os seus direitos de defesa e de contraditório, constitucionalmente protegidos (artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa). 7. A preterição do direito de audição prévia, pessoal e presencial, previsto no artigo 495.º. n.º 2 do C.P.P., constitui nulidade insanável, cominada no artigo 119.º, alínea c), do C.P.P. 8. Impondo-se, deste modo, que o despacho recorrido seja declarado nulo, por violação daquele normativo legal, que a lei comina expressamente com nulidade, e que se determine a audição pessoal e presencial do ora recorrente. 9. Por ter preterido o direito de audição prévia do recorrente, o tribunal a quo não estava em condições de fundamentar a revogação da suspensão, no entanto, e sem prescindir, sempre se dirá que, mesmo os elementos de que o tribunal a quo se socorreu, não permitiam, salvo o respeito por opinião contrária, a revogação da suspensão. 10. No despacho recorrido foi declarada revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, nos termos do art. 56º, nº1, alínea a), do Código Penal (C.P.), invocando-se, em síntese, que “In casu, e como já dissemos, o arguido denotou um evidente alheamento em relação aos deveres que a ele incumbiam para efeitos de vivificação do plano de reinserção social (…)”. 11. E que da parte do arguido” (…) não ocorreram o investimento, a atenção e o cuidado que lhe seriam exigíveis (…), deixando aquele mesmo arguido, pura e simplesmente, de se interessar pelo conteúdo do dito plano (…)”. 12. Ora, os elementos existentes nos autos não só não se revelam suficientes para sustentar a revogação da decisão de suspensão da pena de prisão aplicada à luz do disposto no nº1, al. a), do art. 56.º do C.P. como, pelo contrário, permitiam solução diferente e mais consentânea com a teleologia própria das penas de substituição. 13. Com efeito, por acórdão proferido em 23 de abril de 2015, já transitado em julgado, foi o arguido condenado numa pena de prisão de 3 anos e seis meses, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova “(…) assente em plano individual de reinserção social especialmente focado na potenciação e preservação de hábitos de trabalho e ocupação socioprofissional (…)” (cfr. acórdão de fls. 102 a 108). 14. Se é verdade que, numa primeira fase, o arguido não interiorizou totalmente algumas das obrigações impostas no plano a que se encontrava adstrito, o que veio a culminar numa solene advertência ao arguido em 22 de fevereiro de 2018, não é menos verdade que, desde então, o arguido veio alterando a sua postura. 15. Do primeiro relatório apresentado pelos serviços de reinserção social concluiu-se que o arguido “tem vindo às entrevistas e solicitou a marcação de consulta no CAT”. 16. Da informação clínica datada de 19.07.2018 prestada ao tribunal a quo pelo C.A.T. consta que o arguido compareceu na consulta marcada para o dia 23.05.2018 (a primeira depois da solene advertência proferida). 17. Da informação clínica datada de 04.04.2019 prestada ao tribunal a quo pelo C.A.T. consta que o arguido “comparece com alguma regularidade” (desconhecendo-se, ao contrário das conclusões retiradas pelo tribunal a quo, se são ou não injustificadas as faltas aí referidas, por inexistência de elementos que nos permitam retirar essa ou outra conclusão). 18. Conforme resulta do ofício datado de 02.01.2019, o arguido tem feito a sua reinscrição no IEFP, mantendo-se ativo na procura de emprego. 19. O arguido encontra-se num relacionamento estável, a viver com a mesma companheira de há 4 anos, de quem tem uma filha de 2 anos. 20. Do relatório final apresentado pelos Serviços de Reinserção Social resulta: “(…) F., está mais colaborante, tem vindo a todas as entrevistas que lhe são marcadas.”; “Inscreveu-se numa escola de condução (…) e já fez com sucesso o módulo teórico (…)”; “Inscreveu-se no Centro de Emprego (…)”; “Também se inscreveu no Supermercado… para reposição de produtos e parece motivado com a possibilidade de ir trabalhar.”; “(…) está mais sociável e parece mais empenhado em mudar de vida (…)”; “Relativamente às companhias, aparenta, desde que vive com a companheira, dedicar-se mais à família.” 21. Resulta do exposto que o arguido está empenhado em mudar de vida, traduzindo-se tal empenho em atos concretos (comparece nas entrevistas marcadas; inscreveu-se numa escola de condução; procura espontaneamente emprego, tendo-se inscrito no Supermercado…; …) e não em meras verbalizações. 22. Impunha-se, pois, uma decisão diferente da recorrida. 23. Com efeito, embora os elementos constantes dos autos, nomeadamente os relatórios da D.G.R.S.P. e as informações clínicas do C.A.T. não revelem um comportamento imaculado do arguido, os mesmos também não demonstram que estão irremediavelmente comprometidas as finalidades que por via da suspensão se visaram alcançar. 24. Ainda que se considerassem injustificadas (o que não resulta das informações clínicas prestadas) todas as faltas do arguido junto do C.A.T. (não da D.G.R.S.P., porquanto o mesmo compareceu em todas as entrevistas marcadas, conforme resulta do relatório final apresentado), e tal constitua um comportamento culposo, o grau de culpa do arguido não atinge, no caso, e salvo melhor opinião, uma intensidade tal que comprometa irremediavelmente o juízo de prognose favorável e a reinserção em liberdade que estão na base da aplicação da suspensão da pena de prisão. 25. O comportamento do recorrente não se mostra, pois, suficiente, à luz do artigo do nº1 do art. 56º do C.P. para fundamentar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. 26. Sendo certo que se podia ter permitido ao recorrente uma das soluções previstas nas alíneas do artigo 55.º do C.P., nomeadamente a prorrogação do período de suspensão ou a introdução de exigências acrescidas no plano de reinserção e não a revogação da suspensão da pena de prisão, que constitui a ultima ratio do sistema, a decretar, em última instância, depois de esgotadas todas as outras possibilidades legais. 27.Ao proceder à revogação da suspensão da execução da pena sem que estivessem verificados os pressupostos para a aludida revogação o despacho recorrido violou os artigos 55.º e 56º, n.º 1, do C.P., devendo, por isso, ser revogado. 1.3. Na resposta ao recurso apresentada, o Ministério Público concluiu pela improcedência do recurso. 1.4. No parecer do Ministério Público nesta Relação, conclui-se pela manutenção da decisão recorrida. 2. Conhecimento do recurso O objeto do presente recurso resume-se às seguintes questões:
Conhecendo: Com relevo para a decisão, temos o seguinte historial de atos processuais: Dê igualmente conhecimento do presente despacho (assim como da informação de fls. 258 e da douta promoção que antecede) à ilustre defensora do arguido.» A pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, cujo regime se encontra previsto nos arts. 50º a 57º do Código Penal e 492º a 495º do Código de Processo Penal, foi aplicada ao recorrente na modalidade de suspensão sujeita a regime de prova, tendo sido elaborado e homologado o plano de reinserção a que se refere o art. 494º do Código de Processo Penal. Segundo o art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social”. No caso de incumprimento das condições de suspensão, estabelece o art. 495º do Código de Processo Penal: “1. Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos seus deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51º, no n.º 3 do artigo 52º e nos artigos 55º e 56º do Código Penal. 2- O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão (…)” Nos termos do transcrito n.º 2, o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão é obrigatoriamente precedido da audição pessoal do condenado, visando esta norma efetivar o princípio constitucional do contraditório, consagrado no art. 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. De facto, resultando a revogação da suspensão da execução da pena de prisão o cumprimento de uma pena de prisão (a substituída), a decisão judicial constitui uma alteração superveniente do conteúdo da sentença de condenação que tem como efeito a privação da liberdade do condenado, impondo-se o cumprimento do contraditório e do direito de audiência, conforme previsto no art. 61º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal (“O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, os direitos de… ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete”). Com a audição do condenado prevista no n.º 2 do art. 495º do Código de Processo Penal visa-se proporcionar outros elementos relevantes ao juiz para avaliar se as finalidades que estiveram na base da aplicação da pena substitutiva foram ou não alcançadas no caso concreto, de forma a fundar a decisão de revogação. É que a revogação da suspensão da execução da pena não é, assim, uma consequência automática da conduta do condenado, encontrando-se dependente da verificação da conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 355). Por essa razão se prevê que mesmo no caso de incumprimento culposo, grosseira e/ou reiterado das condições fixadas, o tribunal ainda possa optar por fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, impor novos deveres ou regras de conduta, ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado – o que o recorrente pretende (art. 55º do Código Penal).
Assente temos, assim, a obrigatoriedade de audição do condenado, sob pena de ocorrer a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal – porquanto decorre da própria lei (art. 495º, nº 2, transcrito) que a audição do condenado deve ser pessoal e presencial (veja-se, por esclarecedora, a fundamentação constante do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010, publicado no DR n.º 99, I Série, de 21.5.2010, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., pág. 1252). No caso dos autos, o arguido foi ouvido presencialmente no dia 22.2.2018 sobre o conteúdo do relatório de incumprimento do plano de reinserção social datado de 28.11.2017; no final da sua audição, foi proferido despacho que determinou a continuação dos termos da suspensão da execução da pena determinada – tendo desta forma sido colocado termo ao incidente de incumprimento plasmado no relatório de acompanhamento do arguido. Decorridos três meses, a 3.5.2018, é junto pela DGRSP novo relatório de acompanhamento do arguido, dando conta de uma baixa adesão do condenado às consultas no CAT, referindo-se ter sido solicitada marcação de consulta pelo próprio no dia 23 de abril. Obtida a informação da falta do arguido à consulta marcada para 12.7.2018, foi ordenada a notificação do arguido para se pronunciar a 20.9.2018, nada tendo sido dito nos autos. E, a 19.10.2018, é promovida pelo Ministério Público a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que não foi notificada ao arguido, por não ter sido encontrado. Já em 2019, obtém-se informação de cumprimento parcial das consultas marcadas ao arguido, com o esclarecimento de não se encontrar marcada nova consulta (a última presença do arguido foi registada a 14.3.2019) por indisponibilidade da psicóloga (o que consta do relatório final da DGRSP). O arguido reinscreveu-se no IEFP a 18.12.2018. A DGRSP elaborou o relatório final do plano de reinserção imposto ao arguido a 21.8.2019, e após vista do Ministério Público nos autos, foi de imediato proferido despacho que revogou a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão. O despacho foi proferido decorrido 1 ano e 6 meses após a única audição do arguido ao abrigo do art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e sem que ao mesmo tenha sido dada oportunidade de justificar o seu comportamento (que, objetivamente, melhorou face ao relatório de incumprimento de 28.11.2017) durante esse longo período, sequer através de notificação para o efeito (o que no despacho recorrido se afirma ter sido cumprido, certamente por lapso), que sempre seria insuficiente. O incidente de incumprimento do plano de reinserção social imposto como condição da suspensão da execução da pena de prisão foi objeto de decisão a 22.2.2018, pelo que um reatamento da intenção do tribunal de revogar a pena de substituição pressupõe, naturalmente, novo cumprimento do contraditório do arguido, através nomeadamente da sua audição presencial, que, nos termos sobreditos, é obrigatória – sob pena de nulidade insanável, nos termos dos arts. 61º, n.º 1, al. b), e 119º, al. c), do Código de Processo Penal (cf., entre outros, Ac. desta RC de 6.2.2019, relatado pela Des. Helena Bolieiro, da Relação de Évora de 5.12.2017, proc. 293/03.1TAVFX.E2, da Rel. Lisboa de 24.9.2015, proc. 4/01.6GDLSB.L1-9, da Rel. Porto de 7.2.2018, proc. 24/16.6PDGDM-A.P1, e da Rel. Guimarães de 18.6.2018, proc. 567/08.5GCVNF, todos no endereço www.dgsi.pt). Para além disso, a promoção do Ministério Público de revogação da suspensão da execução da pena de prisão data de 19.10.2018, impondo-se, face ao período temporal decorrido e aos elementos nesse período juntos aos autos, a emissão de novo parecer para os efeitos do art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que é igualmente obrigatório.
Em suma, a falta de audição do arguido nos casos em que a lei comina tal obrigatoriedade, por colidir com os direitos fundamentais de defesa (como é o caso), constitui nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal, interpretada extensivamente, e passível de ser suscitada em recurso, nos termos no art. 410º, n.º 3, do mesmo Código (cf. os Acórdãos desta Relação de Coimbra de 8.11.2006, proc. 162/04.8GAANS-A.C1, de 11.10.2017, proc. 911/13.3GCLRA-A.C1, de 11.9.2019, proc. 31/15.6IDCTB.C2, da Relação de Guimarães de 3.12.2018, proc. 733/09.6PBGMR.G1, de 14-10-2019, proc. 1163/17.1T9VCT.G1, da Relação de Évora de 20.5.2014, proc. 335/09.7IDFAR-A.E1, da Relação do Porto de 11.1.2017, proc. 1884/96.0JAPRT.P1, da Relação de Lisboa de 15.3.2011, proc. 432/08.6POLSB-A.L1-5, todos em www.dgsi.pt; no sentido de se tratar de nulidade secundária, prevista no art. 120º do Código de Processo Penal, cf. o Ac. desta Relação de Coimbra de 16.3.2016, proc. 243/12.4GCLRA.C1). Deverão, assim, ser cumpridas as formalidades omitidas, ou seja, a obtenção de parecer atualizado do Ministério Público e a audição presencial do condenado, na presença do técnico que acompanha o plano de reinserção social homologado, para além de outros elementos que sejam julgados convenientes – art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procederá, nesta medida, o recurso interposto, sendo inútil o conhecimento das restantes questões suscitadas. * 3. Decisão Nos termos expostos, na procedência do recurso, declara-se nulo o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, e determinou o cumprimento da pena efetiva, sem prévia audição presencial deste, nos termos dos arts. 495º, n.º 2, 61º, n.º 1, al. b), e 119º, al. c) do Código de Processo Penal. Sem tributação.
Coimbra, 10 de março de 2021
Ana Carolina Cardoso (relatora)
João Novais (adjunto)
|