Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
920/12.0/TBCTB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: RESOLUÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 09/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 123º E 615º Nº 1 AL. D) DO CIRE
Sumário: I – É a carta resolutória (art.º 123.º do CIRE) que define o objecto da impugnação da resolução de actos em benefício da massa insolvente, pelo que só os actos ou contratos nela indicados, v. g. a compra e venda, podem ser apreciados na respectiva acção, sob pena de, extravasando-se para acto diverso, a respectiva sentença enfermar de nulidade por excesso de pronúncia (alín. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC);

II – É deficiente a fundamentação da carta de resolução que no pedido de resolução se atém apenas a um contrato de compra e venda de prédio misto e não ao de simultânea e incindível transmissão de um estabelecimento comercial nele implantado;

III – É ainda deficiente e falha de fundamentação a declaração resolutiva que se limita à invocação genérica dos pressupostos da resolução.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

A..., Lda.” propos a presente acção de impugnação da resolução de negócio jurídico em benefício da massa insolvente, então com forma de processo ordinário, contra a “Massa Insolvente de B..., Lda.”, pedindo a revogação da resolução constante da escritura pública de “compra e venda e dação em pagamento” outorgada em 15.10.10 no Cartório Notarial da Lic. C...e que teve por objecto o prédio misto, sito em (...), freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz cadastral sob os artigos 81 Secção V e 82 Secção V e na matriz predial urbana sob o artigo (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº (...) e o estabelecimento comercial de restauração e posto de abastecimento de combustíveis instalado na parte urbana, mantendo-se o direito de propriedade da Autora conforme registo constante na competente Conservatória do Registo Predial.

Alegou, para tanto, que em 15 de Outubro de 2010 foi celebrado no Cartório da Lic. C...um negócio único de compra e venda e dação em cumprimento que teve por objecto o referido prédio misto e o estabelecimento comercial de restauração e posto de abastecimento de combustíveis instalado na parte urbana do referido prédio, pelo preço global de € 160.000,00, ou seja, € 80.000,00 referente ao contrato de compra e venda e € 80.000,00 referente à aquisição do estabelecimento comercial, sendo que no contrato de dação em cumprimento apenas foi pago efectivamente o montante de € 30.012,07 já que o montante de € 49.987,93 foi compensado com a extinção da dívida da sociedade insolvente para com a sociedade A., mais alegando que o restante montante do preço do negócio no valor de € 110.012,07 (€ 80.000,00 da compra e venda do prédio misto e € 30.012,07 da aquisição do estabelecimento comercial) foi efectivamente pago através de cheques.

Alegou ainda que o administrador da insolvência (AI) enviou uma carta de resolução à sociedade A. no dia de 21 de Dezembro de 2012 na qual identificou o negócio a resolver como sendo o negócio de compra e venda do prédio misto pelo preço de € 80.000,00, invocando que o mesmo teve por objectivo o pagamento de uma dívida da sociedade insolvente para com a Autora, olvidando, assim, que o negócio único englobou a aquisição do prédio misto e do estabelecimento comercial implantado na parte urbana pelo preço global de € 160.000,00, que se tratou de um negócio uno e indissociável, não podendo ser resolvido apenas na parte referente à compra e venda, na medida em que não pode a sociedade A. ficar sem o prédio urbano e continuar a explorar nesse prédio a actividade de restauração e posto de abastecimento, como, ao contrário do invocado na carta de resolução, o preço de € 80.000,00 da compra e venda não teve como objectivo a compensação de qualquer dívida da sociedade insolvente para com a A.

Alegou, finalmente, que a resolução não se encontra devidamente fundamentada já que o pagamento real não foi de € 80.000,00 mas sim de € 160.000,00, não constando da carta de resolução qualquer facto que concretize como o negócio de compra e venda frustrou as pretensões dos credores da insolvência e como existiu dissipação de eventuais garantias patrimoniais dos credores, uma vez que houve o pagamento do preço da compra e venda, além de que o AI não justificou em que medida o negócio proporcionou uma distribuição desigual do património da insolvente em favorecimento da A. tendo como referência que o pagamento total foi de € 160.000,00 e não de € 80.000,00, sendo que, por outro lado, a compensação se deu na dação em pagamento e não na compra e venda, ao contrário do que consta da carta de resolução e que agiu de boa fé (tendo adquirido o prédio misto e o estabelecimento comercial implantado na parte urbana pelo valor real do mercado), pelo que a comunicação da resolução foi injustificada e, portanto, é ineficaz.

Citada, a Ré contestou no sentido da validade e eficácia da resolução do negócio consubstanciado na mencionada escritura, pedindo que se determine à A. a restituição a favor da massa insolvente de todos os bens objecto do negócio constante da referida escritura, ou seja, do prédio misto e dos estabelecimentos comerciais instalados na parte urbana.

Houve lugar a réplica onde a A. alegou que os cheques que emitiu para pagamento do negócio constante da escritura de compra e venda e dação em pagamento foram efectivamente descontados e pagos e juntou documentos.

Na audiência prévia foi proferido despacho saneador e fixado o objecto do processo e os temas da prova, nenhuma reclamação tendo sido apresentada.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que concluiu com o seguinte dispositivo:

- “Julgo a presente acção procedente e por consequência declaro ineficaz a resolução efectuada por carta datada de 21 de Dezembro de 2012 em benefício da “Massa insolvente de B..., Lda.” relativa ao contrato de compra e venda celebrado a 15 de Outubro de 2012, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial da Dra. C..., a folhas 33 e seguintes do livro 128, e nos termos da qual a sociedade “ A..., Lda.” comprou a “ B..., Lda.” pelo preço de € 80.000,00 o prédio misto sito em (...), na freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz cadastral sob os artigos 81 Secção V e 82 Secção V e na matriz predial urbana sob o artigo (...),descrito na Conservatória do registo Predial de Castelo Branco sob o nº (...)”.

Inconformada, recorreu a Ré Massa Insolvente em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

1) A sentença é nula, porquanto, o tribunal a quo não se pronunciou sobre os temas da prova, fixados em audiência prévia no sentido de dar como provado ou não provado que à data da escritura pública de compra e venda era previsível que a sociedade “ B..., Lda.” viesse a ser declarada insolvente e que a sociedade compradora tinha conhecimento de tal situação.

2) Tal matéria de facto consta também enunciada na carta de comunicação de resolução de negócio enviada pelo Administrador de Insolvência e é importante para se apurar da má fé do terceiro adquirente no negócio resolúvel, o que constitui nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC.

3) A comunicação da resolução de negócio em benefício da massa insolvente contém factos suficientes, quanto à invocação dos requisitos da temporalidade, da prejudicialidade do negócio para os demais credores da insolvência e da má fé do terceiro para fazer operar resolução condicional do negócio prevista no artigo 120º, nº 1, 2, 4 e 5 al, b) do C.I.R.E., normas que a sentença recorrida violou.

4) Conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão proferido no processonº1936/10.6TBVCT-N.G1.S1, 6ª SECÇÃO, de 25-03-2014, em www.dgsi.pt, “ A carta em que o administrador da insolvência resolve o acto celebrado pela insolvente, nos termos dos arts.120º e segs. do CIRE, deve ser fundamentada com a indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, de modo a permitir que a contraparte possa impugnar esses fundamentos, nos termos do art. 125º do mesmo diploma legal”

5) Na resolução condicional regulada no art. 120º do CIRE exige-se que se invoque o acto que se resolve, a causa que leva a considerar o acto como prejudicial, e o circunstancialismo que integre a má fé, se não vigorar a presunção iuris tantum prevista no nº 4 do mesmo artigo.

6) A comunicação da resolução, de acordo com os factos provados 8. a 14., não padece de insuficiência de fundamentação, pois, identifica o ato que se resolve, indica os fundamentos para considerar o acto prejudicial e as circunstâncias que provam a má fé do terceiro, nos termos do artº 120, nº 5, alínea b) do C.I.R.E., que a sentença recorrida violou.

7) Assim, da comunicação de resolução consta a identificação do acto, data, local de realização e seus intervenientes.

8) Quanto à prejudicialidade do negócio para os credores da insolvência, consta: “o negócio descrito, nos termos em que foi realizado, não só frustrou as pretensões dos credores da insolvência, uma vez que dissipou eventuais garantias patrimoniais dos credores da insolvência, como também proporcionou uma distribuição desigual do património da insolvente atento ao favorecimento que conferiu à sociedade A..., Lda., enquanto credora da sociedade B..., Lda.".

9) Quanto à má fé do terceiro consta, para além da referida prejudicialidade do negócio, o seguinte: “à data da realização do negócio a B..., Lda. como era do conhecimento da sociedade A... Lda, não cumpria com as suas obrigações vencidas. Aliás tal resulta do próprio texto da escritura de compra e venda… Como é do conhecimento de V. Exas o incumprimento das obrigações vencidas por parte da Empresa, agora insolvente, deu origem à instauração de múltiplos processos de natureza judicial movidos pelos seus credores, entre os quais: o D...S.A., E..., Lda., F..., Lda., estando V. Exas. cientes que a vendado estabelecimento, único bem de valor relevante conhecido da devedora e que suportava a sua actividade, redundaria numa impossibilidade material da B..., Lda. cumprir com as obrigações pendentes, frustrando assim, a possibilidade de uma repartição equitativa do património da Empresa pelos seus credores”.

10) Mais consta da referida comunicação, na sua página 5, que “era do conhecimento da A... Lda que a B... Lda se encontrava em situação de insolvência iminente.

11) Pelo que a comunicação de resolução deverá ser considerada válida e eficaz à luz dos artigos 120º n.ºs 1, 2, 4 e 5 al. b) e 123º do C.I.R.E. que douta sentença recorrida violou.

12) Ao declarar a resolução da escritura de compra e venda, por comunicação válida e eficaz nos termos expostos, deve, por consequência, pelo menos este negócio, ser declarado resolvido.

13) Contudo, tendo-se na mesma escritura outorgado pelo menos dois contratos, um negócio de compra e venda de prédios (urbano e rústico) e um negócio de dação em pagamento de estabelecimento(s) comercial(ais) implantado(s) naqueles; a resolução da compra e venda dos imóveis importará, por consequência, a restituição dos imóveis e também a restituição dos estabelecimentos comerciais e da universalidade de bens e direitos que o(s) compõem, de acordo com o disposto no artº 126º do C.I.R.E.

Concluiu pelo suprimento da nulidade de sentença arguida e pela revogação desta e sua substituição por outra que declare resolvidos os negócios celebrados pela escritura constante dos autos.

A A. pugnou pela manutenção do decidido.

Cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

a) - A nulidade de sentença por alegada omissão de pronúncia;

b) – A validade da declaração de resolução expedida pelo administrador da insolvência à sociedade A.

*

            2. Fundamentação

            2.1. De facto

            2.1.1. Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

1. Por escritura pública outorgada no dia 15 de Outubro de 2010 no Cartório Notarial da Dra. C..., a folhas 32 e seguintes do livro 128, G..., H... e I..., na qualidade de únicos sócios e gerentes da sociedade “ B..., Lda.” declararam:"Que em nome da sua representada, pelo preço já recebido de oitenta mil euros, vendem à sociedade representada do segundo outorgante, o prédio misto, sito em (...), na freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, actualmente inscrito na matriz cadastral sob os artigos 81 Secção V e 82 Secção V, com o valor patrimonial tributário, respectivamente, de € 146,57 e de 7,80 e na matriz predial urbana sob o artigo (...), com o valor patrimonial tributário de €45.961,25, descrito na Conservatória do registo Predial de Castelo Branco sob o número mil duzentos e vinte e cinco / da freguesia de (...), com o registo de aquisição a seu favor pela apresentação oito de sele de Março de dois mil cinco. Que o prédio se encontrava anteriormente inscrito na matriz cadastral sob o artigo 45 secção V." e J...., na qualidade de sócio gerente da sociedade “ A..., Lda.” declarou que aceitava tal venda.

2. Na mesma escritura identificada em 1., G..., H... e I..., na qualidade de únicos sócios e gerentes da sociedade “ B..., Lda.” e J..., na qualidade de sócio gerente da sociedade “ A..., Lda.”declararam “Que a sociedade representada dos primeiros outorgantes « B..., Lda.» é dona e legítima possuidora do estabelecimento comercial de restauração e posto de abastecimento de combustíveis instalado na parte urbana do prédio atrás identificado. Que a exploração da "área" de restauração do estabelecimento foi cedida pela representada dos primeiros outorgantes a O..., por contrato de cessão de exploração celebrado em dezassete de Setembro de dois mil e um, que ambas as partes declaram conhecer integralmente. Que esta sociedade tem uma dívida para com a representada do segundo outorgante “ A..., Lda.”, no valor de quarenta e nove mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e três cêntimos, proveniente do fornecimento de combustível por esta efectuado durante o ano de dois mil e dez, a que se reportam os seguintes documentos:

1. Cheque emitido pela primeira outorgante a favor da segunda outorgante e que vieram devolvidos na data do respectivo vencimento:

1.1 Cheque número seis zero nove um quatro nove seis nove nove três da L..., agência de Castelo Branco, no montante de seis mil e setecentos euros, datado de vinte e três de Agosto de dois mil e dez;

1.2 Cheque número zero seis nove um quatro nove seis nove nove nove da L..., agência de Castelo Branco, no montante de três mil duzentos e sessenta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos, datado de trinta de Agosto de dois mil e dez;

1.3 Cheque número nove quatro nove um quatro nove sete zero zero zero da L..., agência de Castelo Branco, no montante de quatro mil euros, datado de seis de Setembro de dois mil e dez;1.4 Cheque número um três nove um quatro nove sete zero zero nove da L..., agência de Castelo Branco, no montante de três mil quatrocentos e oitenta e cinco euros, datado de dezanove de Setembro de dois mil e dez.

2. Despesas de devolução dos cheques referidos no ponto um e de outros emitidos pela primeira outorgante a favor da segunda outorgante e que já se encontram pagos, e que totalizam o valor de cinquenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos.

3. Letra no montante de onze mil novecentos e setenta euros, com vencimento em dez de Novembro de dois mil e dez, aceite pela primeira outorgante, que se encontra em curso no D..., SA. e que a segunda outorgante se compromete a pagar na totalidade na data do respectivo vencimento.

4. Cheque número dois três zero três quatro seis um seis três zero da M..., SA., agência de Castelo Branco, no montante de três mil novecentos e noventa euros, pós-datado para o dia cinco de Outubro de dois mil e dez, mas que por acordo entre as outorgantes foi alterado para o dia vinte e dois de Outubro de 2010;

5. Cheque número três três nove zero seis zero cinco cinco seis do Banco N..., SA., no montante de três mil novecentos e noventa euros, pós-datado para o dia doze de Outubro de dois mil e dez.

6. Venda a dinheiro número um zero zero zero três dois, datada de oito de Outubro de dois mil e dez, no montante de dois mil cento e sessenta e oito euros.

7. Venda a dinheiro número um zero zero zero três três, datada de oito de Outubro de dois mil e dez, no montante de nove mil quatrocentos e trinta e nove cêntimos.

8. Conta corrente referente às notas de débito número um zero zero um zero zero, um zero zero um zero seis, um zero zero um zero cinco, um zero zero um três quatro, um zero zero um quatro dois e um zero zero um quatro cinco, que totalizam o montante de novecentos e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos.

Que, pela presente escritura, eles primeiros outorgantes, em nome da sua representada, dão à sociedade representada do segundo outorgante, para pagamento integral da indicada dívida de quarenta e nove mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e três cêntimos, o referido estabelecimento comercial, ao qual atribuem o valor de oitenta mil euros.

Que o remanescente do preço, no valor de trinta mil e doze euros e sete cêntimos, foi pago nesta data à representada dos primeiros outorgantes, do qual estes dão quitação.

Que a representada do segundo outorgante assume a posição contratual da sociedade representada pelos primeiros outorgantes, no contrato de cessão de exploração do referido.

Que o referido estabelecimento comercial adquirido pelo credor se destina ao exercício da mesma actividade.”

3. O pagamento pela sociedade “ A..., Lda.” do montante de € 110.012,07 (correspondente € 80.000,00 à compra e venda dos imóveis e € 30.012,07 à aquisição do estabelecimento comercial) à sociedade “ B..., Lda.” foi efectuado com os seguintes cheques:

a) Cheque nº1993275009 do Banco N..., no montante de € 27.412,07 datado de15/10/2010;

b) Cheque n.º 2893275008, no montante de € l0.000,00, datado de 15/10/2010;

c) Cheque n.º 1178720503, no montante de € 14.500,00, datado de 15/10/2010;

d) Cheque n.º 2978720501, no montante de € 23.500,00, datado de 15/10/2010;

e) Cheque n.º 2078720502, no montante de € 34.600,00, datado de 15/10/2010;

4. Os cheques referidos em 3. foram entregues no dia da escritura referida em 1. ao representante legal da sociedade “ B..., Lda.”.

5. A Autora no dia da escritura pagou no serviço de Finanças o IMT respectivo e o imposto de selo, verba 1.1, que importou no valor global de € 5.765,00 (cinco mil setecentos e sessenta e cinco euros), pagamento esse efectuado através do cheque n.º 5405194342, datado de 15/10/2010 à ordem do IGCP.

6. A respectiva escritura de compra e venda e dação em pagamento celebrada no dia15 de Outubro de 2010, no Cartório Notarial de C..., em Castelo Branco importou no valor global de € 4.348,45 (quatro mil trezentos e quarenta e oito euros e quarenta e cinco cêntimos) cujo pagamento foi efectuado através do cheque n.º 6305194341, datado de 15/10/2010 à ordem de C....

7. O processo de insolvência da sociedade “ B..., Lda.” teve início em 31 de Maio de 2012 e a sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida em 29.06.2012.

8. O administrador da insolvência da sociedade “ B..., Lda.”remeteu à Autora carta registada com aviso de recepção datada de 21.12.2012, comunicando à Autora a resolução do negócio descrito no ponto A) da referida carta, revertendo para a massa insolvente o imóvel nele identificado.

9. Na alínea A) da mencionada carta o Sr. Administrador identificou o seguinte negócio:

“Mediante Escritura Pública de Compra e Venda exarada de fls. 33 a fls. 36 verso, do Livro de escrituras diversas n.º 128 da Notária Dra. C..., com Cartório na Rua (...)em Castelo Branco, celebrada a 15 de Outubro de 2010, a Sociedade A..., Lda., NIPC (...), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (...), com o capital social de €460.000,00 e sede em (...) na freguesia e concelho de (...), representada no acto pelo Sr. J... na qualidade de sócio gerente, adquiriu à Sociedade B..., Lda., NIPC (...), matriculada na Conservatória do registo Comercial de Castelo Branco, com o capital social de € 5.000,00 e sede na Estrada (...) da Estrada, na freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, o seguinte prédio:

1) Prédio misto, sito em (...), na freguesia de (...), concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz cadastral sob os artigos 81 Secção V e 82 Secção V, com o valor patrimonial respectivamente de 146,57 e de € 7,80 e do artigo descrito na Conservatória do registo Predial de Castelo Branco sob o nº (...), da freguesia de (...) e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1.805, da freguesia de (...), com o valor patrimonial de € 45.961,25, pelo valor de € 80.000,00."

10. Na alínea C) da carta referida em 8. escreveu o Sr. Administrador da Insolvência: "Conforme escritura pública identificada em A) anterior e cuja cópia simples para os efeitos tidos por convenientes se junta - Cfr. Doc. 1 - a venda efectuada tinha por objectivo o pagamento de uma dívida composta por vários cheques, letra, vendas a dinheiro e valor em conta-corrente, provenientes de fornecimento de combustíveis, que à data se cifrava em quarenta e nove mil novecentos e oitenta e sete euros e três cêntimos."

11. Na alínea D) vem mencionado o seguinte: "O preço global do negócio - € 80.000,00 serviu para liquidar a dívida para com A..., Lda., no valor de quarenta e nove mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e três cêntimos, tendo o remanescente valor de trinta mil e doze euros e sete cêntimos sido entregue ao representante da insolvente B..., Lda."

12. Na alínea E), vem: "Conforme o anteriormente referido, o negócio em questão realizou-se através de escritura Pública de Compra e Venda celebrada a 15-10-2010, sendo que, o processo judicial, no âmbito do qual, a B..., Lda. foi declarada insolvente, teve o seu início a 29 de Junho de 2012, isto é, decorrido 1 ano 8 meses e 14 dias sobre a data do negócio."

13. Na alínea F) mencionou o Sr. Administrador que: "Nos termos do artigo 46.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, vulgo C.I.R.E., a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, sendo que o propósito último do processo de insolvência é repartição do respectivo produto, por aqueles credores - artigo 1.º do C.I.R.E. - de acordo com estatuído legalmente em sede de graduação dos respectivos créditos.

Ora, o negócio descrito, nos termos em que foi realizado, não só frustrou as pretensões dos credores da insolvência, uma vez que dissipou eventuais garantias patrimoniais dos credores da insolvência, como também proporcionou uma distribuição desigual do património da insolvente atento ao favorecimento que conferiu à sociedade A..., Lda., enquanto credora da sociedade B..., Lda."

14. Na alínea G) referiu que: "À data da realização do referido negócio a B..., Lda., como era do conhecimento da sociedade A..., Lda. não cumpria com as suas obrigações vencidas. Aliás, tal evidência resulta do próprio texto da escritura pública de compra e venda, quando refere:

«Que esta sociedade tem uma dívida para com a representada do segundo outorgante " A..., Lda. " no valor de quarenta e nove mil novecentos e oitenta e sele euros e noventa e três cêntimos, proveniente do fornecimento de combustível por este efectuado durante o ano de dois mil e dez, a que se reportam os seguintes documentos:

1. Cheques emitidos pela primeira outorgante a favor da segunda outorgante e que vieram devolvidos na data do respectivo vencimento:

1.1...».

Como é do conhecimento de V .Exas., o incumprimento das obrigações vencidas por parte da Empresa, agora insolvente, deu origem à instauração de múltiplos processos de natureza judicial movidos pelos seus credores, entre os quais: o D...S.A., E..., Lda., F..., Lda., estando V. Exas. cientes que a venda do estabelecimento, único bem de valor relevante conhecido da devedora e que suportava a sua actividade, redundaria numa impossibilidade material da B..., Lda. cumprir com as obrigações pendentes, frustrando assim, a possibilidade de uma repartição equitativa do património da Empresa pelos seus credores.”

15. À data da escritura identificada em 1., a sociedade Autora era credora da sociedade insolvente no montante de € 49.987,93, assim discriminado:

- Cheque emitido pela primeira outorgante a favor da segunda outorgante e que vieram devolvidos na data do respectivo vencimento;

 Cheque número seis zero nove um quatro nove seis nove nove três da L..., agência de Castelo Branco, no montante de seis mil e setecentos euros, datado de vinte e três de Agosto de dois mil e dez;

- Cheque número zero seis nove um quatro nove seis nove nove nove da L..., agência de Castelo Branco, no montante de três mil duzentos e sessenta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos, datado de trinta de Agosto de dois mil e dez;

- Cheque número nove quatro nove um quatro nove sete zero zero zero da L..., agência de Castelo Branco, no montante de quatro mil euros, datado de seis de Setembro de dois mil e dez;

- Cheque número um três nove um quatro nove sete zero zero nove da L..., agência de Castelo Branco, no montante de três mil quatrocentos e oitenta e cinco euros, datado de dezanove de Setembro de dois mil e dez.

- Despesas de devolução dos cheques referidos no ponto um e de outros emitidos pela primeira outorgante a favor da segunda outorgante e que já se encontram pagos, e que totalizam o valor de cinquenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos.

- Letra no montante de onze mil novecentos e setenta euros, com vencimento em dez de Novembro de dois mil e dez, aceite pela primeira outorgante, que se encontra em curso no D..., SA. e que a segunda outorgante se compromete a pagar na totalidade na data do respectivo vencimento.

- Cheque número dois três zero três quatro seis um seis três zero da M..., SA., agência de Castelo Branco, no montante de três mil novecentos e noventa euros, pós-datado para o dia cinco de Outubro de dois mil e dez, mas que por acordo entre as outorgantes foi alterado para o dia vinte e dois de Outubro de 2010;

- Cheque número três três nove zero seis zero cinco cinco seis do Banco N..., SA., no montante de três mil novecentos e noventa euros, pós-datado para o dia doze de Outubro de dois mil e dez.

- Venda a dinheiro número um zero zero zero três dois, datada de oito de Outubro de dois mil e dez, no montante de dois mil cento e sessenta e oito euros.

- Venda a dinheiro número um zero zero zero três três, datada de oito de Outubro de dois mil e dez, no montante de nove mil quatrocentos e trinta e nove cêntimos.

- Notas de débito número um zero zero um zero zero, um zero zero um zero seis, um zero zero um zero cinco, um zero zero um três quatro, um zero zero um quatro dois e um zero zero um quatro cinco, que totalizam o montante de novecentos e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos.

16. O montante de € 110.012,97 referente ao preço constante da escritura identificada em 1., foi pago da seguinte forma:

- Da conta nº 0746007509830 Agência de (...)– Castelo Branco do Banco N..., S.A., na qual foi depositado o cheque nº 2978720501 que titulava a quantia de € 23.500,00,no dia 18.10.2010;

- Da conta nº 1-2085366-000-001 do Banco N..., S.A., na qual foram depositados os cheques nº 1178720503 que titulava a quantia de € 14.500,00, no dia 18.10.2010 e2893275008 que titulava a quantia de € 10.000,00 no dia 20.10.2010;

- Da conta nº 1-2085366-000-001 do Banco N..., S.A., na qual foi depositado o cheque nº 1993275009 que titulava a quantia de € 27.412,07, no dia 11.11.2010;

- Da conta nº 0000.05721365001do P..., S.A., agência (...) em Castelo Branco, na qual foi depositado o cheque nº 2078720502 que titulava a quantia de €34.600,00.

17. O montante de € 110.012,97, pelo menos em parte, foi utilizado para pagamento de credores da sociedade insolvente, nomeadamente cerca de € 23.000,00 foram pagos no final de 2010 à sociedade “ E..., Lda.”, requerente do processo de insolvência e € 33.365,42 foram pagos ao “ P... S.A.” através de cheque passado pela sociedade “ A..., Lda.” à “ B..., Lda.”.

18. Para além do prédio misto e do estabelecimento comercial, a sociedade “ B..., Lda.” não era proprietária de quaisquer outros bens.

19. A sociedade Autora sabia que a sociedade “ B..., Lda.” não era proprietária de outros bens para além dos que foram transmitidos pela escritura referida em 1.

20. A sociedade Autora tinha conhecimento que à data da escritura pública a sociedade “ B..., Lda.” tinha outros credores para além de si própria.

21. A sociedade “ B..., Lda.” tinha como objecto social a compra e venda de combustíveis, lubrificantes, gás e electrodomésticos.

22. A transmissão do prédio misto e do estabelecimento comercial impossibilitou a manutenção da actividade da sociedade “ B..., Lda.”23. Foram apreendidos para a massa insolvente créditos da sociedade sobre terceiros no montante de € 443.453,00.24. Nenhum dos créditos apreendidos foi cobrado até à presente data.

*

2.1.2. Factos não provados:

1. Os bens transmitidos pela sociedade “ B..., Lda.” à sociedade “ A..., S.A.” foram-no por valores inferiores aos valores de mercado.

*

            2.2. De direito

            2.2.1. A nulidade de sentença

            Sustenta a recorrente Massa Insolvente ser nula a sentença por omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, alín. d), do NCPC) na medida em que na parte correspondente à decisão sobre a matéria de facto não se pronunciou sobre os temas da prova elencados nos n.ºs 4 e 5 do correspondente despacho exarado na acta de audiência prévia, ou seja, se à data da escritura pública de compre e venda era previsível que a sociedade “ B..., Lda.” viesse a ser declarada insolvente”  e “a sociedade compradora tinha conhecimento de tal situação” .

            Salvo o devido respeito, carece de razão.

            O tribunal a quo não respondeu directamente a esses pontos (além do mais conclusivos no que tange à “previsibilidade” da declaração de insolvência), nem tinha que o fazer.

            O novo paradigma que constitui hoje a enunciação dos temas da prova (art.º 596.º, n.º 1, do NCPC) não se confunde (e significou mesmo um assumido rompimento – cfr. “Exposição de Motivos à Proposta de Lei n.º 113/XII) com a anterior base instrutória.

            Os “temas da prova”, com um sentido de utilidade muito discutível, como os tempos o dirão, não passam de um guião (como assim já se lhes chamou) para a produção de prova em audiência de julgamento, não tendo como função delimitar preclusivamente o objecto do processo ao nível da decisão sobre a matéria de facto como anteriormente acontecia com a base instrutória.

            Daí que e contrariamente ao que acontecia com esta, os “temas das prova” possam ser enunciados der forma conclusiva ou contendo matéria de direito e neutrais em sede de repartição do ónus da prova.

            Hoje, após a nova reforma processual civil, é sobre os factos dos articulados das partes que a instância sobre a produção de prova e respectivos meios há-se assentar e não sobre o respectivo enunciado dos temas de prova (v. g., art.ºs. 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do NCPC).

            Bem como são os factos (e não os temas de prova) que o art.º 607.º do NCPC impõe sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados na sentença, pelo juiz.

            E, se bem se vir, foi isso que a decisão sobre a matéria de facto, hoje parte integrante da sentença, fez, v. g., nos correspondentes n.ºs 7, 18 a 20 e 22 e 23, embora não a contento da recorrente no que respeita à sua relevância jurídica em termos de decisão final.

            Face ao exposto, por a sentença não incorre na nulidade invocada indeferem a sua arguição.

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            b) – A validade da declaração de resolução

            No fundamental e como assim a recorrente recorta a questão decidenda, o que importa averiguar é se a carta de resolução contém a fundamentação necessária e suficiente que justifique a destruição do negócio celebrada pela sociedade que viria a ser declarada insolvente, como assim entende a recorrente, contrariamente ao decidido na sentença recorrida.

Dispõe o ponto 41 do preâmbulo do CIRE: “a finalidade precípua do processo de insolvência – o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa.

A possibilidade de perseguir esses actos e obter a reintegração dos bens e valores em causa na massa insolvente é significativamente reforçada no presente diploma.

 No actual sistema prevê-se a possibilidade de resolução de um conjunto restrito de actos e a perseguição dos demais nos termos apenas da impugnação pauliana, tão frequentemente ineficaz, ainda que se presuma a má fé do terceiro quanto a alguns deles. No novo Código, o recurso dos credores à impugnação pauliana é impedida, sempre que o administrador entenda resolver o acto em benefício da massa. Prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a “resolução em benefício da massa insolvente” – que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”.

Assim é que, esse diploma, veio consagrar duas modalidades de resolução: a condicional (art.º 120.º) e a incondicional (art.º 121.º).

No art.º 123.º regulou-se a forma de resolução a efectuar pelo administrador da insolvência mediante carta registada com aviso de recepção e a prescrição do direito[1] sem, contudo, se referir ao conteúdo da própria declaração resolutiva.

Gravato Morais[2] defende a necessidade de uma específica motivação com invocação dos fundamentos que a originam, os quais têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial, desde logo porque cabe ao administrador da insolvência a prova da natureza do acto, caso haja impugnação, impondo-se que as circunstâncias que fundamentam a prejudicialidade do acto sejam invocadas quando se declara a resolução.

Por seu turno, Carvalho Fernandes e João Labareda[3] aludem à exigência de formalidades mínimas.

Também a jurisprudência se tem pronunciado pela necessidade de fundamentação, com indicação dos concretos factos fundamento da medida resolutiva.[4]

E é assim porque ao impugnante assiste o direito a conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são desferidos de forma a poder demonstrar a insubsistência do acto resolutivo[5], com vista a demonstrar que o acto não foi prejudicial.[6]

A acção de impugnação assume uma natureza de contra-ataque, por isso devendo o impugnante conhecer previamente os factos concretos sobre que deva defender-se e são objecto de resolução por banda do administrador da insolvência.[7]

            Dir-se-á que é a carta resolutória que define o objecto da própria impugnação, pelo que só os actos ou contratos resolutivos prejudiciais à massa insolvente nela indicados podem ser apreciados na acção, sob pena de, extravasando-se para acto diverso, a respectiva sentença incorrer em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do cit. art.º 688.º, n.º 1, alín. d) do CPC.

A sentença recorrida alinhou naquela orientação mais rigorosa e que, tanto quanto nos é dado conhecer é a dominante no STJ[8] e em que enfileiramos, como já referido e a recorrente funda as alegações na orientação mais moderada, invocando em seu abono o também recente Ac. STJ de 25.3.14[9] quando sustenta bastar à fundamentação uma indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, ainda assim de forma a permitir posterior impugnação.

Apreciando em concreto, podemos concluir que dos requisitos de resolução plasmados no art.º 120.º do CIRE só o da temporalidade se configura (a compra e venda data de 14.10.10 e o início do processo de insolvência de 31.5.12), mas já não oi da prejudicialidade e da má fé, cuja alegação concreta e respectiva prova impendia, como antes já vimos, sobre o AI.

Antes de mais a carta de resolução enfermou de deficiência de fundamentação.

O negócio realizado entre a recorrida e a insolvente abrangeu a compra e venda de um prédio misto, bem como a transmissão de um estabelecimento comercial de restauração e posto de combustível, a funcionar na respectiva parte urbana, pelo preço global de € 160.000,00 (€ 80.000,00 por cada) com dação em cumprimento por parte da devedora insolvente relativamente a parte do preço do estabelecimento, como claramente flui da respectiva escritura pública.

Por seu turno, a carta de resolução limitou-se à compra e venda do prédio e, ainda assim, confundindo os termos do respectivo pagamento com a dação em cumprimento de parte do preço pelo estabelecimento comercial…

Daí que, à luz das considerações legais acima expendidas, jamais a ineficácia do negócio não poderia estender-se a contratos de alienação não constantes da carta de resolução.

Remetendo-nos aqui para a sentença recorrida, porque a recorrente não alegou que a insolvente e a recorrida concluiriam o negócio de alienação do estabelecimento comercial sem a compra do imóvel e porque não há (nem alegada foi) invalidade parcial que permita a redução do negócio, não pode o AI impor à A. ora recorrida uma resolução parcial, cindindo um negócio que foi único!

Para além dessa deficiente fundamentação também os requisitos da prejudicialidade e da má fé ficaram arredados da carta de resolução.

Quanto não 1.º, limitou-se genericamente à transcrição parcial dos art.ºs 46.º e 1.º do CIRE e de que o “ora negócio descrito [compre e venda] nos termos em que foi realizado não só frustrou as pretensões dos credores da insolvência, uma vez que dissipou eventuais garantias patrimoniais dos credores da insolvência, como também proporcionou uma distribuição desigual do património da insolvente atento ao favorecimento que conferiu à sociedade “ A..., Lda.” enquanto credora da sociedade “ B..., Lda”, sem indicar quaisquer razões concretas.

Quanto ao 2.º (“situação de insolvência iminente vs. má fé”) limitou-se a dizer que à data da realização do negócio a sociedade compradora tinha conhecimento que a vendedora “não cumpria com as suas obrigações vencidas” e que pendiam vários processos movidos por credores e que a venda do estabelecimento [que, com tudo não fez parte do objecto da carta resolutória] era o único bem de valor e impossibilitaria o posterior cumprimento da obrigações pendentes.

Ora bem.

Se tudo isso já era bastante para julgar ineficaz [rectius, nula] a resolução por falta de fundamentação da respectiva carta, importa atentar ter-se provado que o valor das aquisições (propriedade do prédio misto e estabelecimento comercial) foi efectivamente pago à vendedora, na importância de € 110.012,97 (a quantia de € 49.987,93 entrou em compensação ou dação em cumprimento de dívida igualmente provada da insolvente para com a recorrida), que pelo menos parte dessa quantia foi utilizada no pagamento a credores da insolvente, v. g., cerca de € 23.000,00 no final de 2010 à sociedade requerente da insolvência e € 33.365,42 a um outro credor e que foram apreendidos para a massa insolvente créditos da sociedade sobre terceiros no montante de € 443.453,00, embora à data da sentença ainda sem cobrança, o que não é condizente com a má fé da adquirente do imóvel e do estabelecimento comercial.

Acresce ter-se pacificamente dado como não provado (como era mister que a Massa Insolvente fizesse) que os bens transmitidos à A. recorrida pela insolvente o foram por valores inferiores aos de mercado.

Assim, porque insuprível a deficiência e insuficiência de fundamentação da declaração de resolução do AI e consequente nulidade, como assim entendeu a decisão recorrida, que julgou correctamente, importa mantê-la.

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            3. Resumindo e concluindo (art.º 663.º, n.º 7, do NCPC)

            I – É a carta resolutória (art.º 123.º do CIRE) que define o objecto da impugnação da resolução de actos em benefício da massa insolvente, pelo que só os actos ou contratos nela indicados, v. g. a compra e venda, podem ser apreciados na respectiva acção, sob pena de, extravasando-se para acto diverso, a respectiva sentença enfermar de nulidade por excesso de pronúncia (alín. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC);

            II – É deficiente a fundamentação da carta de resolução que no pedido de resolução se atém apenas a um contrato de compra e venda de prédio misto e não ao de simultânea e incindível transmissão de um estabelecimento comercial nele implantado;

            III – É ainda deficiente e falha de fundamentação a declaração resolutiva que se limita à invocação genérica dos pressupostos da resolução.

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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

            Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

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Francisco Caetano (Relator)

António Magalhães

Ferreira Lopes


[1] Que mais propriamente seria caducidade – V. Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE, Anot.”, 2008, pág. 438.
[2] “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, 2008, págs. 54 e 164.
[3] Ob. cit., pág. 438.
[4] V. Ac. RP de 12.4.2010, Proc. 2975/08.2TJVNF-D.P1, in www.dgsi.pt.
Por mais recente v. o Ac. STJ de 29.4.14 (Proc. 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, in www.dgsi.pt) onde se alude à orientações mais ou menso rigorosas quanto à fundamentação da declaração de resolução, parecendo-nos alinhar na 1.ª orientação (que subscrevemos) quando concluiu que a “declaração há-se integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação”.
[5] V. Ac. STJ de 17.9.2009, Proc. 307/09.1YFLSB, in www.dgsi.pt.
[6] V. Acs. RL de 24.9.2009, Proc. 725/06.7TBTVD-I.L1-8 e de 9.3.2010, Proc. 520/06.3TBLNH-F.L1-7, in www.dgsi.pt.
V., também, Gravato Morais, ob. cit. pág. 167.
[7] V. Ac. STJ de 17.9.09, Proc. 307/09.1YFLSB, Proc. 307/09.1YFLSB, in www.dgsi.pt.
[8] V. ainda Ac. STJ de 25.6.2013, no Proc. 7266/07.3TBLRA-E.C1.S1.
[9] Proc. 1936/10.6TBVCT-N.G1.S1, in www.dgsi.pt.