Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2044/16.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
NEGOCIAÇÃO
PRAZO
CADUCIDADE
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.17-D, 17-F, 17-G, 215 CIRE
Sumário: 1.-No âmbito do processo especial de revitalização ( PER), o plano de recuperação da devedora requerente deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, nº 1 do ClRE, que é um prazo de caducidade.
2.- Ultrapassado tal prazo, não deve ser homologado o plano, nos termos do art. 215 do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa.
Decisão Texto Integral:






Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - A Causa:



R (…), Devedora nos autos à margem indicados, tendo sido notificada do despacho de recusa de homologação do Plano de Recuperação a fls… e não se conformando com o mesmo, dele veio interpor recurso, alegando e concluindo que:

1. O Meritíssimo Juiz a quo decidiu pela recusa de homologação do Plano de Recuperação, por supor que o plano de recuperação não ficou concluído dentro do prazo legal (in casu, até 19/08/2016) e que foi por isso que o dito documento não foi junto aos autos nessa mesma data, tendo pois sido violada a norma constante do Artº 17º - D nº 5 do CIRE, ocorrendo violação não negligenciável das normas procedimentais.
2. Muito mal esteve o Meritíssimo Juiz a quo ao tirar tão surpreendente ilação, que contraria em absoluto todos os actos praticados nos autos e neles documentados É que, pese embora a explicação menos feliz ou elucidativa por parte da Devedora no seu requerimento apresentado em 20/10/2016, bem sabia o Meritíssimo Juíz a quo, porque tinha elementos bastantes nos autos, que o Plano de Recuperação foi terminado dentro do prazo de três meses e aprovado por 78,4903% dos votos dos credores em 18/08/2016.
3. O Plano foi enviado em tempo aos credores, parte fundamental do processo, que por tal estavam em condições de o votar em consciência, como fizeram, em 18 de Agosto de 2016, aprovando-o com 78,4903% dos votos.
4. A referência feita pela devedora em requerimento datado de 20/10/2016 à concordância da AT com o Plano teve como objectivo único alertar para a seriedade e bondade do mesmo e em nada pretendeu fazer crer que tal Plano se mantinha em aberto ou inacabado.
5. Em 19 de Agosto de 2016, o Administrador Judicial Provisório veio aos autos juntar acta de contagem dos votos e a votação enviada pelos credores. A não junção do plano, já votado, não pode penalizar a devedora e seus credores, até porque é ao AJP que cabe o papel, preponderante, de dirigir e fiscalizar o processo das negociações e estabelecer a “ponte” entre devedor, credores e tribunal.
6. O Douto Tribunal a quo notificou a devedora, em 19/09/2016, para vir aos autos juntar o Pano de Recuperação no prazo de 5 dias, o que esta fez.
Tratou-se de um autêntico despacho de aperfeiçoamento oficioso, no qual o Meritíssimo Juiz a quo concedeu à devedora prazo para a prática de um acto; desta forma, a irregularidade ficou sanada.
7. Tal despacho não foi objecto de reclamação e transitou em julgado, sendo por tal vinculativo. Não pode agora o Douto Tribunal a quo vir decidir que afinal o documento que mandou juntar em 5 dias foi junto “tardiamente” e justificar a recusa de não homologação do plano com a justificação de que este não foi aprovado em tempo, sem qualquer base que o suporte.
8. O plano não foi elaborado ou alterado nesses 5 dias de prazo, estava votado e aprovado desde 18/08/2016!
9. Estão em causa situações de demasiada importância para devedora e credores para um plano de recuperação ser assim recusado, de forma tão inconsequente.
10. Tal como dispõe o artº 17º - A do CIRE, no seu nº 1, “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que (…)ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.” Ensinam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, Anotação 2.a este preceito, “Está, com efeito, em causa a adoção de um modelo processual próprio, vocacionado para a satisfação de objetivos específicos, que supõe formas de intervenção dos interessados muito distintas do que é característico do processo civil e impõe, por isso, uma adaptação muito significativa e profunda da moldura comum. (…) o processo de revitalização dirige-se a evitá-la (insolvência), assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores.” Na Anotação 4. a este preceito, prosseguem “O nº 1 do preceito em anotação tem de ser complementado com o estatuído no artº 17º - I. Resulta dessa concatenação que o processo de revitalização, intentando sempre a consolidação de uma solução consensual, fruto de um acordo entre devedor e credores (…).
11. Na Anotação 5.a este preceito, os autores relevam o papel fundamental do AJP, que “tem nas suas atribuições a fiscalização da regularidade das negociações e demais trabalhos envolvidos no processo. Ao juiz, por sua vez, sempre que seja alcançado acordo no processo, cabe decidir pela respectiva homologação ou rejeição, devendo, designadamente, observar-se o regime fixado nos artºs 215º e 216º do Código, quanto ao plano de insolvência – artº 17º - F nºs 1, 2 e 5.
12. O objetivo primordial do PER é a satisfação dos interesse de devedor e credores, seus verdadeiros protagonistas, tendo como animus evitar a insolvência daquele, já que a sua revitalização assegura, nessa medida, o cumprimento perante aqueles do que aí fica estabelecido. A solução consensual é o que se busca neste processo especial.
13. O AJP tem a direção efetiva do processo, assegurando a sua regular tramitação.
14. Ao juiz cabe o papel de, havendo acordo entre devedor e credores, homologar ou não o PER, com observância dos artºs 215º e 216 do CIRE - artº 17º - F nºs 1, 2 e 5.
15. Foi um processo de extrema complexidade, com muitas horas de trabalho, árduas negociações, adequação às sugestões e exigências dos credores. MAS TUDO DENTRO DO PRAZO LEGAL DOS 3 MESES (artº 17º - D nº 5 do PER).
16. Não podia o Douto Tribunal a quo vir “deduzir”, como fez, que o Plano não ficou concluído no prazo legal, pois tinha documentação bastante nos autos para entender de forma diversa e baseou a sua decisão na alegada violação na norma constante do artº 17º-D nº 5 do CIRE. E considerou na sua Douta decisão que ocorreu violação não negligenciável de normas procedimentais – artº 215º do CIRE.
17. O AJP tem a direção e fiscalização do processo e conduz os trabalhos do mesmo. É ele quem está em condições de diligenciar nos autos pelo seu bom andamento e regularidade. Estando por ele juntos nos presentes a acta e o sentido de votação dos credores, a alegada omissão da junção do plano que lhes deu origem não pode consubstanciar, como fez o Meritíssimo Juiz a quo, a “violação não negligenciável de normas procedimentais”, com todas as consequências que daí advém.
18. Quando muito, houve mera negligência, que em nada releva para a produção do resultado pretendido pelo PER. Neste sentido, pugnam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, Anotação 2. ao artº 215º do CIRE: “Aqui reside, de resto, uma das maiores dificuldades para o intérprete, que se reconduz a saber o eu deva entender-se por vício negligenciável – ou, na fórmula da lei, vício não negligenciável -, cuja verificação constitui requisito de recusa oficiosa de homologação.” Na Anotação 3. a este preceito, continuam: “”(…) há outro problema (…) que é o de saber se a não negligenciabilidade do vício apenas releva quanto a vícios procedimentais ou, igualmente, aos que decorram da violação de regras aplicáveis ao conteúdo do plano. O modo como o artigo se encontra elaborado inculca a ideia de que ambos os tipos de vícios suportam o mesmo tratamento, devendo em qualquer dos casos desconsiderar-se as violações menores”. (sublinhado nosso).
19. Na Anotação 5. a este preceito: “Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela (violação) justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores – que é, afinal aquilo que aqui está em causa – é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.”(sublinhado nosso).
“Aqui chegados parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no artº 195º do C.. Civ.. O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesse protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e devedor nos diversos domínios em que se manifesta
(…).
20. Na Anotação 7. a este preceito: “Apenas cabe uma nota complementar para alertar não poder deixar de se ponderar o facto de a lei propender a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicação da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses”.
Procedimento que o Meritíssimo Juiz a quo não adoptou, claramente.
21. Os credores votaram o plano de recuperação em tempo e vêm agora as suas expectativas de recebimento em risco, fruto de uma decisão judicial que se baseia em premissas erradas e hipotéticas, justamente quanto à tempestividade de conclusão desse mesmo plano de recuperação.
22. Ao dar prazo de 5 dias à devedora, por despacho já transitado, a irregularidade sanou-se. E, diga-se, se não fosse este o plano de recuperação aprovado logo em 18/08/2016, não vinham agora os credores que o votaram manifestar-se nos autos???

TERMOS EM QUE e nos mais de direito deve o presente Recurso ser julgado procedente e, com base nele revogar-se a Sentença recorrida, como é de direito e da melhor JUSTIÇA!

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J (…) e P (…) LDA, credores/reclamantes nos autos à margem identificados, vieram apresentar as suas CONTRA - ALEGACÕES, por sua vez alegando e concluindo que:

I - No âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora deve ser apresentado no prazo das negociações, previsto no artigo 17º-F, n.º 1 do CIRE, prazo esse que se apresenta como de caducidade.
II - Ultrapassado ou excedido este prazo, no momento da apresentação do plano, o tribunal não deve homologar o plano, nos termos do artigo 215º do CIRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir uma violação não negligenciável de uma norma imperativa.
III - Assim, não merece qualquer censura a decisão do tribunal de Primeira Instância.
IV - Caso assim não se entenda, o que não se aceita mas apenas se hipotiza, então mais se diga de todo o modo, caso este venerando tribunal não devolva (o que não se acreditaria) ao tribunal a quo a apreciação dos restantes pressupostos para a homologação do plano, que igualmente deve ser recusada a homologação do plano, por violação do princípio da igualdade, como decorre do art. 194.º do CIRE, sem que, além disso, os ora credores/reclamantes tenham consentido no tratamento menos favorável (cfr. arts. 192.º, nº2 e 194.º, n.º2 do CIRE) que decorre do plano em causa.
V - Homologando-se o plano de revitalização, os credores comuns, onde se incluem os ora respondentes, ficam numa situação pior do que aquela em que ficariam na ausência de qualquer plano, cfr artigo 216º CIRE, pelo que, também por aí deverá ser recusada a homologação do plano de revitalização.

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa, os elementos constantes do elemento narrativo que os Autos evidenciam, dando por comprovados, bem como o alcance dos documentos que o(s) corporiza(m), designadamente que:

- Nos presentes autos foi publicada a lista provisória de credores em 12/05/2016, tendo assim o prazo para a impugnar decorrido até 19/05/2016;
- O prazo de dois meses para conclusão das negociações decorreu, por isso, até 20/07/2016;
- Em 19/07/2016, deu entrada nos autos e foi publicado o acordo a que alude o n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE;
- Consequentemente, no dia 22/08/2016, terminou o prazo (já prorrogado) para as negociações;
- Em 19/08/2016, o AJP deu entrada nos autos do documento a que alude o n.º 4 do artigo 17.º-F, do CIRE, e doutro onde emitiu parecer no sentido de se encontrar a devedora solvente, nos termos do n.º 4 do artigo 17.º-G.
- Somente em 20/09/2016, é que a devedora, após notificação para tanto, juntou aos autos o plano de recuperação;
- Notificada a devedora para se pronunciar quanto à não junção tempestiva do plano, alegou, em suma, que não alcança o conceito de tardio, na medida em que juntou o plano no prazo legal, na sequência de notificação feita pelo tribunal, em 19/09/2016, e que não o poderia ter juntado antes, por se ter tratado de processo de extrema complexidade;
- Não obstante, alega que o mesmo plano foi enviado aos credores em tempo de o votarem em 18/08/2016.
*

Nos termos do art. 635º NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

As questões suscitadas consistem em apreciar, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz, se:

1. O Meritíssimo Juiz a quo decidiu pela recusa de homologação do Plano de Recuperação, por supor que o plano de recuperação não ficou concluído dentro do prazo legal (in casu, até 19/08/2016) e que foi por isso que o dito documento não foi junto aos autos nessa mesma data, tendo pois sido violada a norma constante do Artº 17º - D nº 5 do CIRE, ocorrendo violação não negligenciável das normas procedimentais.
6. O Tribunal a quo notificou a devedora, em 19/09/2016, para vir aos autos juntar o Pano de Recuperação no prazo de 5 dias, o que esta fez.
Tratou-se de um autêntico despacho de aperfeiçoamento oficioso, no qual o Meritíssimo Juiz a quo concedeu à devedora prazo para a prática de um acto; desta forma, a irregularidade ficou sanada.
7. Tal despacho não foi objecto de reclamação e transitou em julgado, sendo por tal vinculativo. Não pode agora o Douto Tribunal a quo vir decidir que afinal o documento que mandou juntar em 5 dias foi junto “tardiamente” e justificar a recusa de não homologação do plano com a justificação de que este não foi aprovado em tempo, sem qualquer base que o suporte.
8. O plano não foi elaborado ou alterado nesses 5 dias de prazo, estava votado e aprovado desde 18/08/2016!

Apreciando, diga-se - em termos de enquadramento -, que «estamos aqui em presença de mais um preceito introduzido pela Lei n.º 16/ /2012, de 20 de abril, sem paralelo no direito anterior.
Neste extenso art.° 17.º-D trata a lei, fundamentalmente, de duas matérias distintas, embora ambas atinentes à marcha do processo de revitalização subsequente ao despacho de prosseguimento do juiz, contendo a designação do administrador judicial provisório. Pela ordem por que são abordadas, uma respeita à reclamação e verificação de créditos; outra ao desenvolvimento do processo negocial que constitui o objeto imediato do processo.
Na perspetiva de melhor se alcançar este último desiderato é que se pode compreender a determinação constante do n.º 1, conquanto o seu incumprimento não interfira com o seguimento do processo nem afete o valor dos atos nele praticados, ainda que possa gerar responsabilidade para os incumpridores no quadro geral delineado no n.º 11.
Está em causa o dever de comunicação individualizada pelo devedor, a todos os seus credores, da abertura e seguimento do processo. Mas não é essa a notificação que determina o início do prazo de reclamação nem condiciona o efetivo início das negociações. Fundamentalmente, como o texto do preceito bem esclarece, prossegue-se o objetivo de envolver os credores convidando-os a participar na atividade negocial, na certeza de que assim se maximizarão as possibilidades de obter um acordo recuperatório e de que sem isso dificilmente se logrará êxito.
E exatamente porque os credores devem dispor, desde o primeiro momento, da máxima e melhor informação possível é que a notificação deve conter a advertência da parte final do n.º 1, de disponibilização dos elementos a que se refere o n.º 1 do art.º 24.°, e que, por imperativo do art.° 17.º-C, n.º 3, al. b), devem instruir o requerimento inicial do devedor.
Esta é, aliás, uma razão mais em apoio do sentido de não prosseguimento do processo quando faltem os referidos elementos, com o correspondente indeferimento do pedido» (Cf. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado – 2ª edição – págs. 160/161).

Assim delineado o campo de cultura de análise da questão em apreço, não pode contrariar-se que o Plano de Recuperação e a aprovação pelos credores foi concluída para lá do prazo de três meses (já com a prorrogação legal de um mês), pelo que devendo a aprovação do plano estar concluída e contida nesse prazo, tendo ele sido excedido deveria ter sido proferida decisão de não homologação do plano, por não poder ser aprovado em violação de norma legal imperativa – n.º1 do art.º 17º-G, conjugada com o n.º5 do art.º 17º-D, ambos do CIRE.

O prazo em causa é peremptório. O próprio regime legal do art. 139º, nº5, do Código de Processo Civil, não deve, ele próprio, ser aplicado oficiosamente carecendo, pois, da invocação da parte que pretende a prática do acto decorrido o prazo.

Importando dizer que o prazo, em qualquer circunstância, findou por ultrapassagem do termo final peremptório para apresentação do plano de recuperação, prazo que, sem qualquer justificação atendível foi ultrapassado, pelo que o plano não deveria ter sido homologado, por se tratar de um prazo de caducidade.
-
Assim acontecendo - por mero confronto -, revela adequação o se haver considerado em decisório que:

«No caso dos autos, entrou em tempo o documento a que alude o artigo 17.º-F, n.º 4, mas desacompanhado do plano.
Tal incumprimento gerou a caducidade do direito de o juntar, que é irreversível.
Na pronúncia da devedora que precede, esta parece afirmar que não há qualquer prazo para apresentação do plano e, por isso, entende que o mesmo entrou em tempo, pois que o remeteu na sequência de notificação do tribunal para tanto.
Não obstante ter essa notificação ocorrido, na sequência de despacho proferido em 16/09/20016, nos autos (não pelo signatário, todavia, pese embora tanto seja, para o caso, irrelevante), a mesma foi feita após ter operado a já apontada caducidade, e não pode ter, por isso, o efeito de a reverter, por a mesma ser, pela sua própria natureza, irreversível.
Também não pode deixar de se apreciar a contradição ínsita na argumentação da devedora relativa à não apresentação tempestiva do plano, ao afirmar que em 29/09/2016, a AT alterou o sentido do seu voto (anteriormente de oposição, agora de aprovação do plano), na sequência de negociações que até aí decorreram, mas alegando ao mesmo tempo que os demais credores tiveram acesso ao plano em 18/08/2016.
Ora, ou o plano estava pronto em 18/08/2016, ou não estava.
Se estava, tinha que ter sido junto aos autos, e não poderia ter sido alterado depois disso; se não pôde ser junto aos autos, então não estava finalizado, e o que os credores votaram não foi o plano mas, na melhor das hipóteses, um qualquer documento preparatório do mesmo».

Consequentemente, não pode, no presente circunstancialismo, deixar de se validar a inferência, segundo a qual, “achando-se violada a norma constante do artigo 17.º-D, n.º 5, do CIRE, nos termos sobreditos, ocorreu violação não negligenciável de normas procedimentais, pelo que o Tribunal recusa a homologação do plano de revitalização junto pela devedora”.

O que responde negativamente às questões em I.

II.
14. Ao juiz cabe o papel de, havendo acordo entre devedor e credores, homologar ou não o PER, com observância dos artºs 215º e 216 do CIRE - artº 17º - F nºs 1, 2 e 5. Assim,
16. Não podia o Tribunal a quo vir “deduzir”, como fez, que o Plano não ficou concluído no prazo legal, pois tinha documentação bastante nos autos para entender de forma diversa e baseou a sua decisão na alegada violação na norma constante do artº 17º-D nº 5 do CIRE. E considerou na sua decisão que ocorreu violação não negligenciável de normas procedimentais – artº 215º do CIRE.

Neste referencial, em perfil de adequação, haverá de se convocar que: muito «embora apresentado sob uma formulação diversa e levando em conta algumas especificidades do novo regime da insolvência, este preceito (art. 215º CIRE) continua a orientação do Direito anterior no sentido de conferir ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano. Neste contexto, está em linha com os n.ºs 1 e 2 do art.º56.º do CPEREF que, por isso, se podem considerar o caso paralelo em quanto respeitava ao controlo da legalidade das providências recuperatórias da empresa.
Noutro nível, replica-se, com ligeiros ajustamentos formais, o que já constava do Anteprojeto do CIRE, no seu art.° 192.°».

Serve isto para dizer, em termos de evolução (e sequência) histórico interpretativa, que:

«Por comparação com a lei pregressa, e embora isso não traduza nenhuma novidade substantiva, a atual tem a vantagem de evidenciar que a necessidade de satisfação dos comandos normativos tanto respeita a aspetos de procedimento como aos de conteúdo do plano.
Mas há uma diferença assinalável, que consiste na admissão da condescendência com certos vícios, quando exprimam a violação negligenciável de regras aplicáveis, o que constitui a norma implícita do preceito.
Aqui reside, de resto, uma das maiores dificuldades para o intérprete, que se reconduz a saber o que deva entender-se por vício negligenciável - ou, na fórmula da lei, vício não negligenciável -, cuja verificação constitui requisito da recusa oficiosa de homologação» (Cf. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado – 2ª edição – pág. 823).
Circunstancialmente, no arrimo à ponderação dos objectivos e finalidades gerais do Código a ponderar como elemento de vinculação intransponível que:

«como se recolhe das disposições pertinentes - maxime artº 1º e 192º - o plano consubstancia-se como um instrumento de auto-regulamentação do interesse dos credores, alternativo à liquidação universal do património do devedor, e por aqueles definido. Deve, por isso, ser aprovado em condições que, efectivamente, viabilizem a realização do fim a que se destina. Isto exclui (até) que, mesmo, por vontade dos credores, apurada na forma de lei, se constitua como um expediente de dilação ou suspensão do processo de insolvência ao serviço de objetivos que se não coadunem com o pensamento legislativo» (Cf. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado – 2ª edição – pág. 828).
Daí que se haja por conforme, tendo em consideração, igualmente, o apreciado, na resposta antecedente, o que foi firmado pelo Tribunal em decisório, tido por de adequação fáctica e principiológica.

O que determina ser negativa a resposta à questão em II.

III.
17. O AJP tem a direção e fiscalização do processo e conduz os trabalhos do mesmo. É ele quem está em condições de diligenciar nos autos pelo seu bom andamento e regularidade. Estando por ele juntos nos presentes a acta e o sentido de votação dos credores, a alegada omissão da junção do plano que lhes deu origem não pode consubstanciar, como fez o Meritíssimo Juiz a quo, a “violação não negligenciável de normas procedimentais”, com todas as consequências que daí advém.
18. Daí deriva, quando muito, houve mera negligência, que em nada releva para a produção do resultado pretendido pelo PER.

Declaradamente, não! Pois se configura como impostergável que «são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.
Mas pensamos que se pode ir mais além e apontar uma orientação mais vasta. Na verdade, tudo o que respeita à preparação e apresentação das propostas, bem como às diligências tendentes à sua aprovação, consubstancia-se em atos ou formalidades do próprio processo e com expressão nele. De modo que, bem vistas as coisas, todas as violações legais se reconduzem à adoção de procedimentos ou à omissão de formalidades que a lei exclui ou determina. Daí que, em sentido processual, que aqui parece especialmente apto para ser acolhido, a violação da lei, ativa ou passivamente, comporte sempre a prática de uma nulidade processual.
Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores - que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa -, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.
Aqui chegados, parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art.° 195.° do C.P.Civ .. O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere, ou não, com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger, nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável.
O que haverá então de peculiar a observar - mas isto em consequência do que o próprio artigo 215º CIRE (não homologação oficiosa) prescreve - é que o próprio tribunal deve, ele mesmo, agindo ex officio, relevar a nulidade, sem necessidade de arguição de quem quer que seja, o que implicará recusar a homologação do plano, à semelhança, aliás, do que sucede com outras nulidades tipificadas na lei, como se vê do que determina o art.° 196.° do C.P.Civil» (Cf. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado - 2ª edição – pp. 826-827).

Consequentemente, não pode deixar, no circunstancialismo que os Autos evidenciam e o probatório destaca, efectivamente, de considerar que no âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora deve ser apresentado no prazo das negociações, previsto no artigo 17º-F, n.º 1 do CIRE, prazo esse que se apresenta como de caducidade. Tal significando que, ultrapassado ou excedido este prazo, no momento da apresentação do plano, o tribunal não deve homologar o plano, nos termos precisos do artigo 215º do CIRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir uma violação não negligenciável de uma norma imperativa.

O que, também, leva a atribuir resposta negativa à questão em III.

IV.
21. Os credores votaram o plano de recuperação em tempo e vêm agora as suas expectativas de recebimento em risco, fruto de uma decisão judicial que se baseia em premissas erradas e hipotéticas, justamente quanto à tempestividade de conclusão desse mesmo plano de recuperação.
22. Ao dar prazo de 5 dias à devedora, por despacho já transitado, a irregularidade sanou-se. E, diga-se, se não fosse este o plano de recuperação aprovado logo em 18/08/2016, não vinham agora os credores que o votaram manifestar-se nos autos???

As razões antecedentes, que servem de esteio às respostas formuladas, aqui se projectam, de forma inexorável. Acrescendo - o que foi enfatizado na fundamentação da decisão em causa -, ao se destacar que:

«(…) na sequência de despacho proferido em 16/09/20016, nos autos (não pelo signatário, todavia, pese embora tanto seja, para o caso, irrelevante), a mesma foi feita após ter operado a já apontada caducidade, e não pode ter, por isso, o efeito de a reverter, por a mesma ser, pela sua própria natureza, irreversível»;

e, por si só, dirime a questão, em termos conceituais, legais e de marcada temporalidade, em função do próprio calendário Gregoriano.

Tanto mais que as decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do art. 195.° NCPC não admitem recurso, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (n.º 2 do art. 630.°).
Ou seja, a parte tem não só de convencer o tribunal de que a nulidade processual existe, como, além disso, tem de provar que põe em causa princípios estruturantes e fundamentais do processo, ou um direito fundamental seu, ou o direito a um processo equitativo. O que não vem demonstrado, por não acontecido.

De resto, ocorrendo uma nulidade processual (art. 195.°-1), cumpre ao interessado argui-Ia tempestivamente e só se for indeferida é que cabe recurso da respectiva decisão, ou seja, se a omissão em apreço não está coberta por qualquer despacho terá de ser objecto de reclamação e não de recurso.
Mantém, assim, actualidade o ensinamento de A. DOS REIS, Comentário, 2.°- 507.°, quando escreve que "a arguição da nulidade só seria admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho por interposição do recurso competente. Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se".

Assinale-se que a nulidade de processo (error in procedendo) - isto é, a prática de acto que a lei não admite, a omissão de acto que a lei prescreve, ou a prática de acto com preterição de formalidades legais - é distinta do erro de decisão ou erro de julgamento (error in judicando) - o que se traduz em a decisão ter ofendido a lei. Perante uma circunstância que se repute integrar nulidade processual, deve o interessado na prática do acto omitido reclamar dessa nulidade, sob pena de aquela se vir a sanar no decêndio posterior à data em que dela teve conhecimento (arts. 202.º, 2.ª parte, 203.º, 205.°, n.º 1, e 153.°, n.º 1, do CPC – 196º, 197º,199º e 149º NCPC). Contudo, se o tribunal se tiver pronunciado negativamente quanto à matéria em causa, decidindo-se pela inexistência ou pela sua irrelevância, o modo de a parte impugnar tal decisão é interpondo o respectivo recurso, sendo este admissível (Ac. RC, de 4.12.2007: Proc. I 268/04.9TBACB-B.Cl.dgsi.Net).
Em todo o caso, e não obstante, configura-se, circunstancialmente, como incontroverso e incontrovertível, - e tal já se assinalou -, que «(…) a mesma foi feita após ter operado a já apontada caducidade, e não pode ter, por isso, o efeito de a reverter, por a mesma ser, pela sua própria natureza, irreversível».

Consequentemente - tudo visto e ponderado -, não pode, no presente circunstancialismo, deixar de se validar a inferência, segundo a qual, “achando-se violada a norma constante do artigo 17.º-D, n.º 5, do CIRE, nos termos sobreditos, ocorreu violação não negligenciável de normas procedimentais, pelo que o Tribunal recusa a homologação do plano de revitalização junto pela devedora”.

Sem olvidar que, até, porventura, “no caso de obtenção de acordo unânime dos credores, rege o nº1 do art. 17º-F, do CIRE, o qual, todavia, é complementado com os nºs 5 e seguintes, igualmente extensíveis à aprovação sem unanimidade (Cf. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado – 2ª edição – p. 170).

Sempre, na vinculação incoativa da disposição expressa do art. 17º-G, n.º1, segundo a qual o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido (nº5 do art. 17º -D, CIRE).

Deste modo - também como no Ac. STJ, de 8.9.2015, Proc.º nº 570/13.3TBSRT.C1.S1, Relator: Fonseca Ramos -, se acompanha o precedente judiciário aí firmado, segundo o qual, “no âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora requerente deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, n.º 1, do ClRE, que é um prazo de caducidade; sendo que, ultrapassado tal prazo, não deve ser homologado o plano, nos termos do art. 215.º do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa”.

Tal, a pretexto de que, como aí se explana, e, aqui, igualmente, vincula:

«O PER é dominado pela autonomia dos credores e da devedora, pela desjudicialização e, sobretudo, pela celeridade.
Se for ultrapassado o prazo para as negociações o plano não deve ser homologado, como decorre dos arts. 17º-F, nºs e 2 e 5.
O prazo para as negociações decorre independentemente de quaisquer vicissitudes, sendo que o plano deve ser apresentado com a conclusão das negociações, não para além delas, como decorre do espírito da Lei, sobretudo, da celeridade e da improrrogabilidade do prazo negocial senão por uma única vez e de forma consensual solenizada.
Não há um prazo para a conclusão das negociações, no máximo de três meses e um prazo posterior para apresentação do Plano de revitalização, que nem sequer está previsto – art. 17º - F, nº1, do PER.

Do nº2 resulta que as negociações e a aprovação do plano se devem conter num prazo único –“Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal».


***

Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:

1.

Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode ser homologado por violação não negligenciável da lei - art. 215º, aplicável por imperativo do art. 17º-F, n.º 5 do CIRE. Aliás, segundo a disposição expressa do art. 17º-G, n.º1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.
2.
No caso dos autos, quando a devedora/recorrente vem juntar o plano de revitalização há muito que já se achava ultrapassado o prazo em causa. E a devedora/recorrente veio juntá-lo apenas após notificação do tribunal, sendo que esta notificação não fez operar a sanação do incumprimento do prazo, pois que a notificação foi efectuada já depois de operada a caducidade do prazo em causa, não podendo, por isso, fazer reverter um prazo que já tinha decorrido.
3.
No âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora requerente deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, n.º 1, do ClRE, que é um prazo de caducidade; sendo que, ultrapassado tal prazo, não deve ser homologado o plano, nos termos do art. 215.º do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa.


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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..


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António Carvalho Martins ( Relator )
Carlos Moreira
João Moreira do Carmo