Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/12.1GCTCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL.
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 153º, N.º 6, DO C. DA ESTRADA
Sumário: Tendo o Tribunal Constitucional declarado, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 153º, n.º 6, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 485/2011, publicado no D.R. II Série de 29.11.2011), o âmbito desta Declaração de inconstitucionalidade não extravasa a consideração da intromissão no princípio da livre apreciação da prova (cfr. art.º 127º, do C. Proc. Penal).
Decisão Texto Integral: I . Relatório.


1.
No Tribunal Judicial de Trancoso, secção única, após julgamento, em processo sumário, com intervenção de tribunal singular, o arguido A..., casado, construtor civil, residente na … , foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º do C.P.., na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) horas de Trabalho a Favor da Comunidade, e  nos termos do art.º 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal na inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 (oito) meses.
*
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, tendo rematado a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
1
ª Na sequência da fiscalização para detecção de álcool no sangue, no dia, hora e lugar dos autos, o arguido, conduzindo o veículo 73-48-QB, foi submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma da taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,31 g/l.
2ª Não se conformando com o resultado da taxa de álcool no sangue (TAS) ( 1,31 g/l.) do exame inicial, o arguido requereu a realização da contraprova, cujo resultado foi de uma TAS de 1,26 g/l, menos elevada do que a primeira.
3ª O Tribunal a quo deu prevalência à TAS resultante da contraprova, ao abrigo do disposto no artigo 1539, n9 6 do Código da Estrada, por sinal mais favorável ao arguido, porém, deveria ter recusado a aplicação desta norma por ter sido declarada inconstitucional.
4- A norma do artigo 153º, nº 6 do CE foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, na parte em que, a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por violação do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 1652 da Constituição da República Portuguesa (Ac. 485/2011, de 19/10/2011, relatado pela Juiz Conselheira Maria Lúcia Amaral, publicada no site do TC).
5 ª Com efeito, o tribunal constitucional considerou que, está em causa “ a inconstitucionalidade orgânica do nº 6, do art 153º do CE, na medida em que nele se estabelece uma regra imperativa sobre a valoração da prova, regra essa que, constando do regime de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, terá não apenas implicações no domínio-ordenacional ( arts 145º e 146º do CE) mas ainda nos domínios penal e processo penal ( art 292º, nº 1, do Código Penal, domínios esses reservados à competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (artigo 165-, nº1, alínea c) da CRP)
6ª - Dito isto, o resultado da contraprova, que prevaleceu sobre o resultado do exame inicial, não poder ser valorado por este Tribunal uma vez a norma que o regula padece de inconstitucionalidade orgânica.
7ª Afastado que foi o valor do exame inicial, pelo pedido da contraprova, e não estando apurado o valor desta contraprova, não fica provada a TAS com que o arguido conduzia.
8a Assim, não se podendo ter por validamente apurada, a taxa concreta de álcool no sangue por g/l, que o arguido apresentava no momento em que foi fiscalizado, e não sendo possível neste momento proceder à repetição da contraprova, o arguido terá de ser absolvido pela prática do crime porque vem acusado.
9ª Não está assim preenchido o elemento objectivo do crime p.e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal que é a condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
10ª Caso assim não se entenda, o Tribunal a quo errou na escolha e medida da pena porquanto a douta sentença valorizou apenas as exigências de prevenção geral, na escolha da pena, menosprezando a vertente da prevenção especial de socialização.
11ª Com efeito a Justiça não se pode deixar intimidar pelo clamor da rua, inspirado pelo medo ou a insegurança. Sempre que possível deve dar-se ao arguido a possibilidde de uma ressocialização preparada, reconhecendo o valor moral do homem e que a delinquência resulta da fragilidade da condição humana e da imperfeição das sociedades modernas.
12ª O sistema penal deve ser evolutivo, no sentido de responsabilizar o arguido, e não cortar-lhe a esperança de uma nova chance e a sua afirmação como sujeito em toda a linha do processo, mesmo depois da condenação.
13ª Por estas razões, entendemos que ao arguido, apesar de ter sofrido duas condenações anteriores, pelos mesmos factos, nada impede de formular novo juízo de prognose favorável, só porque a pena de multa não surtiu qualquer efeito anteriormente, devendo beneficiar, mais uma vez, de uma pena multa, cuja medida há-de ter tem conta as exigências de prevenção geral e os antecedentes criminais, mas não se esquecendo que o mesmo está social, familiar e profissionalmente inserido.
14ª- Por isso, reputa-se adequada e justa ao caso uma pena de multa, por serem acentuadas as exigências de prevenção geral e especial, fixada no seu valor máximo, à taxa diária mínima, dados os seus parcos rendimentos.
15ª Violou o Tribunal a quo o artigo 153º, nº 6 do Código da Estrada, 292-, nº 1, 40º, 1 e 2, 705 e 715,1 e 2 do CP.
16ª - Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que absolva o arguido, ou, se assim, não se entender, que lhe aplique uma pena de multa, com o que se fará Justiça.
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3. O Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente como infra descrito:
“…
o que o Ac. do Tribunal Constitucional diz é que é inconstitucional a imposição legal feita no artigo 153.2, nº 6 do C.E. no sentido de que a contraprova, quando realizada em novo aparelho (e não em análises ao sangue) prevalece sempre sobre o exame inicial, precisamente porque a entidade que fez essa norma não tem competência orgânica para tal, por interferir com as normas do Código de Processo Penal. Mas tal Acórdão apenas quer dizer que compete ao tribunal em cada caso em concreto, avaliar qual o exame que vale como meio de prova: se o inicial, se a contraprova, quando realizada através de novo aparelho, consoante, nomeadamente seja mais favorável ao arguido. Ou seja, não significa que a contraprova não seja valida. O que não é, é necessariamente prevalecente sobre o exame inicial, tal como o artigo 153.º, n.º6 do C.E. dizia. Queremos com isto dizer que, este artigo impunha, obrigatoriamente, que o exame da contraprova fosse realizado com novo aparelho, ou fosse realizado por análises ao sangue, prevalecia sempre sobre o exame inicial.
Todavia, este acórdão veio declarar que quando se trate de contraprova realizado por novo aparelho, este resultado pode não prevalecer sobre o exame inicial”.
Por conseguinte, nada havendo a acrescentar ao acertadamente fundamentado pelo Tribunal a quo, afigura-se estar a argumentação vertida pelo arguido recorrente, votada ao insucesso.
- Da medida concreta da pena
Ao invés do alegado pelo arguido recorrente, o Tribunal a quo não menosprezou “a vertente da prevenção especial da socialização”, no momento em que decidiu aplicar-lhe uma pena de prisão, embora substituída por trabalho a favor da comunidade.
No caso presente, não deixando de ponderar todas as circunstâncias relevantes para a boa decisão da causa, o Tribunal a quo optou por aplicar ao arguido recorrente uma pena de prisão por não ter podido olvidar que o mesmo já havia sido condenado, por duas vezes, pela prática dos mesmos factos, e sempre em pena de multa.
Por isso, o Tribunal a quo não logrou formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a pena de multa surtiria à terceira vez, e ao invés das duas anteriores, um efeito dissuasor da prática de novos crimes, sendo certo que de nada lhe valeram, uma vez que o arguido recorrente preferiu antes pautar a sua conduta pela vontade de voltar a prevaricar e de desafiar a Ordem Jurídica.
Aliás, pese embora as duas oportunidades concedidas, a tentativa de ressocialização do arguido recorrente, com base na aplicação da pena alternativa de multa, acabou por fracassar, já que o mesmo continuou por prosseguir com a sua actividade delinquente.
Por outro lado, “reincidir” na aplicação de uma pena de multa ao arguido recorrente equivaleria a enaltecer o sentimento de impunidade que o mesmo tem revelado desenvolver, e de frustrar as expectativas da comunidade jurídica em relação à vigência da norma penal violada, o que levaria isso sim a “menosprezar” as necessidades quer de prevenção especial quer de prevenção geral.
A decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo assim ser confirmada.
… deverá ser negado provimento mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, fazendo-se desta forma a já acostumada Justiça.”
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4 . Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer, deste teor:
«(…).
concordamos inteiramente com a bem elaborada resposta à motivação do recurso apresentada pelo Ministério Público na 1.a instância, a qual, de forma cuidada, analisa as questões suscitadas da motivação do recurso do arguido, e à qual, pouco mais se nos oferecendo aditar-lhe com relevo para a decisão, aqui damos por inteiramente reproduzida.
A questão principal suscitada tem a ver com a interpretação a dar ao teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 485/11 de 19-10.
Também é certo que a questão já foi debatida na 1a instância por ter sido desde logo suscitada pelo arguido na sua contestação, tendo o tribunal a quo concluído por uma interpretação diferente daquela que vem apresentada na motivação pelo recorrente. E, parece-nos que o Tribunal recorrido fez a interpretação correcta do alcance da declaração de inconstitucionalidade do art.° 153°, n.° 6 do C. E., sendo que a decisão tomada não se opõe a tal declaração de inconstitucionalidade.
Desde logo, o citado acórdão ao delimitar a matéria em apreço pelo Tribunal Constitucional refere o seguinte:
‘‘Está em causa (no segmento normativo atrás assinalado) a inconstitucionalidade orgânica do n.° 6 do artigo 153.°. na medida em que nele se estabelece uma regra imperativa sobre valoração de prova, regra essa que, constando do regime de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, terá não apenas implicações no domínio contra-ordenacional (artigos 145.° e 146.° do Código da Estrada) mas ainda nos domínios penal e processual penal (artigo 292.°, n.° 1 do Código Penal), domínios estes reservados à competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo [artigo 165.°, n.° 1, alínea c) da CRP]. “ (sublinhado nosso).
Para depois concluir que, por falta de autorização legislativa da Assembleia da República, o Govemo não podia determinar de forma imperativa que, em caso de contra-prova prevalecia esta, só pelo facto de ser uma contraprova, independentemente dos resultados de ambos os exames.
Explicitou então o Tribunal Constitucional a sua decisão do seguinte modo:
“O Tribunal concluiu, portanto, que o Govemo, ao dispor inovadoramente, e sem a devida autorização, no n.° 6 do artigo 153.° do Código da Estrada, sobre o modo de valoração da prova em matéria de fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas, invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República.
Com efeito, estando em causa matéria com implicação penal ou processual penal, mostrava-se necessária a autorização legislativa. Tal autorização não consta no entanto da Lei n.° 53/2004, de 4 de Novembro, que “autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 114/94, de 3 de Maio”. A lei habilitante é na verdade omissa no que respeita à matéria em causa — apesar das múltiplas alíneas, de d) a e de aa) a ee), que compõem o seu artigo 3.°, o qual define a extensão da autorização conferida ao Governo.
Acrescente-se, ainda, que se não operou neste caso uma posterior novação do preceito. Na verdade, se a Lei n.° 53/2004, enquanto lei de autorização legislativa, nada dispôs sobre matéria de fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas — não podendo por isso o Governo editar, sob a forma de decreto-lei, normas relativas a tal matéria —, também o acima referido Regulamento, aprovado por lei da Assembleia da República, apesar de estabelecer, no seu artigo 3.° que “os métodos e equipamentos previstos na presente lei (...) para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova a que se refere o n.° 3 do artigo 156.° do Código da Estrada”, nada estatui sobre a específica questão que aqui está em causa, e que é a do valor probatório dessa contraprova, (sublinhado nosso).
Há por isso que concluir, como o fizeram os Acórdãos n.°s 488/2009, 24/2010, e ainda a Decisão Sumária n.° 394/2010, que a norma inscrita no n.° 6 do artigo 153.° do Código da Estrada, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução de veículo em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 165.°, n.° 1, alínea c), da CRP.”
Aliás já o citado acórdão do Tribunal Constitucional n.° 488/2009 de 24-10 situava a questão da inconstitucionalidade da norma do art.° 153°, n.° 6 do C. E., no âmbito da intromissão no princípio na livre apreciação da prova que, nos termos do art.° 127° do CPP, cabe ao Tribunal e, não poderia ser alterado senão pela Assembleia da Republico ou com a respectiva autorização legislativa, o que no caso acontecia. Referia tal acórdão, o seguinte:
“Enquanto norma que dispõe sobre o valor da análise da contraprova por confronto com o valor do exame inicial (não importando, aqui, saber se com o valor de prova taxada ou prova legal, como parece ter entendido a decisão recorrida, ou se com valor de prova sujeita a apreciação judicial segundo as regras de experiência e livre convicção do julgador), ela é uma norma processual compreendida no âmbito material do princípio afirmado no artigo 127.° do C. P. Penal.”
Refira-se a propósito, que o regime legal que previa a contraprova já existia, sem que existisse a norma do n.° 6 do art.° 153.°, que foi acrescentada na reforma de 2005 e que agora foi declarada inconstitucional com força obrigatória e geral. Naturalmente que se mantém todo o restante regime de exames e contraprovas, cabendo ao tribunal no âmbito da livre apreciação das provas fixar a matéria de facto provada.
Parece-nos, assim, que não merece censura a interpretação dada pelo tribunal recorrido, por um lado, nem a apreciação crítica da prova que foi feita, ao abrigo do disposto no art.° 127° do CPP, por outro, traduzida não em aceitar a imperatividade do resultado da contraprova, mas antes em entender dever valorar e aceitar o resultado mais favorável ao arguido, para concluir pela matéria de facto provada.
3.1 - Quanto à escolha e medida concreta da pena, acompanhando de novo o Ministério Público na 1ª instância, entendemos que o recorrente não tem razão ao pedir que, numa terceira condenação pela prática do mesmo crime - condução sob o efeito do álcool - continue a ser aplicada uma pena de multa, quando anteriormente, à condenação neste processo, já lhe haviam sido aplicadas penas de multa que não foram evidentemente dissuasoras da continuação da actividade criminosa.
Não merece também nenhuma censura quer a escolha, quer a medida da pena, traduzida em 3 anos de prisão substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade (isto é, pouco mais de 10 dias...)
*
Nestes termos, face ao exposto, e em concordância com a douta resposta do Ministério Público na 1a instância, somos de parecer que o recurso do arguido deverá improceder, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.”
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5.
Notificado, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 417.º do CPP, o recorrente não exerceu o seu direito de resposta.
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6. Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação.
1. Poderes cognitivos do tribunal
ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
No presente caso,
considerado o circunstancialismo supra exposto, o recurso convoca para apreciação as seguintes questões:
-
Da inconstitucionalidade orgânica da norma do 153º, nº 6 do Código da Estrada, a consubstanciar erro na apreciação da prova por uso de prova inválida, traduzida na aceitação do resultado de exame de contraprova previsto em norma legal declarada organicamente inconstitucional, com força obrigatória e geral.
-  Da escolha e medida da pena.
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2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 18.01.2012, pelas 15h00, o arguido circulava na E.N. 229, Km 36,400, Aguiar da Beira, Trancoso, ao volante do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, portador da matrícula … .

2. Submetido, pelos agentes de autoridade, ao teste de pesquisa de álcool no aparelho, marca Drager, modelo 7110 MKIII, n.º de série ARAC-0018, o arguido acusou uma TAS de 1,26 g/l.

3. O arguido sabia que a qualidade e a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu até momentos antes de iniciar a condução lhe determinariam necessariamente uma TAS superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de conduzir o seu veículo na via pública.

4. Agiu em todas as circunstâncias descritas voluntária e conscientemente.

5. Sabia que as descritas condutas o faziam incorrer em responsabilidade criminal.

6. O arguido é operário da construção civil, aufere cerca de € 20,00 por dia, sendo que trabalha cerca de três dias por semana.

7. Vive com a sua esposa que trabalha num quiosque, em casa dos seus sogros.

8. O arguido está social, familiar e profissionalmente inserido.

9. O arguido já respondeu criminalmente e foi condenado:

a. No âmbito do processo n.º 5/08.3GTGRD por sentença proferida em 04.04.2008, pela prática em 04.08.2001, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 5,00, num total de € 350,00, e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor durante o período de 3 meses, penas estas já declaradas extintas pelo cumprimento.

b. No âmbito do processo n.º 177/08.7GTGRD por sentença proferida em 27.01.2009, pela prática em 28.11.2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00, num total de € 600,00, e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor durante o período de 6 meses, penas estas já declaradas extintas pelo cumprimento.

2.2. Factos não provados

1. Nas circunstâncias de modo, tempo e lugar dadas como provadas, o arguido conduzia com uma TAS de 1,31 g/l.

2.3. Motivação da matéria de facto

O tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e normalidade e com base na livre convicção do julgador, (cfr. artigo 127.º do Código de Processo Penal).

Assim, o tribunal formou a sua convicção atendendo, essencialmente, às declarações do arguido que admitiu que nas circunstâncias de modo, tempo e lugar conduzia o veículo em causa, e que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a dita condução, o que, de resto foi corroborado pelo depoimento da testemunha … , agente da GNR que o fiscalizou e que apresentou uma depoimento claro, imparcial e coerente.

Tal agente corroborou que o arguido foi submetido a um primeiro exame na GNR do Sátão, tendo apresentado uma TAS de 1,31, e que não satisfeito, desejou prestar nova contraprova, em novo aparelho, pelo que se deslocaram vila Nova de Paiva. De resto o documento junto a folhas 7, comprova que o arguido desejou prestar contraprova em novo aparelho e não através de análises ao sangue.

No que diz respeito à TAS que o arguido apresentava, o tribunal atendeu ao doc. de fls. 11, talão correspondente à contraprova.

Com efeito, o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo apresentado uma TAS de 1,31 g/l. Uma vez que pretendeu realizar contraprova, esta foi realizada, cerca de 45 minutos depois, em aparelho aprovado, tendo apresentado uma TAS de 1,26 g/l.

Ora perante estes dois resultados o tribunal valora o resultado que se afigura ser mais favorável ao arguido, qual seja, o da contraprova.

Com efeito, e neste concernente, o arguido alegou que como o artigo 153.º, n.º6 do CE foi declarado inconstitucional, não pode ser valorado o resultado da contraprova, logo, tendo o exame inicial sido contestado pelo arguido, não se pode saber qual a TAS com que o mesmo circulava.

Salvo devido respeito por opinião contrária, cremos que assim não pode ser. Com efeito, o AC. do TC n.º 485/2011, declarou com força obrigatória geral a incosntitucionalidade constante do artigo 153.º, n.º6 do Código da Estrada, na redacção dada pelo D.L. n.º 44/2005, de 23.02, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por violação do disposto na alínea c) do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição.

No entanto a interpretação que deve ser feita a este Acórdão não é a que o arguido alega.

Na verdade, se assim fosse, bastava que os arguidos pedissem a contraprova em novo aparelho para serem sempre absolvidos.

Pelo contrário, o que o Ac. do Tribunal Constitucional diz é que é inconstitucional a imposição legal feita no artigo 153.º, n.º6 do C.E. no sentido de que a contraprova, quando realizada em novo aparelho (e não em análises ao sangue) prevalece sempre sobre o exame inicial, precisamente porque a entidade que fez essa norma não tem competência orgânica para tal, por interferir com as normas do Código de Processo Penal. Mas tal Acórdão apenas quer dizer que compete ao tribunal em cada caso em concreto, avaliar qual o exame que vale como meio de prova: se o inicial, se a contraprova, quando realizada através de novo aparelho, consoante, nomeadamente seja mais favorável ao arguido. Ou seja, não significa que a contraprova não seja valida. O que não é, é necessariamente prevalecente sobre o exame inicial, tal como o artigo 153.º, n.º6 do C.E. dizia. Queremos com isto dizer que, este artigo impunha, obrigatoriamente, que o exame da contraprova fosse realizado com novo aparelho, ou fosse realizado por análises ao sangue, prevalecia sempre sobre o exame inicial.

Todavia, este acórdão veio declarar que quando se trate de contraprova realizada por novo aparelho, este resultado pode não prevalecer sobre o exame inicial.

Isto posto, e transpondo tais considerações para o caso dos autos, o tribunal, opta por valorar o resultado da contraprova por ser mais favorável ao arguido, dai o facto dado como provado no ponto 2., e o facto dado como não provado.

Importa ainda fazer notar que sobre o valor resultante do talão emitido pelo aparelho em que se procedeu ao exame não há que fazer incidir o desconto de qualquer margem de erro. A este propósito referiu-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 25.3.2010, no processo 4/09.8GLSB.S2, onde se escreveu que “No nosso ordenamento jurídico é proibido conduzir veículo nas vias públicas ou equiparadas com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l. A condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 1, 2 g/l constitui contra-ordenação, grave ou muito grave, consoante o valor dessa taxa – artºs 81º, nºs 1 e 2, 2º, 145º, alínea l), e 146º, alínea j), do CE. A condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, havendo pelo menos negligência, preenche o crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º, nº 1, do CP.

Ao lado das normas que tipificam estas infracções por referência aos valores de álcool no sangue, outras existem destinadas a regular todo o processo de apuramento desses valores.

Assim, no artº 1º, nºs 1 e 2, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela já citada Lei nº 18/2007, estabelece-se que «a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo» e «a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuada em analisador quantitativo, ou por análise de sangue».

No artº 1º da Portaria nº 902-B/2007, de 13 de Agosto, definem-se as características técnicas, gerais e físicas a que devem obedecer os analisadores quantitativos.

E o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, no essencial, define os processos de aprovação e verificação periódica ou extraordinária dos analisadores quantitativos, agora designados como alcoolímetros (artºs 5º, 6º, 7º e 8º).

Como afirmam os autores citados[1], que são, respectivamente, director do Departamento de Metrologia do Instituto Português da Qualidade, responsável pelo Laboratório de Química-Física do mesmo organismo e técnica superior desse Laboratório, «a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos». Não ignorando esse facto, o legislador ao estabelecer os valores da taxa de álcool no sangue definidores de cada uma das referidas infracções, não podia ter em vista valores absolutamente exactos, mas apenas os valores apurados através dos meios que estabeleceu para o efeito.

Por isso, na regulação desse processo de apuramento foi extremamente cuidadoso, com vista à obtenção de resultados que se aproximem o mais possível do valor real da taxa de álcool no sangue, definindo as características dos alcoolímetros, exigindo a sua aprovação por entidade pública, impondo um apertado regime de verificações, a cargo da mesma entidade, e, principalmente, fazendo levar em conta nessas operações – aprovação e verificações – os chamados erros máximos admissíveis, que, segundo os referidos técnicos, «não representam valores reais de erro», visando somente «definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas».

E criou uma válvula de segurança do sistema, assegurando sempre oportunidade ao condutor, no caso de o resultado do exame feito no alcoolímetro ser positivo, de realizar a contraprova, por uma de duas vias à sua escolha – novo exame por meio de aparelho aprovado ou análise sanguínea –, prevalecendo o resultado da contraprova sobre o do exame inicial, nos termos dos nºs 2 a 6 do artº 153º do CE, aplicáveis por força do artº 3º do falado Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.

Não podendo saber-se com absoluta exactidão o valor da taxa de álcool no sangue do condutor, a lei satisfaz-se com o valor apurado daquele modo, desde que cumprido o processo legal previsto para o efeito, que garante, pelo menos, um valor muito aproximado, para mais ou para menos, do real. Como afiançam aqueles autores, «um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais». O valor assim obtido, que, se não corresponde ao real, está garantidamente dele muito próximo, se atingir 1,2 g/l, é considerado pela lei como tendo dignidade, em função da perigosidade presente na respectiva conduta, para preencher o crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

O valor da alcoolemia a considerar para o efeito de a condução nessa situação preencher o tipo objectivo do crime do artº 292º do CP é, pois, o fornecido pelo alcoolímetro no exame inicial ou, havendo contraprova, o que resultar desta.

Sinal inequívoco disso deve ser visto nos nºs 3 e 4 do artº 170º do CE. Da conjugação dessas disposições resulta que «os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares» fazem fé sobre os factos respectivos, «até prova em contrário». Se é certo que essas normas se referem às infracções tipificadas nesse código, também o é que o crime de condução em estado de embriaguez, previsto no artº 292º, nº 1, do CP, apenas se distingue das contra-ordenações integradas pela condução sob influência do álcool, previstas no CE, em função do valor da taxa de álcool no sangue, ou seja, em termos de quantidade. E por isso são comuns os mecanismos previstos para o apuramento desse valor. Assim, porque o tipo do valor da alcoolemia há-de ser o mesmo num caso e noutro, tem aplicação em sede de crime de condução em estado de embriaguez a regra que se retira do artº 170º, nºs 3 e 4, do CE.

Não há, pois que deduzir ao valor fornecido pelo alcoolímetro o valor do erro máximo admissível, que nem se sabe qual seria, pois os erros máximos admissíveis indicados pela lei são para serem levados em conta nas operações para as quais foram especificamente estabelecidos – a aprovação e as várias verificações –, como se vê do quadro anexo à Portaria nº 1556/2007.”. Este acórdão foi confirmado por Acórdão do pleno das secções criminais do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27.10.2010.

Portanto, os erros máximos apresentados são considerados não a propósito do valor apresentado após cada utilização, mas antes, quando o aparelho é aferido para, posteriormente, ser usado pelas autoridades competentes. O arguido foi submetido a teste de alcoolemia no equipamento Drager, 7110 MK IIIP. O uso do dito aparelho no território nacional foi validado e verificado pelo Instituto Português da Qualidade, estando portanto operacional no dia da fiscalização. Assim sendo, não tendo sequer sido colocado em crise o funcionamento de tal aparelho e atento o que supra se referiu sobre a não consideração das margens de erro neste momento, repetindo-se o que decorre do exposto, por tal consideração ser já levada em conta aquando da verificação efectuada ao aparelho, considerou o Tribunal que o arguido seguia com a TAS resultante do talão do alcoolímetro.

Apuraram-se as condições económicas e pessoais do arguido com base nas suas próprias declarações que não nos mereceram qualquer reparo.

Dos seus antecedentes criminais relevou o CRC juntos aos autos.”
*
3. Do mérito do recurso:
3.1. Da inconstitucionalidade orgânica da norma do 153
º, nº 6 do Código da Estrada
Estatui o art. 153.º, n.º 6 do Código da Estrada que “o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.”
O cerne da questão mostra-se rigorosamente definido no Ac do TC 488/2009 onde se esclarece que “Enquanto norma que dispõe sobre o valor da análise da contraprova por confronto com o valor do exame inicial (não importando, aqui, saber se com o valor de prova taxada ou prova legal, como parece ter entendido a decisão recorrida, ou se com valor de prova sujeita a apreciação judicial segundo as regras de experiência e livre convicção do julgador), ela é uma norma processual compreendida no âmbito material do princípio afirmado no artigo 127.º do C. P. Penal. Assim sendo, o preceito, na medida em que projecta efeitos a nível da valoração da prova em processo criminal, e quando referido a contraprova efectuada mediante analisador quantitativo, apenas poderia ser editado por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo, emitido a coberto de autorização legislativa, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Assembleia da República.”
( Anote-se, porém, que, quando referida a contraprova efectuada com recurso a análise ao sangue, há-de entender-se que a mesma foi substituída pelo referido n.º 5 do artigo 6.º do referido Regulamento, deixando-se de colocar a questão da competência para a edição do respectivo critério normativo.)

Questão retomada pelo Ac TC nº 485/11 que em parte se transcreve para melhor percepção:

“(…)

5. O artigo 153.º do Código da Estrada estabelece o regime legal de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas. De harmonia com o disposto nos dois primeiros números deste artigo, a quantificação da taxa de álcool no sangue do condutor começa por ser realizada através de exame no ar expirado, efectuado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito; se o exame for positivo, o examinando pode, de imediato, requerer a realização da contraprova, que será efectuada por um dos meios, por si escolhido, definidos no n.º 3 do mesmo artigo. Finalmente, e como determina o n.º 6, “o resultado da contraprova prevalece sempre sobre o resultado do exame inicial”.

Está em causa (no segmento normativo atrás assinalado) a inconstitucionalidade orgânica do n.º 6 do artigo 153.º, na medida em que nele se estabelece uma regra imperativa sobre valoração de prova, regra essa que, constando do regime de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, terá não apenas implicações no domínio contra-ordenacional (artigos 145.º e 146.º do Código da Estrada) mas ainda nos domínios penal e processual penal (artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal), domínios estes reservados à competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) da CRP].

(…)

O Tribunal concluiu, portanto, que o Governo, ao dispor inovadoramente, e sem a devida autorização, no n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada, sobre o modo de valoração da prova em matéria de fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas, invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

Com efeito, estando em causa matéria com implicação penal ou processual penal, mostrava-se necessária a autorização legislativa. Tal autorização não consta no entanto da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, que “autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio”. A lei habilitante é na verdade omissa no que respeita à matéria em causa – apesar das múltiplas alíneas, de a) a z) e de aa) a ee), que compõem o seu artigo 3.º, o qual define a extensão da autorização conferida ao Governo.

Acrescente-se, ainda, que se não operou neste caso uma posterior novação do preceito. Na verdade, se a Lei n.º 53/2004, enquanto lei de autorização legislativa, nada dispôs sobre matéria de fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas – não podendo por isso o Governo editar, sob a forma de decreto-lei, normas relativas a tal matéria –, também o acima referido Regulamento, aprovado por lei da Assembleia da República, apesar de estabelecer, no seu artigo 3.º que “os métodos e equipamentos previstos na presente lei (…) para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova a que se refere o n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada”, nada estatui sobre a específica questão que aqui está em causa, e que é a do valor probatório dessa contraprova.

Há por isso que concluir, como o fizeram os Acórdãos n.ºs 488/2009, 24/2010, e ainda a Decisão Sumária n.º 394/2010, que a norma inscrita no n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução de veículo em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da CRP

III – Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.

(…)

DECLARAÇÃO DE VOTO

(…)
1. Entendo também que o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, estatui sobre o valor probatório da contraprova, quando no capítulo sobre a “avaliação do estado de influenciado pelo álcool” nada diz quanto à prevalência da prova ou da contraprova consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado. O silêncio da lei tem o sentido de afirmar a regra geral constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal – “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. O que coloca a questão da revogação da “norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado”, apreciada num processo que segue os termos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade.- Maria João Antunes.
*

3.2 .A simples leitura deste aresto revela que o âmbito da declaração de inconstitucionalidade da norma não extravasa a consideração da intromissão no princípio na livre apreciação da prova porquanto o nº 6 do art 153 do CE contém uma regra imperativa sobre valoração de prova. Contudo, tal como o MP salienta na resposta, todo o restante regime de exames e contraprovas, permanece incólume, incumbindo ao tribunal no âmbito da livre apreciação das provas fixar a matéria de facto provada.
Ora, considerando o facto provado nº 2 e o facto não provado, assim como a motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida, conclui-se que o tribunal a quo formou a sua convicção com base no conjunto da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e normalidade e com base na livre convicção do julgador, (cfr. artigo 127.º do Código de Processo Penal) e perante os dois resultados valorou o que se lhe afigurou mais favorável ao arguido, qual seja, o da contraprova.
Consequentemente, não aplicou a norma do art 153º nº 6 do CE, antes tendo procedido de acordo com os ditames do art 127º do CPP
Não merece pois qualquer censura.
Improcede nos termos expostos este segmento do recurso interposto.
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3.4 A medida concreta da pena.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se outra pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, sendo ainda punido com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período entre três meses e três anos, nos termos do art. 69º, nº 1, a), do C. Penal.
O tribunal recorrido cumpriu a obrigação de, entre aplicação alternativa de duas penas de natureza diferente, optar por uma delas.
E fê-lo observando o critério do artigo 70.° do Código Penal que estipula: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, precisando que finalidades a alcnçar, de acordo com o artigo 40.° do mesmo diploma legal, são a protecção dos bens jurídicos que os diversos tipos de crime visam salvaguardar e a reintegração do agente na sociedade.

Conforme a propósito se registou na sentença recorrida ” A necessidade de protecção de bens jurídicos traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (cfr. FIGUEIREDO DIAS, “Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Assim, são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa.

Sendo função da culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum desta, nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena.

No problema da escolha da pena não pode ainda deixar de ser atribuída prevalência a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

A prevenção geral sempre sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, surge como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização; quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução de pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postos imediatamente em causa a “…necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias” (Figueiredo Dias, ob. cit).

No entanto, não podemos olvidar que o arguido já foi condenado pela prática dos mesmos factos por 2 vezes, sempre em pena de multa.

Assim sendo, o tribunal não pode formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a pena de multa surtirá o efeito dissuasor da prática de novos crimes, uma vez que anteriormente não surtiu.”

Concluiu, pois, de forma justificada, pela aplicação de pena de prisão, pela prática do crime em causa.

            E na determinação da medida concreta da pena em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendeu a todas as circunstâncias elencadas pelo artigo 71.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, a favor e contra o agente.

Assim ponderou

- o dolo directo com que o arguido actuou;

- a TAS em concreto encontrada que se aproxima do limite mínimo permitido por lei;

- as exigências de prevenção geral que considerou ( e bem) elevadas, atenta a elevada frequência com que os crimes desta natureza são praticados na nossa sociedade;

- os antecedentes criminais, a  revelarem uma conduta desrespeitadora quanto aos valores jurídico-penais e uma vida avessa ao Direito e às imposições legais.

Na ponderação dos referidos  elementos, e atenta a moldura prevista para o crime em causa, entendeu adequada a imposição ao arguido de uma pena de 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.
Em seguida teve em atenção o disposto no artigo 43.º, n.º1, do CP  - "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade aplicável, excepto se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes". – e ponderando de forma avisada  que o arguido já fora condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em penas de multa, a última das quais por sentença de 27.01.2009 ( facto provado nº 9)  afastou a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que a pena de prisão substituída por multa surtiria o efeito dissuasor da prática de novos crimes,  dado que “o arguido das vezes anteriores procedeu ao pagamento da pena de multa, mas não se absteve de voltar a conduzir sob efeito do álcool.”
Nenhuma censura merece a avaliação da situação apurada nos autos e a opção do tribunal recorrido.

Aliás, bem andou ao relevar o facto de o arguido estar social e profissionalmente inserido,  entendendo substituir a pena de 3 meses de prisão por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, por realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo ainda certo que o arguido concordou com tal pena.
Aliás, entende este tribunal de recurso que o tribunal a quo procedeu de forma correcta  na graduação da sanção – principal e acessória - atendendo à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
A culpa é um juízo de reprovação pessoal feita ao agente de um facto ilícito-típico, que podendo comportar-se de acordo com o direito, optou por se comportar em sentido negativo. A conduta culposa é expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem, por isso, de responder perante as exigências do dever-ser da comunidade. A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção, que vêm enunciadas no mencionado art. 40.º, n.º 1 do Código Penal.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo para dissuadir a prática de crimes, - através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), - e para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).
No crime de condução de veículo em estado de embriaguez, como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança rodoviária e indirectamente bens pessoais, como seja a vida, de indiscutível valor supremo. 
A determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal para tal efeito a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).
Assim, e entre outras, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto, e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).
Reportando-nos ao caso concreto, as exigências de prevenção especial de socialização relevam-se algo significativas, quando considerado o percurso pessoal do arguido, já com antecedentes criminais, a significar desrespeito pelos valores comunitários com tutela penal, revelado pelo comportamento anterior dado que já sofreu duas condenações por idêntico crime.
Em resumo, as penas aplicadas coadunam-se com a culpa do arguido e com o teor da taxa de álcool no sangue.
Temos pois como justas e adequadas as concretas penas - principal e acessória - fixadas pelo tribunal a quo.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Taxa de justiça a cargo do arguido, cujo quantitativo se fixa em 3 UC [artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do CPP; artigo 8.º, n.º 5, e tabela anexa, do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26-02)].


Coimbra, 3 de Julho de 2012
(Processado pelo relator e revisto por ambos os subscritores)


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Isabel Valongo


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Paulo Guerra


[1] António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, em A ALCOOLEMIA E O CONTROLO METROLÓGICO DOS ALCOOLÍMETROS, texto disponível em www.ipq.pt/back Files/CONTROLO_ALCOOLEMIA_080402.pdf .(Nota nossa).