Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
50/11.1GTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CARTA DE CONDUÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 130º CE
Sumário: Face à nova redação dada ao artigo 130º do Código da Estrada pelo Dec. Lei º 138/2012 de 05.07, conduzindo o arguido um veículo automóvel e sendo portador de uma carta de condução emitida pela República Bolivariana da Venezuela, caducada há menos de 5 anos, comete a contraordenação a que alude o nº 7 do referido preceito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Após audiência pública de discussão e julgamento, foi proferida a sentença, na qual o tribunal de 1ª instância decidiu:

- Absolver o arguido, A..., identificado nos autos, da prática do crime de condução sem habilitação legal p. p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro pelo qual vinha acusado.

*

Recorre o MºPº da aludida sentença.

Na motivação do recurso formula as seguintes CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, de processo comum, com intervenção de tribunal singular acima identificados, que absolveu o arguido A... da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3º, nºs l e 2 do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos artigos 121º, 122º, 123º, 125º e 128º, todos do Código da Estrada.

2. O presente recurso abrange toda a sentença e versa, apenas, sobre a matéria de direito.

3. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu que o arguido, não obstante conduzir, no dia 7 de Abril de 2011, na via pública, na área desta Comarca, com uma carta de condução emitida pela República Bolivariana da Venezuela, cuja validade havia expirado em 7 de Janeiro de 2011, não cometeu o crime de que vinha acusado.

4. Fundamentou tal decisão, em suma, no argumento de que o art. 130º do Código da Estrada não faz qualquer distinção entre a caducidade das cartas de condução emitidas pelo Estado Português e as emitidas por Estados estrangeiros, pelo que, nos termos do art. 130º, nº 6, do Código da Estrada, na redacção vigente à data dos factos, apenas a condução com uma carta caducada há mais de dois anos constituiria um facto ilícito típico, o que no caso não ocorria, porque a validade daquele documento havia expirado apenas 3 meses antes.

5. Ora, entendemos, salvo melhor opinião, que atendendo às disposições legais em vigor, a Ma. Juiz a quo carece de razão.

Com efeito:

6. Nos termos do art. 125º do Código da Estrada, em ambas as redacções, a vigente à data dos factos e vigente na data da prolação da sentença, são títulos habilitantes para a condução de veículos a motor, para além dos títulos nacionais, os emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com a Convenção Internacional de Genebra, de 19 de Setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com a Convenção Internacional de Viena, de 8 de Novembro de 1968, sobre circulação rodoviária.

7. Uma vez que a República Bolivariana da Venezuela aderiu à Convenção de Trânsito Rodoviário de Genebra de 1949 e assinou a Convenção sobre a Circulação Rodoviária de Viena de 1968, das quais o Estado Português também é parte contratante, o título que o arguido possuía habilitava-o a conduzir em território nacional.

8. Sucede, porém, que para tanto, tal documento tinha que ser válido, conforme dispõem os artigos 24°, nº l da Convenção de Genebra e 41º, nº 2 da Convenção de Viena.

9. As normas referentes à revalidação das cartas de condução constantes do artigo 130º do Código da Estrada, apenas se aplicam às cartas nacionais e às cartas emitidas por Estado membros da União Europeia (cfr. art. 1º do Regime Jurídico da Carta de Condução e art. 17º, nº 9 do Regulamento).

10. O titular de uma carta de condução estrangeira, apenas poderá requerer a sua troca perante as entidades competentes junto do Estado Português e para tal é necessário que possua uma carta de condução válida, conforme dispõe o art. 128º do Código da Estrada e o art. l4º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir.

11. Assim sendo, não se aplicando as normas da revalidação às cartas de condução estrangeira, não subsistem os fundamentos da sentença proferida pelo Tribunal a quo,

12. Encontrando-se preenchidos os elementos objectivos do crime de condução sem habilitação legal, conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6.l2.2006, disponível em www.dgsi.pt.

13. Pois, conforme dispõe o art. 130º, nº 6 do Código da Estrada, em ambas as redacções, os titulares de título de condução caducados ou cancelados em virtude da falta de revalidação no prazo legal consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.

14. Em face ao exposto, o Tribunal a quo deveria ter chegado a uma solução diversa daquela que proferiu, condenando o arguido pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos artigos 121°, 122°, 123°, 125º e 128º, todos do Código da Estrada, de que vinha acusado.

*

Respondeu o arguido invocando a intempestividade do recurso e louvando-se na decisão recorrida e sustentando a improcedência do recurso.

No visto a que se reporta o art. 426º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Corridos vistos, cumpre decidir.  


***

II.

1. Vistas as conclusões, que definem o objecto do recurso, este incide exclusivamente sobre matéria de direito – decidir se a matéria de facto provada preenche os elementos do tipo legal de crime.

2. A matéria de facto provada é a seguinte:

No dia 07 de Abril de 2011, o arguido, A..., conduzia o veículo automóvel de matrícula XH (...), na rotunda do IP 2, acesso a Trancoso, para quem vem da EN 226 ou da EN 102.

Quando fiscalizado pela GNR o arguido exibiu a carta de condução com o n.º E-929113, emitida pela República Bolivariana da Venezuela, com dada de validade até 07.01.2011.

O arguido, não obstante saber que não podia conduzir aquele veículo em virtude de a carta que trazia consigo se encontrar caducada, não se absteve de o fazer.

O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais. 

3. Nos termos do art. 125º do Código da Estrada [nº1, al. d) na redacção anterior à vigência do DL 138/2012 de 05.07 correspondente ao n.º1, al. c) na nova redacção, introduzida por aquele diploma], constituem títulos habilitantes para a condução de veículos a motor, para além dos títulos nacionais, os emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com a Convenção Internacional de Genebra, de 19 de Setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com a Convenção Internacional de Viena, de 8 de Novembro de 1968, sobre circulação rodoviária.

Ora, no caso, tanto a República da Venezuela (emitente do título) como a República Portuguesa (onde o arguido exercia a condução) aderiram quer à Convenção de Trânsito Rodoviário de Genebra de 1949 quer à Convenção Sobre a Circulação Rodoviária de Viena de 1968.

Assim, o título que o arguido possuía, emitido pela Venezuela, era válido em Portugal e habilitava-o a conduzir em território nacional – naturalmente desde que se mantivesse válido no país emitente - conforme dispõem, aliás, os artigos 24°, nº l, da Convenção de Genebra e 41º, nº 2, da Convenção de Viena.

Trata-se de pressupostos indiscutíveis, reconhecidos quer pela sentença recorrida quer pela motivação do recurso.

*

A divergência está apenas em saber se - tendo o título em questão caducado menos de 5 meses antes – o crime deve considerar-se verificado, tendo em vista a aplicação do regime em concreto mais favorável ao arguido.

O crime em questão - condução sem habilitação legal – é tipificado pelo art. 3º, nºs 1 do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, nos seguintes termos: 1- Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem estar habilitado os termos do Código da Estrada é punido (…).

A definição dos elementos do tipo remete assim para o C. da Estrada no que diz respeito à definição da falta de habilitação.

Neste ponto (validade dos títulos de habilitação para conduzir) postula o Artigo 130º do C. da Estrada (na nova redacção dada pelo Decreto-Lei nº 138/2012 de 05.07), sob a epígrafe “Caducidade e cancelamento dos títulos de condução”:

1- O título de condução caduca se:

a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período

(…)

3 – O título de condução é cancelado quando:

(…)

d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido.

(…)

5- Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.

7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de € 120 a € 600.

A questão está em saber se, face ao novo regime – mais favorável ao arguido - estamos perante uma situação relevante para efeito do n.º7 (título apenas caducado, por não revalidado nos termos definidos na al. a) do n.º 1). Ou antes, de condutor não habilitado (n.º5) por cancelado, por caducado há mais de cinco anos.

A Lei distingue agora (ao contrário da anterior redacção) entre: - título caducado (n.º1); e – título cancelado (n.º3).

O título caducado (n.º1) é punido como contra-ordenação (n.º7).

Já o condutor com título cancelado (n.º3) é considerado não habilitado (n.5). E como tal, por efeito da remissão do art. 3º do DL nº 2/98 para o preenchimento da falta de habilitação, incorre na prática do crime

Nos termos do n.º5 do preceito, na nova redacção (mais favorável em concreto) apenas são considerados não habilitados os titulares de títulos de condução cancelados.

A condução com títulos “meramente” caducados passou a ser previsão pelo n.º7 como mera contra-ordenação.

No caso, certo é que o título de condução não é válido – por ter caducado três meses antes da autuação (factos de 07 de Abril de 2011 / caducidade em 07.01.2011).

Por outro lado, fosse o título (carta) de condução emitida pela República Portuguesa ou país da União era evidente a subsunção ao nº 7 – relevância como mera contra-ordenação, por se tratar de título meramente caducado.

Tratando-se de título emitido por país estranho à União, o digno recorrente sustenta que deve considerar-se que o caso se subsume no n.º5 (título cancelado). Com o fundamento de que o título de condução em causa, estando caducado, nunca poderia ser revalidado em Portugal.

Ora os elementos do tipo de crime (condução sem habilitação) são definidos pelo DL 2/98 por remissão para a definição do título de habilitação para “os termos do Código da Estrada”.

O Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir não releva para a definição/validade do título de habilitação (definidos no art. 130º do CE) em si mas apenas para os procedimentos administrativos com vista à sua obtenção/renovação/substituição.

A definição do conceito de falta de habilitação com relevância criminal emerge directamente do citado art. 130º do C.E.: título cancelado por decorridos mais de 5 anos do prazo de renovação – crime. Passando o título caducado há menos de 5 anos a constituir mera contra-ordenação (n.º7).

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que o princípio da legalidade e da tipicidade da responsabilidade criminal, impõe o entendimento de que, sendo o título válido/reconhecido, em Portugal e estando caducado há menos de 5 meses, deve ser subsumido ao nº 7, como impõe a letra, clara, do preceito.

Independentemente da forma, requisitos, procedimento administrativo para a sua substituição.

Se o título emitido pela Venezuela é reconhecido em Portugal por efeito de convenção Internacional vinculativa de ambos os Estados, daí têm que ser retiradas todas as consequências inerentes a tal reconhecimento.

Aliás, ainda que o título não pudesse ser revalidado, em Portugal (por caducado) nada impedia que fosse revalidado no país de origem, e substituído, em Portugal dentro do aludido prazo de 5 meses.

Se a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo - ubi lex non distinguet nec nos distinguire debemus.

Assim face ao princípio da aplicação do regime em concreto mais favorável, sendo o título em causa reconhecido em Portugal e estando caducado há menos de 5 anos, deve improceder a acusação pelo crime, por a conduta ter passado a ser sancionada como mera contra-ordenação.


***

III.

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso. ----

Sem tributação.

Belmiro Andrade (Relator)

Abílio Ramalho