Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
808/09.1TBFIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CITAÇÃO
CITAÇÃO POSTAL
PRESUNÇÃO LEGAL
FALTA DE CITAÇÃO
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.225, 239 CPC
Sumário: 1. - A citação postal do demandado pessoa singular deve ser intentada no domicílio indicado pelo demandante, para ali se endereçando a respetiva carta com aviso de receção, que pode ser entregue, nas condições legais, ao citando ou a qualquer outra pessoa que se encontre na residência e esteja em condições de pronta entrega àquele.

2. - Assinado, nos moldes legais, pelo recetor – mesmo que terceiro – o respetivo aviso de receção, a citação considera-se efetuada na pessoa do citando, presumindo-se que ocorreu oportuna entrega ao destinatário, tanto mais que a correspondência foi dirigida para a morada que constava referenciada no seu cartão de cidadão.

3. - Cabe a este ilidir a presunção legal, demonstrando o contrário, isto é, que a carta não lhe foi entregue.

Decisão Texto Integral:




Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

M (…), com os sinais dos autos,

interpôs ([1]) recurso extraordinário de revisão,

em autos em que é contraparte (Recorrido) J (…), também com os sinais dos autos,

tendo aquela, em ação que correu termos à sua revelia absoluta, sido condenada, com trânsito em julgado, por sentença datada de 05/02/2017, a pagar ao A. (aqui Recorrido) a quantia de € 10.000,00, a título de honorários forenses, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, e juros moratórios, à taxa de 4% ao ano, desde a citação.

Alegando ter ocorrido falta ou, pelo menos, nulidade da sua citação para tal ação condenatória ([2]), peticionou a Recorrente que, no provimento do recurso, fosse declarada aquela falta de citação ou, subsidiariamente, a nulidade da mesma, revogando-se a sentença condenatória aludida, com anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação devia ter sido efetuada, e ordenando-se, por isso, a respetiva repetição, nos termos do disposto no art.º 701.º, n.º 1, al.ª a), do CPCiv..

Admitido o recurso de revisão, respondeu o Recorrido, excecionando a caducidade do direito de recorrer e alegando, designadamente, que a citação foi efetuada, de acordo com as regras aplicáveis, para a morada da citanda, embora em pessoa diversa, que se apresentou com legitimidade para a receber na morada da Recorrente, e pugnando, assim, pela improcedência desse recurso.

Produzidas as provas, mormente as indicadas pela Recorrente ([3]), foi depois proferida sentença, datada de 08/09/2017, julgando “improcedentes as exceções perentória de caducidade suscitada pelo recorrido e dilatória de falta de citação, invocada pela recorrente, não se revogando a sentença recorrida, proferida no apenso A” e determinando a notificação das partes para, querendo, “se pronunciarem sobre a eventual condenação da recorrente como litigante de má fé”, sentença essa complementada, em 25/09/2017, depois de observado o contraditório, com a condenação da Recorrente, como litigante de má-fé, “na multa correspondente a 2 Ucs. e na indemnização, a favor do recorrido, consistente nas custas processuais que este tenha suportado nestes autos de recurso de revisão”.

Inconformada, vem a Recorrente interpor o presente recurso, de apelação, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([4])

(…)

Respondeu a contraparte, pugnando pela não admissão do recurso (por irrecorribilidade e extemporaneidade), pela inobservância dos ónus legais a cargo da parte impugnante da decisão da matéria de facto e, em qualquer caso, pela total improcedência da apelação.

Esta foi admitida, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos ao Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando ao conhecimento da matéria recursória ([5]), cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito recursório, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([6]) –, importa saber:

1. - Se ocorreu erro de julgamento em sede de base fáctica da decisão impugnada, caso a Recorrente tenha observado os ónus legais a cargo da parte impugnante da decisão da matéria de facto;

2. - Se está demonstrada a pretendida falta ou nulidade da citação.


***

III – Fundamentação fáctico-jurídica

A) Factualismo objeto de julgamento

Na 1.ª instância foi julgada como provada a seguinte factualidade:

«A)

No âmbito do apenso A, foi proferida sentença, a 05.02.2017, nos termos da qual se condenou a recorrente no pagamento ao recorrido da quantia de € 10.000,00 a título de honorários, acrescida de IVA à taxa de 23% e ainda de juros à taxa de 4% desde a data de citação.

B)

Em 05/04/2017, o A. apresentou um requerimento (referência Citius (...) ) no âmbito da acção de processo comum nº. (...) , a correr termos no Juízo Local Cível – Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é também A. e a aqui R. é igualmente R.; requerimento esse que visava a junção àqueles autos de uma certidão de trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes (que é objecto deste recurso).

C)

Em 15/02/2016, foi proposta a acção a que corresponde o apenso A.

D)

No apenso A, em 18/02/2016, a Secretaria expediu carta registada (RE030202749PT) com A/R., contendo ofício de citação dirigido à R., para a morada Rua X... (...), Brasil.

E)

Em 25/02/2017, a carta foi entregue pelo distribuidor do serviço postal brasileiro a pessoa que escreveu no A/R, no espaço relativo ao destinatário “25/02/2016” e “A (…)” e a sequência alfanumérica “M7164642”.

F)

Em dia do mês de Abril de 2016, a Secretaria requereu aos CTT informação acerca do A.R., tendo sido assinalado como motivo do pedido “AR não recebido”.

G)

Em 04/05/2015, o A.R. foi devolvido e entregue à Secretaria.

H)

Em 06/05/2016, a Secretaria expediu carta registada (RE052720949PT), dirigida à R. contendo ofício de advertência por a citação não ter sido feita na própria pessoa, para a morada: Rua X... (...), , Brasil.

I)

Em 20/05/2016, a carta registada com A/R. contendo ofício de citação da R. foi devolvida ao distribuidor do serviço postal brasileiro, tendo sido assinalada como razão da devolução “mudou-se”.

J)

Em 28/06/2016, essa mesma carta foi devolvida e entregue à Secretaria.

K)

Em 02/06/2017, a carta registada contendo ofício de advertência por a citação não ter sido feita na própria pessoa foi igualmente devolvida aos serviços postais brasileiros, tendo uma vez mais sido assinalada como razão da devolução “mudou”.

L)

Em 01/08/2016, tal carta foi devolvida e entregue à Secretaria.

M)

Por despacho de 29/06/2016, foi, além do mais, decidido:

“Não há nulidades que invalidem todo o processo.

[…]

Não existem quaisquer questões prévias, exceções ou nulidades que importe conhecer.

[…]

Nos termos do art. 567º, nº1, do CPC, consideram-se confessados os factos articulados pelo A. Com efeito, a carta de citação considera-se devidamente entregue a A... , que, através da assinatura do aviso de recepção a 25.02.2016, se comprometeu a entregá-la à R.

Foi, por outro lado, devidamente cumprido o disposto no art. 233º do CPC.

Nesta conformidade, o arrependimento na recepção da carta de citação, ou pelo A... , ou pela própria R., e a sua entrega ao mesmo funcionário dos correios que recebeu o aviso de recepção assinado, com a anotação “mudou-se”, não releva, à semelhança do que sucede com a recusa da assinatura do aviso de recepção pelo citando (art. 229º, nº3, do CPC.

[…]”.

N)

O processo prosseguiu os seus termos, em obediência ao disposto no artigo 567º./2 do CPC.

O)

Desde data concretamente não apurada de novembro 2015 que a R. não residia na Rua X... (...), Brasil.

P)

Aquele apartamento pertencia a um colega da R., F... , que se encontrava a trabalhar na Colômbia e a autorizou a ali residir enquanto estivesse a trabalhar no estrangeiro.

Q)

A R. abandonou esse apartamento na data em que aquele colega aí passou a residir.

R)

A recorrente foi residir para a Rua Y... (...), depois de sair

S)

Pelo menos enquanto a recorrente morou na Rua X... (...) - Brasil, a própria deu instruções e autorizou os porteiros respetivos a receber correspondência que lhe viesse dirigida.

T)

Em 21-05-2017, a recorrente ainda tinha como morada no seu cartão de cidadão nacional a Rua X... (...) no Brasil, sendo o Código Postal o (...) .».

E foi julgado não provado:

«1)

Em 10/04/2017, a aqui recorrente foi notificada no referido processo (...) do dito requerimento referência Citius (...) .

2)

A aqui recorrente tomou conhecimento da sentença proferida no apenso A e da existência destes autos a 10 de abril de 2017.

3)

Desde 22/11/2015 que a R. não reside na Rua X... (...), Brasil.

4)

A R. abandonou esse apartamento na data em que aquele colega regressou ao Brasil e teve necessidade de ali voltar a residir.

5)

A recorrente começou a residir precisamente a 22/11/2015 na Rua Y... (...), depois de sair da Rua X... (...), Brasil.

6)

A recorrente desconhece em absoluto a pessoa a quem a carta foi entregue e que assinou o A.R. de fls. 38 (A (…)).

7)

Enquanto a recorrente morou na Rua X... (...), Brasil, nunca deu instruções ou sequer autorização a quem quer que fosse para receber correspondência que lhe viesse dirigida.

8)

A recorrente não recebeu a carta de citação do apenso A.

9)

A recorrente teve conhecimento da sentença proferida no apenso A pelo menos no dia 05-04-2017.». 

B) Da alteração da base fáctica

(…)

Donde, assim, a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, decisão que se queda inalterada.

C) O Direito

Da falta ou nulidade da citação

A impugnação recursória da Apelante assentava essencialmente na pretendida alteração da decisão da matéria de facto, ao abrigo da empreendida impugnação recursiva dessa decisão fáctica.

Com efeito, a impugnação de direito oferecida tem como pressuposto necessário inicial a alteração visada da decisão da matéria de facto (provada e não provada), resultado que, porém, a Recorrente não logrou, como visto, alcançar.

O que logo deixa comprometido, nesta perspetiva, o êxito da apelação, não se provando que a Recorrente não recebeu a carta de citação (após a assinatura do A/R e antes da tardia devolução daquela), nem podendo, pois, dizer-se – contrariamente ao defendido por aquela – estar “ilidida a presunção do art.º 225.º do CPC”.

Mas a Apelante argumenta ainda que, provados os factos constantes dos pontos O), C), E), I), J), teria de concluir-se ou presumir-se que a referida carta não havia chegado ao conhecimento da citanda e que a citação se frustrou, passando-se à citação por intermédio do consulado mais próximo, atento o disposto no artigo 239.º, n.º 3, do NCPCiv., sem o que não foram observadas todas as formalidades prescritas na lei para o efeito.

Nesta matéria, pode ler-se na sentença apelada:

«Por seu turno, a citação de residentes no estrangeiro é regulada conforme o art. 239º n.º 2 do CPC:

“Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.”

Não existe tratado ou convenção entre Portugal e Brasil em matéria de citação, pelo que, na situação vertente, lançou-se mão da via postal registada com A/R.

A este respeito, rege o art. 225º n.º 4 do CPC:

“Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.”

Trata-se de uma presunção juris tantum, logo, ilidível, nos termos do disposto no artigo 350º./2 do Código Civil (CC), sendo certo que teve lugar previamente a inversão do ónus da prova dos pressupostos do exercício do direito, mesmo que, in casu, recaia sobre a recorrente o ónus de demonstrar que não recebeu a carta de citação, no âmbito do apenso A.

Um dos casos de equiparação é o previsto no artigo 228º. n.º 2 do CPC:

“A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.”

De todo o modo, mesmo nos casos a que se refere o nº.4 do art. 225º, o citando pode provar que não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe foi imputável, tal como previsto no art.188, nºs. 1e) e 2, porquanto “a natureza receptícia do acto, constituindo a citação pressuposto necessário do exercício do direito de defesa, justifica o tratamento do caso como falta de citação.”

Ora, atento o ónus da prova da recorrente de que não lhe foi entregue a carta de citação por parte de A (…) – ou de qualquer outra pessoa -, no âmbito do apenso A., e o facto de dele não se ter conseguido desembaraçar – satisfazendo-o - , não se pode concluir pela ocorrência de falta de citação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188º n.º 1 e) do CPC, não se declarando, consequentemente, nulo todo o processado posterior à dita citação, incluindo esta, nem se decidindo pela revogação da sentença recorrida.

(…) confrontando o art. 239º n.º 3 do CPC – transcrito pela própria recorrente -, no caso de citação de residentes no estrangeiro, “se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português (…)”.

Repetindo-nos, diremos que a citação postal da recorrente, no apenso A, logrou-se de forma regular e presumida, cabendo-lhe demonstrar - o que tentou com este recurso de revisão – que não recebeu a carta de citação. Não o conseguiu, como concluímos.

Refuta-se, pois, a invocada nulidade da citação, em consequência de não terem sido observadas todas as formalidades prescritas na lei para a sua realização, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 191º n.º 1: “Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.”».

Ora, se é certo vir provado que, desde dia não apurado do mês de novembro 2015, a Recorrente deixou de residir na Rua X... (...), mudando-se para outra morada, todavia, sempre na mesma localidade, também é certo que aquele apartamento pertencia a um colega da Apelante, o dito (…), que se encontrara a trabalhar na Colômbia e a autorizou a ali residir enquanto ele estivesse a trabalhar no estrangeiro.

Quer dizer, a Recorrente só abandonou esse apartamento – para continuar a residir noutra rua da mesma localidade – na data em que aquele colega aí passou a residir, termos em que não haveria dificuldade, que se vislumbre, em a correspondência que ali ainda fosse entregue para a Apelante chegar até ela, fosse através do seu colega (que ali passou a residir) fosse através dos ditos porteiros, pois que não haveria obstáculo, designadamente espacial, em a destinatária, uma vez contactada para o efeito, ali se deslocar, tendo em conta que continuava até a manter aquela residência referenciada no seu cartão de cidadão, residência – repete-se – que ainda foi indicada também, originariamente, nestes autos.

Com efeito, prova-se que foi residir para a Rua Y... (...), tal como que, pelo menos enquanto morou na Rua X... (...), autorizou os porteiros a receber a correspondência que lhe era dirigida e, bem assim, que em 21/05/2017 continuava a manter como morada no seu cartão de cidadão nacional aquela Rua X... (...), para onde foi dirigida a citação e onde foi entregue, pelo serviço postal, a carta respetiva, mediante assinatura do correspondente A/R, não pela destinatária, é certo, mas por terceiro identificado, sabida a prática referida, permitindo aos porteiros o recebimento de correspondência pessoal dos moradores.

A Recorrente não põe em causa que a citação pudesse, no caso, ser efetuada por via postal (com A/R), apenas considerando que a mesma não foi alcançada por essa via, o que imporia o recurso, frustrada a via postal, à citação através do consulado português mais próximo ([7]).

Porém, como visto, a Apelante não mostra que a citação postal se tenha frustrado, operando, ao invés, uma presunção de citação, o que afasta a aplicação in casu do preceito do n.º 3 do art.º 239.º do NCPCiv..

Acresce que, como entendido, inter alia, no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/01/2009 ([8]), “Há falta de citação quando o destinatário da citação pessoal não chegou sequer a ter conhecimento de tal acto, por facto que não lhe seja imputável”.

A falta de citação dependia da demonstração, em concreto, de (i) não ter chegado a carta para citação postal ao conhecimento da destinatária/citanda e de (ii) tal situação não lhe ser imputável.

A citação por via postal, através de carta registada com aviso de receção, é dirigida ao citando e endereçada para a sua residência, no caso de pessoa singular, importando, pois, a residência do citando tal como indicada pela contraparte, a quem incumbe identificar o demandado, incluindo a indicação do local/residência onde deverá ser citado, cabendo ao demandante o impulso processual (inicial ou subsequente) tendente à realização da citação, mormente quanto ao local onde deve ser conseguida.

Ora, a carta de citação podia ser entregue a terceiro que se encontrasse no local, devendo este proceder à entrega ao destinatário, o que se coadunava com a mencionada prática de concurso dos porteiros no sentido da entrega da correspondência aos destinatários.

Cabia então, isto posto, à Apelante demonstrar o que alegou no sentido de a carta de citação não lhe ter sido entregue pelo recetor (pessoa que assinou o A/R), como, aliás, defendido na decisão recorrida.

Ora, não mostra aquela, como visto, que a correspondência aludida não chegou ao seu poder/disponibilidade.

Nem mostra qualquer circunstância que impedisse a devida entrega, tal como não mostra que essa entrega não tenha ocorrido.

Donde que, indemonstrada a omissão de entrega da carta de citação postal, não possa concluir-se pela falta de citação, antes havendo de presumir-se a oportuna entrega à destinatária e, em conformidade, consumada a citação ([9]).

Com efeito, assinado, nos moldes legais, pelo recetor – mesmo que terceiro – o aviso de receção referente à citação, esta será de considerar efetuada na pessoa do citando, presumindo-se que ocorreu oportuna entrega ao destinatário, cabendo então a este ilidir a presunção da lei, demonstrando o contrário, isto é, que a carta não lhe foi entregue.

Já a posterior carta remetida à Apelante – ainda para a mesma morada, onde havia sido assinado o A/R – haverá de ser encarada na perspetiva de tal consumação da respetiva citação, pelo que não haveria motivo para o seu envio para outro lugar que não fosse aquele onde se tinha a citação por realizada, ante a assinatura do A/R.

Assim se concluindo pela não verificação de atropelo ao princípio do contraditório ou da proibição da indefesa.

Donde, pois, a improcedência da apelação.

                                                           *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A citação postal do demandado pessoa singular deve ser intentada no domicílio indicado pelo demandante, para ali se endereçando a respetiva carta com aviso de receção, que pode ser entregue, nas condições legais, ao citando ou a qualquer outra pessoa que se encontre na residência e esteja em condições de pronta entrega àquele.

2. - Assinado, nos moldes legais, pelo recetor – mesmo que terceiro – o respetivo aviso de receção, a citação considera-se efetuada na pessoa do citando, presumindo-se que ocorreu oportuna entrega ao destinatário, tanto mais que a correspondência foi dirigida para a morada que constava referenciada no seu cartão de cidadão.

3. - Cabe a este ilidir a presunção legal, demonstrando o contrário, isto é, que a carta não lhe foi entregue.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Apelante.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 09/01/2018

Vítor Amaral (Relator)

          Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro


([1]) Em 09/06/2017 (cfr. fls. 30 v.º dos autos em suporte de papel).
([2]) Precisou que, residindo ao tempo da intentada citação no Brasil, a carta para citação foi remetida para morada que já não era a da citanda, por esta ter entretanto mudado de residência, pelo que nunca recebeu tal correspondência, cujo teor inteiramente desconhece, tal como desconhece a pessoa a quem a correspondência terá sido entregue e que assinou o respetivo A/R.
([3]) Por declarações de parte desta e mediante inquirição de uma testemunha, com gravação (cfr. ata de fls. 41 e segs. dos autos em suporte de papel).
([4]) Cujo teor se transcreve.
([5]) Como consta do despacho liminar do aqui Relator: «O recurso, contrariamente ao defendido na contra-alegação, é admissível (cfr. art.º 697.º, n.º 6, do NCPCiv. e Rui Pinto, Notas Ao Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, p. 207) e tempestivo (aplicam-se as normas dos recursos ordinários, logo, da apelação de sentença, posto que estamos perante sentença recorrida, com impugnação da decisão de facto baseada em prova gravada, sendo que o Recorrente até interpôs o recurso dentro de 15 + 10 dias, com o acréscimo dos três dias legalmente previstos mediante multa, que pagou). O valor também admite o recurso (€ 10.000,00 da condenação). Assim, não poderão ser acolhidas as conclusões da parte recorrida em contrário.».
([6]) Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. art.ºs 6.º, n.ºs 1 e 4, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16). De notar, porém, que à tramitação da fase introdutória da execução, designadamente diligências tendentes à citação dos executados, se aplica o CPCiv., revogado, o em vigor ao tempo de tal fase introdutória executiva (cfr. n.º 3 do dito art.º  8.º da Lei n.º 41/2013).
([7]) Dispõe o art.º 239.º do NCPCiv. (com a epígrafe “Citação do residente no estrangeiro”) que:
«1 - Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
2 - Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
3 - Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor» (itálico aditado).
([8]) Proc. 7813/2008-1, Rel. João Aveiro Pereira, em www.dgsi.pt.
([9]) Como entendido no Ac. TRL de 25/06/2009, Proc. 153-D/2001.L1-6 (Rel.            Granja da Fonseca), em www.dgsi.pt, «Para que se verifique a falta de citação, não basta ao réu alegar o desconhecimento do acto, precisa de o provar pois sobre ele recai o ónus da prova», não se contentando a lei «apenas com o desconhecimento do acto, ainda que este seja provado. Exige ainda que tal desconhecimento não seja imputável ao réu». E acrescentou-se: «Tendo o réu sido citado para as moradas constantes das bases de dados pesquisadas pelo tribunal, como moradas efectivas do réu, sendo certo que incumbia ao recorrente a obrigação de manter actualizada a sua morada nas entidades oficiais pesquisadas para o efeito, presume-se que o réu se encontra citado com o depósito da carta na caixa do correio, se a mesma não tiver sido devolvida ao tribunal».