Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/08.1PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CORRUPÇÃO PASSIVA
FUNCIONÁRIO
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 373º Nº 2 E 386º Nº 1 C) CP
Sumário: Um examinador de condução que passou a exercer essas funções num Centro de Exames, por conta do ..., em consequência da celebração de um protocolo entre este instituto público e a empresa a que pertence que tinha como objeto a “Prestação de Serviços de Disponibilização de Examinadores de Condução para Realização de Provas das Aptidões e Comportamentos do Exame de Condução”, tem a qualidade de funcionário para efeitos do disposto nos artigos 386º CP.
Decisão Texto Integral: No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:
a) Absolveu o arguido A... da prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. nos termos do art. 373, n.º 2, do Código Penal;
b) Condenou o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de corrupção passiva para acto licito, p. e p. nos termos do art. 373, n.º 2, do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos (introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28/11) e, actualmente, p. e p. pelo mesmo preceito legal, na redacção introduzida pela Lei n.º 32/2010, de 02/09, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) Euros, o que perfaz a quantia de 1260 Euros.

Desta sentença interpôs recurso o arguido, A..., sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:


1ª Através da douta sentença, de que ora se recorre, o Tribunal "a quo" decidiu:
a) Absolver o Recorrente da prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. nos termos do art° 373° nº 2 do Código Penal;
b) Condenar o Recorrente pela prática, como autor material, de um crime de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. nos termos do art° 373° n° 2 do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos (introduzida pela Lei nº 108/2001 de 28/11) e, actualmente, p. e p. pelo mesmo preceito legal, na redacção introduzida pela Lei nº 32/2010, de 02/09, na pena de 180 dias (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, o que perfaz a quantia de € 1.260,00.
c) Condenar o Recorrente, pela condenação referida na alínea b), nas custas criminais do processo e demais encargos (art° 513° nº 1 e 3, e 514° do Código de Processo Penal) com taxa de justiça fixada em 3 UCS (Artº 8° n° 5 do RCP)
2ª O presente recurso cinge-se à condenação referida na alínea b) da conclusão anterior e, como consequência, à da alínea c).
3ª Entende o Recorrente que não foi produzida prova suficiente em audiência de julgamento que permitisse ao Tribunal "a quo" concluir pela culpabilidade do Recorrente e, consequentemente, pela sua condenação. Com efeito, os pontos nºs 9 a 20 da matéria de facto dada como provada, que desde já vão impugnados, tiveram como único suporte as declarações do suposto "corruptor", a testemunha B....
4ª Nenhuma outra prova, quer testemunhal quer documental (à excepção da carta assinada pela referida testemunha e escrita com a ajuda do gerente da Escola de Condução W..., Sr. C...), confirmou as referidas declarações.
5º Para condenar o Recorrente o Tribunal "a quo" baseou-se nos depoimentos das testemunhas C...., proprietário ou director da Escola de Condução W..., ..., delegado distrital do ... de X..., ..., ex-aluna da Escola de Condução W... e B..., também ex-aluno da mesma Escola.
6ª As três primeiras testemunhas não têm qualquer conhecimento directo dos factos. Além disso a 1ª testemunha (C...) tinha interesse directo na condenação do Recorrente uma vez que este, enquanto examinador de condução em X..., não terá aprovado tantos alunos como a testemunha desejaria. Aliás esse facto está bem patente nas suas declarações.
7ª Além disso o depoimento da referida testemunha foi considerado isento e credível pelo Tribunal "a quo" quando a testemunha declarou que não conhecia o Recorrente nem tinha prazer em conhecê-lo, afirmação esta que lhe retirou toda a isenção.
8ª Aliás, basta analisar, com atenção, os inúmeros documentos juntos aos autos pela referida testemunha para se constatar a forma irónica, e algumas vezes insultuosa, como se referia ao Recorrente.
9ª O certo é que esta testemunha fartou-se de carrear para os autos documentos numa ânsia de ver o Recorrente condenado. Digamos de outro modo, numa ânsia de ver o Recorrente fora de X..., uma vez que, tendo em conta o número de alunos reprovados, a presença o Recorrente não era muito boa para o negócio.
10ª Acresce que, não deixa de ser estranho que tendo o Recorrente efectuado 481 provas de exame num curto espaço de três meses, a alunos de inúmeras escolas, quer de X... - 209 provas - quer de Coimbra - 272 provas -, (VD pág. 10 da douta sentença) apenas tenham aparecido 3 (três) alunos de uma única escola a queixarem-se dele, sendo que uma dessas queixas nada tinha a ver com o crime em causa nos presentes autos. E, como não podia deixar da ser, todos alunos da Escola de Condução W... propriedade da testemunha C....
11ª Entretanto a douta sentença fez tábua rasa de depoimentos juntos aos autos, de outros alunos, aos quais lhes foi perguntado se o Recorrente lhes tinha pedido alguma quantia, e que responderam negativamente (Fls. 154, 156 e 157 dos autos).
12ª A segunda testemunha (...), tal como a anterior, também não tem conhecimento directo dos factos. Sabe apenas o que lhe disseram. Ou, mais concretamente, sabe aquilo que a testemunha anterior lhe transmitiu por várias vias. Declarou que recebeu uma denúncia anónima de que algo não estava a correr bem nos exames de X... e Aveiro. Acontece que o Recorrente não fez quaisquer exames em Aveiro, pelo que tal denúncia não lhe dizia respeito.
13ª Acrescentou ainda que, na sequência de tal denúncia, o seu superior hierárquico, Engº Aristides Costa, resolveu fazer uma inspecção aos exames mas não notou nada de anormal.
14ª Finalmente esta testemunha declarou que os examinadores contratados a terceiras entidades (caso do Recorrente) não tinham as mesmas competências dos examinadores pertencentes ao quadro do ... nomeadamente não tinham acesso ao sistema informático não podendo introduzir nesse sistema as notas dos examinandos.
15ª Relativamente à terceira testemunha (...), o seu caso ainda é mais caricato. De facto, tal como consta na acta, começou por dizer que se sentiu injustiçada (por ter reprovado no exame). Em todo o seu depoimento foi notório que a angústia desta testemunha residia no facto do Recorrente não lhe ter facilitado o exame. O que, desde logo, lhe retirou toda a isenção.
16ª De seguida começou por meter os pés pelas mãos dizendo que entregou a carta denúncia na polícia judiciária e por fim, após muita insistência da Exma Magistrada do MP, lá acabou por dizer que a entregou na Escola de Condução W.... Tendo acabado por afirmar que foi o Sr. C... da Escola de Condução (quem mais havia de ser?) que lhe mandou escrever a carta.
17ª Pelo menos teve a honestidade de dizer que o Recorrente não lhe pediu qualquer quantia.
18ª O depoimento desta testemunha apenas foi valorado na parte que interessava à acusação. Veja-se o argumento plasmado na douta sentença:
"No depoimento da testemunha ..., a qual confirmou que elaborou o documento de fls. 27 a 28 e relatou o que ouviu dizer da Testemunha B..., sendo que nesta parte tal depoimento não se afigurou relevante, nem credível, atento o facto de o mesmo ter sido contrariado pelo próprio B... (na parte em que o mesmo referiu que não chegou a levantar dinheiro para entregar ao arguido, conforme foi referido pela referida testemunha"). (sublinhado nosso)
19ª Claro que a douta sentença omitiu o facto da testemunha ter entrado em contradição sobre quem lhe pediu para elaborar a carta tendo acabado por dizer (após insistência do MP) que foi o Sr. C... que lhe pediu para a escrever. E omitiu o facto da testemunha também ter referido que o Recorrente não lhe pediu qualquer quantia.
20ª Quanto á quarta testemunha (B...) começou o seu depoimento por dizer que estava zangada com o Recorrente, embora essa parte não conste na acta. Além disso declarou que a carta denúncia junta aos autos foi elaborada em colaboração com o Sr. C... (mais uma vez, quem havia de ser?)
21ª De seguida queixou-se da forma como o exame de condução foi conduzido pelo Recorrente e que, em determinada altura da prova (a cerca de 10 minutos do fim), este lhe disse que estava "chumbado". Aliás, tal como a testemunha anterior, esta também esperava que o Recorrente lhe tivesse facilitado o exame com vista à sua aprovação.
22ª Acontece que, tal como se pode constatar pelas declarações do Recorrente gravadas na aplicação informática em uso no tribunal das 16:49 46 h a 17.32.49 horas da sessão de 28-11­2011, conforme acta da referida audiência, os resultados dos exames apenas eram comunicados aos examinandos no final dos mesmos. Além disso o local que a testemunha se referiu não fica a 10 m do fim mas a meio da prova.
23ª Declarou ainda que simulou levantar dinheiro na caixa multibanco mas não apresentou qualquer talão dessa simulação. No mínimo um talão de consulta do saldo.
24ª Finalmente declarou ainda que acabou por dar € 30.00 ao Recorrente uma vez que era o único dinheiro que tinha no bolso.
25ª Desde logo o depoimento da testemunha diverge em vários aspectos da denúncia por ela (supostamente) elaborada e junta aos autos. No entanto o Tribunal "a quo", na sua douta sentença, teve o cuidado de amenizar essas divergências, com objectivos óbvios. Vejamos (pág. 10 da douta sentença)
"Salienta-se aqui que pese embora a referida testemunha não tenha relatado, da mesma forma e com o mesmo pormenor que consta na exposição escrita acima referida, o modo como ocorreram os factos, o certo é que o tribunal teve em consideração o tempo decorrido desde a data da prática dos factos, e a data em que a referida testemunha efectuou a referida exposição, ou seja logo a seguir a terem ocorrido os factos, razão pela qual se entendeu estar a mesma mais consentânea com o que se passou"
26ª Acontece que o Recorrente tem outra versão para essa divergência. É que a carta/exposição terá sido escrita ou minutada pelo director da escola sendo certo que a testemunha se terá limitado a assiná-la. Daí a razão da testemunha não se lembrar do seu conteúdo Aliás a referida carta (fls 9 e 10) nem sequer tem data.
27ª Acresce ainda que o depoimento da testemunha é completamente contrário ao depoimento do Recorrente.
28ª Assim sendo, o depoimento desta testemunha é a única "prova" que o Tribunal possui para condenar o Recorrente. Ou seja a palavra do suposto "corruptor". Nenhum talão de multibanco, nenhuma imagem de câmaras de vigilância do multibanco ou da bomba de gasolina onde se situa o mesmo, nenhuma testemunha presencial. Apenas e só a palavra do suposto "corruptor"
29ª Ora, ao aceitar como única prova as declarações da testemunha B..., o qual declarou que entregou trinta euros em notas ao Recorrente, o Tribunal "a quo" está a abrir um precedente grave e perigoso.
30ª Portugal não é um país de terceiro mundo. É um Estado de Direito vinculado a diversos princípios jurídicos dentre eles os princípios da legalidade, da segurança e certeza jurídica, do estado de direito democrático e, em especial, do princípio "in dubio pro reo".
31ª, acreditar-se no testemunho de um suposto corruptor que alega que entregou dinheiro em notas a um suposto corrompido, sem qualquer outra prova, está a abrir-se a possibilidade de mandar para a prisão um qualquer político ou funcionário público de quem não se goste, por qualquer motivo,
32ª Pelo que entende o Recorrente que não pode ser condenado com base nesse depoimento sob pena de serem violados os mais elementares princípios de Direito.
33ª É certo que o art° 127° do CPP (Livre apreciação da prova) refere que “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente"
Só que, "como ensina Castanheira Neves, a liberdade de que aqui se fala, não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-­emocional que se furte, num incondicional subjectivismo à fundamentação e à comunicação" (Germano Marques da Silva - in Curso de Processo Penal I .. pág. 85)
34ª Quanto às duas testemunhas arroladas pelo Recorrente, as mesmas não foram valoradas pelo Tribunal, como convinha à acusação, apesar de ambas não terem qualquer interesse no desenvolvimento da questão e de terem prestado o seu depoimento de forma isenta. Vejamos:
35ª A testemunha … , Presidente da … , (Pág., 10 da douta sentença) foi a pessoa que contratou o Recorrente tendo declarado que o voltava a contratar caso fosse necessário. Afirmou que nunca teve qualquer queixa sobre o Recorrente (para além da que consta nos presentes autos) e que o contratou por entender tratar-se de uma pessoa séria. Explicou quantos exames o Recorrente fez durante o curto espaço de tempo que esteve em Coimbra e X... e quais as suas competências.
36ª A testemunha … (Pág. 11 da douta sentença) afirmou que o Recorrente sempre a tratou com a maior lisura e urbanidade nada lhe tendo pedido.
37ª Em resumo, o Recorrente, tal como afirmou nas suas declarações, não recebeu qualquer quantia do examinando B... não tendo praticado os factos ilícitos que lhe são imputados nos presentes autos.
38ª Pelo que deveria ter sido absolvido e não condenado como foi.
Acresce que;
39ª Para além de ter negado a prática dos factos que lhe são imputados, o Recorrente nunca poderia ter sido condenado uma vez que um dos elementos objectivos do crime em causa nos presentes autos é que o mesmo tenha sido cometido por "funcionário', sendo que tal conceito está previsto no art° 386° do CP.
38ª Sucede que a actividade então exercida pelo Recorrente não se enquadra no referido conceito.
Vejamos:
40ª Desde logo resulta dos autos, por um lado, que não existiu qualquer contrato entre o Recorrente e o ...
41ª Por outro lado o Recorrente prestava serviços à …. por força de uma contrato verbal de prestação de serviços como trabalhador independente, com completa independência e autonomia, emitindo recibos verdes pelas quantias que recebia.
42ª Pelo que o Recorrente apenas era responsável perante a Associação Via Azul
43ª Acresce que, tal como declarou a testemunha ..., delegado distrital do ... de X..., e a testemunha … gravado na aplicação informática em uso no tribunal das 15:23:52 h a 15A 1 A9 h da sessão de 09-01-2012 conforme acta da referida audiência, quer o Recorrente quer os demais examinadores contratados, não tinha acesso ao sistema informático do ... não podendo introduzir as classificações dos exames, pelo que as suas competências estavam muito limitadas.
44ª Assim sendo o Recorrente não pode ser classificado como "funcionário" para efeitos do previsto no art° 386° do CP
45ª Foram, deste modo, violados os art° 373°/2 do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos (introduzida pela Lei 108/2001 de 28/11), art° 386° do mesmo código, art° 124°, 127°, 128° e 129º do Código de Processo Penal e art° 32°/2 da CRP
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito deve a douta sentença recorrida, após reapreciação da prova gravada, ser revogada e substituída por douto acórdão que absolva o Recorrente da prática do crime de corrupção passiva para acto lícito, como é de inteira
JUSTIÇA

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Respondeu o arguido pugnando pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. A 12 de Agosto de 2008 foi realizado um Protocolo entre o ... (Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P.) e uma “empresa” denominada “ … ” que tinha como objecto a “Prestação de Serviços de Disponibilização de Examinadores de Condução para Realização de Provas das Aptidões e Comportamentos do Exame de Condução”.
2. Assim, foram disponibilizados pela citada entidade, examinadores de condução para realização das citadas provas práticas a efectuar nos Centros de Exame daquele Instituto (...).
3. No âmbito daquele protocolo, nos meses de Setembro e Outubro de 2008, o arguido, exerceu funções no Centro de Exames de X..., por conta do ..., instituto público, como examinador de Condução.
4. O arguido, na tarde de 14 de Novembro de 2008, foi sorteado para efectuar o exame/prova de aptidão e comportamento de habilitação para a categoria C referente a … , prova realizada pelas 14h00 daquele dia, sendo este aluno da Escola de Condução W..., sita em X....
5. A prova decorreu normalmente, sem que o arguido tenha feito reparos relevantes à condução do examinando.
6. … soube que tinha sido aprovado no exame.
7. O arguido, na tarde do dia 14 de Novembro de 2008, foi também sorteado para efectuar o exame/prova de aptidão e comportamento de habilitação para a categoria D referente a B..., prova realizada pelas 16h00 daquele dia, sendo este aluno da Escola de Condução W..., sita em X....
8. A prova decorreu normalmente sem erros ou violação de regras de condução que motivassem a reprovação do aluno.
9. Porém, quase no final da prova, o arguido mandou B... efectuar manobras em que lhe deu orientações divergentes das regras que este havia aprendido, conforme decorre da exposição de fls. 9 cujo teor aqui se dá por reproduzido, e, nessa sequência, o arguido comunicou-lhe que estava “Chumbado”.
10. O arguido, imediatamente a seguir, disse a B... que a situação se podia resolver se este lhe pagasse um jantar.
11. B... respondeu ao arguido que não estava preparado, só tinha €30,00 no bolso e não tinha tempo, ao que este retorquiu que o “Chumbo” e mais aulas lhe ficariam muito caras.
12. O arguido, face à indiferença e resistência de B... em anuir com a proposta apresentada, perguntou-lhe se tinha o “cartão”, tendo aquele respondido afirmativamente e perguntou-lhe: “quanto é que o SR. Engenheiro quer para o Jantar?, ao que o arguido respondeu €100.00 (cem Euros).
13. Nesta sequência, B... perguntou ao arguido onde podia levantar dinheiro, tendo este indicado umas Bombas de Combustível situadas na estrada de Abraveses junto da “FIAT”, onde sabia existir uma caixa “Multibanco”, para onde se dirigiram, tendo o arguido mandado aquele levantar o dinheiro no valor supra referido.
14. Nesta altura, B... continuava indignado e revoltado com a situação e por isso simulou tentar levantar o citado montante e não levantou qualquer quantia tendo dito ao examinador, ora arguido, que a máquina não tinha dinheiro, ao que este de imediato sugeriu darem a volta e deslocarem-se a outras Bombas de Combustível que sabia terem “Multibanco”.
15. B... comunicou ao arguido que não voltava atrás para levantar dinheiro, que o dinheiro lhe fazia muita falta e que os €30,00 chegavam para o jantar e que se não aceitasse este montante que voltava a fazer o exame.
16. O arguido disse ao B... que, assim, corria o risco de voltar a “chumbar”, ao que o arguido retorquiu que não fazia mal.
17. Nesta altura, perante a atitude de B..., o arguido disse-lhe que se não podia dar mais que desse os €30,00 e que o assunto ficava só entre eles, o que aquele fez entregando-lhe aquele montante.
18. O arguido recebeu do examinando o citado montante em dinheiro e dirigindo-se a B... reiterou: “ … ficamos assim! Mas já sabe, você nunca me viu a mim, nem eu nunca o vi a si!”.
19. O arguido naquelas circunstancias agiu livre, voluntaria e conscientemente sabendo que não podia solicitar e/ou aceitar do referido examinando qualquer vantagem patrimonial, nomeadamente dinheiro, uma vez que este não lhe era devido, sendo sua obrigação, no âmbito das suas funções de examinador, orientar, dirigir e avaliar a prestação do examinando no âmbito da prova de aptidão para a condução de veículos, e, avaliação que devia ser realizada em conformidade com a prestação efectiva do aluno e, em qualquer circunstancia, sem qualquer contrapartida para o efeito.
20. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
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Quanto às condições pessoais e económicas do arguido provou-se que:

21. O arguido encontra-se desempregado, e recebe, a título de subsídio de desemprego, a quantia 530 Euros mensais.
22. A sua esposa é funcionária administrativa na … e aufere cerca de 700 Euros.
23. Tem o 12º ano de escolaridade.
24. Vive em casa própria e paga ao banco, a título de empréstimo pela aquisição da mesma, a quantia de 400 Euros mensais.

*
Quanto aos antecedentes criminais provou-se que:
25. O arguido não tem antecedentes criminais.
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B. Factos não provados
Da prova produzida em audiência não resultaram provados quaisquer outros factos, maxime todos os que estejam em contradição com os supra enunciados e, designadamente, que:
1. O arguido exerceu funções no Centro de Exames de X... como instrutor de Condução (resultou apurado que foi antes como examinador);
2. Os sorteios aludidos nos pontos 4 e 7 dos factos dados como provados ocorreram da parte da manhã;
3. Tendo decorrido cerca de 50 minutos de prova, a cerca de 10 minutos do fim, o arguido dirigiu-se a … e sugeriu-lhe que comemorassem o êxito do exame ao que este acedeu e disse-lhe que podiam “beber um copo”.
4. O arguido de imediato retorquiu que “um copo não, um jantar”.
5. … disse ao arguido que não conhecia X..., ao que o arguido respondeu que não precisava de conhecer.
6. Nesta altura, … começou a perceber o que pretendia o arguido e, tendo receio que este o prejudicasse, disse-lhe: “Você é que sabe!”.
7. Nesta altura o arguido disse ao examinando: “Pudemos fazer de uma maneira melhor, você dá-me o dinheiro, eu vou à minha vida, você vai à sua e nem eu nem você corremos o risco de sermos apanhados, porque aqui em X... é muito perigoso encontrar examinadores em conjunto com alunos!”.
8. … perguntou ao arguido: “O que é que você quer?”, tendo este respondido “Você dá-me o dinheiro!”.
9. … queixou-se da vida e disse-lhe ter dificuldades económicas ao que o arguido retorquiu falando-lhe no valor de novo pedido de exame (€125.00).
10. Além disso, … disse ao arguido que ali não tinha dinheiro, tendo ficado com o número do telemóvel do arguido, que este facultou, para depois lhe entregar a quantia monetária para um jantar, valor que o arguido não concretizou.
11. Porém, quando ... estava já a sair do veículo o arguido disse-lhe que não se esquecesse “Que tinha que ser um bom jantar!”.
12. ... perguntou o nome ao examinador que lhe disse chamar-se ... e decidiu desligar o telemóvel durante dois dias, decidindo não pactuar com o arguido que nunca mais viu.
*
*
Convicção do Tribunal:
O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, e na prova documental junta aos autos, conjugada com as regras da experiência.
Assim, e no que concerne aos factos dados como provados nos pontos 1 a 20, o tribunal teve em consideração designadamente:
- As declarações do arguido, o qual admitiu os factos dados como provados nos pontos 1 a 8, sendo certo que quanto aos demais factos que lhe eram imputados o arguido negou-os, o que não logrou totalmente convencer, particularmente no que concerne aos factos que foram dados como provados nos pontos 9 a 20, atenta a demais prova produzida, conforme adiante se fará alusão;
- No depoimento da testemunha C...., representante da Escola de Condução W..., em X..., o qual depôs de forma isenta e credível, e referiu, designadamente, que recebeu por parte de alguns alunos da referida escola queixas – cujo conteúdo relatou – relativamente ao modo como ocorreram os exames de condução que os mesmos efectuaram com o arguido, enquanto examinador, sendo que tais queixas foram entretanto reduzidas a escrito pelos mesmos, a seu pedido, e foram juntas por si aos autos (designadamente a fls. 16, 19 a 21, 25, 27 a 28 – documentos esses com os quais foi confrontado em audiência). Mais esclareceu que não presenciou os referidos exames de condução desses alunos, e que comunicou as referidas queixas ao Delegado Distrital da Delegação do ... de X....
- No depoimento da testemunha ...– Delegado Distrital da Delegação … – o qual, depôs de forma isenta e credível, e esclareceu, designadamente, que em 2008 o ... sentiu a necessidade de resolver o problema da falta de examinadores, e com vista a reforçar o corpo dos mesmos, foi efectuado um protocolo entre o referido Instituto e a “ … ”, no âmbito do qual foram disponibilizados pela citada entidade, examinadores de condução, para exercerem as mesmas funções que têm os examinadores públicos, e que a única diferença é que os examinadores que foram disponibilizados pela referida associação, não tinham acesso ao sistema informático conforme tinham os examinadores públicos e, relativamente ao pagamento, esclareceu ainda que o ... pagava directamente à referida associação os exames efectuados pelos examinadores por si disponibilizados e esta, por sua vez, é que pagava aos mesmos. Mais esclareceu que no âmbito daquele protocolo, o arguido foi disponibilizado pela referida associação, e exerceu funções no Centro de Exames designadamente de X..., como examinador de Condução, no período a que se refere a acusação. Mais referiu, designadamente, que recebeu, uma denúncia através do Director Regional de Coimbra, no sentido de que se estava a passar algo de errado com o centro de exames de X... e Aveiro, bem como um email da Escola de condução W..., com reclamações por escrito de dois candidatos (que após foram juntas aos autos, com a respectiva denúncia), e após ter efectuado uma reunião com o representante da escola e da dita associação, onde esteve também o Inspector … , o arguido deixou, a seu pedido, de efectuar mais exames de condução. Mais esclareceu que não teve qualquer contacto directo com os candidatos que se queixaram.
- No depoimento de ..., a qual confirmou que elaborou o documento de fls. 27 a 28, e relatou o que ouviu dizer da Testemunha B..., sendo que nesta parte tal depoimento não se afigurou relevante, nem credível, atento o facto de o mesmo ter sido contrariado pelo próprio B... (na parte em que o mesmo referiu que não chegou a levantar dinheiro para entregar ao arguido, conforme foi referido pela referida testemunha)
- No depoimento da Testemunha B..., que foi digno de crédito, o qual confirmou na sua essência os factos que foram dados como provados nos pontos 7 a 18, tendo o mesmo esclarecido designadamente que elaborou a exposição a que se referem os documentos de fls. 9 a 10, 19 a 21, com a colaboração do Sr. C...da Escola de Condução W..., os quais correspondem ao sucedido. Salienta-se aqui que pese embora a referida testemunha não tenha relatado, da mesma forma e com o mesmo pormenor que consta da exposição escrita acima referida, o modo como ocorreram os factos, o certo é que o tribunal teve em consideração o tempo já decorrido desde a data da prática dos factos, e a data em que a referida testemunha efectuou a referida exposição, ou seja logo a seguir a terem ocorrido os factos, razão pela qual se entendeu estar a mesma mais consentânea com o que efectivamente se passou. Acresce que não se vislumbraram razões para duvidar do depoimento desta testemunha que se afigurou isento, tanto mais que a mesma passou no exame de condução e, não é crível, atentas as regras da experiência, que a mesma tenha inventado tais factos sem qualquer motivo aparente.
- No depoimento da Testemunha … , o qual referiu que é Presidente da “ … ” – e que esta associação fez um ajuste directo com o ..., no âmbito do qual o arguido foi disponibilizado pela referida associação e efectuou exames de condução no Centro de exames do ..., entre o dia 1 de Setembro de 2008 até 27 de Novembro de 2008, tendo realizado ao todo 481 provas (271 provas no Centro de Exames de Coimbra e 209 provas no Centro de Exames de X...). Esclareceu que os examinadores disponibilizados pela referida associação, ao contrário dos examinadores públicos, não tinham acesso ao sistema informático, e que o ... pagava à dita Associação por cada prova 15 Euros, e esta por sua vez pagava 10 Euros a cada examinador por cada prova, o que logrou convencer.
- Nos documentos juntos aos autos, alguns dos quais repetidos, a fls. 8 a 11, 16 a 34, 42 a 58, 84 a 102, 123 a 125, 127 a 129, 134 a 150, 175 a 180, 186 a 187.
Relativamente às condições pessoais e económicas do arguido relevaram as suas próprias declarações.
Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, fundou-se a convicção do tribunal no teor do CRC junto aos autos.
Os factos dados como não provados nos pontos 1 a 2, resultam do facto de ter sido produzida prova em sentido diverso, sendo certo que o arguido admitiu que exerceu funções no Centro de Exames de X... como examinador, e não como instrutor (o que aliás resulta evidente da demais prova produzida acima mencionada), e que os sorteios aludidos nos ponto 4 e 7 ocorreram da parte da tarde e não da parte da manhã.
Os demais factos dados como não provados, nos pontos 3 a 12, resultam da circunstância de não ter sido produzida prova suficiente que lograsse convencer o tribunal dos mesmos, sendo certo que o arguido negou tais factos, nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou os mesmos, e a prova documental junta aos autos, designadamente a fls. 16 a 17, não tem a virtualidade de por si só se poder concluir pela sua verificação, salientando-se ainda o facto de não ter sido possível ouvir em audiência a testemunha … , que havia sido arrolada com a acusação, por ser desconhecido o seu actual paradeiro.
Salienta-se aqui que o depoimento da testemunha … , arrolada pelo arguido, não se afigurou relevante uma vez que a mesma se limitou a dizer que, em virtude de ter deixado caducar a sua carta de condução, efectuou um exame de condução, em 11/11/2008, com o arguido, enquanto examinador, e que o mesmo correu bem, não tendo o mesmo lhe solicitado qualquer contrapartida – sendo certo que tal depoimento em nada contraria ou permite afastar os factos que foram dados como provados.



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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se os factos dados como provados foram incorrectamente julgados;
- Se o arguido pode ser considerado “funcionário” nos termos do disposto no artº 386º do CPenal.

O arguido interpôs recurso da decisão que a condenou pela prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito.
Para tal sustenta que a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada uma vez que a prova produzida é manifestamente insuficiente para fundar a condenação do arguido.
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto põe em causa o depoimento das testemunhas C...., ..., ... e B... e baseia-se para defender a sua tese em partes do depoimento das testemunhas, … e … .
Tal não é indicar provas que imponham decisão diversa. Estes depoimentos têm de ser apreciados em conjugação com todos os outros elementos trazidos aos autos, ou seja, no depoimento de todas as testemunhas e documentos junto aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que a recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ela adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
Cabe ao tribunal a administração e valoração da prova. É o tribunal que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio da livre apreciação da prova – salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art 127 do CPP).
O tribunal deve apreciar e valorar os meios de prova de acordo com a experiência comum, com “o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na “liberdade para a objectividade” (cfr Teresa Beleza, Revista do Mº Pº, Ano 19, pg 40).
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
O importante é a convicção que o tribunal formou sobre as provas produzidas sendo irrelevante a convicção que o recorrente formou sobre os factos.
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Tal como vem referido no Ac do STJ de 2/9/2005 para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto á matéria de facto (os fundamentos da convicção) e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
“Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de uma facto conhecido: as presunções” (Ac cit.).
As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art 349 do CCivil.
Aqui, há a considerar as presunções naturais ou hominis, que permitem ao julgador retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais mais não são de que o produto das regras de experiência. O julgador a partir de um certo facto e socorrendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.
“Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos releventes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência” (cfr, Vaz Serra, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, pg 190).
A presunção permite que de um facto conhecido e fazendo apelo ás regras de experiência e através de um processo lógico se admita a realidade de um facto desconhecido na medida em que um é a consequência do outro.
Debruçando-nos sobre o caso vertente temos que o Tribunal condenou o arguido e, para tal, formou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência, nomeadamente, no depoimento das testemunhas C...., ..., ... e B... e documentos junto aos autos.
Perante a condenação do arguido e lendo os factos provados, os não provados e a sua fundamentação, ficamos com a certeza que o Tribunal decidiu em conformidade, não havendo nada a apontar.
Na verdade, da conjugação de todos os elementos acima referenciados –factos provados, fundamentação, exame critíco - em termos de experiência comum e seguindo um processo intelectual e lógico a única explicação razoável é a de que o arguido praticou o crime que lhe é imputado.
Sustenta o recorrente que o depoimento de B..., é a única prova que o tribunal possui e que é contrário ao depoimento do recorrente. Tal, é manifestamente insuficiente para condenar o recorrente.
Ora, o Tribunal não se baseou apenas no depoimento da testemunha B.... O que acontece é que o Tribunal deu credibilidade ao depoimento desta testemunha dado que o mesmo se mostrou credível, atendendo aos documentos junto aos autos e ao depoimento das restantes testemunhas.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, não se vislumbra qualquer razão para a testemunha ter inventado uma história até porque passou no exame. A testemunha apenas demonstrou a sua indignação pelo sucedido uma vez que o recorrente pretendia que a testemunha pagasse indevidamente para obter a carta de condução a que tinha direito.
Por outro lado, é normal que C...., representante da escola de Condução W..., ao ter conhecimento, pelo que lhe era transmitido pelos seus alunos, do comportamento indigno do arguido, tenha diligenciado por denunciar o mesmo com vista á sua erradicação do lugar e, por isso, é normal que não mostre qualquer simpatia pelo arguido.
O facto de não existirem testemunhas presenciais é o normal neste tipo de crime. Como é corrente dizer-se, estes factos praticam-se “debaixo do pano”.
Ninguém pratica os factos pelos quais o arguido foi condenado na presença de terceiros.
Pretende, ainda, o arguido a absolvição com a invocação de depoimentos recolhidos em sede de inquérito, prestados por pessoas que não foram indicadas como testemunhas. Sustenta que o Tribunal fez «tábua rasa de tais depoimentos». Ora, como refere o Mº Pº a existência de tais autos de declarações nos autos é perfeitamente inócua e não pode ser atendida pelo Tribunal. Na verdade toda a prova é feita em julgamento e, os autos de declarações prestados em sede de inquérito por pessoas que não foram indicadas como testemunhas nos autos, não podem, servir como meio de prova.
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A sentença recorrida indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.

O depoimento da testemunha B..., ao contrário da interpretação subjectiva feita pelo recorrente na motivação do recurso, não é inverosímil, nem foge às regras da experiência comum atendendo a todo o circunstancialismo envolvente. Nada impede pois, que o Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade às declarações da referida testemunha.
Assim, perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica do recorrente. Este esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

Sustenta o Recorrente que nunca poderia ter sido condenado uma vez que um dos elementos objectivos do crime em causa nos presentes autos é que o mesmo tenha sido cometido por "funcionário”, sendo que tal conceito está previsto no art° 386° do CP. Sucede que a actividade então exercida pelo Recorrente não se enquadra no referido conceito.
De acordo com o disposto no artº 386, nº 1 al c) do CPenal:
«Para efeitos da lei penal a expressão funcionário abrange quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública, ou nelas participar.»
J.M.Damião em anotação ao artigo em referência no Comentário Conimbricense do CP, pág, 814refere que : «Por função pública administrativa deve entender-se, de acordo com o direito administrativo, aquela função do Estado caracterizada por uma actividade de satisfação imediata de interesses da comunidade heteronomamente fixados e realizada por uma pessoa colectiva de direito púbico […] Assim, cabe dentro deste conceito todo o tipo de actividade realizada por qualquer pessoa centro do conjunto da denominada Administração directa, autónoma ou indirecta do Estado. Cabem, pois, além da Administração directa e autónoma, os casos dos institutos públicos e das Associações Públicas»,
Ora, atendendo aos factos apurados temos que:
- A 12 de Agosto de 2008 foi realizado um Protocolo entre o ... e uma “empresa” denominada “ … ” que tinha como objecto a “Prestação de Serviços de Disponibilização de Examinadores de Condução para Realização de Provas das Aptidões e Comportamentos do Exame de Condução”.
- Assim, foram disponibilizados pela citada entidade, examinadores de condução para realização das citadas provas práticas a efectuar nos Centros de Exame daquele Instituto (...).
- No âmbito daquele protocolo, nos meses de Setembro e Outubro de 2008, o arguido, exerceu funções no Centro de Exames de X..., por conta do ..., instituto público, como examinador de Condução.
Ora, o ..., criado pelo DL 147/2007 de 27/4, «é um Instituto Público, pessoa colectiva de direito público integrada na administração indirecta do Estado, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que funciona sob a tutela e superintendência do Ministro dos Transportes, Obras Públicas e Comunicações. Congrega, na sua totalidade, as atribuições e competências da Direcção Geral dos Transportes Terrestres e Fluviais, do Instituto Nacional do Transporte Ferroviário e as atribuições da Direcção Geral de Viação nas matérias relativas a condutores e veículos, que se extinguem, (…). Na área relativa aos condutores e aos profissionais, a intervenção do ..., I.P, centra-se na supervisão de actividades de formação e de habilitação» ," ( cfr. preâmbulo do diploma em referência).
Assim, o arguido actuou enquanto funcionário na qualidade de funcionário na medida em que levou a cabo a sua actividade dentro da chamada Administração indirecta do Estado, ao serviço de instituto público.
O facto de não ser o ... que lhe pagava directamente e de o arguido não introduzir as classificações directamente no sistema informático é irrelevante.
Na verdade, o recorrente exercia as mesmas funções que os examinadores públicos, só não pertenciam aos quadros e não podiam introduzir as classificações directamente no sistema informático, que, no entanto, eram por eles atribuídas, de forma completamente autónoma e independente.


Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juizes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 uc.


Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade