Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1219/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: TELECÓPIA
SECRETARIA JUDICIAL
Data do Acordão: 05/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: N.ºS 3 E 5 DO ART. 4º DO DL N.º 28/92, DE 27.02
Sumário: 1. A falta de apresentação na secretaria judicial do original da contestação no prazo de 10 dias contado do envio da telecópia não acarreta, sem mais, a invalidade do acto processual;
2. A contestação apresentada por telecópia só não aproveita à parte, se apesar de notificada para apresentar o original, o não fizer.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I)-A... instaurou, no Tribunal de Cantanhede, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra B..., pedindo a condenação do Réu ao pagamento da quantia de € 8.230,16, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.

Regularmente citado, o Réu apresentou contestação por telecópia, mas pagando a multa a que alude o n.º6 do art. 145º do CPC, após notificação para o efeito. Todavia, não tendo o Réu apresentado o original da contestação no prazo de 10 dias a contar do envio da telecópia, nem sequer posteriormente, foi proferido despacho a julgar inválida a contestação.

O Réu não se conformou com tal decisão, dela agravando, sendo o recurso admitido com efeito devolutivo e subida diferida, mostrando-se a alegação junta a fls. 40 a 44 .
O Réu contra-alegou em defesa do decidido, tendo sido proferido despacho de sustentação.

Seguidamente, e com fundamento na falta de contestação, foi a acção julgada parcialmente procedente e provada, sendo o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de € 5.985,57, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da sentença até integral pagamento.
Irresignados, apelaram ambas as partes, mas o Autor apenas a título subordinado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- Tendo subido com os recursos de Apelação (independente e subordinado) um recurso de Agravo interposto pelo Réu, cumpre, em primeiro lugar, conhecer deste recurso (n.º1 do art. 710º do CPC).
Tal recurso foi interposto, como vimos, contra o despacho, exarado a fls. 23 e 24, que julgou sem validade a contestação junta por fax, e mandou desentranhar e entregar ao apresentante tal articulado, após trânsito.

Pugnando pela revogação do despacho, o Réu/Agravante rematou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões, em resumo:
1ª-O despacho recorrido terá de ser considerado nulo, por oposição entre os fundamentos de facto e o disposto no n.º5 do art. 4º do DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro;
2ª-Só após a notificação à parte para juntar os originais e esta não o fizer é que se poderá concluir que a falta deste consubstanciará uma condição resolutiva de eficácia;
3ª-A inobservância do prazo estipulado no n.º3 do art. 4º do DL n.º 28/92, constitui mera irregularidade e o acto só não poderá ser aproveitado nos casos em que a exibição do documento original não tiver lugar depois de ordenada a sua junção, o que de facto não aconteceu;
4ª-Assim, e nos termos do preceituado em tal diploma, a decisão recorrida, só teria fundamento, se o Recorrente, por lapso, além de não ter cumprido o preceituado no n.º3 do art. 4º do DL n.º 28/92, continuasse após ser notificado para fazer a entrega do original e respectivos duplicados o não fizesse.

Sendo o objecto do recurso delimitado, em princípio, pelas conclusões da alegação (arts. 690º, n.º1 e 684º, n.º3, ambos do CPC), a única questão decidenda consiste em saber qual a consequência resultante para o réu que tempestivamente contesta por telecópia, mas não remete o original ao tribunal, no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia.

Como se relatou, e decorre dos autos, o Réu, ora Agravante, enviou a contestação por telecópia, praticando validamente tal acto após pagamento de multa nos termos do nº 6 do art. 145º do CPC, mas não apresentou no Tribunal o original da contestação no prazo de 10 dias a contar do envio da telecópia ou sequer posteriormente. E sem que fosse previamente notificado para exibir o original, foi tal acto julgado inválido, dele não podendo aproveitar, argumentando-se para o efeito que o não envio do original da contestação no prazo previsto na lei constitui condição resolutiva da eficácia do acto praticado por fax ou telecópia.

Será assim?
O DL n.º 28/92 , de 27 de Fevereiro veio possibilitar a transmissão de documentos e de actos processuais por telecópia, prescrevendo o n.º 1 do art. 2º que “as partes ou intervenientes no processo e respectivos mandatários podem utilizar, para a prática de quaisquer actos processuais:
a) Serviço público de telecópia;
b)Equipamento de telecópia do advogado ou solicitador, constante da lista a que se refere o número seguinte.

Segundo flui do preâmbulo desse diploma, o uso da telecópia visou desburocratizar e modernizar os serviços judiciais e facilitar o contacto destes com os utentes respectivos e das partes processuais e intervenientes com os tribunais, evitando os custos e demoras resultantes de deslocações às secretarias judiciais.

Não se questiona a força probatória da telecópia da contestação, presumindo-se verdadeira e exacta, em conformidade com o original, salvo prova em contrário (n.º1 do art. 4º).
Estabelece, porém, o n.º3 do art. 4º que “os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem se remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de dez dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos”.
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, “incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação”.
Mas, de acordo como o n.º 5, “não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o art. 385º do Código Civil”.

Tratando-se, na hipótese ajuizada, de contestação por telecópia, portanto de um articulado (n.º1 do art. 151º do CPC), deveria, pois, o Réu remeter ou entregar o original da contestação na secretaria judicial no prazo de dez dias contado do envio da telecópia, que se incorporaria nos próprios autos. Todavia, a omissão de tal acto processual, a nosso ver, não põe em crise ou afecta a validade da contestação por telecópia. Isto é, a validade da apresentação da contestação por telecópia não fica dependente da apresentação do original no citado prazo de 10 dias. A telecópia da contestação, ao abrigo do n.º1 do art. 4, presume-se juris tantum estar em conformidade com o original e o dever imposto à parte de envio do original apenas se destina a confirmar a telecópia. O acto é praticado através da telecópia, servindo o original apenas para o confirmar .
A omissão de tal dever previsto no n.º 3 do art. 4º, circunscrito à apresentação dos originais dos articulados, bem como de quaisquer documentos autênticos ou autenticados, não tem, pois, como efeito imediato a invalidade do acto processual ou sequer configura uma condição resolutiva da eficácia do acto praticado . Mas porque a lei exige a incorporação nos autos dos originais dos articulados e dos mencionados documentos, não tendo a parte cumprido tal dever processual, deve, então, ser notificada para a apresentação, nos termos do n.º 5 do art. 4º, e sancionada ao abrigo da lei tributária.

Pode, deste jeito, concluir-se que o não aproveitamento de todo e qualquer acto processual praticado através de telecópia, ou a destruição da sua eficácia ou validade, postula necessariamente uma prévia notificação determinada pelo juiz para exibição dos originais. O n.º 5 do art. 4º só faz derivar tal efeito quando a parte notificada para exibir os originais, o não fizer . O regime estabelecido no n.º 5 do art. 4º tem, assim, aplicação a todos os actos processuais praticados por telecópia e não apenas aos actos previstos no n.º 4. Consequentemente, a simples omissão do dever de apresentação do original da contestação para incorporação nos autos, imposto pelo n.º 3 do art. 4º, não tem como efeito imediato a invalidade do acto praticado por telecópia ou a destruição da sua eficácia.

Nesta conformidade, há que reconhecer razão à tese perfilhada pelo Réu/Agravante, não podendo, sem mais, ser julgada inválida a contestação apresentada por telecópia, como foi decidido.

Tendo, ainda, arguido a nulidade do despacho sob exame pelo fundamento indicado na 1ª conclusão supra, é manifesto que tal não acontece, porque o Agravante confunde o erro de julgamento com a nulidade da sentença. Para ocorrer a nulidade da sentença, como é sabido, a oposição terá que ocorrer entre os fundamentos e a decisão, e a contradição é lógica.

Assim ponderando, e não podendo subsistir o despacho recorrido, fica, também, prejudicado o conhecimento dos recursos de apelação (independente e subordinado) interpostos contra a sentença final.

III)- Nos termos e pelos motivos expostos, acorda-se em conceder provimento ao Agravo interposto pelo Réu e revogar o despacho impugnado, anulando-se todo o processado posterior.
Custas pelo Agravado, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
COIMBRA,
(Relator- Ferreira de Barros)
(1º Adj.- Des. Helder Roque)
(2º Adj.- Des. Távora Vítor)