Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
748-A/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITO
EXECUÇÃO
DEVEDOR
HABILITAÇÃO
LIVRANÇA
Data do Acordão: 06/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.577, 578, 583 CC, 376 CPC, DL Nº 453/99 DE 5/11
Sumário: 1.- Ocorrendo cessão de créditos na pendência da execução, a notificação ao devedor ( executado ), para efeitos do art.583 do CC, tem-se por efectuada no próprio incidente de habilitação, aquando da notificação do mesmo ao executado para contestar o incidente.

2.- Havendo cessão sucessiva do mesmo crédito, nada obsta a que a notificação ao devedor ( art.583 CC ) seja feita simultaneamente e no mesmo acto, por quem se apresenta e justifica ser o último dos titulares dos direitos cedidos.

3.- A cessão de créditos feita por um Banco a uma sociedade de titularização de créditos é eficaz em relação ao devedor, mesmo que não seja comunicada ao devedor.

4.- O crédito resultante de uma livrança pode ser transmitido por cessão de créditos, continuando, no entanto, a ser um crédito emergente do título e os devedores responsáveis de harmonia com ele.

Decisão Texto Integral: I. Relatório.

a) O presente recurso de agravo surge no âmbito da execução com processo ordinário instaurada pelo Banco (…) S. A. contra os executados MM (…) Lda, CC (…) e CM (…)  para obter o pagamento da quantia €626.970,54 euros, e respeita à sentença que declarou a recorrida A (…), S. A., habilitada como cessionária a suceder no lugar ocupado pelo exequente Banco (…) e a prosseguir com a execução.

Para o efeito, a recorrida alegou que, por escritura pública de 03 de Abril de 2006, o Banco (…) S. A., cedeu o crédito dado à execução, à empresa A (…), a qual, por sua vez, em 16 de Maio de 2006, o cedeu, mediante negócio formalizado em documento particular, à requerente A (…) S. A., e, daí o pedido no sentido de ser admitida a ocupar a posição do primitivo exequente.

b) Os executados opuseram-se a esta pretensão invocando a nulidade da cessão de créditos efectuada por parte da empresa A (…) para a requerente A (…) S. A., por não ter sido celebrada por escritura pública, como determina o artigo 578.º, n.º 2 do Código Civil, bem como pelo facto de existir impossibilidade do respectivo objecto, nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, pois a cessão de créditos só produz efeitos sobre o devedor depois de lhe ter sido comunicada, como dispõe o artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, sendo certo que não foi comunicada previamente aos executados qualquer uma das duas cessões de créditos invocadas.

Por conseguinte, a segunda das cessões não podia ter ocorrido, pois a primeira, por falta de notificação aos executados, ainda não tinha produzido quaisquer efeitos sobre estes, não sendo suprível tal falta de notificação pela comunicação de tal cessão efectuada, só agora, no âmbito do incidente de habilitação.

Os recorrentes defendem esta posição com base na segurança que deve estar subjacente ao comércio jurídico, não sendo admissível, sob pena de inconstitucionalidade (artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), a situação de desconhecimento por parte do devedor em relação à identidade do credor.

Acrescentam ainda que as cessões de créditos sempre serão ineficazes em relação aos executados, devido ao facto de as mesmas não lhes terem sido comunicadas, tal como dispõe o n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil, integrando tal notificação a própria causa de pedir do presente incidente de habilitação, o que implica que já tenha de existir antes da dedução do incidente.

Por fim, referiram que relativamente aos executados pessoas singulares, estes são avalistas e, por isso, são chamados «…a responder perante o credor a título pessoal pelo direito que o título materializa» (cf. artigo 59 da contestação), pelo que, como na cessão invocada não foram endossados os títulos (livranças) para a cessionária, esta última não tem quaisquer direitos contra os avalistas.

c) A requerente respondeu referindo não existir o apontado vício de forma, na medida em que a mencionada cessão podia ter sido, como foi, celebrada por documento particular, por ser essa a forma exigida pelo n.º 1, do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, tendo a respectiva operação sido aprovada pela entidade reguladora, ou seja, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

Relativamente à nulidade da cessão argumentou que, face ao regime da titularização de créditos constante do mencionado decreto-lei, a cessão em causa é eficaz logo que realizada, mesmo sem o conhecimento do devedor, sendo certo que, face ao disposto no artigo 577.º do Código Civil, a cessão pode ser levada ao conhecimento do devedor por via da notificação feita para os termos do próprio incidente de habilitação, pois a mesma não depende da aceitação do devedor e, por isso, o devedor tem de se conformar com ela.

Por fim, quanto à posição dos executados avalistas, refere que a execução foi instaurada pelo portador da livrança e, pela cessão, o cessionário entrou na posse da livrança, nos termos permitidos pelos artigos 424.º do Código Civil (cessão da posição contratual) e artigo 56.º do Código de Processo Civil (legitimidade no caso de sucessão no direito).

d) No despacho saneador que se seguiu, o tribunal declarou habilitada a recorrida A (…) SA para prosseguir a execução no lugar do exequente Banco (…), S.A., tendo-se considerado, para o efeito, que não ocorriam vícios de forma e que a validade da cessão efectuada ao abrigo do regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, não dependia da notificação da cessão ao devedor.

e) É desta decisão que vem interposto o presente recurso, no qual os executados insistem nos argumentos que serviram de base à contestação, salvo quanto à questão da nulidade por vício de forma, que deixaram cair, acrescentando ainda que a decisão sob recurso padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão dos avais prestados pelos executados pessoas singulares.

Os recorrentes concluíram as alegações, desta forma:

«…7. ln casu, nenhuma das duas cessões foi comunicada aos ora Agravantes, nem a primeira (agora em discussão), entre Banco (…), SA e A (…) LLC, nem a segunda, entre esta última entidade e a habilitante (conforme infra se demonstrará).

(…)

9. Tal negócio, porque não notificado, jamais produziu efeitos sobre os Agravantes e, assim sendo, não podia a A (…), LLC, transmitir à habilitante e Agravada um direito ineficaz sobre a parte devedora.

10. O objecto do negócio entre A (…)LLC e a habilitante é impossível e, por isso, ao abrigo do disposto no art. 280.º/1 do Código Civil fica inexoravelmente ferido de nulidade, pelo que carece de efeitos jurídicos, vício que expressamente se invoca.

11. O que foi ignorado na Douta Decisão ora em crise, existindo como tal, manifesta omissão de pronúncia.

12. Nem pode pretender suprir-se a inexistência de comunicação, notificando, ela mesma, os agravantes da cessão de crédito, pois a posição jurídica em que sucedeu deveria ter sido, previamente, comunicada aos agravantes para que pudesse, mais tarde, uma segunda transmissão dos mesmos créditos ser sobre eles eficaz.

13. Não se pode, em caso algum, admitir é que um conjunto múltiplo de entidades entre si venha transmitindo sucessiva e repetidamente um direito creditório sobre os agravados sem que estes alguma vez sejam de tal notificados.

14. Tal procedimento viola, de forma patente, a premissa elementar de Segurança Jurídica que enforma o nosso Direito Civil, já que nenhum devedor, em nenhum momento, poderia conhecer com certeza a identidade da pessoa jurídica perante quem deve solver a sua obrigação.

15. O quadro da Lei positiva pretende conferir, em sentido contrário, efectiva segurança aos operadores no comércio jurídico, asseverando-lhes com clareza da entidade a quem devem satisfazer a prestação debitória para encerrar definitivamente a relação obrigacional onde estão inseridos, e consequentemente, entendimento diverso ao que ora se propugna redundaria em manifesta e grosseira inconstitucionalidade (cfr. art. 27.º/1 da CRP).

16. (…).

17. Nenhuma das cessões de créditos foi notificada aos agravantes (sem prejuízo do que infra se dirá quanto à parte decisória relativamente à desnecessidade dessa notificação no que concerne à 2.ª transmissão), a qual é condição da sua eficácia e, consequentemente, da sua exigibilidade perante os agravantes, também já se referiu e aqui se reitera (cfr. art. 583.º/1 do Código Civil).

18. A obrigação, para ser objecto de execução coerciva, tem de ser exigível.

19. Não sendo a dívida exigível perante os agravantes, pois que temos que a habilitação não é possível, pelo que o presente Incidente se encontra vaticinado ao fracasso.

20. Nem se venha dizer que a notificação dos aqui agravantes para o Incidente de Habilitação convola a necessidade de notificação como condição de eficácia da cessão sobre os mesmos, pois os recorrentes foram convocados para vir discutir da admissibilidade da habilitação, apenas e tão-­somente, e um dos fundamentos que podem convocar para conduzir à sua improcedência é, precisamente, a falta de eficácia da cessão sobre si.

21. (…).

22. Não consta da factualidade provada, nem da prova documental dos autos, nem o objecto social da sociedade A (…), LLC, nem o tipo de sociedade que a mesma representa, para que se possa concluir que a mesma se encontra abrangido pelo art. 6.º n.º 4 do DL n.º 453/99 de 05.11, na redacção conferida pelo DL n.º 82/2002 de 05.04.

23. O DL n.º 453/99 de 05.11, na redacção conferida pelo DL n.º 82/2002 de 05.04, cuja vigência se operou 5 dias após a sua publicação (cfr. art. 3.º) refere no n.º 1 do art. 6.º, sob a epígrafe "Efeitos da Cessão" que "1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, a eficácia da cessão para titularização em relação aos devedores fica dependente de notificação.

24. O que não se verificou como resulta à saciedade dos autos.

25. Para que se possa verificar a «dispensa» de notificação, a sociedade cedente tem de pertencer a um dos tipos aludidos neste transcrito n.º 4 e, reitera-se, não resulta dos autos qualquer referência ao tipo de actividade/sociedade visado pela cedente A (…) LLC.

26. Certo é que não se trata de uma Instituição de Crédito e entendem os agravantes que também não integra a previsão de sociedade financeira, nos termos do disposto no art. 5.º do RGICSF aplicável à data da cessão (16.05.2006), muito menos os demais tipos de sociedades previstos no já referido e transcrito n.º 4 do art. 6.º do DL n.º 453/99 de 05.11, na redacção conferida pelo DL n.º 82/2002 de 05.04.

27. Igualmente em sede da segunda transmissão, contrariamente ao entendido pelo Douto Tribunal a quo, a notificação dos agravantes era legalmente imposta e não foi cumprida, verificando-se os pressupostos aludidos nos pontos supra quanto à ineficácia da transmissão perante os aqui agravantes.

28. Os agravantes, em sede de oposição ao incidente de Habilitação, suscitaram a ilegitimidade da Habilitante e ora agravada para demandar os avalistas o que não mereceu qualquer posição por parte do Douto Tribunal na sentença que veio a proferir, corporizando nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto na aI. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

29. Os agravados pessoas singulares CC (…) e CM (…) foram chamados à execução na qualidade de avalistas das livranças dadas para garantia dos contratos de crédito celebrados (cfr. artigo 13.º da petição inicial).

30. Ambos subscreveram, de acordo com o que alega a exequente no seu petitório, duas livranças oferecendo o seu aval às dívidas contraídas por MM (…), Lda. por via dos contratos de abertura de crédito (cfr. Doc. 1, fls. 1, no verso, Cláusula Sétima e Doc. 3, fls. 1 no verso e 2, ambos os documentos juntos à petição inicial).

31. O avalista, ao conceder o aval, fica obrigado, de forma autónoma e sem benefício de excussão prévia, a satisfazer a obrigação decorrente do direito cartular incorporado no título, ou seja, o avalista é chamado a responder perante o credor a título pessoal pelo direito que o título materializa.

32. Apenas o legítimo portador das livranças que são títulos executivos juntos aos autos pode reclamar dos executados/pessoas singulares os valores dos títulos de crédito correspondentes, justificando, sempre e em qualquer caso, a titularidade das Iivranças mediante a demonstração de um endosso em seu favor.

33. No caso dos autos, os créditos foram transmitidos, segundo se diz, mas não os títulos que serviram a sua garantia (Doc. 1, fls. 1, no verso, Cláusula Sétima e Doc. 3, fls. 1 no verso e 2, ambos os documentos juntos à petição inicial), pelo que a habilitante carece de legitimidade para vir demandar os executados pelos valores avalizados.

34. No documento complementar que identifica a Agravante sociedade e a sua dívida (1.ª transmissão) não é feita qualquer referência aos Agravantes singulares.

35. Razão pela qual, igualmente nesta sede deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, ser a Douta Decisão aqui em crise revogada e substituída por outra que julgue improcedente o incidente de habilitação.

Nestes termos (…)».

A recorrida contra-alegou e concluiu, nestes termos:

«…4- A notificação dos Recorrentes para contestar o incidente de habilitação equivale à notificação a que alude o artigo 6.º do D.L. 453/99, de 5 de Novembro, pelo que dúvidas não restam, que as cessões de crédito foram notificadas aos Recorrentes.

5- De facto, a cessão de crédito tem que ser notificada ao devedor, para ser eficaz quanto a este, não existe, no entanto, nenhum dispositivo normativo que imponha que a notificação tem que ser efectuada antes da citação para o incidente de habilitação.

6- Dúvidas não restam que os recorridos se encontra validamente notificados, tanto da primeira como da segunda cessão de créditos, pelo que falece tudo o que, quanto esta questão, foi alegado pelos Recorridos.

7- No que concerne, à suposta nulidade por omissão de pronúncia relativamente ao regime dos avais pessoais, também, não assiste razão aos Recorrentes.

8- De facto, os ora Recorrentes, nos termos do disposto no art. 376.º, n.º 1, al. a), do C. P. Civil, na sua contestação, apenas, podem impugnar a validade do acto e/ou alegar que a transmissão apenas foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, delimitando claramente as questões sobre as quais pode incidira a pronuncia e decisão do Tribunal no caso sub judice.

9 - No caso sub judice, os Recorrentes, na sua contestação não impugnaram nem a validade do acto, nem, tão pouco, alegaram que a transmissão dos créditos em questão havia sido feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.

10- A contestação dos ora Recorrentes cingiu-se a questões sem qualquer relevância para o caso sub judice e sobre as quais o Tribunal a quo não se podia pronunciar, de acordo com o disposto no art. 376.º, n.º 1, aI. a), do C. P. Civil.

11 - Por se encontrarem preenchidos os requisitos a que aludem os artigos 1.º n.º 2 e 7.º, n.º 1, ambos do D. L., 453/99, de 5 de Novembro, dúvidas não restam quanto à validade da transmissão.

12 - A Recorrida é parte legitima, podendo demandar os Executados (avalistas) pelos valores avalizados, pois mesmo que se considere a existência de uma lacuna no tratamento da legitimidade em processo executivo, para os casos de transmissão entre vivos do crédito, atento ao facto de art. 55.º, n.º 1, do C. P. Civil, referir que deve intervir como exequente quem figure no título executivo figure como credor e sendo executado quem no mesmo figurar como devedor, forçoso é aplicar a tais situações e mais concretamente ao caso sub judice, por analogia, o disposto no art. 56.º n.º 1 do C. P. Civil, tendo em conta o princípio da economia processual e o interesse da adquirente, ora Recorrida.

13 - Certo é que as livranças podem ser transmitidas por endosso ou cessão ordinária de créditos.

14 - Atento ao exposto, dúvidas não restam que deve ser negado provimento ao recurso interposto e confirmada a douta sentença recorrida.

NESTES TERMOS…».

Em 1.ª instância foi proferido despacho no qual se menciona não se verificar a nulidade de sentença apontada pelos recorrentes.

II. Objecto do recurso.

O objecto do recurso consiste, face ao exposto, no seguinte:

Em primeiro lugar, cumpre verificar se ocorre a pontada nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.

Seguidamente analisar-se-á a questão de saber se a omissão de notificação de ambas as cessões de créditos aos executados tem de ser levada a cabo antes de instaurado o incidente de habilitação, sob pena de ocorrer ineficácia da cessão em relação a eles e de, por essa razão, não se encontrarem reunidas as condições necessárias para a habilitação ou se, como sustenta a recorrida, tal notificação pode consistir na própria notificação feita aos executados no âmbito do incidente de habilitação, analisando-se ainda a questão da nulidade da cessão por impossibilidade do objecto (artigo 280.º do Código Civil), a dispensa da notificação da cessão a que se refere o n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, bem como a invocada inconstitucionalidade por violação do dispôs to no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição.

Depois, se for caso disso, cumpre verificar se o facto de não ter existido um acto de endosso das livranças para as habilitadas impede a habilitada recorrida de suceder na posição do exequente primitivo.

III. Fundamentação.

a) Matéria de facto (para melhor compreensão da matéria acrescentam-se aos factos dados como provados na 1.ª instância os que vão a seguir indicados sob os n.º 4, 5, 7, 8 e 9, que se encontram provados documentalmente).

1- Por escritura pública de 3 de Abril de 2006, o Banco (…) S. A. cedeu o crédito que detinha sobre os aqui Requeridos à A (…) LLC.

2- Os outorgantes declararam nessa escritura «Que a presente cessão comporta, relativamente a cada um dos Créditos, a transmissão para a A (…)(…), de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, designadamente hipoteca constituídas para sua garantia, bem como a posição processual do BAT nos processos judiciais identificados no documento complementar, relativamente a cada um dos créditos ora cedidos» (cf. fls. 149 e 286 dos autos).

3- Em 16 de Maio de 2006, através de um contrato denominado «Contrato de cessão de créditos» a A (…) LLC, cedeu à agora habilitante A (…)S. A., o crédito que detinha sobre os executados.

4- Da cláusula 3.1 deste «Contrato de cessão de créditos» (fls. 18 e 18 verso dos autos) consta o seguinte:

«3.1. Venda

Tendo em conta os termos e condições do presente Contrato, o Cedente declara pelo presente que vende e cede ao Cessionário a Carteira de Créditos à Data Limite respeitando os limites legais aplicáveis possíveis:

(a) o beneficio total, o direito, título e juros de cada Crédito, e desse modo, o beneficio total, o direito, título e juros de cada Garantia e todas as outras Obrigações ou prerrogativas, cujo beneficio é adquirido pelo Cedente como garantia do reembolso do Empréstimo relevante, caso exista algum;

(b) o direito de receber, exigir, processar e recuperar qualquer dinheiro de juros ou montante de capital ou quaisquer outras quantias a pagar respeitantes a cada Empréstimo;

(c) o beneficio dos contratos em relação aos Créditos, e o direito de processar em todas as Cláusulas Contratuais com os Mutuários, incluindo representações e garantias, em cada Crédito relacionado, tendo também o direito de exercer todos os poderes do Cedente em relação a cada Crédito e o direito de recebimento de qualquer quantia relativa a danos, despesas, custos, comissões, cobranças, ou quaisquer outros valores em dívida relativamente a cada Crédito;

(d) todo o direito, título e juros das Propriedades relacionadas empossadas ao Cedente, caso exista alguma;

(e) todo o direito, titulo, e juros das Apólices de Seguro no que diz respeito aos Créditos, caso exista algum; e

(f) todas as causas e direitos de acção do Cedente em relação aos Créditos incluindo todos os direitos do Cedente no que diz respeito a Matéria Judicial, incluídos, ou que possam vir a surgir, na Carteira de Créditos, desde que estes não tenham sido já exercidos pelo Cedente.

5- Na cláusula «1», sob o título «Definições», e seu ponto «1.1.» consta o seguinte: «“Matéria Judicial” significa todos os processos, acções judiciais e outras acções de execução da lei levadas a cabo pelo credor para executar o empréstimo» (cf. fls.16).

6 - A presente Execução foi instaurada em 20 de Setembro de 2002.

7- O presente incidente foi instaurado em 28 de Novembro de 2007.

8- Sob a matrícula n.º 507450531 da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 1.ª secção, relativa à sociedade A (…), S. A., consta o seguinte:

«Insc. 1 – AP 49/20060104 – CONTRATO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS) E DESIGNAÇÃO DE SECRETÁRIO (…).

OBJECTO: Exercício das actividades consentidas por lei às sociedades de titularização de créditos, que consiste exclusivamente na realização de operações de titularização de créditos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos adquiridos» (cf. fls. 134).

9- Sob a matrícula n.º 507450531 da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 1.ª secção consta também o seguinte:

«AP 1/20070919 2:42:08 UTC – ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE SOCIEDADE (ONLINE) – fls. 858.

Artigo(s) alterado(s): 1.º, 4.º, 10.º, 11.º 15.º, 16.º 17.º, 19.º e 20.º.

Insc. 7 FIRMA: H (…), S. A. (…)»

b) Apreciação das questões objecto do recurso.

1 – Quanto à nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na al. d), do n.º 1, do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Os recorrentes invocam esta nulidade a propósito da questão da impossibilidade do objecto e da necessidade de ter existido um endosso das livranças para a cessionária.

Quanto à primeira questão não ocorre a mencionada nulidade, pois implicitamente a sentença referiu-se à questão, para a afastar, quando referiu que a cessão «…produz efeitos face aos devedores no mesmo momento em que se torna eficaz entre o cedente e o cessionário, não estando dependente do conhecimento ou notificação prévia do devedor, afastando-se, assim, do regime geral do art. 578º do CC».

Já quanto à questão da necessidade de endosso das livrança nada foi referido, afigurando-se que nesta parte há omissão de pronúncia o que implica a nulidade da sentença nesta parte, cumprindo ao Tribunal da Relação substituir-se ao tribunal recorrido nos termos determinados nos artigos 749.º e 715.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

Tal questão será tratada infra, sob o ponto 3 da presente alínea.

Passando à questão seguinte.

2 – Vejamos agora a questão relativa à omissão de notificação de ambas as cessões de créditos aos executados.

Os executados sustentam que tal facto faz parte da própria causa de pedir do incidente da habilitação, o que implica que a notificação esteja já efectuada quando se instaura o incidente.

A exequente defende que a notificação feita aos executados para contestarem a habilitação preenche os requisitos da notificação a que aludem os executados, acrescentando ainda que, no caso dos autos, sendo a habilitante uma sociedade de titularização de créditos, a cessão de créditos, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, é eficaz em relação ao devedor, mesmo que não lhe seja comunicada.

Sobre este último argumento cumpre referir a norma constante do n.º 4, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro (redacção do Decreto-Lei n.º 303/2003, de 5 de Dezembro), a qual dispõe efectivamente que «Quando a entidade cedente seja o Estado, a segurança social, instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundo de pensões, a cessão de créditos para titularização produz efeitos em relação aos respectivos devedores no momento em que se tornar eficaz entre o cedente e o cessionário, não dependendo do conhecimento, aceitação ou notificação desses devedores».

No artigo 1.º, Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, refere-se que «1. O presente decreto-lei estabelece o regime das cessões de créditos para efeitos de titularização e regula a constituição e o funcionamento dos fundos de titularização de créditos, das sociedades de titularização de créditos e das sociedades gestoras daqueles fundos.

2. Consideram-se realizadas para efeitos de titularização as cessões de créditos em que a entidade cessionária seja um fundo de titularização de créditos ou uma sociedade gestora de titularização de créditos.

3. O disposto no presente decreto-lei é aplicável, com as devidas adaptações, às operações de titularização de outros activos, competindo à CMVM definir, por regulamento, as regras necessárias para a concretização do respectivo regime».

Como refere Engrácia Antunes, «Designa-se genericamente por titularização de créditos (…), a operação complexa consistente na transformação massiva de créditos em valores ou títulos negociáveis em mercado» e «…representa um inovador e criativo mecanismo de financiamento de entidades públicas ou privadas titulares de créditos ou outros activos de dívida (“financial assets”) mediante a sua conversão em valores mobiliários garantidos por tais créditos (“assets-backed securities). As entidades titulares de direitos de crédito em massa aptos a gerar fluxos financeiros futuros e estáveis (“originators”: mormente aquelas que lidam regularmente com um universo amplo e estável de devedores, v. g., bancos, seguradoras, Estado) transmitem tais créditos para uma outra entidade especialmente constituída para o efeito (“special purpose vehicle”): entre nós, fundo de titularização de créditos ou sociedade de titularização de créditos) a qual emitirá valores mobiliários (unidades de titularização, obrigações titularizadas) destinados a serem transaccionados no mercado de capitais e caracteristicamente garantidos por tais créditos (“asset-backed securities”)» ([1]).

No artigo 3.º deste diploma indicam-se as entidades que podem adquirir créditos para titularização, referindo-se na sua al. b) «As sociedades de titularização de créditos».

Sucede, porém, que não se sabe se a cedente A (…)LLC, era, à data da cessão uma entidade que podia adquirir créditos para titularização.

Com efeito, a dispensa da notificação da cessão de créditos em relação ao devedor ocorre, como se viu, face ao teor do n.º 4, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro (redacção do Decreto-Lei n.º 303/2003, de 5 de Dezembro), «Quando a entidade cedente seja (…), instituição de crédito…», o que ocorre no caso dos autos quanto ao primeiro cedente, que foi o Banco (…), mas desconhece-se, como acabou de se referir, se a adquirente Atlantis (…), LLC, depois cedente era então uma entidade habilitada a adquirir créditos para titularização, nos termos do mencionado artigo 3.º deste diploma.

Por conseguinte, podemos concluir que a primeira cessão, feita do Banco (…) para a para a empresa A (…), LLC, está isenta da necessidade de notificação da cessão ao devedor, nos termos do disposto no mencionado n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, devido ao facto do cedente ser uma entidade bancária.

Já o mesmo não se verifica em relação à segunda cessão por se desconhecer se a empresa Atlantis (…), LLC, se enquadra juridicamente em qualquer um dos tipos de entidades referidas nesse mesmo n.º 4.

Por conseguinte, quanto a esta segunda cessão, a questão tem de ser analisada à luz das regras gerais previstas no Código Civil e Código de Processo Civil relativas à cessão de créditos e habilitação do cessionário.

Prosseguindo então, agora por esta via.

Vejamos se a omissão de notificação desta última cessão de créditos aos executados tinha de ser levada a cabo antes de instaurado o incidente de habilitação.

A resposta a esta questão é negativa pelas razões que vão ser indicadas.

O regime geral da cessão de créditos vem previsto, em geral, nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil, dispondo este artigo acerca da admissibilidade da cessão, o seguinte:

«1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.

2. A convenção pela qual se proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário, salvo se este a conhecia no momento da cessão».

Resulta claramente deste normativo que a cessão de créditos é um acto de liberdade entre o credor e um terceiro que decidem transferir, de um para o outro, um crédito de que é devedor um terceiro.

A vontade do devedor é desconsiderada, ou seja, o devedor não se pode opor à cessão, salvo se a cessão em si mesma padecer de vício ou se se tratar de caso em que a própria lei proíbe a cessão, como são aqueles previstos no n.º 1 do referido artigo 577.º do Código Civil, a saber: proibição de certo tipo de cessão por determinação da lei; convenção das partes e quando o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.

No entanto, a lei não desamparou o devedor e previu, no artigo 585.º do Código Civil, que o devedor possa «…opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão».

Face ao exposto, qual a relevância da notificação da cessão de créditos ao devedor? Isto é, para que serve?

O artigo 583.º do Código Civil determina que «1. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.

2. Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão».

Resulta deste artigo que a notificação da cessão tem em vista sobretudo acautelar os interesses do novo credor.

Com efeito, se o devedor não for notificado da cessão e pagar ao antigo credor, paga bem e fica desonerado, pelo que o novo credor nada lhe pode exigir.

Desta forma, bem se vê que a finalidade da notificação é esta: o devedor fica a saber que a partir da notificação da cessão o credor é outro e deve pagar a este.

Antes disso, a cessão em nada pode agravar a sua situação de devedor.

Retomando o caso concreto.

Os recorrentes sustentam que tal notificação tem de existir no momento em que se formula no processo o pedido de habilitação, sustentando que esta notificação faz parte da própria causa de pedir da habilitação ([2]).

Mas por que razão tal notificação tem de ser prévia e autónoma em relação à notificação da petição do incidente de habilitação? Não poderá a notificação ser validamente efectuada no decurso do próprio incidente aquando da notificação do devedor para contestar a habilitação?

Não se vislumbra, com efeito, qualquer razão válida que imponha a notificação prévia à dedução do incidente ou a sua inocuidade se for levada a cabo no âmbito do próprio incidente.

Com efeito, o que é necessário assegurar é a finalidade tida em vista com tal notificação que é esta: dar a conhecer ao devedor a identidade da pessoa a quem deve pagar.
Efectivamente, se, por exemplo, se encontrar pendente uma execução no dia 1 de Janeiro e no dia seguinte ocorrer uma cessão do respectivo crédito, por que razão o terceiro não pode vir aos autos no dia 3 de Janeiro deduzir o incidente de intervenção?
Não se vê razão suficiente para lhe exigir que efectue previamente uma notificação extrajudicial ou uma notificação judicial avulsa para, depois, munido da prova dessa notificação deduzir o incidente, durante o qual o devedor voltaria a ser notificado da cessão, nos termos da al. a), do n.º 1, do artigo 376.º do Código de Processo Civil, para, entre outros fins «…impugnar a validade do acto…».
Não se vislumbra, pois, em casos como este, utilidade jurídica e prática em tal notificação prévia, o que nos mostra, por isso, que ela não é exigível.

Daí que a objecção dos recorrentes no sentido de que a mencionada cessão de créditos não é eficaz em relação a eles, não tenha valor porque a notificação em causa existiu e tratou-se da notificação que lhes foi feita através do presente incidente da habilitação.

Aliás, o que é decisivo neste caso, e noutros semelhantes, é o conhecimento efectivo que o devedor tem da cessão ([3]), argumento que se retira da parte final do disposto n.º 2 do artigo 583.º do Código Civil, onde se dispõe: «Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão».

Por outro lado, como argumenta Assunção Cristas (que defende a citação para a acção como forma válida de levar a cessão ao conhecimento do devedor), no que respeita à colocação da notificação da cessão ao devedor na causa de pedir da acção instaurada pelo novo credor, através da qual pede ao devedor o pagamento do crédito cedido, isso «…transformaria a causa de pedir em condições de procedência da acção, o que só não é aceite pela doutrina e pela lei, como contraria a noção de que a causa de pedir é um requisito e um conceito processual e não substantivo» ([4]).

Continuando.

Antes de prosseguir cumpre referir que as normas processuais aplicáveis ao presente incidente, designadamente o artigo 376.º do Código de Processo Civil, são aplicadas na redacção em vigor no dia 28 de Novembro de 2007, data da dedução do incidente, pois a redacção deste artigo foi profundamente alterada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, o qual, nos termos do n.º 1 do seu artigo 22.º, só se aplica, porém, aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 31 de Março de 2009.

O artigo 376.º do Código de Processo Civil aplicável dispõe que «1. A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, far-se-á nos termos seguintes:
a)    Lavrado no processo o termo da cessão ou junto ao requerimento de habilitação, que será autuado por apenso, o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar: na contestação pode o notificado impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo;
b)    Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, se decidirá; na falta de contestação, verificar-se-á se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declarar-se-á habilitado o adquirente ou cessionário.
2. A habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no número 1, com as adaptações necessárias».

Ora, a recorrida procedeu exactamente como vem referido nesta norma e não se afigura, face ao que ficou referido, que tivesse de proceder de outra forma.

Com efeito, não havia à época, qualquer norma que o exigisse, nem havia qualquer interesse do devedor que tivesse de ser acautelado com uma tal notificação prévia.

É de concluir, pois, que havendo uma execução a correr termos, como no caso dos autos havia e continua a haver, se o exequente ceder a terceiro o crédito que executa, o procedimento a seguir é o que foi seguido neste incidente, sendo o mecanismo processual de habilitação que a lei então previa e que foi seguido, o meio adequado a substituir um exequente por outro exequente.

Por outras palavras, a lei não exigia, à data, para a validade da cessão do crédito que está a ser executado em juízo, mais que a observação das normas processuais do incidente da habilitação do cessionário previstas nos artigos 376.º do Código de Processo Civil ([5]).

A actual redacção do artigo 376.º prevê que haja uma notificação extrajudicial do devedor, prévia à dedução do incidente de habilitação, nos casos em que a habilitação é feita através de requerimento, pois se não for esse o caso, isto é, «Nos casos em que a habilitação se faz por termo de cessão lavrado no processo é notificada a parte contrária para contestar, podendo o notificado, designadamente, impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo» - n.º 2 do artigo 376.º do Código de Processo Civil.

De notar, porém, que esta notificação prévia desempenha, em termos funcionais, o mesmo papel que desempenha a notificação judicial feita para o devedor contestar a habilitação.

Com efeito, nos termos do actual (novo) n.º 3 do artigo 376.º, do Código de Processo Civil, nos casos em que a habilitação se faz por requerimento de habilitação nos autos, deve ser junto com o requerimento de habilitação o título da aquisição ou da cessão, bem como prova da notificação da aquisição ou cessão ao devedor que deve conter a menção dos elementos referidos no n.º 2 do artigo 235.º do Código de Processo Civil, isto é, menção de que o notificado pode impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, morada para onde o notificado pode enviar a contestação, caso o pretenda fazer, indo este requerimento de habilitação acompanhado, nos termos do n.º 4 deste mesmo artigo, ou da contestação do notificado ou da declaração de que o notificado aceitou a aquisição ou a cessão ou, por fim, da declaração de decurso do prazo de contestação sem que o notificado tenha contestado a aquisição ou cessão.

Nos termos do n.º 5 deste artigo, na falta de contestação, o juiz verifica se o documento prova a aquisição ou a cessão e, em caso afirmativo, declara sucintamente que o adquirente ou cessionário está habilitado.

Verifica-se, desta forma, que o legislador apenas deslocou um determinado procedimento que era efectuado antes no âmbito do incidente de habilitação para campos extraprocessuais, mas é de assinalar que este regime deixa, de futuro, sem argumentação a problemática relativa à notificação da cessão colocada pelos executados nestes autos.

Concluindo esta parte, considera-se correctamente efectuada, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil, a notificação da cessão feita ao mesmo tempo e no mesmo acto em que é feita a notificação aos devedores do pedido de habilitação de cessionário, nos termos previstos no artigo 376.º do Código de Processo Civil, na redacção em vigor anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro.


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Vejamos agora a questão da nulidade emergente da alegada impossibilidade do objecto negocial prevista no artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.

Os executados sustentam que não tendo existido a notificação relativa à primeira cessão de créditos do Banco (..) S. A. para a A (…)LLC, então, quando ocorreu a segunda cessão do mesmo crédito, agora da A (…) LLC para a ora habilitante A (…) S. A. e, então ocorreu nesta segunda transmissão impossibilidade do objecto.

Se bem se percebe o que os executados tiveram em mente, quiseram dizer que quando a segunda cessão foi feita ainda não se tinha completado o ciclo da primeira cessão, por falta de notificação da cessão aos executados, pelo que a segunda cessão em termos substantivos não se chegou a realizar.

Os executados não têm razão, pelo seguinte:

Em primeiro lugar, o conceito de «impossibilidade do objecto negocial» a que se refere o n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil está aí previsto, passe a redundância, como categoria abstracta, como é o caso, por exemplo, da promessa de venda de uma coisa do domínio público ([6]) e não no sentido de qualquer vício ou falta de requisitos que afecte um negócio singular, legalmente possível, mas inválido no caso concreto devido a um qualquer vício que o afecte em particular.

Em segundo lugar, não se vislumbra qualquer impedimento substantivo ou processual que obste a que ambas as cessões de créditos sejam notificadas através do mesmo acto e simultaneamente.

Com efeito, tendo a lei optado por dispensar o consentimento do devedor no caso da cessão de créditos (artigo 577.º, n.º 1 do Código Civil), exigindo apenas, para lhe ser oponível, que lhe seja notificada ou, não o tendo sido, que ele a aceite (artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil), bem se vê que a notificação em causa não é constitutiva do contrato de cessão, pois ele fica perfeito sem a intervenção do devedor.

Por conseguinte, a notificação em causa pode ser efectuada em qualquer altura, mesmo depois de ter ocorrido uma segunda cessão do mesmo crédito.

Neste caso, se o devedor vier a pagar ao primeiro cessionário, agora na posição de cedente, paga bem, por força do disposto no n.º 2 do artigo 583.º do Código Civil.

Também não se vê qualquer impedimento no sentido da promoção da notificação de duas cessões sucessivas do mesmo crédito ser efectuada por quem se apresenta e justifica ser o último elemento da cadeia de transmissão dos direitos, portanto, o titular dos direitos cedidos.

Conclui-se, por conseguinte, no sentido de não ocorrer qualquer nulidade quanto à segunda cessão de créditos por impossibilidade do seu objecto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil.

3 – Passando à análise da questão da inconstitucionalidade por violação do dispôs to no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República, onde se proclama que «Todos têm direito à liberdade e à segurança».

Os executados sustentam na conclusão n.º 15 das suas alegações que «O quadro da Lei positiva pretende conferir, em sentido contrário, efectiva segurança aos operadores no comércio jurídico, asseverando-lhes com clareza da entidade a quem devem satisfazer a prestação debitória para encerrar definitivamente a relação obrigacional onde estão inseridos, e consequentemente, entendimento diverso ao que ora se propugna redundaria em manifesta e grosseira inconstitucionalidade (cfr. art. 27.º/1 da CRP)».

 Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 277.º da Constituição onde se dispõe que «São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados», a inconstitucionalidade respeita apenas a normas de direito infraconstitucional.

No caso, os recorrentes não indicam qual é a norma que têm por inconstitucional, mas, pelo que afirmam, tratar-se-á da norma do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil, já referida supra.

Não ocorre, porém, qualquer inconstitucionalidade, desde logo porque a insegurança jurídica que os recorrentes apontam não existe, como já se referiu supra, pois o devedor nunca é prejudicado no caso de ter havido cessão e de ele a ignorar, já que a lei prevê no n.º 2 do artigo 583.º do Código Civil, que o pagamento feito ao primitivo credor desonera o devedor.

Improcede, pois, a invocada inconstitucionalidade.

4 – Cumpre, por fim, verificar se o facto de não ter existido um acto de endosso das livranças para a cessionária/habilitante/recorrida, a impede de suceder na posição do exequente primitivo e de exercer os direitos que este vinha exercendo, com base no aval, contra os recorrentes/executados/avalistas.

A resposta é também negativa pelas seguintes razões:

 Primeira – A cessão de créditos é uma forma comum de transmissão de créditos, de quaisquer créditos, pois o Código Civil nos artigos 577.º a 588.º não excepciona créditos, salvo os créditos litigiosos a que se refere o artigo 579.º do mesmo Código e unicamente pela razão de serem litigiosos.

Por conseguinte, nenhum obstáculo se coloca à possibilidade das livranças serem transmitidas por cessão.

A objecção que os executados colocam, no sentido de ser necessário um acto formal de endosso para que haja transmissão da livrança e do respectivo crédito, tem alguma relevância, mas confina-se à diversidade de protecção que é conferida por cada uma das formas de transmissão possíveis, isto é, transmissão segundo as regras da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças ou transmissão por cessão nos termos do Código Civil.

A este respeito Vaz Serra pronunciou-se da seguinte forma: «O endosso é a forma especial de transmissão destes títulos [refere-se aos títulos à ordem em geral, incluindo as letras e livranças], aquela que serve para a sua circulação rápida e segura e, portanto, só ele é protegido, na Lei Uniforme, com as disposições dos art.º 16.º e 17.º, isto é, com a relativa à aquisição de boa fé e com a respeitante à inoponibilidade das excepções. Aquilo que, em contraste com o direito comum, especialmente caracteriza a posição do portador da letra (e, de uma maneira geral, dos títulos de crédito) é, por um lado, a protecção concedida, quanto à propriedade do título, ao adquirente de boa fé e, por outro lado, a inoponibilidade a esse adquirente das excepções que poderiam ser opostas a outros. Ora, esta especial protecção só é atribuída, nos títulos à ordem, àquele que adquire por endosso, pois só esse adquire com o meio criado para a transmissão dos títulos à ordem. O que adquire mediante cessão faz uma aquisição segundo os princípios do direito comum e, portanto, a sua situação é análoga à do cessionário de qualquer crédito ordinário (…).

Mas, apesar de transmitido por cessão, o crédito continua a ser um crédito emergente do título, continuando os devedores responsáveis de harmonia com o título» ([7]).

Relativamente aos efeitos da cessão destes títulos de crédito, o mesmo Autor refere que os efeitos da cessão «…são os da cessão ordinária. Daqui resulta que ao cessionário podem ser opostas as excepções que o poderiam ser ao cedente, e que ele adquire os direitos que qualquer cessionário adquire», sustentando ainda a possibilidade do cessionário endossar ele mesmo o título, com a justificação de que a cessão transmite a posição de credor e faz parte desta posição o direito de endossar o título ([8]).

Segunda – O n.º 1 do artigo 582.º, do Código Civil, dispõe que «Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente».

Ora, tendo em consideração a razão se ser ou a finalidade do aval este tem de ser considerado como uma «garantia», como tal abrangida pelo disposto nesta norma do Código Civil.

Com efeito, o artigo 30.º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, norma esta aplicável à livrança por força do disposto no artigo 77.º da mesma lei, dispõe que «O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra».

Verifica-se, por conseguinte, que o aval tem a natureza de garantia ([9]).

O aval, tal como a hipoteca, que também pode ser constituída por terceiro acompanha, por conseguinte, por força do disposto nesta norma do Código Civil o crédito cedido.

Improcede também esta objecção, pelo que cumpre julgar o recurso improcedente e confirmar o decidido.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


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Alberto Ruço ( Relator )

Judite Pires

Carlos Gil



[1] Dos Contratos Comerciais em Especial. Coimbra: Almedina/2009, pág. 524/525.
[2] Foi esta a orientação seguida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-11-2000 (Rec. 2611/00), «De facto, sendo a notificação da cessão um dos elementos que integram a causa de pedir da acção, tem tal elemento de fazer parte (e de estar já adquirido para a causa) do elenco de factos articulados na petição inicial» – in Cadernos de Direito Privado, n.º 14 (Abril/Junho 2006), pág. 58.
[3] Como se ponderou no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3-6-2004 (Proc. 815/04), onde se referiu que «…o que torna a cessão eficaz em relação ao devedor é o facto de este a conhecer e esse conhecimento pode revelar-se de várias maneiras entre as quais a notificação efectuada por um dos contraentes  da cessão», tendo-se concluído que a citação para a acção proposta pelo credor-cessionário contra o devedor era forma eficaz de lhe levar ao conhecimento a cessão –  in Cadernos de Direito Privado, n.º 14 (Abril/Junho 2006), pág. 60.
[4] Citação Como Notificação ao Devedor Cedido – Ac. do STJ de 9.11.2000, REc.2611/00 e de 3.6.2004, Proc. 815/04 – in Cadernos de Direito Privado, n.º 14 (Abril/Junho 2006), pág. 64.

[5] Neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Setembro de 2099 (Sousa Pinto) no processo 18-C/2002-2, in www.dgsi.pt, «V – Do art. 583º do Código de Processo Civil resulta que o que torna a cessão eficaz em relação ao devedor é o facto de este a conhecer e esse conhecimento pode revelar-se de várias maneiras entre as quais a notificação efectuada por um dos contraentes da cessão. VI – Não tendo sido dado conhecimento ao devedor antes de deduzido o incidente de habilitação, o mesmo ter-se-á verificado com a notificação que lhe foi feita no âmbito deste» (sumário).
[6] Exemplo dado pelos autores Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora/1982, 257.
[7] Boletim do Ministério da Justiça n.º 61, pág. 53.
No sentido da admissibilidade da cessão de letras ver o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Março de 2007 (Arnaldo Silva) no processo n.º 7916/2006-7, in www.dgsi.pt - «Tendo as letras que servem de base à execução sido pactuadas fora dos títulos, pode a requerente que adquiriu os direitos da exequente por cessão ordinária de créditos, requerer a sua habilitação, nos termos do art.º 376º do Cód. Proc. Civil, porque, tudo se passa na prática, como se as mesmas tivessem sido transferidas pela exequente cedente» (sumário).
[8] Ob. cit., pág. 56.
[9] Como referiu o Prof. Ferrer Correia, «…parede fácil indicar a natureza jurídica do aval: é uma garantia» - Lições  de Direito Comercial, Vol. III (Letra de Câmbio), Universidade de Coimbra/1975, dactilografadas e impressas por João Abrantes, pág. 206.