Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1574/10.3TXCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 56º E 64º CP
Sumário: Tendo o arguido praticado um novo crime doloso precisamente durante o período de liberdade condicional - crime de roubo, com violência física contra as pessoas, pelo qual foi condenado em pena de prisão, é manifesto que a concessão da liberdade condicional não cumpriu a finalidade primacial, devendo por essa razão ser-lhe revogada.
Decisão Texto Integral:
1. A..., melhor identificado nos autos, recorre da decisão do Mº juiz do T.E.P. que revogou a liberdade condicional, determinando o cumprimento do remanescente da pena que lhe faltava cumprir – cfr. sentença de fls. 88-94.
*
2. Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:
1) É um facto que o recorrente foi condenado em pena de prisão de 1 ano e 10 meses, pelo crime de roubo pp. no art. 210, nº 1 do C.P., em co-autoria material.
2) Pena que cumpriu em permanência na habitação com vigilância electrónica (pena menos gravosa que a pena de prisão) e que cumpriu sem qualquer incidente, como, aliás, resulta do relatório final elaborado pela DGRS.
3) O crime em causa foi praticado mês e meio depois de ter sido libertado, numa altura em que se estava a adaptar à nova vida e eram muito presentes as solicitações, nomeadamente as relacionadas com a toxicodependência de que, aliás, está liberto neste momento.
4) A prática de tal crime não põe em causa a reintegração do Recorrente na sociedade, tanto assim é que decorrido de mais de um ano sobre a extinção da pena, não praticou qualquer delito e está socialmente integrado.
5) O juízo de prognose favorável tem de ser feito tendo em consideração o tempo que decorreu desde a extinção da pena que cumpriu à ordem do Proc. nº 324/08.9GDCNT e não por referência, àquele mês e meio decorrido após a sua colocação em liberdade condicional e a prática dos factos porque foi condenado.
6) Tanto mais que, após a prática do crime, foi sujeito a prisão preventiva em regime de permanência na habitação sob vigilância electrónica, pelo que sofreu um afastamento prolongado da colectividade, não podendo, por isso aferir-se da sua capacidade de reinserção social.
7) A prática do crime porque foi condenado no Proc. 324/08.9GDCNT, não frustrou irremediavelmente as expectativas inerentes à concessão da liberdade condicional e que assentam na convicção de que o libertado está em condições de não voltar a delinquir.
8) A capacidade para não delinquir e para se reintegrar socialmente só pode ser aferida quando a pessoa não está coartada de movimentos; só em liberdade é possível fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento em sociedade.
9) Por outro lado, resulta do relatório de execução final da decisão judicial que aplicou a vigilância electrónica, elaborado pela DGRS, que: "No cômputo geral, o arguido apresentou uma trajectória de adequação às regras de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Foram percebidas alguma ressonância em relação à pena e preocupações na procura de respostas formativas de reinserção social, ainda que sem concretização até ao momento.
Neste contexto terão sido atingidas as finalidades inerentes às penas privativas de liberdade sem necessidade de institucionalização".
10) No entanto, esta avaliação não foi tida em devida consideração pelo tribunal a quo, olvidando, em consequência, o que de favorável se apontou ao Recorrente.
11) Acrescente-se que, atendendo à situação de clausura, no momento da elaboração do relatório, era difícil averiguar qual a sua conduta de vida, pelo que, à data da prolação do despacho, se impunha a realização de um relatório actual, com dados sobre a evolução da personalidade do Recorrente e que averiguasse a sua conduta desde a sua libertação em Outubro de 2010.
12) "A decisão de revogação da liberdade condicional deve assentar na situação fáctica existente ao momento em que é encerrada a discussão dos respectivos pressupostos, em conformidade com o princípio geral do processo segundo o qual a decisão do tribunal de 1ª instância deve reportar-se à situação existente à data do encerramento da audiência.
Por isso, deve ser precedida das diligências necessárias tendo em vista a obtenção de informação actualizada sobre o condenado" Ac. T. R. Coimbra, Processo 1384/05 de 18/05/2005, in dgsi.
13) Desde que foi extinta a pena em que foi condenado à ordem do Proc.324/08.9GDCNT, o Recorrente tem revelado uma boa conduta de vida, tem procurado emprego, mas atendendo à actual conjuntura que o país atravessa tem sido muito difícil encontrar emprego fixo, unicamente tem "arranjado uns biscates" na construção civil.
14) Vive com o irmão mais novo na casa de morada de família. Vivem ambos do RSI e de algum dinheiro que vai recebendo dos "biscates".
15) Está inscrito no Centro de Emprego e à espera de ser chamado para fazer um curso profissional de Electricista.
16) Está livre de drogas, e determinado em ter uma ocupação laboral, um emprego que lhe permita criar condições para viver condignamente com o seu irmão.
17) O Recorrente está, portanto, ressocializado, pelo que a revogação da liberdade condicional, seria, neste momento da sua vida, completamente despropositada e traduzir-se-ia numa violência com graves consequências para o recorrente, a todos os níveis, nomeadamente, psicológicas.
18) O não cumprimento das obrigações impostas na decisão que concedeu a liberdade condicional não desencadeia necessariamente a revogação da mesma,
Com efeito tal revogação só pode ter lugar como última ratio.
Assim, face a um incumprimento culposo das condições impostas na decisão que concedeu a liberdade condicional, o tribunal tem de ponderar se a revogação constitui a única forma de conseguir as finalidades da punição.
21) Constituindo a revogação da liberdade condicional e o consequente cumprimento da pena de prisão, a medida mais radical, esta opção só deve ser exercida quando outra não conseguir tal fim.
22) A condenação pela prática em co-autoria do crime de roubo no mês e meio seguinte à sua colocação em liberdade condicional, embora gravosa, não justifica a revogação da liberdade condicional, sob pena de, em vez de se salvaguardar a ressocialização, contribuir definitivamente para o percurso delituoso do Recorrente.
23) Está mais do que provado que regime prisional não é propriamente o meio mais adequado de obter a ressocialização dos delinquentes, antes pelo contrário, em certas situações funciona como uma autêntica escola do crime.
24) O Recorrente é um jovem com todas as possibilidades de encontrar o caminho para a sua integração na sociedade, e conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
25) O seu encarceramento neste momento, para cumprimento do remanescente da pena, seria um grave retrocesso para a sua ressocialização (principio primordial do Direito Penal).
26) "O incumprimento das condições não conduz sempre às mesmas consequências, podendo o tribunal escolher entre as 3 primeiras referidas no artigo 55°. Pressuposto material comum à verificação de qualquer destas consequências é que o incumprimento das condições tenha ocorrido com culpa.
A culpa no incumprimento, em nada deve influenciar, no entanto, na escolha da medida que o tribunal vai tomar, mesmo esta deve ser função exclusiva das probabilidades, porventura ainda subsistentes, de manter o delinquente afastado da criminalidade no futuro e, deste modo, do significado que o incumprimento assuma para o juízo de prognose que foi feito no momento da aplicação da liberdade condicional.
Por outro lado, a revogação da liberdade condicional não é obrigatória. Apenas será decretada, qualquer que seja a natureza do incumprimento culposo dos deveres ou regras de conduta, se tal incumprimento revelar que as finalidades que estiveram na base da liberdade condicional, já não podem, por meio desta, ser alcançadas; dito de outra forma: se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da sua concessão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro afastado da criminalidade, ibidem, 357
(...)
Face a um incumprimento culposo das condições impostas na decisão que concedeu a liberdade condicional, a sua revogação só pode ter lugar, se se concluir, em face das circunstâncias do caso concreto e da própria natureza e gravidade do incumprimento, ser esta medida, a única forma de assegurar as finalidades ligadas à prevenção especial e geral que estiveram na base da liberdade condicional. "- Ac. T. R. do Porto Processo 0844509, de 08/10/2008, in dgsi.
27) Deste modo, o despacho recorrido violou os artigos 64° nº 1, alíneas a) a c) do 55°, 56° nº 1 e 57° nº 1, todos do Código Penal.
Termos em que e nos mais de Direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente deve a decisão impugnada ser substituída por uma outra que:
Não revogue a liberdade condicional ao Recorrente A... e determine o Arquivamento do Processo.
A tal não ser entendido deve ser renovada a prova e determinado ao IRS que elabore o Relatório actualizado sobre a situação do recorrente.
*
3. Respondeu o Exmo. Magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, sustentando a total improcedência do recurso.
Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual sufraga o entendimento o mesmo entendimento.
Corridos vistos, após conferência, cumpre decidir.
***

4. A decisão recorrida teve por fundamento o seguinte quadro factual:

A) Por decisão de 2008.09.29, proferida por este TEP de Coimbra, foi concedida ao requerido liberdade condicional, com efeitos a partir de 2008.09.30, data da libertação, e até ao termo da pena que então cumpria, 2010.03.02;
B) A concessão referida em A) ficou subordinada às seguintes obrigações:
- Fixar residência na Rua …, de onde não se poderá ausentar, por mais de oito dias, sem autorização do Tribunal;
- Manter boa conduta e dedicar-se ao trabalho, com regularidade;
- Fazer acompanhamento no CAT da zona de residência;
- Aceitar a tutela da Direcção Geral de Reinserção Social, comparecendo às entrevistas de acompanhamento e aderindo às orientações que lhe forem sugeridas, devendo apresentar-se aos respectivos técnicos, da Equipa da DGRS, do Baixo Mondego 2, cujos serviços se situam na Calçada do Espírito Santo, n° 28, Santo António dos Olivais, Coimbra, no prazo de oito dias, após a Libertação;
C) O libertado fez a sua primeira apresentação fora do prazo estipulado, justificando-se junto da DGRS com falta de dinheiro para se deslocar a Coimbra, tendo feito inscrição no Instituto de Emprego e Formação Profissional de Coimbra num curso de carpintaria cujo início teria lugar em Janeiro de 2009 que não chegou a frequentar por, entretanto, lhe ter sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva à ordem do Proc. nº 324/08.9GDCNT (fls. 17);
D) Por acórdão de 30 de Outubro de 2009, transitado em julgado a 2009.11.30, foi o libertado condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão pela prática, em 13 de Novembro de 2008, em co-autoria, de um crime de roubo (certidão de fls. 276 e ss. do apenso A e que aqui se dá por reproduzida);
E) Na decisão referida em D) determinou-se que o condenado cumpriria o remanescente da pena em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, situação na qual já se encontrava, enquanto medida de coacção e em substituição da prisão preventiva, desde 19 de Dezembro de 2008;
F) Na sequência da decisão proferida em E) foi elaborado relatório final, constante de fls. 71-73 e cujo teor se dá reproduzido.
*
A matéria acabada reproduzir resulta do teor dos documentos de suporte a que se fez referência, com inserção nos autos nas páginas referidas nos factos assentes.
***


5. O recorrente sustenta que a decisão impugnada deve ser substituída por uma outra que não revogue a liberdade condicional e determine o Arquivamento do Processo; ou, subsidiariamente, que seja determinado ao IRS que elabore o Relatório actualizado sobre a situação do recorrente
Sobre a revogação da suspensão da execução (aplicável á revogação da liberdade condicional, por remissão do art. 64º do C.P.), postula o art. 56º do C. Penal:
1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostas ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base as suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Entre as condições da suspensão de execução da pena avulta, naturalmente, a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período da suspensão, uma vez que a finalidade precípua desta pena de substituição é, precisamente, a de «afastar o delinquente da criminalidade» (art. 48º, 2).
Daí que, como observa Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, p. 355, § 542) “o cometimento de um crime durante o período da suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe”.
No caso dos autos, como se viu, o recorrente praticou, precisamente, um novo crime doloso durante o período de liberdade condicional - crime de roubo, com violência física contra as pessoas, pelo qual foi, aliás condenado em pena de prisão.
É assim manifesto que a concessão da liberdade condicional não cumpriu a finalidade primacial – integração do recorrido nos parâmetros da convivência em comunidade, em respeito pelos direitos dos restantes cidadãos da comunidade.

O argumento de que, após a prática do novo crime – o crime de roubo cuja prática determinou a prolação da decisão recorrida - não voltou a delinquir subverte a realidade.
Com efeito, a referência a ter em conta para a revogação da liberdade condicional é constituída pela possível causa dessa revogação e os factos ocorridos a partir da decisão que a concedeu.
E não subsiste dúvida possível sobre que a condição da revogação se mostra efectivamente consumada, por efeito de actuação subsequente, dolosa, do recorrente – a prática de um crime de roubo. O que evidencia que a finalidade primacial da concessão da liberdade condicional não foi alcançada.
É ainda insubsistente o argumento de que após o cometimento do crime de roubo não cometeu novos crimes. Pois que após a prática desse crime, esteve em regime prisão preventiva e depois em cumprimento de pena, com permanência em habitação, como tal privado da liberdade, materialmente impossibilitado de determinar a sua vontade livremente.

Certo é que o recorrente, depois de ter sido submetido a medida cautelar de prisão preventiva á ordem do processo onde foi julgado pelo novo crime, na decisão final, acabou o tribunal por determinar o cumprimento do remanescente da pena ali aplicada em prisão domiciliária, com VE.
Mas, no caso, nem o recorrente pretende ver aplicado tal regime de cumprimento do remanescente da pena, não constituindo, portanto, objecto do recurso. E repare-se que a execução da prisão em regime de permanência em habitação depende do consentimento do condenado – “Se o condenado consentir”, nos termos do art. 44º, n.º1 do C. Penal.
Com efeito o que o recorrente pretende é pura e simplesmente o arquivamento dos autos. Mas o arquivamento dos autos constituiria não só um prémio não merecido como, pelo contrário, é afastado claramente pela prática de crime doloso contra as pessoas durante o período da liberdade condicional que tem como pressuposto básico elementar a abstenção da prática de novos crimes.
Impõe-se assim a improcedência do recurso.

Carece ainda de fundamento a pretensão formulada subsidiariamente pelo recorrente, não só porque foi elaborado oportunamente o relatório final constante de fls. 71-73 do qual constam os dados relevantes sobre a socialização do recorrente, como ainda porque não é identifica qualquer diligência relevante que pudesse ser suprida por novo relatório.

***

6. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso. ---
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC

Belmiro Andrade (Relator)
Abílio Ramalho