Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
332/10.0 GCPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
CONFISSÃO
TAXA DE ALCOOLÉMIA
EXAME SANGUÍNEO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 151º E 344.º CPP, 153º DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: 1 – Sendo a taxa de alcoolémia determinável pelo alcoolímetro ou por meio de análise ao sangue, a confissão do arguido, feita na audiência de julgamento, não pode abranger tal taxa, pois falta-lhe, para o efeito, razão de ciência.

2- Não é organicamente inconstitucional a norma do artigo 153.º, n.º 8, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.

Decisão Texto Integral: I – Relatório.       

1.1. O arguido RP..., já mais devidamente identificado, depois de submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum singular, e porquanto acusado pelo Ministério Público da prática de factualidade indiciadora do cometimento, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, acabou condenado por tal autoria na pena principal de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), bem como, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 18 (dezoito) meses.

1.2. Inconformado com a decisão referida, dela recorre o arguido o qual rematou a motivação do requerimento de interposição respectivo, com a formulação das seguintes conclusões:

1.2.1. O Tribunal a quo validou a recolha de sangue e subsequente relatório pericial da mesma, a qual foi obtida ilegalmente.

1.2.2 É proibida e consequentemente nula a recolha de sangue efectuada ao arguido no Hospital de Pombal, para efeitos de determinação da taxa de álcool no sangue do arguido.

1.2.3. O arguido sabia que quem intervém num acidente de viação é sujeito a exame para pesquisa de álcool, a que ele foi sujeito.

1.2.4. Pelas regras da experiência comum seria muito improvável que o arguido soubesse que lhe havia sido efectuada a dita recolha de sangue para efeitos de determinação da taxa de álcool.

1.2.5. Da prova produzida resultou que não se verificou qualquer impossibilidade de o arguido ser sujeito ao exame de pesquisa do álcool no ar expirado, o que lhe foi feito no Hospital.

1.2.6. Não se pode afirmar que o arguido se conformou com a recolha ou a tenha permitido tacitamente, porque nem sabia que lhe tinha sido colhido sangue.

1.2.7. O arguido não tinha perante si toda a informação para poder concluir que estava a ser realizada uma recolha de sangue apenas e exclusivamente para fins de detecção do teor de álcool no sangue.

1.2.8. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa à integridade ou moral da pessoa.

1.2.9. Em direito processual apenas são admissíveis as provas que não sejam proibidas por lei (artigo 125.º, do Código de Processo Penal).

1.2.10. Os métodos proibidos de prova estão previstos no artigo 126.º do mesmo diploma.

1.2.11. A recolha de sangue para exame como procedimento de prova, implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa.

1.2.12. A recolha de sangue para efeitos de determinação da taxa de álcool, não tem objectivo terapêutico, razão pela qual tem que ser consentida pelo arguido, e se assim não for, a recolha é proibida, e consequentemente é nula a prova obtida e a sua valoração para condenação de um arguido é inconstitucional.

1.2.13. O exame de álcool através de colheita de sangue encontra fundamentação legal nos artigos 152.º, 153.º e 156.º, todos do Código da Estrada.

1.2.14. Daqueles normativos resulta que aparentemente, nada obsta à recolha de sangue para efeitos de determinação do grau de alcoolemia.

1.2.15. Porém, foi recentemente sufragado em Acórdão da Relação do Porto, publicado no site www.dgsi.pt que “ I – Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia do condutor, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP. II – A colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152.º, n.º 3; 153.º, n.º 8 e 156.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro – sendo este último preceito já desde a redacção dada pelo DL 265-A/2001, de 28 de Setembro – sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.”

1.2.16. Portanto, a inconstitucionalidade a que se refere o acórdão supra referido advém do facto das normas aí indicadas, mostrando-se inovadoras, ao não possibilitarem ao condutor a recusa, provirem de órgão sem competência constitucional para produzir tal normatividade.

1.2.17. A diferença relevante para efeitos constitucionais (ou de inconstitucionalidade) decorre do facto de a citada alteração legislativa deixar de prever a possibilidade do condutor recusar a colheita de amostra de sangue para a realização de exame para apurar a taxa de álcool.

1.2.18. O mencionado Acórdão incidia sobre a seguinte situação: recolha de amostra de sangue para análise, a condutor sinistrado, transportado a estabelecimento de saúde, ao qual foi diagnosticado a impossibilidade de realizar teste de álcool por ar expirado, o qual se encontrava consciente, mas que não foi informado da colheita, nem lhe foi solicitado qualquer consentimento para a sua recolha.

1.2.19. Concluiu tal aresto que a retirada do direito de o arguido poder recusar a colheita de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica e desse modo, o arguido podia ter recusado expressamente essa colheita, sem que praticasse qualquer crime de desobediência.

1.2.20. Considerou ainda que, para que o arguido pudesse recusar a colheita de sangue ou para se entender que o mesmo consentiu em tal recolha, o arguido tinha que saber, estar informado do fim a que se destinava tal colheita.

1.2.21. Tanto mais que é normal experiência e prática hospitalar, que em situações de internamento em consequência de acidentes, retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico.

1.2.22. Acrescentou ainda que qualquer condutor ao ser submetido ao teste de pesquisa de álcool por ar expirado sabe perfeitamente a que se destina tal exame, o mesmo não se pode dizer quando se está internado num hospital e é feita uma colheita de sangue ao sinistrado. O sinistrado é um doente e é nessa qualidade que se deve presumir qualquer consentimento seu, ainda que tácito, quanto aos actos médicos.

1.2.23. E, como tal, tratando-se de um acto que viola a integridade física e tem como objectivo uma eventual incriminação do sinistrado, entenderam que o doente tem que estar devidamente esclarecido do fim a que se destina a recolha de sangue.

1.2.24. O arguido insurge-se ainda contra a decisão proferida da matéria de facto provada e na insuficiência para a decisão para a matéria de facto provada, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

1.2.25. Era importante que o Tribunal a quo tivesse dado como provado ou não provado que o arguido havia sido informado da finalidade da recolha de sangue.

1.2.26. O Tribunal a quo para determinar a taxa de álcool no sangue do arguido baseou-se no exame pericial de fls. 20, sendo certo que a julgar-se procedente a alegada invalidade da prova de recolha de sangue, sobrevirá a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

1.2.27. Sem a admissão e validação da recolha de sangue, não se poderiam dar como provados factos que serviram de base e fundamentação à condenação do ora recorrente.

1.2.28. Atenta a nulidade invocada, jamais se poderia dar como provado que o arguido apresentava a taxa de álcool no sangue de 2,26 gr/l.

1.2.29. Também não podia dar-se como provado que no momento do acidente viação/despiste, o arguido apresentava a mencionada taxa de álcool, uma vez que no local do acidente não foi realizado qualquer teste de álcool ao arguido, o que pode verificar-se no depoimento auto de notícia fls. 19.

1.2.30. Os factos provados a que se referem os pontos 2., 3. e 4. da sentença recorrida resultaram provados apenas pelas regras da experiência comum, da qual se socorreu o Tribunal, inexistindo qualquer outro elemento de prova que confirme que o arguido conduzia de forma imprudente, desatenta e descuidada, não estando em condições de conduzir por ter ingerido bebidas alcoólicas, razão pela qual devem tais factos ser dados como não provados.

1.2.31. Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de sangue ao arguido, que estava consciente, sem que lhe tivesse sido dado conhecimento e sem a sua autorização, o Tribunal violou igualmente o princípio da presunção de inocência e do contraditório e o princípio in dúbio pro reo.

1.2.32. A invalidade da prova de recolha de sangue a ser considerada, iria suscitar dúvidas sérias sobre a prática do crime em causa pelo arguido, desde logo porque nenhuma outra a confirma, porém, o tribunal a quo não lhe atribuiu qualquer relevância.

1.2.33. Impunha-se ao Tribunal a quo a aplicação ao caso presente do mencionado princípio in dúbio pro reo.

Terminou pedindo que seja declarada a nulidade da sentença prolatada pois que assente em prova ilegal e, em tal decorrência, alterando-se o acervo fáctico nos termos invocados, se determine a absolvição do arguido pela prática dos factos de que vinha acusado e por cuja autoria acabou condenado.

1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, seguiu-se resposta do Ministério Público pugnando pela manutenção do decidido e, logo, pelo improvimento do recurso.

1.4. Proferido despacho admitindo-o, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, com vista respectiva, nos termos do artigo 416.º, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntica manutenção do veredicto da 1.ª instância.

Dado acatamento ao estatuído no n.º 2 do subsequente artigo 417.º, o arguido não respondeu.

1.6. Por sua vez, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se não ocorrerem pressupostos determinantes à apreciação sumária do recurso, além de nada obstar ao seu conhecimento de meritis.

Daí que fosse ordenado o respectivo prosseguimento, com recolha de vistos e submissão à presente conferência.

Urge, pois, ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. A decisão recorrida teve por provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 12 de Junho de 2010, em hora não concretamente apurada, mas anterior às 03h15, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula … na E. M. 1038-2, em Pombal, no sentido Carnide-Pombal, quando foi interveniente num acidente de viação/despiste.

2. Submetido a exame toxicológico ao sangue (Kit n.º 16280), acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,26 g/l.

3. O arguido ingerira voluntariamente bebidas alcoólicas, as quais foram causa necessária daquela taxa de álcool no sangue, bem sabendo que as mesmas eram susceptíveis de o colocar no estado em que foi encontrado e tendo consciência que não podia conduzir na via pública após aquela ingestão.

4. Agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente de que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.

5. O arguido confessou os factos de forma integral e sem reservas.

6. O arguido é madeireiro, auferindo de vencimento a quantia mensal de € 500,00.

7. Vive numa casa arrendada, com uma companheira e um filho com um mês.

8. Pela renda de casa o arguido paga a quantia mensal de € 270,00.

9. A companheira do arguido não trabalha.

10. O arguido é proprietário de um veículo marca Opel, modelo Corsa, com 15 anos de idade.

11. De escolaridade o arguido tem a 4.ª classe.

12. O arguido foi condenado, por sentença de 28.10.2002, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e em 4 meses de inibição de conduzir; por factos praticados em 29.08.2003, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena que não consta do CRC; por sentença de 02.03.2009, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 8 meses.

2.2. Já no que concerne a factos não provados, precisou-se na peça aludida que:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

2.3. Por último, tem o teor seguinte a motivação probatória constante da decisão em causa:

O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base no relatório de fls. 20 e com base na confissão do arguido dos factos de que vinha acusado.

Quanto à situação económica e familiar do arguido consideraram-se as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.

No que se refere aos antecedentes criminais, foi considerado o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 65 e seguintes.


*

III – Fundamentação de Direito.

3.1. Como é consabido, o âmbito dos recursos define-se através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação[1], mas isto sem prejuízo do conhecimento, inclusive oficioso, dos vícios e nulidades previstos (as) nos n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma adjectivo[2].

In casu, não emerge dos autos qualquer fundamento acarretando esta intervenção oficiosa.

Donde que o thema decidendum, a fixar-se únicamente em função das conclusões do recorrente, consista em verificarmos se foi incorrectamente julgado o ponto de facto que controverte [rectius, se procedia à condução aludida sob o efeito de uma TAS correspondente a 2,26 g/l] e, na sua decorrência, não se mostrar preenchido um dos elementos constitutivos do tipo pelo qual vem condenado.

3.2. Préviamente à dilucidação da questão colocada pelo arguido, pensamos ser curial a menção a um outro aspecto que a situação sub judice igualmente convoca. Reportamo-nos, concretamente, ao efectivo valor que em situações similares deve atribuir-se à confissão do arguido que, relembra-se, também foi considerado como um dos meios de prova que fundamentou a convicção probatória do Tribunal a quo.

3.2.1. Embora concedendo a controvérsia, afigura-se-nos que neste caso a confissão não poderá assumir o valor da prova pleníssima que usualmente lhe é concedido, ou melhor, atentando-se ao regime do artigo 344.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, neste caso tal confissão [integral e sem reservas], não tem a virtualidade de abranger a TAS indicada no talão do alcoolímetro[3].

Isto porquanto:

Nos termos do disposto no artigo 140.º, n.º 2, do mesmo diploma, “Às declarações do arguido é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 128.º e 138.º, salvo quando a lei dispuser de forma diferente”, consignando-se no n.º 1, do artigo 128.º que “A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova.”

Como se realça no Acórdão da Relação do Porto, de 26 de Novembro de 2008, in processo n.º 0812537, da conjugação destes dois normativos ressalta que, quer as declarações do arguido, quer o depoimento das testemunhas, só assumem relevância em relação aos factos que sejam do conhecimento daquele que os relata, sendo que outro entendimento é susceptível de conduzir a que a verdade material, cuja descoberta o processo penal visa alcançar, pudesse ser alicerçada na confissão de factos não verdadeiros ou cuja veracidade o arguido não tivesse capacidade para afirmar por ultrapassarem aquilo que é capaz de apreender.
Em consequência, “os limites da capacidade cognitiva individual serão também os limites daquilo que, de forma juridicamente relevante, pode ser declarado ou deposto – e, portanto, também confessado.
A contrario, tudo o que esteja para além desses limites ou constitui declaração ou depoimento irrelevante, não podendo valer mais do que uma mera opinião, ou constitui raciocínio lógico-dedutivo que, se pertinente, o tribunal também terá de fazer e de forma autónoma.”

Em outras palavras: apenas se pode confessar o que, efectivamente, é susceptível de ser confessado. O arguido pode confessar que ingeriu vários copos de vinho ou outras bebidas alcoólicas, que estava convencido de que, se fiscalizado, acusaria uma taxa muito superior ao legalmente permitido e que tendo feito o teste do álcool acusou uma taxa de x g/l de álcool no sangue. Mas já não parece que possa confessar que conduzia com uma determinada taxa de álcool no sangue, pois falta-lhe, para o efeito, razão de ciência.

A prova da concreta taxa de álcool no sangue, nos termos legais, só pode ser feita através de teste no ar expirado ou por meio de análise ao sangue, pelo que não se vislumbra que possa ser provada por meio de confissão ou por depoimento.
Do que se extrai que o arguido pode ter efectivamente conhecimento (porque compreendidos tais factos nos limites da sua capacidade cognitiva) de que estava a conduzir um veículo automóvel na via pública, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidades que lhe podiam determinar uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, e bem assim que a taxa de alcoolemia no sangue, registada no teste de detecção e quantificação de álcool no sangue, por meio de analisador quantitativo, era de 2,26 g/l.

Contudo, a circunstância de o alcoolímetro indicar uma certa TAS não significa que quem foi submetido ao teste necessariamente seja portador dessa exacta TAS e, novamente prosseguindo na esteira do citado Acórdão de 26 de Novembro de 2008, “ultrapassando obviamente as capacidades cognitivas do arguido, como de qualquer ser humano, a determinação da concreta TAS de que era portador – resultado que só é alcançável, pelo menos com o rigor exigível, através de exame realizado mediante a utilização de aparelho próprio para o efeito – não podia ele validamente confessar um facto que não podia conhecer.”

Este entendimento não põe em causa a prova resultante do instrumento de medição, designadamente a fé sobre os factos presenciados que o artigo 170.º do Código da Estrada reconhece ao auto de notícia e “aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.”

Relativamente a uma das formas de determinação da TAS, qual seja a de pesquisa no ar expirado, a fazer necessariamente através de utilização de aparelho próprio para o efeito, tem-se inclusive igualmente debatido se o analisador quantitativo visa obter prova documental, uma vez que o resultado consubstancia uma “notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal” – artigos 164.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; 255.º, alínea b), e 258.º, ambos do Código Penal, – e não prova pericial porque, para este efeito, não tem lugar uma percepção ou apreciação de factos que exijam “especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” – artigo 151.º do Código de Processo Penal[4] –.

Diversamente, há quem sustente que os “métodos alcoolímetros consistem em actos de prova pré-constituída, de carácter pericial”[5].

O aresto citado de 20 de Janeiro de 2010, invoca ainda direito comparado, mencionando que, em Espanha, relativamente à prova da taxa de álcool por alcoolímetro/etilómetro a questão tem sido de há muito suscitada, ora sendo entendida como prova secundária em relação à prova testemunhal que era prestada pelos agentes autuantes (sobretudo quando o tipo legal de crime não estipulava uma taxa concreta, como já acima se assinalou), ora definida como prova pericial pré-constituída lato sensu[6].

Em todo o caso, e concluindo, certo é que terá de ser sempre no respeito dos próprios limites dos equipamentos em causa – legalmente previstos – que a prova haverá de ser apreciada.

3.2.2. Como de seguida referiremos, esta é contudo questão que não abala a solução dada à presente causa.

Obtempera o arguido que a recolha de sangue a que foi submetido para prova do grau de alcoolemia se traduziria em prova proibida, isto atenta a inconstitucionalidade orgânica do normativo com base no qual a ela se procedeu: art.º 153.º, n.º 8, do Código da Estrada.

A tese sufragada pelo recorrente teve já arrimo, inclusive no Tribunal Constitucional, mormente no seu aresto n.º 275/2009 que, efectivamente, julgou organicamente inconstitucional a norma extraída da conjugação do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e dos artigos 152.º, n.º 3, e 153.º, n.º 8, ambos do Código da Estrada, de acordo com a redacção fixada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.

Fundamentação aduzida então a de que o mencionado n.º 8 do artigo 153.º, violava o artigo 165.º, n.º 1, alínea c) da Constituição, por tal alteração ter sido efectuada sem a necessária autorização legislativa e ter conteúdo inovador em relação ao regime anterior, na medida em que retirou ao examinando o direito a recusar a colheita de sangue, independentemente do motivo, nos casos em que seja impossível proceder a pesquisa de álcool em ar expirado. Salientou-se que a redacção do n.º 8 do artigo 153.º dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005 alterou o elemento negativo do tipo de crime de desobediência, substituindo a hipótese de o examinando “se recusar” a ser submetido a colheita de sangue para análise (que constava da redacção do preceito anterior a este diploma) pela não submissão a colheita de sangue para análise apenas no caso de “esta não ser possível por razões médicas”. E conclui que esta nova redacção vem agravar a responsabilidade criminal dos condutores, na medida em que passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo.

Sucede, porém, que tal entendimento se mostra entretanto ultrapassado, como nos dá nota, p. ex., o aresto do mesmo Tribunal Constitucional n.º 130/2011, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, a 3 de Março de 2001, escrevendo:

“ (…)

No entanto, esta decisão já não corresponde à orientação jurisprudencial mais recente do Tribunal Constitucional nesta matéria (nem à posição do próprio recorrente Ministério Público que, em casos mais recentes, pendentes neste Tribunal, tem pugnado pela não inconstitucionalidade daquelas normas).

Assim, embora versando normas diversas, decidiu-se nesta 2.ª Secção, no Acórdão n.º 479/2010, não julgar organicamente inconstitucionais as normas dos artigos 152.º, n.º 3, e 156.º, n.º, 2 do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que não admitem a possibilidade da pessoa interveniente em acidente recusar-se a ser submetida a recolha de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool, tipificando tal recusa como um crime de desobediência. Esta decisão foi secundada nos Acórdãos n.ºs 38/2011 e 40/2011.

Pronunciando-se ainda sobre o artigo 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, e embora adoptando fundamentação diversa da que sustentou o Acórdão n.º 479/2010, a 3.ª Secção deste Tribunal decidiu igualmente, no Acórdão n.º 485/2010, não julgar organicamente inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 156.º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, renumerado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro. Os fundamentos deste Acórdão n.º 485/2010 foram seguidos nos Acórdãos n.ºs 487/2010, 15/2011 e 28/2011.

Mais recentemente, a Decisão Sumária n.º 62/2011 (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt), remetendo para a fundamentação do Acórdão n.º 485/2010, decidiu não julgar inconstitucional a norma do n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada.

6. Como já se referiu no Acórdão n.º 479/2010, é certo que a Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto-Lei n.º 44/2005, não contém qualquer autorização ao Governo para legislar em matéria de tipificação penal de determinada conduta ou de regulação de um meio de prova que pode ser utilizado em processo penal, matérias que são da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição).

No entanto, como este Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, a falta da necessária autorização legislativa não determina, só por si, a inconstitucionalidade orgânica das normas, mostrando-se, ainda, necessário que as mesmas introduzam um regime jurídico materialmente diverso daquele que vigorava à data da sua aprovação.

Assim, a questão de constitucionalidade que importa decidir é a de saber se a norma do artigo 153.º, n.º 8, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, é inovadora relativamente à legislação que a antecedeu.

Quer na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, quer nas redacções anteriores do Código da Estrada, a recusa a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool (o que claramente inclui a recolha de sangue para análise), é (e já era) punida como crime de desobediência.

É o que estabelece o já citado artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código da Estrada, na redacção actual, que corresponde à versão do Decreto-Lei n.º 44/2005, sendo certo que o sancionamento penal deste comportamento já tinha sido introduzido, no Código da Estrada, pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro (correspondendo, então, ao seu artigo 158.º, n.º 3), diploma esse emitido no uso da autorização legislativa concedida pelos artigos 1.º a 3.º da Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto, que autorizara o Governo a rever o Código da Estrada, nomeadamente, quanto à «punição como desobediência da recusa, por condutor ou outra pessoa interveniente em acidente de trânsito, em submeter-se aos exames legais para detecção dos estados de influenciado pelo álcool».

Não tendo a decisão recorrida recusado a aplicação da norma do artigo 152.º, n.º 3, e não sendo ela, em consequência, objecto da presente questão de constitucionalidade, a sua aplicabilidade aos casos de exames decorrentes da normal fiscalização rodoviária, bem como a sua legitimação pela referida Lei n.º 97/97, nessa dimensão, não está em apreciação, nos presentes autos. Partindo do pressuposto de que aquela norma (em si mesma e na sua articulação com a lei de autorização) tem, em princípio, eficácia incriminadora das recusas, também em situações como a dos autos, apenas há a ajuizar se, no caso específico dos exames por colheita de sangue, a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005 ao artigo 153.º, n.º 8, trouxe uma inovação legislativa que, por confronto com o correspondente n.º 7 do artigo 159.º (na redacção do Decreto-Lei n.º 265-A/2001), deve ser interpretada como a retirada de um direito de recusa cujo exercício implicava (anteriormente à redacção actual) a não punição por crime de desobediência.

O n.º 8 do artigo 153.º, na parte agora relevante, estabelece que deve ser realizado exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool quando a colheita de sangue para análise “não for possível por razões médicas”, enquanto que na anterior versão da norma (dada pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro), se previa a realização do exame médico no caso de o examinando “se recusar” a ser submetido a colheita de sangue para análise.

Mas a identificada modificação da redacção da norma do n.º 8 do artigo 153.º – traduzida na supressão de uma referência expressa à “recusa” do examinando – não significa que se tenham alterado as consequências jurídicas associadas à recusa em ser submetido à referida colheita de sangue.

A previsão de uma recusa de colheita de sangue, na norma reguladora dos procedimentos de fiscalização vigente anteriormente à promulgação do Decreto-Lei n.º 44/2005, não tinha, na verdade, projecção limitativa da eficácia incriminadora da (única) norma que, a partir do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, estabeleceu, no Código da Estrada, sanção penal para aquele comportamento: o artigo 158.º, n.º 3 (actualmente, 152.º, n.º 3). Não pode, assim, dizer-se, como se lê na decisão recorrida, que o n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada « (…) passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo», pela simples (mas decisiva) razão de que tal punição já estava anteriormente consagrada, por normação legislativamente autorizada.

Que assim é, demonstrou-o concludentemente a aturada análise da evolução legislativa, neste domínio, levada a cabo pelo Acórdão n.º 479/2010.

Transcrevemos, desse Acórdão, o passo mais relevante, para este efeito:

«Note-se que, anteriormente à alteração do Código da Estrada introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a recusa à submissão a qualquer exame para detecção de possíveis intoxicações por parte de condutores e demais utentes da via pública, estes últimos apenas quando tivessem sido intervenientes num acidente de trânsito, era tipificada e punida como um crime específico.

Na verdade, apesar da versão originária do actual Código da Estrada (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 03 de Maio) não estabelecer quaisquer sanções – penais ou de outra natureza – para os indivíduos que recusassem a realização dos referidos exames, limitando-se, por força do artigo 159.º, a remeter o procedimento de fiscalização para legislação especial, vigorava ainda o disposto no Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, que fixava o regime jurídico aplicável à condução sob efeito de álcool, bem como o respectivo Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14 de Maio. Estes diplomas não haviam sido alvo de revogação pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 03 de Maio, uma vez que o seu artigo 7.º determinava a manutenção em vigor de todos os regimes jurídicos especiais até que entrassem em vigor as normas regulamentares necessárias à aplicação do novo Código da Estrada. Depois de prever o dever legal de sujeição a exames para efeitos de fiscalização da condução sob o efeito de álcool (artigos 6.º, 8.º e 9.º), o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril de 1990, determinava o seguinte:


“Artigo 12º

Recusa a exames


1 – Todo o condutor que, ou pessoa que contribua para acidente de viação, que se recusar a exame de pesquisa de álcool será punido com pena de prisão até um ano ou multa até 200 dias.”

E o artigo 8.º, do mesmo diploma, que regulava a realização de exames nos casos de acidente dispunha:


“Artigo 8.º

Exames em caso de acidente


1 - Os condutores e quaisquer pessoas que contribuam para acidentes de viação serão submetidos, sempre que o seu estado de saúde o permita, ao exame de pesquisa no ar expirado, observando-se, na parte aplicável, o disposto no artigo 6.º

2 - Caso não seja possível a realização do teste no local, deverá o médico da instituição hospitalar a que os intervenientes tiverem sido conduzidos providenciar no sentido da submissão dos mesmos aos exames que entender necessários para diagnosticar o seu estado de influenciados pelo álcool.”

O referido Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, foi precedido da necessária autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 31/89, de 23 de Agosto, que, nos termos da alínea a), do artigo 2.º, previa expressamente a possibilidade de o Governo criar tipos incriminadores relativamente à recusa de realização de exames para detecção de álcool no sangue. Tal regime vigorou até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, que, através do seu artigo 20.º, n.º 1, revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, optando por concentrar o regime jurídico primário da fiscalização da condução sob o efeito do álcool no próprio Código da Estrada (artigos 158º a 165º).

Assim, a Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto, apenas autorizou o Governo a remeter a punição do comportamento de recusa do condutor ou outra pessoa interveniente em acidente de trânsito, em submeter-se aos exames legais para detecção de estados de influenciado pelo álcool, para o tipo legal genérico do crime de desobediência inscrito no Código Penal, em substituição da anterior solução de tipificação específica dessa conduta como crime, não tendo autorizado, em parte alguma, a despenalização de qualquer destas recusas, designadamente a recusa à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.

A exigência de que a definição dos crimes e penas é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, constante do artigo 165.º, n.º 1, b), da C.R.P., não contempla apenas a criminalização de comportamentos, mas também a sua descriminalização, apenas sendo possível despenalizar uma determinada conduta até aí tipificada como crime, através da aprovação de lei parlamentar, ou lei governamental devidamente autorizada (vide, neste sentido, J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa anotada”, vol. II, pág. 328, da 4.ª ed., da Coimbra Editora).

Encontrando-se tipificada como crime a recusa à realização de qualquer exame para detecção de estados de influenciado pelo álcool, no artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, o qual havia sido precedido da necessária autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 31/89, de 23 de Agosto, conclui-se que o legislador do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, não tinha autorização do parlamento para proceder à despenalização da conduta de recusa de interveniente em acidente de viação à realização de colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.

Daí que, optando-se pela interpretação do disposto no artigo 162.º, n.º 3, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, no sentido de não ser criminalmente punida essa recusa, teríamos também que concluir que nos encontrávamos, mais uma vez, perante normação emitida sem autorização do órgão legislativo competente, pelo que, tal como se considerou, relativamente ao Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 22 de Maio, a mesma não era idónea para avaliar do conteúdo inovatório das normas do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, sendo necessário recuar um pouco mais no percurso legislativo para apurar a última vontade do legislador competente, nesta matéria.

Ora, como vimos, anteriormente à redacção do Código da Estrada, conferida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a punição criminal dos actos de recusa à realização de exames dos intervenientes em acidente de viação estava prevista, como crime específico, no artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril de 1990, não se mostrando afastada essa previsão pela regras que previam a colheita de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool em estabelecimento hospitalar, quando não fosse possível realizar o exame através do método de ar expirado no local do acidente (artigo 8.º).

Estando essa tipificação autorizada pelo legislador parlamentar (artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 31/89, de 23 de Agosto), encontraríamos, finalmente, aqui expressa a última vontade emitida por um legislador devidamente credenciado, anteriormente à emissão do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, caso se perfilhasse a interpretação de que a redacção do Código da Estrada introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, não punia criminalmente a recusa à colheita de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool por interveniente em acidente de viação. E essa vontade, quanto à admissibilidade da recusa à colheita de sangue, era coincidente com a solução contida nas normas sob análise, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, pelo que as mesmas não revelavam um cariz inovatório, relativamente à última pronúncia efectuada por legislador credenciado por autorização parlamentar. É certo que se regista uma alteração do tipo legal de crime onde se encontra previsto o sancionamento penal deste comportamento, mas essa alteração já advém da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, o qual dispunha da necessária autorização parlamentar para esse efeito.

Assim sendo, verifica-se que, independentemente da interpretação infra-constitucional que se prefira, relativamente à solução que resultou da redacção dos artigos 158.º, n.º 3, e 162.º, n.º 3, do Código da Estrada, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a conclusão é precisamente a mesma – o conteúdo do disposto nos artigos 152.º, n.º 3, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, não regista qualquer inovação relativamente à legislação anteriormente vigente, aprovada com a devida autorização do legislador parlamentar.

Deste modo, o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, ao tipificar a recusa da pessoa interveniente em acidente a ser submetida a recolha de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool, como crime de desobediência, apesar de não se encontrar credenciado para legislar sobre esta matéria pelo parlamento, limitou-se a manter a tipificação de tal comportamento, constante da legislação que o antecedeu, a qual dispunha da necessária autorização legislativa, pelo que tal norma não reveste um cariz inovador, não necessitando, por isso de estar coberta por nova autorização parlamentar.»

7. Sendo a norma do artigo 153.º, n.º 8, do CE, o exacto equivalente funcional, para os casos de exames no âmbito da normal fiscalização rodoviária, da norma do artigo 156.º, n.º 2, prevista para os exames em caso de acidente, tudo quanto no Acórdão n.º 479/2010 se diz da última é inteiramente transponível para os presentes autos.

Há, assim, que concluir pela não inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 153.º, n.º 8, do Código da Estrada.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se:

Não julgar organicamente inconstitucional a norma do 153.º, n.º 8, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro;

(…).”

Em igual senda se pronunciou a indicada decisão sumária n.º 62/2011, de 26 de Janeiro, exarando o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha, nomeadamente:

“Concluiu-se, contudo, no citado Acórdão n.º 485/10, pela não inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 156.º, n.º 2, do CE, pelas seguintes razões, abaixo transcritas, que se afiguram perfeitamente transponíveis para o caso dos autos, considerando a substancial convergência normativa de soluções consagradas pelo citado normativo legal e pela norma do artigo 153.º, n.º 8., do CE, como, aliás, sublinhado no mesmo Acórdão:

« (…) Sucede que entrou, entretanto, em vigor a Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o «Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas».

Este diploma visou revogar e substituir o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, que regulamentava o regime jurídico da fiscalização da condução sob a influência do álcool e de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, que então constava do Código da Estrada com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e, desse modo, toma implicitamente como base o novo regime legal que decorre das sucessivas alterações que foram introduzidas pelos diplomas legislativos posteriores, incluindo as resultantes dos Decretos-Lei n.º 265-A/2001 e n.º 44/2005.

Por outro lado, o novo Regulamento refere-se à «análise de sangue» como um dos métodos de detecção e quantificação da taxa de álcool (artigo 1.º, n.º 2), e especifica que há lugar à realização daquele exame médico «[q]uando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste» (artigo 4.º, n.º 1). Além de que assume ainda um carácter interpretativo relativamente às disposições do n.º 8 do artigo 153.º e do n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada, ao estatuir no seu artigo 7.º o seguinte:

«1- Para efeitos do disposto no n.º 8 do artigo 153.º e no n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada, considera-se não ser possível a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue quando, após repetidas tentativas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente.

[…]

Deste modo, o legislador parlamentar esclarece que a impossibilidade de realização do exame de pesquisa de álcool no sangue se afere unicamente em função da impossibilidade médica de proceder à própria colheita de sangue em quantidade suficiente para permitir a sua análise, afastando a hipótese de o exame médico alternativo à colheita de sangue poder vir a ser efectuado com base na simples recusa do examinando, e dando, assim, implícita cobertura ao regime legal que decorre das disposições dos artigos 156.º, n.º 2, e 153.º, n.º 8, na redacção que lhes foi dada, respectivamente, pelos Decretos-Lei n.ºs 265.º-A/2001 e 44/2005), editados pelo Governo sem prévia autorização legislativa.

À norma do artigo 7.º da Lei n.º 18/2007 pode, por conseguinte, atribuir-se um efeito equivalente ao de uma lei interpretativa, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, embora se não possa considerar a retroacção de efeitos à data da entrada em vigor das normas legais interpretadas, em face do princípio da não retroactividade da lei penal, que impede que possam ser qualificadas como crime condutas que, no momento da sua prática, eram tidas como irrelevantes - artigo 29.º, n.º 1, da CRP (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 245).

Cabe ainda notar que o Tribunal Constitucional já considerou que a inconstitucionalidade orgânica não é pertinentemente invocável quando a Assembleia da República, em processo de apreciação parlamentar de decreto-lei, manifesta inequívoca vontade política de manter na ordem jurídica as normas organicamente inconstitucionais que foram submetidas à sua apreciação (acórdão n.º 415/89), ou, de outro modo, quando revela uma vontade positiva através da aprovação de alterações ao diploma ou rejeição de propostas de alteração relativamente às normas cuja inconstitucionalidade orgânica vem questionada (acórdão n.º 786/96).

No caso vertente, não estamos perante um processo legislativo específico de aprovação parlamentar de diplomas emanados do Governo, a que se refere o procedimento do artigo 169.º da Constituição, pelo que não é directamente aplicável a referida jurisprudência constitucional. Mas, no presente contexto, não pode deixar de atribuir-se relevo à circunstância de a Assembleia da República, no uso da competência legislativa geral consagrada no artigo 161.º, alínea c), da Constituição, ter regulado as matérias da fiscalização da condução sob a influência do álcool, que, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do diploma preambular do Código da Estrada, se encontrava atribuído ao Governo.

Verificando-se, por outro lado, que o órgão parlamentar, através da emissão das referidas disposições dos artigos 4.º e 7.º do Regulamento aprovado pela Lei n.º 18/2007, veio consignar um regime jurídico consonante com a solução de direito que resultava já, segundo os critérios gerais da interpretação da lei, da referida disposição do artigo 156.º, n.º 2, do CE, deixa de haver motivo para manter a arguição de inconstitucionalidade orgânica, até porque por efeito da intervenção parlamentar se operou a novação da respectiva fonte.

E uma vez que, na situação vertente, os factos susceptíveis de qualificação jurídico-penal se reportam a 2009, e, por isso, a um momento posterior à entrada em vigor da mencionada Lei, nenhum obstáculo há a que o juízo de não de inconstitucionalidade se torne aplicável ao caso concreto».

É para esta jurisprudência que agora se remete, formulando, com os fundamentos nela explanados, devidamente adaptados, em particular os acima transcritos, idêntico juízo de não inconstitucionalidade reportado agora à norma do artigo 153.º, n.º 8, do CE.

Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) não julgar organicamente inconstitucional a norma do n.º 8 do artigo 153º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro;

(…).”

Assim comprovada a legalidade do meio de prova com base na qual se definiu a TAS de que o recorrente era portador, conclusão óbvia a de que igualmente não ocorre a insuficiência da matéria de facto, cujo vício invocou, bem como se não descortina fundamento conducente e eventual preterição ao princípio do in dúbio pro reo, como também alegou.

Donde a inevitável conclusão da manutenção do acervo fáctico acolhido na decisão recorrida, depois devidamente enquadrado de direito.

Vale por dizer, da subsistência da condenação decretada.


*

IV – Decisão.

São termos em que pelos fundamentos expostos, negamos provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs.

Notifique.


*

Brízida Martins (Relator)
Orlando Gonçalves


[1] Cfr. artigos 412.º, n.º 1 e 403.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.

[2] Cfr. Acórdão do STJ n.º 7/95, em interpretação obrigatória.

[3] Na observação que faremos, acompanharemos de perto o exarado pelo Ex.mo Desembargador Jorge Gonçalves, no âmbito do recurso n.º 24/09.2 GAMAI.P1, do Tribunal da Relação do Porto, com data de 20 de Janeiro de 2010, disponível em www.dgsi.pt/jtrp.

[4] Este o entendimento perfilhado no Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Maio de 2008, no processo n.º 2199/2008-3.ª; também no sentido de que não se trata de prova pericial, Paula Melo, Condução sob influência do álcool – Apreciação dos meios de prova, Maia Jurídica, Revista de Direito, Ano II, n.º 2, Julho/Dezembro de 2004.
[5] Benjamim Rodrigues, Da prova penal, Tomo I, Coimbra 2008, pág. 117.
[6] V.g., o texto Nueva Doctrina Jurisprudencial del Tribunal Supremo y del Tribunal Cosntitucional en Matéria de Prueba en el Processo Penal, Sevilla, 6 y 7 Mayo 2009.