Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1810/05.8TBTNV-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MAIORIDADE
COBRANÇA DE ALIMENTOS
SUB-ROGAÇÃO
REQUERIMENTO EXECUTIVO
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE TORRES NOVAS 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 56º/1 E 592º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Atingida a maioridade, a legitimidade para executar a decisão que lhe atribuiu alimentos enquanto menor cabe ao filho titular do respectivo direito, então já capaz de o exercer.

II. Verificada a inércia do filho maior, poderá o progenitor que suportou encargos, por via do incumprimento do outro, para além do que era devido, promover a cobrança coerciva das prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho comum, dando à execução a sentença que fixou os alimentos.

III. No entanto, porque o título de transmissão é a sub-rogação, há-de o progenitor sub-rogado alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da transmissão do crédito, a fim de permitir ao progenitor executado que, no pleno exercício do contraditório, possa deduzir oposição à execução, aqui podendo impugnar a legitimidade do exequente, sendo-lhe permitido discutir o montante do crédito sub-rogado, mediante a eventual alegação das circunstâncias extintivas, modificativas ou extintivas.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

No Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas,

A... instaurou acção executiva contra B... para cobrança da quantia de € 22 750,54 (vinte e dois mil, setecentos e cinquenta euros e cinquenta e quatro cêntimos), dívida proveniente de prestações alimentares devidas ao filho maior interditado e à filha menor de requerente e requerido, e que haviam sido fixados em sentença homologatória do acordo dos progenitores.

Notificado o executado, veio deduzir oposição à execução, e também à penhora, alegando, para o que aqui releva, que a exequente é parte ilegítima para obter a cobrança coercitiva dos alimentos alegadamente devidos à filha menor do casal, uma vez que à data da instauração da execução já esta tinha atingido a maioridade, o que ocorreu em 6 de Novembro de 2011.

Liminarmente admitida a oposição deduzida, contestou a exequente, alegando, para além do mais, que a execução se destina a obter do executado o pagamento coercivo dos alimentos devidos a ambos os filhos e, concretamente, à filha C... até à maioridade desta, de que a contestante é indubitavelmente a credora, tal como consta da sentença exequenda e foi decidido pelo STJ em arestos que identifica.

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Foi de seguida proferido despacho saneador que, no conhecimento da arguida excepção dilatória da ilegitimidade activa, julgou a mesma procedente e, em consequência, absolveu parcialmente o executado da instância executiva no que respeita à cobrança dos alimentos devidos à filha C..., determinando contudo o prosseguimento dos autos para apuramento do montante abrangido pela referida excepção e demais alegado pelo executado em sede de oposição que fora alvo de impugnação por banda da exequente/oponida.

Inconformada com o decidido logo interpôs recurso a oponida, o qual foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo o qual, ao que resulta dos autos, não foi então conhecido.

Prosseguiram os autos para julgamento e na audiência que então teve lugar acordaram exequente e executado quanto à matéria de facto em discussão, após o que foi proferida sentença que, tendo julgado parcialmente procedente a oposição por força dos pagamentos parciais efectuados pelo executado, determinou o prosseguimento da execução para cobrança da quantia de € 16 640,69 (dezasseis mil, seiscentos e quarenta euros e sessenta e nove cêntimos).

Da sentença proferida interpôs recurso a exequente/oponida, limitado à antes decretada absolvição do executado da instância executiva no que respeita aos alimentos devidos à filha C... por ilegitimidade activa e, tendo apresentado as suas alegações, rematou-as com as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso interposto do Despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo, de 20 de Dezembro de 2012 no segmento em que determinou “(…) parcialmente procedente a excepção de ilegitimidade activa da exequente e, em consequência, absolve parcialmente o executado da instância, no que concretamente respeita à cobrança coerciva dos alimentos devidos a C...”.

B. Com efeito, ao decidir como decidiu, o Tribunal Recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do direito aplicável, maxime dos artigos 26.º, 493.º n.º2 e 494.º, alínea e), todos do Código de Processo Civil.

C. De facto, o progenitor que assegura os encargos inerentes ao exercício do poder paternal do filho menor até à sua maioridade, sem que o progenitor ausente tenha pago as prestações de alimentos a que estava obrigado - conforme sucedeu no caso sub judice - possui legitimidade para exigir o cumprimento das prestações já fixadas em decisão judicial, vencidas e não pagas durante a menoridade daquele.

D. Por outras palavras, as prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da menoridade não deixam de ser relativas à situação do menor pelo simples facto deste ter atingido a maioridade.

E. Neste mesmo sentido vai a Doutrina e Jurisprudência dominantes, chamando-se a atenção para o entendimento decorrente dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/03/2010, do Tribunal da Relação do Porto de 20/04/2009 e do Acórdão do STJ de 25/03/2010 e, bem assim, o que refere Maria Clara Sottomayor a este mesmo propósito.

F. Em suma, a Exequente, ora Recorrente, era – e é - parte legítima na execução que moveu contra o Recorrido a fim de obter o pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas pelo mesmo no decurso da menoridade da sua filha C..., que entretanto atingiu a maioridade”.

Com os aludidos fundamentos pretende a revogação do despacho recorrido, na parte impugnada e sua substituição por outro que, reconheça a legitimidade da recorrente.

                                                       *

Previamente, há que referir que, tendo embora decidido no despacho saneador absolver o executado da instância no que se refere aos alimentos respeitantes à filha C..., que atingira a maioridade, a Mm.ª juíza “a quo” relegou para final o apuramento do montante atingido pela decisão. E em sede de sentença final, partindo da consideração que se tratava de facto cujo ónus de alegação pertencia ao excepcionante, que dele não se desincumbira -isto a despeito da agora apelante ter expressamente reconhecido que da quantia reclamada a título de alimentos, metade respeitava à filha C..., com excepção dos meses subsequentes ao do seu 18.º aniversário (cf. art.º 12.º da contestação)- determinou o prosseguimento da execução “pela quantia de € 16 640,69, acrescida do valor dos correspondentes juros de mora, contados desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento, e das prestações de alimentos devidas a D..., vencidas e vincendas na pendência da presente execução, a liquidar a final”.

Face ao teor da decisão proferida verifica-se que, no que concerne ao montante que se encontrava em dívida tendo por referência Janeiro de 2011, valor reconhecido na decisão dada à execução, e por força da aplicação das normas atinentes à repartição do ónus da prova segundo a interpretação que delas foi feita pela Mm.ª juíza “a quo”, o mesmo não foi afectado pela absolvição parcial da instância antes decretada, cujos efeitos ficaram assim circunscritos às prestações relativas à filha C... que se venceram posteriormente e até à data em que atingiu a maioridade.

Considerando o exposto, e atendendo a que o decaimento da exequente se reporta, quanto ao mais, à procedência da excepção do pagamento (parcial) -ainda que se nos afigure que o montante de € 300,00 entregue pelo executado em Abril de 2011 foi duplamente considerado, por imputação ao valor em dívida tendo por referência Janeiro de 2011 e ainda pela consideração de que se tratava do pagamento da prestação alimentar vencida naquele mês de Abril, aspecto que, por não ter sido impugnado, se encontra fora do âmbito do presente recurso- suscita-se fundadamente a questão do valor da sucumbência. Não obstante, persistindo dúvida, conhecer-se-á do objecto do recurso (cf. n.º 2 do art.º 12.º do RCP).

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Sabido que pelo teor das conclusões se define e delimita o âmbito do recurso, a única questão trazida à apreciação deste Tribunal consiste em saber se à progenitora guardiã assiste legitimidade para, depois do filho menor ter atingido a maioridade, instaurar acção executiva para cobrança coerciva dos alimentos fixados em sentença de regulação do então exercício do poder paternal.

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II. Fundamentação

Não tendo a decisão proferida sobre a matéria de facto sofrido impugnação, e não sendo caso de proceder oficiosamente à sua modificação, são os seguintes os factos a considerar:

1. C... nasceu no dia 6 de Novembro de 1993.

2. D... nasceu no dia 28 de Agosto de 1986.

3. C... e D... são filhos de A... e de B....

4. Por sentença proferida em 29 de Junho de 2005 nos autos de interdição que correm por apenso (apenso B), transitada em julgado, decretou-se a interdição de D... e nomeou-se como seu tutor B..., tendo-se fixado a data do começo da incapacidade do interdito no dia 28 de Agosto de 1986.

5. Por sentença proferida em 28 de Fevereiro de 2011 no âmbito de incidente de remoção de tutor que correu nos mencionados autos de interdição (apenso B), transitada em julgado, foi decidido remover do cargo de tutor B... e nomear, em sua substituição, A... .

6. Por acordo celebrado em 23 de Junho de 2009 nos autos de incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais que corre por apenso (apenso A), homologado por sentença transitada em julgado, A... e de B... fixaram, além do mais, a seguinte cláusula:

“ Cláusula IV. Despesas Médicas, Medicamentosas e Escolares

1.º- As despesas escolares (livros e material escolar), médicas e medicamentosas, nomeadamente consultas médicas, medicamentos e tudo o que é de farmácia, tratamentos dentários, despesas ortopédicas, designadamente talas, serão suportadas por ambos os pais na proporção de metade para cada um.

2.º- Para efeito do disposto no número anterior, caberá àquele que, em concreto, tenha realizado a despesa, apresentar ao outro, no prazo de 30 (trinta) dias, o respectivo comprovativo (factura/recibo), emitido em nome do filho”.

7. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 28 de Abril de 2010 nos autos do incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais que corre por apenso (apenso A) e transitado em julgado, condenou-se B... a pagar, a título de alimentos, para os dois filhos, a quantia mensal e global de €500,00 (quinhentos euros), a entregar a A... até ao dia 8 do mês a que respeitar, actualizada em Janeiro de cada ano em percentagem idêntica ao índice de aumento dos preços do consumidor publicado anualmente pelo INE.

8. Por acordo celebrado em 14 de Janeiro de 2011 nos autos da alteração da regulação das responsabilidades parentais que corre por apenso (apenso C), homologado por sentença transitada em julgado, A... e B... fixaram as seguintes cláusulas:

“Requerente e requerida acordam em alterar a parte fixa da prestação de alimentos fixados a favor de D... e de C..., que doravante se fixará no valor mensal de 150,00 euros atribuído a cada um, o que perfaz o valor global de 300,00 euros.

O requerido reconhece que no mês de Janeiro de 2011 se encontra em dívida o valor global de 18.500,00 euros, relativo às prestações de alimentos a favor de D... e de C... vencidas e não pagas, comprometendo-se a pagar tal quantia até ao final de 2011, o que a requerente aceita ”.

9. No mês de Abril de 2011 B... entregou a A... a quantia de €300,00 (trezentos euros) para pagamento dos alimentos devidos a C... e D....

10. B... depositou, em 28 de Fevereiro de 2012, numa conta bancária titulada por A..., a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros).

11. Nos anos de 2009 a 2011, A... realizou despesas escolares, médicas e medicamentosas com D... no valor global de € 681,37 (seiscentos e oitenta e um euros e trinta e sete cêntimos).

12. A... remeteu a B... os documentos comprovativos da realização de tais despesas escolares, médicas e medicamentosas e solicitou-lhe o pagamento do valor das mesmas, na proporção de metade.

13. B... não entregou a A... qualquer outra quantia, para além das referidas em 9. e 10., para pagamento dos alimentos devidos D....

14) A entrega das quantias identificadas em 9. e 10. foi realizada para pagamento do valor global de € 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos euros).

15. A presente execução deu entrada em juízo em 24.02.2012, tendo a apelante dado à execução a sentença referida em 8. 

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De Direito

Discorrendo sobre a invocada excepção de ilegitimidade e apelando a excertos, que transcreveu, do aresto desta Relação de 12/6/2012,[1] considerou a Mm.ª juíza “a quo” que, sendo credor dos alimentos e titular do respectivo direito o menor, e cessando a sua representação pelo progenitor guardião com a maioridade, tendo a execução sido instaurada já depois da filha C... ter completado os 18 anos, apenas esta poderia vir exercitar o direito e promover a cobrança coerciva dos alimentos em dívida.

Discordou a exequente, destacando-se da argumentação expendida duas razões fundamentais: as prestações vencidas e não pagas no decurso da menoridade não deixam de ser relativas à situação do menor; o progenitor que assegura os encargos inerentes ao exercício do poder paternal do filho menor até à sua maioridade, sem que o progenitor ausente tenha pago as prestações de alimentos a que estava obrigado, é parte legítima para exigir deste o cumprimento das prestações já fixadas em decisão judicial, vencidas e não pagas durante a menoridade daquele.

A questão ora submetida à apreciação deste Tribunal não é inédita e vem merecendo resposta nem sempre coincidente por banda da nossa jurisprudência. Vejamos, pois, qual a solução em nosso entender mais adequada e conforme ao regime legal vigente.

Conforme adverte Remédio Marques[2], de alimentos devidos a menores só pode falar-se, com propriedade, no quadro da sociedade conjugal, quando ocorre a separação de facto, divórcio, separação judicial, anulação ou declaração de nulidade, dos progenitores ou ainda a separação, agora no quadro da união de facto. Em todas e cada uma destas situações, mantendo-se, quanto ao progenitor convivente, o dever de assistência, densificado, no que respeita aos filhos, no art.º 1879.º do Código Civil, o menor tem direito a ser alimentado pelo outro (cf. art.º 1905.º do mesmo diploma legal). Deste modo, e no regime clássico da guarda por um só dos progenitores, como terá ocorrido no caso em apreço, o cônjuge guardião fica com o menor a seu cargo, ficado o outro vinculado a uma obrigação de alimentos.

Apelando ao disposto no art.º 181.º da OTM, pretende a apelante que lhe assiste legitimidade, ainda depois da filha do casal C... ter atingido a maioridade, para obter a cobrança coerciva das prestações alimentares a esta devidas durante a menoridade.

Epigrafado de “Incumprimento”, o preceito em referência dispõe do seguinte modo: “Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumpriu o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao Tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até €249,49 a favor do menor, do requerente ou de ambos”.

Pois bem, conferindo inequivocamente o preceito em referência legitimidade ao progenitor cumpridor para promover incidente de incumprimento, tendo em vista obrigar o remisso a cumprir, não cremos que a disposição legal em referência subsidie a tese da apelante. Com efeito, a referência a “situação do menor” visa antes sublinhar que se encontram abrangidos na previsão do preceito todos os aspectos objecto de regulação, tudo inculcando todavia que tal incidente terá de ser instaurado durante a menoridade do filho -veja-se a possibilidade aqui prevista de alteração do regime antes fixado, o que sugere inequivocamente tratar-se do filho menor, não fazendo sentido promover, por exemplo, o cumprimento coercivo do regime de visitas após o filho ter atingido a maioridade, para mencionar apenas um dos aspectos que aqui se encontram englobados.

Por outro lado, atentando no art.º 186.º da OTM, dele resulta terem legitimidade para requerer a fixação dos alimentos devidos ao menor, ou a alteração dos anteriormente fixados, o seu representante legal, curador, pessoa à guarda de quem se encontre ou director do estabelecimento a que haja sido confiado, daqui decorrendo claramente que credor de alimentos é o menor e que os legitimados para requerer a respectiva fixação ou alteração o fazem em representação daquele. Por assim ser, como cremos que é, não obstante ter ficado convencionado, como usualmente ocorre, que a quantia correspondente à prestação alimentar fixada deveria ser entregue à progenitora aqui exequente/apelante, daqui não decorre que seja esta a credora da prestação, actuando ainda e só em representação da (então) menor sua filha, sem embargo de lhe competir afectar tal quantia à satisfação das necessidades de alimentação, saúde e educação desta.

A propósito do que vem de se dizer, assume plena pertinência a observação de que o progenitor guardião não aufere “jure proprio” tais quantias, isto “a despeito de ser o titular dos poderes-deveres paternais e estar legalmente autorizado a exercê-los, aí onde se inclui o custeamento dos encargos mencionados no art.º 1879.º do Código Civil, já que uma coisa é o custeamento da parte que lhe cabe em relação aos encargos financeiros originados pelo sustento e manutenção do menor, que são a consequência do funcionamento do exercício do poder paternal, coisa diversa são as quantias a cujo pagamento o outro progenitor (devedor de alimentos) se obriga precisamente em atenção à pessoa do menor, cuja guarda não detém (ou só detém alternadamente), as quais devem ser entregues ao outro progenitor para que este as utilize no custeamento das referidas despesas.

A pessoa do titular delas coincide com a pessoa do beneficiário: o menor.

O progenitor (com guarda) age, por isso, em substituição processual, (…) representativa do menor.[3][4]

Sendo este, cremos, o correcto enquadramento da questão, atingida a maioridade, a legitimidade para executar a decisão que lhe atribuiu alimentos enquanto menor cabe ao filho titular do respectivo direito, então já capaz de o exercer[5]. Todavia, não custa aceitar, antes se afigura correcto que, verificada a inércia do filho maior -o que ocorrerá, na maior parte das vezes por ter visto satisfeitas todas as necessidades pelo progenitor guardião ou outros familiares, maxime avós ou irmãos maiores, e ainda por não querer hostilizar o progenitor relapso, demandando-o em juízo- que o progenitor que suportou encargos, por via do incumprimento do outro, para além do que era devido, possa promover a cobrança coerciva das prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho comum, dando à execução a sentença que fixou os alimentos. No entanto, porque o título de transmissão é a sub-rogação (cf. artigos 56.º, n.º 1, 1.ª parte do CPC, na versão em vigor à data da apresentação do requerimento executivo, e 592.º do Código Civil), há-de o progenitor sub-rogado alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da transmissão do crédito, a fim de permitir ao progenitor executado que, no pleno exercício do contraditório, possa deduzir oposição à execução, arguindo a ilegitimidade do exequente, sendo-lhe ainda permitido discutir o montante do crédito sub-rogado, mediante a eventual alegação das circunstâncias extintivas, modificativas ou extintivas[6].

Deste modo, e em conclusão “Quer o filho maior, quer o progenitor convivente, poderão gozar de legitimidade, substantiva e processual, para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho: o filho, como titular do direito a alimentos iure proprio; o progenitor, no caso de invocação de que prestou alimentos para além do que lhe cumpria, por sub-rogação”[7].

Sendo o exposto, cremos, o entendimento correcto, tendo em vista assegurar a sua legitimidade (substantiva e processual), o progenitor adimplente que cumpriu - também - em vez do progenitor remisso, há-de alegar no requerimento executivo os factos constitutivos da transmissão do crédito cuja cobrança coerciva se propõe fazer. Ora, analisado o requerimento executivo aqui em causa, verifica-se ser o mesmo, a este respeito, totalmente omisso, omissão que, em nosso entender, não pode ser suprida com recurso a presunção judiciária, que pressupõe a alegação e prova dos factos dos quais pudesse validamente extrair-se tal conclusão. O que no caso dos autos não se verifica, determinando a improcedência da pretensão recursiva.

*

III Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

                                                       *
Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] Proferido no processo n.º 21-E/1997.C1, sendo seu relator o Ex.mº Sr. Juiz Desembargador Carlos Querido, acessível em www.dgsi.pt
[2] “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores)”, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 329
[3] Remédio Marques, ob. cit., págs. 333/334.
[4] Em sentido algo divergente o aresto do STJ citado pela apelante –ac. de 25/3/2010, proferido no processo n.º 7957/1992.2.2.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.- no qual, contando embora com um voto de vencido, se refere, a dado passo da fundamentação “A ser assim, como se pensa que é, o problema nem será tanto de pura legitimidade processual do exequente face ao título e sua suficiência - legitimidade que se nos afigura concedida pelos arts. 55º-1 e 57º CPC -, desde logo porque, como já referido, o progenitor age como substituto processual do filho na atribuição e fixação da pensão alimentar, mas, antes, um efeito da não coincidência entre o sujeito que detém a titularidade e disponibilidade do direito quanto às prestações vencidas durante a menoridade e o seu beneficiário, como reflexo do conteúdo e exercício do poder paternal e da natureza que, no seu âmbito, assume o direito a alimentos”. Não obstante, também neste aresto não se deixa de fazer apelo à figura da sub-rogação em ordem a legitimar o progenitor guardião face à maioridade do filho.
Igualmente invocando como fundamento último de legitimação da progenitora exequente o instituto da sub-rogação, o pela apelante invocado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/3/2010 (processo n.º 20002-D/1996.L1-8, disponível em www.dgsi.pt), sendo certo que na situação que ali se apreciava a execução havia sido instaurada durante a menoridade do alimentando, “tendo-se o processo arrastado anos a fio sem culpa da exequente”, o que não corresponde ao caso dos autos.
[5] Assim, acórdão TRPorto de 16/1/2014, processo n.º 262/13.3 TBALJ.P1, de que se destaca o seguinte ponto do sumário “I - O filho que foi menor, titular de direito a alimentos jure proprio, tem legitimidade para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a sua menoridade, depois de adquirir com a maioridade a capacidade de exercer por si tal direito, nomeadamente provocando o incidente de incumprimento regulado nos artigos 181º e 189º da Organização Tutelar de Menores”. No mesmo sentido aresto da mesma Relação de 22/3/1999, processo com o n.º convencional 0025637.
[6] Neste preciso sentido, e aqui seguido de perto, Remédio Marques, ob. cit., págs. 347/348.
[7] Na feliz síntese do acórdão do TRPorto de 15/1/2013, proferido no processo n.º 344-A/96.P1, acessível em www.dgsi.pt.