Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
647/13.5PCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: TIR
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
IRREGULARIDADE NA NOTIFICAÇÃO
NULIDADE DO ATO
TERMOS POSTERIORES
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL– SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 113.º, 118.º, 119.º, 120.º, 196.º, 332.º E 333.º, DO CPP
Sumário: I - A legitimação da sentença proferida na ausência da arguida naturalmente pressupõe a regular e correlata notificação e a presumivelmente voluntária opção pessoal de incomparência.

II - A irregularidade procedimental na realização de tal projectada notificação ocasiona incomportabilidade da presunção legal da efectiva existência.

III - Haver-se-á inexoravelmente de concluir pelo comprometimento da validade do próprio acto jurídico e de todos os subsequentes consigo correlacionados, incluindo, obviamente, a realização do julgamento e a enunciada sentença.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – INTRODUÇÃO


1 – Recorreu a arguida A... – pela peça junta a fls. 116/118, cujo conteúdo nesta sede se tem por reproduzido – da sentença documentada a fls. 99/109, produzida na sequência de julgamento na sua ausência, por cujo conteúdo foi condenada à pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), a título punitivo do ajuizado cometimento dum crime de burla simples, (p. e p. pelo art.º 217.º/1 do Código Penal), alegando a omissão da sua regular notificação para julgamento no endereço indicado no Termo de Identidade e Residência (TIR) de fls. 66, a emergente privação do seu direito de defesa e a decorrente inquinação processual a partir de tal fase pelo vício de nulidade insanável prevenido sob o art.º 119.º/c) do Código de Processo Penal (CPP), por cujo reconhecimento propugna, com as legais consequências.

2 – O Ministério Público pronunciou-se – em 1.ª instância e nesta Relação – pelo acerto jurídico da essencialidade de tal argumentário e pretensão anulatória do sinalizado processado, (vide peças processuais – de resposta e parecer – de fls. 252/262 e 269 e v.º, cujos dizeres nesta sede se têm identicamente por transcritos).


II – AVALIAÇÃO


Independentemente da inverdadeira afirmação recursiva da oportuna informação pela própria arguida e sequente inscrição no referido TIR de fls. 66 do preciso código postal correspondente à área da sua residência – posto aí constar o n.º «2410-155», ao invés do que incompreensivelmente vem sustentado na peça recursiva, e nela assumidamente como correcto, de «2410-365» –, certo é que a sua notificação do despacho de fls. 71/72, máxime designativo de datas para o seu julgamento, e informativa dos associados direitos e deveres jurídico-processuais (mormente da obrigatoriedade de comparência a julgamento estabelecida sob o art.º 332.º/1 do CPP) foi expedida por via postal simples não para o preciso endereço inscrito no dito TIR de fls. 66 – Rua da Quinta, Lote 10, n.º 2, 1.º Esq.º, 2410-155 Leiria –, com referência ao código postal aí consignado, «2410-155», como postulado pelas disposições normativas ínsitas sob os arts. 196.º/2/3/c) e 113.º/1/c) do CPP, mas antes para distinto, inexistente, caracterizado por diferente código postal: Rua da Quinta, Lote 10, n.º 2, 1.º Esq.º, 2410-845 Leiria, (cfr. fls. 74/75, 80 e 84/85).

Por conseguinte, em função da concernente irregularidade procedimental – assim legalmente caracterizada pelo dispositivo normativo ínsito sob o art.º 118.º/1/2 do CPP, por confronto com os dos 119.º/120.º – e da emergente incomportabilidade da presunção legal da efectiva realização de tal projectada notificação – estabelecida sob o art.º 113.º/3 do CPP –, e, logo, da respectiva inexistência, haver-se-á inexoravelmente de concluir pelo comprometimento da validade do próprio acto jurídico e de todos os subsequentes consigo correlacionados, incluindo, obviamente, a realização do julgamento (documentado nas actas de fls. 92/94 e 110) – e a enunciada produção sentencial –, cuja legitimação na ausência da arguida naturalmente pressuporia a sua regular e correlata notificação e a presumivelmente voluntária opção pessoal de incomparência, [cfr. arts. 196.º/3/d) e 333.º/1/2 do CPP], sem o que efectiva e especificamente se maculou pelo sinalizado/convocado vício de nulidade insanável firmado sob o citado dispositivo 119.º/c) do CPP, por referência ao comando de impositiva (obrigatória) presença estabelecido pelo art.º 332.º/1 do mesmo compêndio legal[1].


III – DISPOSITIVO


Destarte, delibera-se:

– A invalidação de todo o processado subsequente à prolação do despacho judicial documentado a fls. 71/72, no concernente à correspectiva notificação da arguida e à realização do julgamento – e evidentemente à produção da referida sentença de fls. 99/109 –, e a determinação da respeitante reparação, tendo por referência o correcto endereço da residência da id.ª cidadã-arguida, a por si informar em novo TIR.


***

Sem tributação.

***

Coimbra, 15/06/2016.

           

 (Abílio Ramalho, relator)[2]

           

(Luís Ramos, adjunto)


[1] Artigo 119.º (Nulidades insanáveis)
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
[…]
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
[…]
*
Artigo 332.º (Presença do arguido)
1 – É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334.º.
[…]
[2] Elaborei e revi o presente aresto, (cfr. art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).