Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
947/11.9TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: DESPEDIMENTO
DECLARAÇÃO
EMPREGADOR
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
Data do Acordão: 10/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 111º E 351º, AL. L) DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: A declaração do empregador a fazer cessar o contrato de trabalho durante o período experimental, ainda que invoque como motivos da decisão uma justa causa disciplinar, não pode ser qualificada como despedimento, para efeitos da verificação da sua (i)licitude, mas antes como denúncia no período experimental.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção de impugnação de despedimento, sob a forma de processo especial, apresentando formulário previsto no art. 98º-D do Código de Processo do Trabalho, onde declara opor-se ao despedimento promovido pela ré, em 08-08-2011, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

A ré veio apresentar articulado, pedindo a improcedência da acção, alegando que a autora foi admitida ao seu serviço com data de 04.05.2011 e despedida por carta de 08.08.2011, recebida a 09.08.2011, sendo certo que esta faltou justificadamente ao trabalho de 25.07.2011 a 05.08.2011, pelo que o contrato cessou no âmbito do período experimental.

A autora contestou, sustentando que a falta de junção do procedimento disciplinar em acção de impugnação de despedimento integra um vício de conhecimento oficioso, causante da declaração imediata da ilicitude do despedimento. Alegou ainda que foi admitida ao serviço da requerida no dia 26 de Abril de 2011. Formulou pedido reconvencional, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.514,24 (€ 2.095,25 a título de indemnização por antiguidade; € 419,04 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, referente ao trabalho prestado em 2011 e € 1.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais) e, que seja condenada a pagar a quantia correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde 08 de Agosto de 2011 até à data do trânsito em julgado da sentença, no valor mensal líquido de € 503,60.

A ré apresentou articulado de resposta ao pedido reconvencional, mantendo a sua posição e referindo ainda que a retribuição mensal acordada era de € 485,00 ilíquidos e que procedia ao depósito de € 503,60, porquanto, com o acordo da autora, pagava o subsídio de férias e de Natal em duodécimos.

 

Prosseguindo o processo os seus termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo a ré do pedido de declaração da ilicitude do despedimento, mas condenando-se a mesma a pagar à autora a quantia de € 308,35, a título de créditos salariais.

É desta decisão que, inconformada, a autora veio apelar.

Alegando, concluiu:

[…]

A ré apresentou contra-alegações ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, também pela improcedência da apelação.

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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto                 
Da decisão sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
[…]
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2. De direito
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma: saber se tendo a empregadora comunicado à trabalhadora que prescindia dos seus serviços “de acordo com o estipulado pelo art. 351º al. 1 do Código do Trabalho” e tendo a segunda apresentado a oposição ao despedimento, nos termos previstos nos arts. 98º-B e segs do CPT, e não tendo a primeira junto o procedimento disciplinar, devia o tribunal a quo ter declarado de imediato a ilicitude do despedimento e condenado a entidade empregadora no pagamento da indemnização prevista na alínea a) do nº 3 do art. 98º-J, uma vez que a mesma já tinha declarado opor-se à reintegração, para além de ter condenado a empregadora no pagamento das retribuições que a trabalhadora deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado (al. b) do nº 3 do art. 98º-J) e os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, que peticionou.

Vejamos:
Na sentença recorrida, considerou-se que a declaração da ré empregadora de cessação do contrato ocorreu durante o período experimental, pelo que poderia ter tido livremente lugar, não sendo caso de despedimento ilícito.
A conclusão de que o contrato cessou no período experimental não está posta em causa no recurso, sendo certo ainda que analisada a fundamentação da sentença não podemos deixar de estar de acordo com a mesma.
Mas, perante a invocação pela ré dessa circunstância, após o articulado da mesma o tribunal a quo, verificando que não foi junto qualquer procedimento disciplinar, decidiu relegar para o final a apreciação sobre aplicação do cominatório previsto no n.º 3 do art. 98.º-J do Código de Processo do Trabalho. Na sentença, o tribunal decidiu não o aplicar porque, apreciando a causa da cessação, verificou que não se tratava afinal de despedimento, mas antes denúncia válida do contrato no período experimental, sendo apenas o despedimento o pressuposto para a aplicação daquela cominação. 

A apelante sustenta, todavia, que na declaração em causa a ré “assumiu inequivocamente que tal despedimento era feito com justa causa e até apontou “factos” que, embora vagos e imprecisos, poderiam abstractamente configurar justa causa de despedimento” e que “o fazia de acordo com o estipulado pelo artº 351º al. 1 do Código do Trabalho” (que se refere à justa causa de despedimento).

Por isso, entende que tal declaração deve valer como uma inequívoca declaração de despedimento disciplinar e, assim, não juntando o procedimento disciplinar que o instruiu – o qual nem sequer ocorreu – impunha-se a aplicação do cominatório legal e a conclusão de que tinha ocorrido um despedimento ilícito, com as legais consequências.

Percebemos a posição da apelante e a delicadeza da questão que coloca.

No entanto, temos que reconhecer que durante o período experimental qualquer das partes pode colocar termo ao contrato, independentemente dos motivos que a leva a assim proceder.

Nos termos do disposto no art. 111.º do Código do Trabalho qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.

Como se refere na sentença recorrida “o período experimental corresponde à fase inicial de execução do contrato e destina-se a permitir às partes uma avaliação recíproca do interesse das mesmas na manutenção desse contrato, permitindo-lhes, dentro do mencionado período, a possibilidade de a ele porem termo sem os condicionalismos legais previstos para a resolução do contrato de trabalho seja por parte do trabalhador, seja por parte da entidade empregadora. Assim, e durante esse período, o empregador poderá avaliar das qualidades e aptidões do trabalhador para a função que exerce; por sua vez, o trabalhador poderá avaliar do seu interesse na continuação da sua integração na estrutura organizativa do empregador”. E ainda: “o período experimental assume, contudo e naturalmente, maior relevância para o empregador na medida em que, sendo para este muito mais exigente o condicionalismo legal para a cessação do contrato de trabalho, lhe permite resolvê-lo sem necessidade de invocação de justa causa ou de qualquer outro motivo legalmente previsto para a cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa”.

Por outro lado, a declaração da cessação do contrato no período experimental não está sujeita a forma, podendo ter lugar por meio não escrito, nem está sujeita a qualquer procedimento prévio. Traduz-se numa mera declaração de cessação do contrato, não tendo qualquer relevo modificativo da sua natureza, pois, quaisquer motivos invocados, formalismo adoptado ou qualificação técnica dada para tal efeito extintivo.

Daí que tenhamos que entender que a declaração da ré de cessação do contrato, ainda que invoque os motivos da decisão e ainda que estes possam reconduzir-se a uma justa causa disciplinar, não pode ser qualificada como despedimento, mas antes como denúncia no período experimental.

Na verdade, se a denúncia pode ocorrer sem necessidade de invocação de justa causa, no caso em que esta seja, apesar disso, invocada não afecta a qualificação como denúncia, pois o empregador não está inibido de indicar os motivos pelos quais procede à denúncia. A liberdade de denúncia na dimensão que se traduza num direito ao silêncio sobre os motivos (como refere Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag, 492) não impede, naturalmente, que o empregador os declare.

Se o fizer invocando justa causa disciplinar, nem por isso tinha então de organizar procedimento disciplinar, já que a cessação da sua iniciativa não é configurável como despedimento.

Ou seja, temos que considerar que a declaração da ré de prescindir dos serviços da autora, ocorrendo no período experimental e tratando-se de cessação do contrato por iniciativa do empregador, é qualificável tecnicamente como denúncia e não despedimento, não obstante os motivos que indicou e a norma do CT que citou na sua declaração, ainda que possa ser imediatamente apreensível pelo declaratário, dotado de conhecimentos técnicos, como um despedimento com invocação de justa causa.

Sendo assim, impõe-se reconhecer que o tribunal a quo não tinha de aplicar a cominação prevista no art. 98.º-J n.º 3 do CPT, pois o empregador não tinha de juntar um procedimento disciplinar que a lei o não obrigava a produzir. Este preceito legal está configurado para as situações de despedimento e esse não é o caso. Não sendo o caso, e rigorosamente, a forma de processo adoptada nos autos nem sequer seria a própria, haja em vista o que dispõe o art. 98.º-C. Não cuidando aqui da questão das consequências processuais do erro na forma do processo, porque não colocada e nesta fase desnecessária, não podemos todavia deixar de entender que nesse quadro de erro a cominação aludida não pode ser operada.

Para além de não operar a cominação, não sendo reconhecível despedimento ilícito, o tribunal a quo também não podia condenar a ré nas consequências de um tal despedimento.
Por tudo isto, a apelação tem de improceder.


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Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- A declaração do empregador a fazer cessar o contrato de trabalho durante o período experimental, ainda que invoque como motivos da decisão uma justa causa disciplinar, não pode ser qualificada como despedimento, para efeitos da verificação da sua (i)licitude, mas antes como denúncia no período experimental.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a sentença recorrida.

 Custas no recurso pela apelante.

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Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Jorge Loureiro