Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
96/15.0T9SCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: DIFAMAÇÃO
PREENCHIMENTO
TIPO LEGAL DE CRIME
Data do Acordão: 05/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L DE SANTA COMBA DÃO – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 180.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I - Não comete o crime de difamação o arguido que [na qualidade de testemunha] se limitou de uma forma mais veemente a responder às perguntas feitas pela Sra. Juiz, demonstrando que efectivamente se dava bastante mal com o assistente e que não tinha uma boa opinião sobre a sua pessoa e, às perguntas que lhe foram feitas sobre a sua relação com o assistente respondeu que eram péssimas.

II - E quando a Mma Juiz lhe perguntou o porquê respondeu “por vários motivos. É muito prepotente e arrogante…”.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

           

No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação e, em consequência, absolveu o arguido A... , da prática, de um crime de difamação, previsto e punido pelo art. 180.º, n.º 1, do Código Penal.

*

Pedido cível:

Ao abrigo das disposições supra citadas, julgou improcedente o pedido de indemnização civil, deduzida por B... a fls 113 e em consequência, absolveu o arguido / requerido do pedido.
                                                           *
            Desta sentença interpôs recurso o assistente, B... , sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:
1ª - O arguido foi absolvido do crime de difamação apesar de se ter produzido prova e resultado provados factos que permitiam a sua condenação, já que agiu deforma dolosa como se passa a demonstrar:
2ª A Mma. Juiz considerou provado -ponto 1 dos factos provados que: "... Quando a Meritíssima Juiz perguntou ao arguido qual era o relacionamento que tinha com o assistente, aquele respondeu:
JUIZ: E com o Sr. B... ?
TESTEMUNHA/Arguido.- Isso é diferente.
JUIZ. Então?
TESTEMUNHA/Arguido: Péssimo.
JUIZ: Uma relação péssima. Não se falam?
TESTEMUNHA/Arguido: Não.
JUIZ. Porquê?
TESTEMUNHA/Arguido.- Meritíssima por vários motivos. É muito prepotente, arrogante... 02:30
A Juiz, após tal expressão proferida para a mesma e dirigida ao assistente que se encontrava presente na sala de audiências, o advertiu:
05. 5JMM
Sr. A... , advirto-o do seguinte, primeiro, se faltar com verdade, pratica um crime, se falar com mentira e faltar à verdade, depois dizer-lhe o seguinte, atenção ao depoimento que o Sr. vai prestar neste ponto o Sr. já percebi, começou logo aí, com umas expressões dirigidas ali ao Sr. B... que, isto está tudo a ser gravado, pode não ser benéfico para si. Portanto, atenção ao que diz relativamente à pessoa do Sr. B... , porque não é isso que está aqui a ser avaliado, compreende Sr. A... ?
Eu estou só a fazer-lhe uma advertência, por isso, para que mais tarde não venha a ter problemas. 06.31"
E no ponto 2 factos provados que: As expressões de "muito prepotente e arrogante " proferidas pelo arguido para a Meritíssima Juiz e dirigidas ao assistente, foram-no de forma séria, de viva voz, publicamente.
3ª - No nosso entender os elementos objetivo e subjetivo do crime de difamação encontram-se preenchidos, uma vez que a norma diz claramente que difamar é imputar a outra pessoa um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração. Estabelecido que a conduta do arguido é típica e a ilicitude não pode ser excluída, dado que da factualidade provada não resulta que o arguido tenha seguido um caminho de adequação e proporcionalidade de modo a preservar até onde fosse possível o direito à honra e consideração que era e é atributo do assistente;
4ª Existe o dito animus difamandi porquanto, não podemos ignorar que as expressões proferidas pelo arguido foram em sede de Audiência, quando o aqui arguido, na qualidade de testemunha define o assistente como pessoa prepotente e arrogante. O arguido ao invés de responder descrevendo o episódio que o levou a não falar com o assistente, teceu, sem qualquer margem para duvidas, um juízo de valor sobre a pessoa do assistente. Ao permitir-se que a conduta do arguido caia na dita negligência está justificada a imputação de expressões ofensivas da honra, num local onde até se exige o maior respeito, possam as partes ver a sua honra ofendida, só, pasme-se, com intuito de justificar uma relação, permitindo-se igualmente que o arguido possa no exterior tecer as mesmas expressões. Sabia o arguido que estava a definir o assistente com intuito de o prejudicar tanto mais que era o arguido testemunha indicada pela parte contrária e tinha todo o interesse na demanda. E bem sabia o arguido que com tais expressões ofendia a honra do assistente, já que, como disse podia ter dito ser uma pessoa excecional, pelo que o contrário era com foros de ofender o assistente. (tudo como resulta das
declarações do arguido melhor transcritas na pag.l0ª e 11ª deste recurso, tendo até referido que: minuto 06:33 MA: Quando a Meritíssima Juiz lhe pergunta o porquê de não se falarem o Sr. não teve consciência de perceber o porquê de não se falarem? Arguido - Eu o porquê de não nos falarmos, eu sei. MA - Então porque é que disse é muito prepotente, arrogante? A pergunta é, estava a definir o Senhor B... ? Arguido - O Sra. Dra.eu estou a dizer-lhe que quando eu respondi à Meritíssima Juiz saiu de repente não estive a pensar, não deu tempo para pensar nem sabia que era crime. Arguido - Não o quis ofender, disse assim como podia dizer que ele era uma pessoa excecional. Até minuto 08:40)
5ª - Não é possível compreender o raciocínio da Meritíssima Juiz para concluir que apenas o depoimento do arguido é credível e os demais não o são, tanto mais que, quer o assistente e a testemunha F... , limitaram-se, com relevância para os presentes autos a relatar factos que foram dados por provados. Aliás do depoimento do assistente e daquela testemunha, bem como a testemunha G... , resulta inequivocamente, tanto mais que nem foi feita prova em contrário, que o assistente é pessoa séria e honesta, digna, respeitadora e respeitável, tanto no local onde reside como nos locais onde é conhecido - conforme resulta das transcrições dos depoimentos de pg. 15 a 17 deste recurso.
6ª.- Aliás até mesmo a testemunha C... , indicada pelo arguido, e que foi tido como credível referiu que as relações eram boas, referiu ainda que o arguido tinha interesse no processo, e que o assistente não é prepotente nem arrogante - transcrições do depoimento pag. 13 e 14 deste recurso. Também não resultou dos presentes autos qualquer prova quanto ao invocado péssimo relacionamento que o arguido invocou no julgamento que justificasse tecer juízos de valor sobre a pessoa do assistente. Aliás duas pessoas que não se falam é bem diferente de uma péssima relação como invocou o arguido A... na referida acção cível.
7ª - A alegação do arguido ao referir que não teve intenção de ofender o assistente, surge nesta sede apenas para tentar justificar / atenuar a sua actuação, pois bem sabia o arguido que ao definir o assistente como prepotente e arrogante estava a ofender a honra e consideração do assistente. Se assim não entender, então segundo a nossa jurisprudência: (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães processo n°.1600/12.1TAGMR.G1 de 18-11-2013, publicado em www.dgsi.pt): 1 - A falta de consciência da ilicitude só exclui a culpa se o erro não for censurável. II - Na nossa sociedade, se existir alguém que não souber que é proibido proferir palavras objetivamente injuriosas, com intenção de ofender o visado na sua honra, bom nome e consideração, é porque possui uma personalidade desvaliosa e merecedora de censura, que deve ser atribuída a deficiência da sua própria consciência ética.
8ª - A consciência da ilicitude não respeita ao dolo do tipo, mas antes à culpa. Nos crimes de difamação e injúria é hoje pacífico não ser exigido um qualquer dolo específico ou elemento especial do tipo subjetivo que se traduzisse no especial propósito de atingir o visado na sua honra e consideração. Não distinguindo, os respetivos tipos legais admitem qualquer das formas de dolo previstas no art. 14° do C. Penal, incluindo o dolo eventual. Basta, pois, que, grosso modo, o arguido admita ter proferido as expressões que contêm um teor ofensivo da honra e consideração.
9ª - Até porque, a decisão proferida nos presentes autos vai contra o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo n°. 218/08.GBGVA.C1, de 04­11-2009,
3. É susceptível de ofender a honra e consideração a narração inexacta de factos consignada em livro de reclamações.
4. Expressões como "arrogante e prepotente" são juízos de valor e não factos cuja prova da verdade se possa realizar.
10ª - - Assim, ao contrário do entendimento da Meritíssima Juiz o arguido ao proferir aquelas expressões fê-lo com intenção de ofender o assistente na sua honra e consideração e sabia que a sua conduta era proibida, prevista e criminalmente punida. Bem sabe o arguido que o assistente é uma pessoa séria, honesta, digna, respeitadora e respeitável, tanto no local onde reside como nos locais onde é conhecido. Agiu o arguido de forma deliberada, livre, consciente. As palavras proferidas pelo requerido e arguido ofenderam a honra e consideração do requerente.
11ª - A conduta do arguido é típica, ilícita e culposa, pelo que se impõe a sua condenação, pelo crime de difamação, no que respeita ao pedido de indemnização pelo crime de difamação deverá proceder, uma vez que resultou provado na sentença que:
As expressões de "muito prepotente e arrogante" proferidas pelo arguido para a Meritíssima Juiz e dirigidas ao assistente, foram-no de forma séria, de viva voz, publicamente.
O assistente é reputado como sendo pessoa séria, educada, honesta e respeitadora,
O assistente sentiu-se ofendido na sua honra e consideração com tais expressões— vide depoimento das testemunhas - pag. 15, 16 e 17 deste recurso.
12ª - No entender do recorrente a decisão proferida violou o disposto nos artigos 13, 14 e 180 do Código Penal.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, condenar-se o arguido na prática do crime de difamação, bem como em quantia indemnizatória adequada.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o arguido, A... , manifestando-se pela improcedência do recurso.

Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto pelo assistente, pugnando pela sua improcedência.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova foi documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão:
1. No dia 07 de Janeiro de 2015, na sessão de julgamento, na sala de audiências que fica no rés-do-chão do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, na ação com processo comum nº815/13.0TBSCD, que correu termos por esta instância local, que C... , residente em P I ... , Mortágua, moveu contra o assistente e mulher, entre as 12:16:19 e as 12:22:59 horas, quando o arguido prestava o seu depoimento na qualidade de testemunha arrolada pelo autor, o arguido respondeu a questões que lhe eram formuladas pela Meritíssima Juiz, nos termos constantes da transcrição parcial que se segue e consta do CD junto a fls. 5:
“Do minuto 00:01
JUIZ: O seu nome completo, por favor.
TESTEMUNHA/Arguido: A...
JUIZ: Estado civil.
TESTEMUNHA/Arguido: casado.
JUIZ: Onde o Sr. mora?
TESTEMUNHA/Arguido: Rua da ... …
JUIZ: Só a localidade.
TESTEMUNHA/Arguido: P ...
JUIZ: P ... O que é que faz?
TESTEMUNHA/Arguido: Trabalho na agricultura e vou fazendo alguma coisa, não muito porque a idade já não permite.
JUIZ: Sr. A... , o que é que o Sr. é ao Sr. B... e ao Sr. C... ?
TESTEMUNHA/Arguido: Do Sr. C... , sou cunhado, ao Sr. B... , a minha mulher é irmã dele.
JUIZ: Ou seja, o Sr. é casado com quem?
TESTEMUNHA/Arguido: D... .
JUIZ: Que é irmã do Sr. C...
TESTEMUNHA/Arguido: C... .
JUIZ: E que é irmã da mulher da Dª. E... .
TESTEMUNHA/Arguido: Exatamente, a E... .
JUIZ: A E... , tem razão Sr. A... , o Sr. dá-se bem com o Sr. C... , não se dá bem com ele?
TESTEMUNHA/Arguido: Sempre me dei bem com ele.
JUIZ: Falam, tem uma relação pessoal com ele, próxima, são vizinhos.
TESTEMUNHA/Arguido: Sim, quase, uma diferença de 60/70m mais ou menos.
JUIZ: Não são só vizinhos quem mora um ao pé do outro, 70m, é uma relação de vizinhança clara, não é? São vizinhos?
TESTEMUNHA/Arguido: Quer dizer, a casa é relativamente perto, é como lhe digo, a diferença não deve de fugir muito.
JUIZ: Nunca tiveram qualquer problema?
TESTEMUNHA/Arguido: Absolutamente nenhum.
Quando a Meritíssima Juiz perguntou ao arguido qual era o relacionamento que tinha com o assistente, aquele respondeu:
JUIZ: E com o Sr. B... ?
TESTEMUNHA/Arguido: Isso é diferente.
JUIZ: Então?
TESTEMUNHA/Arguido: Péssimo.
JUIZ: Uma relação péssima. Não se falam?
TESTEMUNHA/Arguido: Não.
JUIZ: Porquê?
TESTEMUNHA/Arguido: Meritíssima por vários motivos. É muito prepotente, arrogante…02:30.
A Juiz, após tal expressão proferida para a mesma e dirigida ao assistente que se encontrava presente na sala de audiências, o advertiu:
05.51MM – Sr. A... , advirto-o do seguinte, primeiro, se faltar com verdade, pratica um crime, se falar com mentira e faltar à verdade, depois dizer-lhe o seguinte, atenção ao depoimento que o Sr. vai prestar neste ponto o Sr. já percebi, começou logo aí, com umas expressões dirigidas ali ao Sr. B... que, isto está tudo a ser gravado, pode não ser benéfico para si. Portanto, atenção ao que diz relativamente à pessoa do Sr. B... , porque não é isso que está aqui a ser avaliado, compreende Sr. A... ? Eu estou só a fazer-lhe uma advertência, por isso, para que mais tarde não venha a ter problemas. 06:31”.
2 – As expressões de “muito prepotente e arrogante” proferidas pelo arguido para a Meritíssima Juiz e dirigidas ao assistente, foram-no de forma séria, de viva voz, publicamente.
PIC
3 – O requerente na constituição de assistente despendeu 102.00€.
Contestação:
4. O assistente durante o depoimento de parte da sua esposa E... (gravação da audiência em 14.11.2014 14.41.17 – minuto 40) foi avisado e posteriormente expulso da sala de audiências pela Meritíssima Juiz.
5. O assistente, sem que nada lhe tivesse sido perguntado interrompeu a audiência no decurso do depoimento da sua esposa, tendo sido expulso da sala de audiência.
6. Na sentença, transitada em julgado através do Ac. do TRC de 21.12.2015 que manteve a decisão da primeira instância), foi dado como provado, na página 10, ponto 35 que: “Pelo referido em 5), 7), 9), 11), 13) a 16), o réu B... agiu com a intenção de, mesmo ciente do referido em 18) a 25), se apropriar dos prédios descritos em 4), 6), 8), 10) e 12), prejudicando o Autor e as pessoas identificadas em 3)”.
7. Na parte final da sentença da 1ª instância e quanto à questão “Da litigância de má fé do réu B... ” é referido que “Após o trânsito em julgado da presente ação e em face do teor do facto com o nº35 constante da matéria assente, concedo ao réu o prazo de 10 dias para que, em querendo, se pronuncie sobre a sua litigância de má fé no âmbito dos presentes autos”.
7A. Em 21.04.2016, foi proferida decisão no referido Pº815/13.0TBSCD, da qual consta o seguinte que se transcreve:´
“(…)
Entendemos assim não se mostrarem reunidos os requisitos para que o réu seja condenado como litigante de má-fé, razão pela qual se absolve o mesmo de tal pedido” – fls. 161-162.
Mais se apurou:
8. O arguido trabalha na agricultura e tem uma reforma mensal no valor de 600,00€.
9. É casado e a sua esposa encontra-se inválida e recebe uma pensão no valor mensal de 200,00€.
10. Vive com a esposa.
11. Encontra-se socialmente bem integrado.
12. Tem o 4º ano de escolaridade.
13. Do seu CRC não constam condenações.
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FACTOS NÃO PROVADOS
a) Que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 e 2 que o arguido sabia que o arguido se encontrava na sala de audiências.
b) O arguido ao proferir aquelas expressões fê-lo com intenção de ofender o assistente na sua honra e consideração e sabia que a sua conduta era proibida, prevista e criminalmente punida.
c) Bem sabe o arguido que o assistente é uma pessoa séria, honesta, digna, respeitadora e respeitável, tanto no local onde reside como nos locais onde é conhecido.
d) Agiu o arguido de forma deliberada, livre, consciente.
e) O requerente é um homem sério, honesto, digno, respeitador e respeitável, tanto no local onde reside como nos locais onde é conhecido.
f) As palavras proferidas pelo requerido e arguido ofenderam a honra e consideração do requerente.
g) Tais palavras causaram no requerente humilhação e desgosto.
h) O requerente teve de se deslocar à GNR, à sua Advogada por causa do processo e terá de se deslocar ao Tribunal, no decurso deste, com os necessários encargos e incómodos, no que já despendeu em transporte quantia nunca inferior a 40,00€.
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MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal assentou na análise crítica e conjugada da prova produzida nestes autos, em estrita obediência aos princípios do contraditório, imediação e oralidade, analisada de forma articulada com as regras da experiência comum.
O arguido prestou declarações e admitiu que proferiu as expressões constantes da acusação, mas que só as proferiu porque a Juiz lhe perguntou por mais que uma vez porque as relações entre si e o assistente não eram boas, que só o fez para explicar as más relações existentes, que não teve intenção de o ofender.
O assistente referiu que desde 1998 que ele e o arguido deixaram de falar. Prestou um depoimento do qual resulta a existência de uma animosidade para com o arguido, lembrando-se de uns factos e não se lembrando de outros, pelo que não valoramos o seu depoimento.
No entanto, sempre se dirá que o assistente não pode depor como testemunha no processo onde como tal está admitido, em conformidade com o estabelecido no art. 133º, nº1, al. c) do C.P.P., sendo que a mera dedução do pedido de indemnização torna o lesado interessado no interesse da causa – nesse sentido Germano Marques da Silva, 2002, p. 146.
Ouvimos F... , filho do assistente e sobrinho do arguido, referindo que o seu pai e o arguido há muitos anos que não falam.
Certamente atento o facto de ser filho do assistente, prestou um depoimento que não se nos afigurou de isento, pelo que não o valoramos.
A testemunha G... , não presenciou a prática dos factos, prestou depoimento que se nos afigurou de pouco parcial pois por um lado refere que o assistente lhe ligou para lhe transmitir os nomes que o arguido lhe terá dirigido, mas por outro nada sabe sobre o que se passou no processo em que tais expressões foram proferidas, pelo que não o valoramos.
Ouvimos ainda a testemunha C... , familiar quer do assistente, quer do arguido, são ambos cunhados da testemunha.
Esta testemunha foi o Autor da ação que correu termos sob o nº815/13.0TBSCD, que instaurou contra o aqui assistente, pelo que as relações não são boas.
Prestou depoimento de forma coerente pelo que o valoramos para prova dos factos constantes em 4, 5 e 11.
Por último, as testemunhas H ... e I ... , amigos do arguido, prestaram depoimento de uma forma que se nos afigurou de sincera pelo que os valoramos para prova do facto constante em 11.
Atendemos ainda aos seguintes documentos: sentença de fls. 39 e ss. proferida no âmbito do Pº815/13.0TBSCD, J1, deste Tribunal, Acórdão proferido pelo TRC, referente ao referido Pº815/13.0TBSCD a fls. 90 e ss., decisão quanto à alegada litigância de má fé do assistente no mencionado Pº815/13.0TBSCD a fls. 161 e ss. e CD com gravação do julgamento do aludido Pº815/13.0TBSCD a fls. 5.
A prova das condições de vida resultou das declarações prestadas pelo arguido.
A ausência de antecedentes criminais resultou do certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 78.
Quanto aos factos não provados sobre os mesmos não foi feita qualquer prova ou a que foi feita foi em sentido contrário.
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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de difamação;

Sustenta o recorrente que o arguido teve intenção de ofender o assistente, B... , na sua honra e consideração pois, não se limitou a responder á razão de ter uma “péssima relação” com o aqui assistente, mas fez “um juízo de valor sobre a pessoa do assistente”.
Como já foi referido em vários acórdãos desta Relação e da Relação do Porto, (nomeadamente, Ac, nº 995/14.7TAMTS.P1 relatado pelo Exmo Desembargador Borges Martins) é próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte do seu estatuto ontológico as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades.
 “O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” – ac. de 12.6.02, Recurso 332 /02, de que foi relator o Des. Dr. Manuel Braz.
Não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira.
Apenas há um limite: não pode ser atingida a honra do visado – um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - Comentário Conimbricence, Tomo I, pág. 607.
Também esta ideia do Prof. Faria Costa a ter em conta: o facto de a honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. Uma prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais- de limites extraordinariamente baixos- que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra. E a explicação para tal “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, para uma certa perda da sua importância relativa, pode justificar-se, segundo cremos, de diferentes modos e por diferentes vias. Por um lado, julgamos poder afirmar-se uma sua verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até algumas décadas estavam misturados com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que chamamos honra. Referimo-nos a valores como a privacidade, a intimidade ou a imagem, que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa, a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem- tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal – págs. 104-105,”Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004.
No caso vertente, o arguido limita-se de uma forma mais veemente a responder às perguntas feitas pela Sra Juiz, demonstrando que efectivamente se dava bastante mal com o assistente e que não tinha uma boa opinião sobre a sua pessoa. As expressões foram proferidas pelo arguido quando este tinha a qualidade de testemunha em que obrigatoriamente foi ajuramentado e ás perguntas que lhe foram feitas sobre a sua relação com o assistente respondeu que eram péssimas. E quando Mma Juiz lhe perguntou o porquê respondeu “por vários motivos. É muito prepotente e arrogante…”.
Poderemos dizer que o arguido foi frontal, as expressões estão carregadas de censura, são até um pouco deselegantes – mas no fundamental trata-se de um tom expositivo mais convicto, se bem que pautado por emotividade e impulsividade.
Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente difamatórias, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de gerir um assunto processual, mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com o personagem que se arroga ofendido.
A protecção penal conferida à honra só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém.
Na jurisprudência mais recente dos Tribunais Superiores mantém-se esta orientação, como se pode ver no Ac. TRL, de 14.4.2015, CJ, Tomo II, pág. 314, o qual considerou que «apelidar a ex-cônjuge de “estúpida” e “gorda” não consubstancia um crime de injúrias; e o Ac. do STJ, de 22.1.2015, que a aplicou a um caso em que um funcionário foi apelidado de “farsola”, aresto este relatado também pelo Conselheiro Dr. Manuel Braz.

Igualmente o mencionado acórdão deste TRP de 10.12.2008 (relatado pelo Desembargador Dr. Ernesto Nascimento) na motivação de recurso, resulta elucidativo: trata-se, não de olhar para a árvore, mas para a floresta; para as estrelas, e não para o dedo que para elas aponta.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP).

Coimbra, 24 de Maio de 2017                       

(Alice Santos – relatora)
                                                              
(Abílio Ramalho – adjunto)