Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/07.8TBFAG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FORNOS DE ALGODRES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.483, 494, 562, 564, 566 CC
Sumário: 1. - Ainda que o lesado não tenha entrado na vida profissional remunerada, é ressarcível o dano derivado da perda de capacidade aquisitiva.

2. - Nesse caso, para o cálculo do dano deve considerar-se o ingresso no mercado de trabalho aos 18 anos e o salário médio ao alcance de um jovem saudável, dotado de formação profissional média.

3. - A indemnização por danos não patrimoniais não deve ser miserabilista, mas, antes, significativa.

4. - Mostra-se equilibrada a importância de € 70.000,00 para compensar uma menor de menos de dois anos que sofreu traumatismos múltiplos em acidente de viação, os quais obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas, foi sujeita a internamento e a tratamentos prolongados, perdeu um rim e o baço, suportou dores atrozes, ficou com cicatrizes que a desfeiam e lhe causarão traumas e mal estar psíquico e psicológico e passou a ser portadora de uma IPG de 25%.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

J (…), com residência em (…) , França, e, também, em (…), Sátão, quando em Portugal, A (…), menor de idade, residente na Rua (…) ..., representada por seus pais, MA (…) e marido, MS (…) e C (…),  residente (…), Viseu, intentaram acção declarativa comum, com forma de processo ordinário, (…) - Companhia de Seguros S.A., com sede na ... Lisboa, alegando, em resumo, que:

No dia 31.01.2004, cerca das 15H05, ao Km 124,6 do IP 5, lugar de Chãs de Tavares, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos Ford Transit, com a matrícula VA..., onde todos os autores se faziam transportar, e o ligeiro de passageiros Citroen Saxo, com a matrícula JN....

Na altura do acidente, chovia, encontrando-se o piso molhado.

O Ford Transit circulava no sentido Viseu – Guarda, a velocidade não superior a 50 Km hora, transitando o JN em sentido contrário.

Este saiu da respectiva faixa de rodagem, invadiu a meia faixa da esquerda, atento o seu sentido de marcha, e foi colidir violenta e frontalmente com o Ford Transit.

Em consequência do embate, o JN fez vários piões e foi imobilizar-se a cerca de 15 metros do local do embate, na meia faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido Guarda – Viseu.

Do acidente resultaram ferimentos graves no autor J (…), na menor A (…), ferimentos ligeiros nos restantes passageiros, a morte da condutora do veículo JN e danos em ambas as viaturas.

A culpa do acidente coube à condutora do JN, por circular desatenta e com excesso de velocidade.

Ao tempo do acidente, a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação encontrava-se transferida para a Ré seguradora.

O autor J (…) esteve internado desde o dia do acidente até ao dia 12.02.2004, continuando a necessitar de fazer tratamentos ambulatórios. À data do sinistro era emigrante em França, aonde só regressou em finais de Março de 2004, passando a ser acompanhado por médicos franceses. Tinha, aí, a profissão de jardineiro, auferindo um salário mensal de € 1.500,00, que deixou de receber a partir do acidente. Ficou com várias sequelas definitivas que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial de 35%.

A menor A (…) sofreu graves lesões, que lhe determinaram, directa e necessariamente, múltiplas e graves sequelas, com carácter definitivo. Esteve internada, primeiramente, até ao dia 10.02.2004 e, novamente, de 16.02.2004 a 22.02.2004. As lesões sofridas conferem-lhe um grau de incapacidade permanente e parcial, incluindo para o trabalho, de, pelo menos, 47%.

A autora C (…) sofreu lesões ao nível da face e das pernas, que lhe deixaram cicatrizes que a desfeiam e lhe causam desgosto, revolta e tristeza. À data do acidente era auxiliar de acção educativa, auferindo o salário mensal de € 431,36. Ficou com uma incapacidade permanente parcial de 10%.

Pediram, a final, que a ré fosse condenada a pagar, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, as quantias de € 126.486,99 (para o autor J (…), € 370.557,68 (para a autora A (…)), e € 45.078,62 (para a autora C (…)), acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

Regularmente citada, a ré impugnou alguns dos factos respeitantes ao acidente, sem discutir, embora, a responsabilidade do seu segurado pela sua produção.

Quanto aos valores peticionados, reputou-os viciados de exagero.

Concluiu pela procedência parcial da acção, em função da prova que viesse a produzir-se.

Saneado o processo, com a afirmação da validade e regularidade da lide, seguiu-se a selecção da matéria de facto (factos assentes e base instrutória), alvo de reclamação por parte dos autores, totalmente atendida.

Realizada audiência de discussão e julgamento e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar aos autores as seguintes quantias:

Ao autor J (…), € 15.000,00, € 5.986,99 e € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, danos patrimoniais (dano emergente) e danos patrimoniais (lucro cessante), respectivamente, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a notificação da decisão (a primeira e a terceira) e desde a citação (a segunda) até efectivo pagamento.

À autora A (…), € 70.000,00, € 557,68 e € 250.000,00, a título de danos não patrimoniais, danos patrimoniais (dano emergente) e danos patrimoniais (lucro cessante), respectivamente, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a notificação da decisão (a primeira e a terceira) e desde a citação (a segunda) até efectivo pagamento.

À autora C (…), € 5.000,00, € 78,62 e € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, danos patrimoniais (dano emergente) e danos não patrimoniais (lucro cessante), respectivamente, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a notificação da decisão (a primeira e a terceira) e desde a citação (a segunda) até efectivo pagamento.

Inconformada, a ré interpôs recurso e apresentou a sua alegação, que concluiu da seguinte forma (resumo das 8 conclusões formuladas):

1) O tribunal não se socorreu de qualquer método de cálculo para a fixação dos danos patrimoniais (lucro cessante) e não fundamentou minimamente os danos não patrimoniais, que arbitrou discricionariamente;

2) Com base na equidade, mostra-se ajustado fixar os danos não patrimoniais em € 5.000,00 para o autor J (…), € 15.000,00 para a autora A (…) e € 3.500,00 para a autora C (…)

3) E, com base nos métodos de cálculo do Ex.mo Conselheiro Sousa Dinis e das tabelas financeiras, é adequado fixar o montante dos danos patrimoniais em € 13.230,00 para o autor J (…), em € 39.091,78 para a menor A (…) e em € 3.913,06 para a autora C....

4) De resto, relativamente à autora A (…) a incapacidade de 25% deverá ser revista aos 12 anos de idade, podendo a indemnização vir a ser corrigida;

5) Foram violados os artigos 496.º e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil.

Os autores responderam à alegação da ré, pugnando pela correcção da sentença.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Presentes as conclusões da alegação da apelante, que delimitam o objecto do recurso, é uma só a questão a requerer resolução: o montante das indemnizações relativas a danos patrimoniais, sob a forma de lucros cessantes, e a danos não patrimoniais arbitradas aos autores.

II. A matéria de facto provada:

Na sentença sob recurso foram dados por assentes os seguintes factos:

1) No dia 31 de Janeiro de 2004, cerca das 15H05, no Itinerário Principal n.º 5, Km 124,6, no local designado por Chãs de Tavares, no concelho de Mangualde, distrito de Viseu, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de nove lugares, de marca Ford, modelo Transit, com a matrícula francesa VA..., e o veículo ligeiro de passageiros, de marca Citroen, modelo Saxo, com a matrícula JN... – Al. A).

2) O veículo de matrícula VA... era conduzido pelo seu proprietário, o autor J (…), o qual seguia no sentido Viseu Guarda – Al. B).

3) O veículo de matrícula JN... era conduzido por (…)e seguia no sentido Guarda/Viseu – Al. C).

4) O veículo de matrícula JN... era propriedade de (…) – Al. D).

5) Na altura, chovia e o piso, em alcatrão, encontrava-se molhado – Al. E).

6) O local do acidente era uma curva prolongada com boa visibilidade – Al. F).

7) A estrada media 11,40 m de largura, sendo 2.30m de cada uma das bermas e 6,80 metros de faixa de rodagem – Al. G).

8) Esta encontrava-se dividida em duas hemifaixas de rodagem, cada uma com 3,40 metros de largura, sendo uma delas destinada ao trânsito viário no sentido Viseu/ Guarda e a outra ao trânsito no sentido Guarda/Viseu – Al. H).

9) A separar tais hemifaixas de rodagem existia, marcada no pavimento, uma dupla linha branca longitudinal continua – Al. I).

10) Havendo em ambos os sentidos e na borda da estrada sinais verticais que proibiam qualquer ultrapassagem – Al. J).

11) O referido acidente traduziu-se num violento embate – Al. L).

12) O veículo de matrícula francesa circulava na hemifaixa da sua direita, ou seja, naquela que estava destinada ao trânsito que se processava no sentido Viseu/ Guarda – Al. M).

13) Circulando a cerca de 0.50m da berma direita, atento o sentido de marcha em que seguia, ou seja, na sua mão de transito – Al. N).

14) O veículo com a matrícula JN..., quando descrevia uma curva prolongada para a esquerda, atento sentido de marcha Viseu/Guarda, inopinadamente, saiu da hemifaixa de rodagem em que circulava (Guarda Viseu) – Al. O).

15) Ultrapassou a dupla linha branca longitudinal contínua, separadora das hemifaixas de rodagem, invadindo completamente a hemifaixa, atento o sentido em que seguia – Al. P).

16) "Cortando", a direito, a dita curva e indo colidir, violenta e frontalmente, com o veículo com a matricula francesa, VA... – Al. Q).

17) O embate deu-se no interior da hemifaixa de rodagem da esquerda, atento o sentido de marcha do JN..., (Guarda/Viseu), dentro da hemifaixa de rodagem destinada à circulação do veiculo de matricula francesa e pela qual este transitava – Al. R).

18) A 2,10 m da berma e a 47 metros de distância do marco hectométrico que assinala o Km 124,60, medidos em linha recta e no sentido Guarda/Viseu – Al. S).

19) Em consequência do choque, o veiculo JN... fez vários piões e foi imobilizar-se a cerca de 15 metros do local do embate, na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido Guarda/Viseu, ficando com a frente virada para o lado de onde provinha e ocupando parcialmente com a traseira a hemifaixa de rodagem contrária – Al. T).

20) Por sua vez, o veiculo VA... ficou atravessado na hemifaixa de rodagem por onde circulava, com a frente voltada para o meio da estrada, a cerca de 8,30 metros do local do embate – Al. U).

21) No veículo de matrícula francesa, conduzido pelo autor J (…), seguiam, para além deste, a autora A (…), a mãe desta, M (…), a autora C (…)o marido desta, (…), e o filho de ambos, (…) – Al. V).

22) Do acidente, resultaram ferimentos graves no autor J (…) e na menor A (…) bem como ferimentos menos graves nos restantes ocupantes – Al. X).

23) Tendo falecido a condutora do veículo JN..., (…) – Al. Z).

24) Do acidente, resultaram danos em toda a frente da viatura com a matrícula VA..., incluindo o motor, eixo da direcção, capot e pára-brisas, bem como nas portas da frente de ambos os lados, tendo o JN... ficado completamente destruído – Al. AA).

25) Na sequência do acidente, correu termos um processo de Inquérito nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Fornos de Algodres, sob o n.º ..., que concluiu pela responsabilidade de (…), por despacho de 29.04.2004, transitado em julgado – Al. BB).

26) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo JN... encontrava-se transferida, através de contrato de seguro, titulado pelo certificado provisório de apólice n.º ..., para a ré “(…) – Companhia de Seguros, S.A.” – Al. CC).

27) O valor dos riscos cobertos pela apólice ascendia a € 625.000,00 – Al. DD).

28) Do acidente, resultaram danos no veículo de matrícula VA..., ao nível da sua parte dianteira, atingindo o motor, e nas portas laterais dianteiras – Quesito 6º).

29) O autor J (…) sofreu várias lesões, designadamente traumatismo cervical anterior com lesão traumática da laringe, traumatismo do membro inferior direito, evidenciando artrose da articulação tibiotársica direita com lesões degenerativas graves (patologia já existente), enfisema discreto da zona cervical e secção parcial do tendão rotuliano direito, que foi suturada – Quesitos 9º e 10º).

30) Foi socorrido pelos Bombeiros Voluntários de Fornos de Algodres, que o transportaram, de ambulância, para o serviço de urgência do Hospital de S. Teotónio de Viseu – Quesito 11º).

31) No local do acidente, foi-lhe feita cateterização de uma veia do braço – Quesito 12º).

32) Nos serviços de urgência do Hospital de S. Teotónio de Viseu, foram-lhe feitos vários exames médicos, desinfectadas as feridas, suturado o joelho direito e feita imobilização com gesso da perna direita – Quesito 15º).

33) Bem como aspiração de sangue e fluidos pela boca de 15 em 15 minutos, atenta a lesão traumática da laringe – Quesito 16º).

34) – Foi, depois, transferido para os serviços de observação daquele Hospital – Quesito 17º).

35) Esteve internado, naquele hospital, desde o dia do acidente até ao dia 12.02.2004, altura em que teve alta clínica – Quesito 18º).

36) Necessitando de fazer tratamentos ambulatórios, quer ao nível da laringe, quer ao nível da entorse tibiotársica – Quesito 19º).

37) Tratamentos esses que realizou, quer no Hospital de S. Teotónio de Viseu, quer na Casa de Saúde de S. Mateus, em Viseu, como, ainda, na Policlínica do Sátão e em médicos particulares – Quesito 20º).

38) O autor J (…), à data do acidente, era emigrante em França, encontrando-se de férias em Portugal – Quesito 21º).

39) Regressou a França em finais de Março de 2004, altura em que se encontrava já estabilizado ao nível da tibiotársica e, por isso, em condições de fazer a viagem de autocarro para França – Quesito 22º).

40) Desde finais de Março de 2004, passou a ser acompanhado pelos serviços médicos franceses, designadamente no Hospital Intercommunal Sud-Léman Valserine – Quesito 23º).

41) O autor caminhou amparado em canadianas, pelo menos, até Abril de 2004 – Quesito 24º).

42) Em consequência do acidente, o autor ficou com rigidez do joelho, com flexão limitada a 90%, e amiotrofia de 3 cms. da perna (parcialmente causada pela falta de uso, devido à rigidez do joelho) – Quesito 25º).

43) O autor deixou de exercer a actividade profissional de jardineiro – Quesito 26º).

44) Em que auferia, a titulo de salário, a quantia de € 1.500,00 mensais – Quesito 28º).

45) Após o acidente, são exigidos ao autor esforços suplementares para o exercício da actividade profissional de carpinteiro de estruturas e jardineiro – Quesito 30º).

46) O autor apresenta marcha claudicante, devido ao acidente e aos antecedentes patológicos de que era portador à data do acidente – Quesito 32º).

47) O que o impede de correr, saltar, fazer marcha rápida ou durante longos períodos de tempo – Quesito 33º).

48) O autor J (…) ficou em estado de choque e pânico aquando do acidente, face às dificuldades respiratórias graves e à grande quantidade de sangue que perdeu – Quesito 34º).

49) O autor sofreu dores no momento do acidente e ao longo do período de 90 dias após o acidente, fixáveis no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Quesito 35º).

50) Dores essas que ainda hoje persistem, sobretudo ao nível da perna e pé direito, aquando das mudanças de tempo e sempre que exerce pressão ou força sobre esse pé, esclarecendo-se que tais dores são também inerentes à patologia degenerativa grave que o autor já apresentava à data do acidente – Quesito 36º).

51) O autor ficou com uma cicatriz localizada abaixo da rótula, nacarada, quase inaparente, e transversal, com 8 cms de comprimento – Quesito 37º).

52) As sequelas definitivas de que padece em consequência do acidente determinam ao autor uma incapacidade permanente parcial de 7% – Quesito 38º).

53) Com grande alegria de viver e constante boa disposição – Quesito 40º).

54) O autor J (…), em consequência do acidente, despendeu a quantia de € 1.986,99 em consultas médicas, exames médicos e medicamentos – Quesito 41º).

55) A autora A (…) sofreu lesões, com perda do conhecimento, tendo sido transportada ao Hospital de S. Teotónio de Viseu, onde deu entrada nos serviços de urgência de pediatria, cerca das 16H16 desse dia 31.01.2004, com o diagnóstico de politraumatizada – Quesito 42º).

56) Aí recuperou o conhecimento e foram-lhe detectadas traumatismo craniano, com fractura parietal direita e hemorragia sub-aracnoideia e traumatismo abdominal com múltiplas fracturas do baço – Quesito 43º).

57) Lesões essas que, pela sua gravidade, são, só por si, suficientes para causar a morte – Quesito 44º).

58) Foi laparotomizada e esplenectomizada de urgência por laceração esplénica, sendo certo que durante a intervenção cirúrgica foi-lhe encontrado um hematoma da cauda do pâncreas – Quesito 45º).

59) Após estabilização, foi, nesse mesmo dia, transferida, por helicóptero, acompanhada do corpo clínico de INEM, para o Hospital Pediátrico de Coimbra, onde ficou internada na unidade de cuidados intensivos até 03.02.2004 – Quesito 46º).

60) Nesse dia, foi transferida para os Serviços de Cirurgia daquele Hospital Pediátrico de Coimbra e, em 06.02.2004, foi transferida para o Hospital de S. Teotónio de Viseu – Quesito 47º).

61) Tendo recebido alta hospitalar para o domicílio em 10.02.2004 – Quesito 48º).

62) Em 16.02.2004, é novamente internada no Hospital de S. Teotónio de Viseu, por perda de peso e vómitos – Quesito 49º).

63) Foi transferida, de novo, para o Hospital Pediátrico de Coimbra, por suspeita de ruptura/fístula biliar, que não foi confirmada – Quesito 50º).

64) Contudo, devido a sintomatologia oclusiva progressiva, foi sujeita a laparotomia exploradora em 18.02.2004 e revelou brida a nível do jenuno – Quesito 51º).

65) Pelo que houve necessidade de fazer intervenção cirúrgica para lise dessa brida e apendicectomia, o que aconteceu nesse mesmo dia 18.02.2004 – Quesito 52º).

66) Teve alta hospitalar para o domicílio em 22.02.2004 – Quesito 53º).

67) Desde então, passou a ser acompanhada e assistida medicamente e, praticamente, todas as semanas, quer no Hospital de S. Teotónio de Viseu, quer em médicos privados – Quesito 54º).

68) Em 07.02.2005, fez ecografia abdominal para controlo de esplenectomia post-traumática abdominal resultante do acidente de viação referido, tendo sido detectada atrofia do rim esquerdo, com ausência de funcionamento – Quesito 55º).

69) É intervencionada cirurgicamente no Hospital de S. Teotónio de Viseu, em 25.05.2005, tendo-lhe sido feita nefronreterectomia esquerda – Quesito 56º).

70) Teve alta hospitalar em 27.05.2005 – Quesito 57º).

71) Desde então, tem sido frequentemente acompanhada por médicos, quer ao nível do Hospital de Viseu, quer ao nível de consultas particulares – Quesito 58º).

72) À data do acidente, a A (…) gozava de boa saúde e apresentava um desenvolvimento físico e psíquico normal para a sua idade – Quesito 59º).

73) A autora A (…) sofreu uma incapacidade temporária geral parcial de 481 dias – Quesito 60º).

74) A A (…), devido à perda do baço e do rim esquerdo, terá de ter especiais cuidados médicos ao longo da sua vida – Quesito 61º).

75) A sua dieta alimentar tem de ser cuidada e condicionada, face à ausência daqueles importantes órgãos – Quesito 65º).

76) A A (…), devido às várias intervenções cirúrgicas a que foi sujeita, apresenta várias cicatrizes ao nível abdominal – Quesito 67º).

77) Cicatrizes essas que a desfeiam e lhe causarão traumas e mal estar psíquico e psicológico, designadamente em alturas de exposição das zonas atingidas e condicionarão o tipo de roupas a usar, esclarecendo-se que o dano estético é fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Quesito 68º).

78) A A (…) sofreu dores intensas e atrozes, quer no momento do acidente, quer durante os períodos de internamento hospitalar e tratamentos ambulatórios, que persistem, esclarecendo-se que o quantum doloris é fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Quesito 69º).

79) A A (…) é actualmente portadora de uma IPG de 25%, devendo as sequelas ser reavaliadas aos 12 anos de idade, face à sua tenra idade – Quesito 71º).

80) Em consultas médicas, exames médicos e medicamentos, a A (…) gastou € 557,68 – Quesito 72º).

81) A autora C (…)em consequência directa e necessária do acidente, sofreu uma ferida extensa e múltiplas na região frontal, dorso do nariz e pálpebras inferiores, com fractura nasoetenoidal – Quesito 73º).

82) A autora C (…) apresentava, ainda, edema acentuado da perna e pé esquerdos, e feridas em ambas as pernas, que foram suturadas – Quesito 74º).

83) Socorrida no Hospital de S. Teotónio de Viseu, a autora C... ficou ali internada até ao dia 06.2.2004, altura em que lhe foi dada alta hospitalar – Quesito 75º).

84) Nesse período, foi submetida a intervenção cirúrgica para redução da fractura cominutiva dos ossos próprios do nariz – Quesito 76º).

85) Apesar da alta hospitalar, a autora C... continuava com a perna e pé esquerdos inchados e com muitas dores – Quesito 77º).

86) Sendo que, durante mais de dois meses, andou apoiada numa muleta, para assim poder caminhar – Quesito 78º).

87) Pois não podia pôr o pé no chão e apoiar-se nele, devido às dores intensas que isso lhe provocava – Quesito 79º).

88) Foi submetida a vários exames médicos, várias consultas médicas e tratamentos – Quesito 80º).

89) A autora C (…) desde o acidente, nunca mais fez marcha acelerada ou correu, pois que, fazendo-o, sente profundas e agudas dores ao nível do tornozelo esquerdo – Quesito 81º).

90) Não consegue manter-se apoiada nesse pé por períodos de tempo superiores a 30 minutos – Quesito 82º).

91) Nem pode caminhar transportando objectos pesados, que, de imediato, sente dores agudas no dito pé – Quesito 83º).

92) Aquando das mudanças de tempo, sente sempre naquele pé mal estar e dores – Quesito 84º).

93) A autora C (…) ficou com extensas e profundas cicatrizes em ambas as faces anteriores das pernas – Quesito 85º).

94) A autora ficou com 2 cicatrizes na metade esquerda da região frontal da face, com 3,5 e 4 cms de comprimento, respectivamente – Quesito 86º).

95) Ficou com duas cicatrizes com cerca de 6cm de comprimento, que se cruzam na fronte, imediatamente acima da cana do nariz, as quais a desfeiam, esclarecendo-se que o dano estético é fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Quesitos 87º e 88º).

96) A autora C (…) trabalhava, aquando do acidente, como auxiliar educativa na Escola Primária de ..., em ..., auferindo, como salário mensal, a quantia de € 431,36 – Quesitos 89º e 90º).

97) À data do acidente, era uma pessoa saudável, alegre e não possuía quaisquer defeitos físicos – Quesito 91º).

98) Sofreu dores, quer aquando do acidente, quer durante o internamento e tratamentos, quer posteriormente, pois ainda hoje perduram ao nível do pé esquerdo – Quesito 92º).

99) Por vezes, a autora claudica do pé esquerdo, o que lhe causa alguma inibição e sensação de diminuição física – Quesitos 93º e 94º).

100) A autora C (…) despendeu a quantia de € 78,62 em consultas médicas, exames médicos e medicamentos – Quesito 95º).

101) A autora ficou afectada de uma IPG de 3% - Quesito 96º).

102) A ré já pagou, pelo menos, € 24.762,65, de indemnização decorrente do acidente em causa nos autos, nomeadamente indemnização a dois dos sinistrados, a hospitais e outros – Quesito 97º).

103) O veículo de matricula JN... era propriedade de (…) – Quesito 98º).

104) J (…) nasceu em 5 de Novembro de 1948 – Quesito 100º).

105) A (…) nasceu em 3 de Junho de 2002 – Quesito 101º).

106) C (…) nasceu em 3 de Março de 1969 – Quesito 102º).

III. O direito:

A presente acção respeita à efectivação da responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação, cujos pressupostos se acham enunciados no artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil (diploma de que serão os demais preceitos legais que vierem a ser citados sem indicação de origem) e são, como bem se disse na sentença recorrida, a acção, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. 

Nenhum deles foi posto em causa, residindo a discordância da recorrente, tão-só, nos valores arbitrados a título de danos patrimoniais (lucro cessante) e de danos não patrimoniais.

No que para o caso importa, o autor J (…) peticionou os montantes de € 99.500,00 e de € 25.000,00, a título de lucro cessante e de dano não patrimonial, respectivamente, a autora A (…) as quantias de € 300.000,00 e de € 70.000,00 e a autora C (…) as importâncias de € 35.000,00 e de € 10.000,00.

Na sentença recorrida foram arbitradas ao autor J (…) as quantias de € 20.000,00 e € 15.000,00, à autora A (…) as de € 250.000,00 e € 70.000,00 e à autora C (…) as de € 10.000,00 e € 5.000,00, com referência a danos patrimoniais (lucro cessante) e não patrimoniais, respectivamente.

Defende, agora, a ré que o autor J (…) deve receber, apenas, € 13.230,00 e € 5.000,00, a autora A (…) € 39.091,78 e € 15.000,00 e a autora C (…)€ 3.913,06 e € 3.500,00.

Já os autores são de opinião que os valores atribuídos se mostram correctos, em face da lei vigente e dos princípios gerais de direito aplicáveis.

Ora, vejamos, começando pelos danos patrimoniais.

Em sede de obrigação de indemnizar rege o princípio da reconstituição natural, plasmado no artigo 562.º do Código Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos doravante citados, sem menção de origem), nos termos do qual o lesado deve ser colocado na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.

Mas como a reposição em espécie nem sempre é possível, seja por razões materiais (morte da pessoa ou destruição de coisa não fungível), seja por questões de insuficiência (porque não cobre todos os danos, por exemplo), seja por via da sua inadequação (em casos de excessiva onerosidade para o devedor), há que recorrer, então, à indemnização em dinheiro (artigo 566.º), a calcular em função da chamada “teoria da diferença”: diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra devido ao facto lesivo e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse sofrido o dano (Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, págs. 902 e seguintes).

O dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado (dano emergente), como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante), onde se compreendem os próprios danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564.º).

No que a estes respeita, e para respeitar o enquadramento legal da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do CC), o critério a seguir será o de achar uma indemnização em dinheiro que corresponda a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado deixará de auferir, mas que se extinga no período provável de vida activa (acórdãos do STJ de 04.06.98, BMJ 478, página 344; de 15.12.1998, CJ de Acórdãos do STJ, Ano VI, Tomo III, página 155; de 25.06.02, mesma CJ, Ano X, Tomo II, página 128; de 20.11.03, mesma obra, Ano XI, Tomo III, página 149; e de 22.09.05, obra citada, Ano XIII, Tomo III, página 38); e de 12.01.2010, processo 317/2002.C3.S1, disponível em www.dgsi.pt).

A solução que tem sido entendida como mais adequada para achar o cálculo dessa indemnização é a que parte de determinadas fórmulas matemáticas, mas sempre sujeitas ao tempero da equidade (artigo 566.º, n.º 3, do CC), até porque como se escreveu no citado acórdão de 22.09.05, “essas tabelas assentam em elementos em constante mutação, como as taxas de juro, a própria taxa de incapacidade, tendo em conta os progressos espectaculares da medicina, da cirurgia e da indústria de próteses, a evolução da economia, o salário dos lesados, aquando do acidente, a esperança de vida”.

Haverá que atender ao tempo provável de vida activa – que a jurisprudência, não obstante algumas oscilações, tem vindo, ultimamente, a situar nos 70 anos, como sucedeu, por exemplo, nos referidos acórdãos de 22.09.05 e de 12.01.2010 e, ainda, nos acórdãos do mesmo Tribunal, de 17.12.2009 e de 29.04.2010, processos número 340/03.7TBPNH.C1.S17 e 344/04.2GTSTR.S1, respectivamente –, à incapacidade de que o lesado ficou portador, ao salário auferido e à taxa de juro praticada pelas instituições bancárias.

Posto isto, analisemos as situações, uma a uma.

Autor J (…):

Como se vê dos factos provados, este autor contava, à data do acidente, 55 anos de idade (nasceu a 05.11.1948), pelo que tinha diante de si mais 15 anos de esperança de vida activa; exercia a actividade profissional de carpinteiro de estruturas e jardineiro em França, auferindo um salário mensal de € 1.500,00, o que perfaz um rendimento anual de € 21.000,00 (multiplicando o salário mensal por 14 meses); em resultado das lesões sofridas no acidente, ficou afectado de incapacidade permanente para o trabalho de 7% e são-lhe exigidos, agora, esforços suplementares para o exercício dessa sua profissão.

As taxas de juro dos depósitos a prazo rondam, hoje, o valor de 3%, não sendo previsível a sua alteração (referido acórdão do Supremo, de 17.12.2009).

Neste condicionalismo, o capital necessário para, ao referido juro, obter um rendimento anual calculado com base na incapacidade parcial permanente verificada (€ 1.470,00) seria de € 49.000,00.

Atendendo, porém, a que a duração da vida é incerta, o lesado recebe de uma só vez aquilo que receberia, faseadamente, ao longo do tempo, a manutenção do posto de trabalho não é um dado seguro e o capital tem de se esgotar no fim da vida activa, (mas sem esquecer, em contrapartida, que os salários e o custo de vida tendem a aumentar, embora de forma paulatina, e que a vida física se prolonga, em regra, para além da vida laboral, conquanto com custos normalmente menores), o valor achado não pode deixar de ser reduzido, sob pena de o lesado enriquecer ilegitimamente à custa do responsável pelo ressarcimento dos danos (embora com variações de caso para caso, conforme as circunstâncias, tem-se entendido como acertada a redução em cerca de 1/3).  

Mas, mesmo que se admitisse a redução em metade (o que não deixaria de constituir um exagero), ficaríamos com um montante de € 24.500,00, superior, de qualquer modo, ao achado pelo tribunal recorrido (€ 20.000,00).

Do que decorre, bem vistas as coisas, que o quantitativo atribuído na sentença – um pouco inferior à perda salarial global, que ascende a € 22.050,00 (€ 21.000,00 x 15 anos x 7%) – se não mostra exagerado, ao contrário do que pretende a recorrente.

Autora A (…):

A especificidade da situação complica substancialmente a tarefa do cálculo do valor indemnizatório, visto que esta autora tinha menos de dois anos de idade à data do acidente (estava a três dias de atingir 20 meses), não havendo, por consequência, actividade profissional a que lançar mão nem formação académica susceptível de augurar perspectivas realizáveis de futuro.

Mas, sendo indubitável a ressarcibilidade do dano, ainda quando o lesado não exerça qualquer profissão remunerada (acórdão do STJ de 07.02.2008, CJ de Acórdãos do Supremo, Ano XVI, Tomo I, página 91), haverá que atender à incapacidade para a generalidade das profissões, à incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento e a possibilidade da sua utilização em termos correspondentemente deficientes ou penosos (acórdão do mesmo Tribunal de 02.10.2007, CJ de Acórdãos do Supremo, Ano XV, Tomo III, página 68).

Sempre que o lesado, devido à idade, não tenha entrado, ainda, no mercado de trabalho, deve, como se disse nesse acórdão, ser considerado o seu ingresso na vida activa aos 18 anos e o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média (no acórdão do mesmo Tribunal, de 21.04.2010, processo n.º 691/06.9TBAMT.P1.S1, no entanto, optou-se pelo valor do Salário Mínimo Nacional).

Como salário médio mensal pode aceitar-se, hoje, um valor na ordem dos € 700,00, superior em € 100,00 ao tido em conta no citado acórdão do Supremo, de 02.10.2007, e como taxa de juro a acima referida de 3%.

Considerando um salário anual de € 9.800,00 (€ 700,00 x 14 meses), um tempo provável de vida activa de 52 anos (70-18) e um coeficiente de incapacidade de 25%, atingir-se-ia uma perda salarial de € 127.400,00.

Mas se, por outra via, se procurasse determinar o capital necessário para, ao juro de 3%, obter o rendimento anual calculado em função da incapacidade, ou seja, € 2.450,00 (€ 9.800,00 x 25%), achar-se-ia um montante aproximado de € 82.000,00.

Em qualquer caso, terão de ser ponderados os factores acima indicados (incerteza da duração da vida, recebimento, de uma só vez, daquilo que seria recebido, faseadamente, ao longo do tempo, prolongamento da vida física para além da vida laboral e aumento dos salários e do custo de vida) e a necessidade de esgotamento do capital no fim da vida activa.

Ao invés, no entanto, do que sucedeu na hipótese precedente, julga-se que a ponderação destes factores, ou melhor, de parte deles, aconselha a um aumento do valor do capital necessário à obtenção do rendimento anual de € 2.450,00 (€ 82.000,00), que não à sua redução.

Por três razões essenciais: a primeira, porque é muito longa a dimensão temporal do período de vida activa da autora (só terminará, repare-se, à beira do último quartel deste século, que mal começou), sendo perfeitamente previsível a ocorrência, no seu decurso, de uma escalada ou, ao menos, de uma progressão significativa do valor dos salários; a segunda, porque é expectável, hoje (quando o acesso ao ensino é uma realidade para todos e as novas tecnologias abrem perspectivas de futuro nunca vistas), para qualquer criança ou jovem a obtenção de uma remuneração bem acima da que funcionou como base de cálculo (€ 700,00), por via do completamento de formação académica ou técnico-profissional de nível elevado; a terceira, porque num tempo em que o trabalho é, cada vez mais, um bem escasso, como já alguém disse, um grau de incapacidade de 25% tende a limitar o acesso ao mercado de emprego e, por via de consequência, a potenciar a escassez da oferta.

E não esgrima a ré com a eventualidade de a incapacidade ora atribuída ser revista aos doze anos de idade, porque nada nos garante que se não verifique o seu agravamento em vez da diminuição.

A questão é saber qual a percentagem do aumento do capital. Julga-se, operando na mesma medida, mas, agora, em sentido inverso ao referido para a redução, que na ordem de 1/3, com o que se logrará o equilíbrio e a justiça que a situação exige.

O montante de € 120.000,00, próximo da perda salarial reportada à totalidade do período de vida activa, como acima calculado, mas muito distante do arbitrado em 1.ª instância, parece satisfazer, com equidade, os fins da obrigação de indemnizar.

Autora C (…)

À data do acidente, a autora, com a idade de 34 anos (nasceu a 03.03.1969), dispunha de um período de vida activa de mais 36 anos; trabalhava, como auxiliar educativa na Escola Primária de ..., em ..., arrecadando um salário mensal de € 431,36, o que vem a dar num rendimento anual de € 6.039,04; devido ao acidente, sofreu lesões que afectaram, de forma permanente, a sua capacidade para o trabalho em 3%.

Em face destes elementos, o capital necessário para, ao mencionado juro de 3%, obter um rendimento anual calculado com base na incapacidade parcial permanente verificada (€ 181,17 = € 6.039,04 x 0,03) seria de cerca de € 6.000,00.

Já a perda salarial global chega aos € 6.522,12 (€ 181,17 x 36 anos).

Chamando à colação os factores antes enunciados relativamente ao autor J (…) (incerteza da duração da vida, recebimento à cabeça da indemnização, insegurança quanto à manutenção do posto de trabalho, necessidade de esgotamento do capital até ao fim da vida activa, tendência para o aumento dos salários e do custo de vida e prolongamento da vida física para além da vida laboral), à mesma conclusão se haverá de chegar, isto é, à redução do montante encontrado à luz daquelas operações.

Em percentagem inferior, no entanto, vista a maior duração do período de vida activa da lesada, afigurando-se, nessa medida, como ajustado o valor de € 5.000,00.

Quanto ao dano não patrimonial:

            Nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Os critérios para a respectiva fixação encontram-se estabelecidos no n.º 3 do mesmo preceito e no artigo 494.º; a regra base é a equidade, mas tendo sempre em atenção as circunstâncias do caso, de que avultam o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e outras que se tenham apurado. 

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo …, e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Prof. Antunes Varela, ob. cit., pág. 600).

“A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (autor e obra citados, pág. 602).

A indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, por isso que, não pode ser miserabilista, mas significativa (acórdão do STJ de 25.06.02, supra mencionado; em igual sentido, o acórdão do mesmo Tribunal, de 12.03.09, disponível em www.dgsi.pt).

No seu cálculo intervém, sobretudo, critérios de equidade (mas fundados nas circunstâncias do caso concreto), de proporcionalidade (em função da gravidade do dano), de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida (Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, pág. 449).

“(…) pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal … a equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio” (Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, pág. 103/105).

Para as circunstâncias do caso, hão-de relevar a natureza e o grau das lesões, as suas sequelas (físicas e psíquicas), os tratamentos médicos, mormente intervenções cirúrgicas, os internamentos, o tempo de doença, o “quantum doloris”, a afirmação social, a alegria de viver, a auto estima, a idade, a esperança de vida e perspectivas de futuro (acórdão do STJ de 02.10.2007, CJ do STJ, Ano XV, Tomo III, página 68).

Revertendo ao caso dos autos, temos que foi muito grave a culpa da segurada da ré (invadiu a meia faixa de rodagem contrária à sua, onde embateu no veículo tripulado pelo autor J (…)), que é, na aparência, remediada a situação económica do J (…), modesta a da autora C (…) (a da menor A (…) ignora-se) e elevada a da ré, como o é, presumidamente, a de todas as companhias de seguros.

No mais, analisemos a situação quanto a cada qual dos autores.

J (…):

Sofreu várias lesões, designadamente traumatismo cervical anterior com lesão traumática da laringe, traumatismo do membro inferior direito, evidenciando artrose da articulação tibiotársica direita com lesões degenerativas graves (patologia já existente), enfisema discreto da zona cervical e secção parcial do tendão rotuliano direito, que foi suturada.

Foi socorrido pelos Bombeiros no local do acidente, feita cateterização de uma veia do braço e transportado, em ambulância, para o serviço de urgência do Hospital de S. Teotónio, em Viseu.

Foram-lhe efectuados, aqui, vários exames médicos, desinfectadas as feridas, suturado o joelho direito, imobilizada, com gesso, a perna direita e aspirados o sangue e fluidos, pela boca, de 15 em 15 minutos, devido à lesão traumática da laringe.

Após, foi transferido para os serviços de observação do mesmo Hospital, onde esteve internado desde o dia do acidente até ao dia 12.02.2004, altura em que teve alta clínica, mas com necessidade de fazer tratamentos ambulatórios, tanto ao nível da laringe, como ao da entorse tibiotársica, os quais realizou nesse Hospital, na Casa de Saúde de S. Mateus, em Viseu, na Policlínica do Sátão e em médicos particulares.

À data do acidente, encontrava-se de férias em Portugal, tendo regressado a França, onde era emigrante, em finais de Março de 2004, altura em que estava em condições de fazer a viagem de autocarro, por ter estabilizado ao nível da tibiotársica.

Desde então, passou a ser acompanhado pelos serviços médicos franceses, designadamente no Hospital Intercommunal Sud-Léman Valserine.

Caminhou amparado em canadianas até Abril de 2004, pelo menos.

Devido ao acidente, ficou com rigidez do joelho, com flexão limitada a 90%, e amiotrofia de 3 centímetros da perna (parcialmente causada pela falta de uso, devido à rigidez do joelho.

Deixou de exercer a actividade profissional de jardineiro.

São-lhe, agora, exigidos esforços suplementares para o exercício da actividade profissional de carpinteiro de estruturas e jardineiro.

Claudica na marcha, devido ao acidente e a antecedentes patológicos de que já era portador, o que o impede de correr, saltar e fazer marcha rápida ou durante longos períodos de tempo.

Ficou em estado de choque e pânico aquando do acidente, devido às dificuldades respiratórias graves e à grande quantidade de sangue que perdeu.

Sofreu dores no momento do acidente e nos 90 dias subsequentes, fixáveis no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

As dores ainda persistem hoje, sobretudo ao nível da perna e pé direito, aquando das mudanças de tempo e sempre que exerce pressão ou força sobre esse pé, as quais têm a ver, também, com a patologia degenerativa grave de que já padecia à data do acidente.

Ficou com uma cicatriz localizada abaixo da rótula, nacarada, quase inaparente, e transversal, com 8 centímetros de comprimento.

Como sequela definitiva do acidente, apresenta uma incapacidade permanente parcial de 7%.

Antes do acidente, tinha grande alegria de viver e constante boa disposição.

O descrito quadro é, inquestionavelmente, grave, em face do pânico sofrido, da extensão das lesões, do tempo de internamento hospitalar e do subsequente tratamento ambulatório, da intensidade das dores, do apoio à marcha com canadianas e, sobretudo, das consequências finais do acidente: rigidez do joelho, impossibilidade de exercer a profissão habitual, exigência de esforços suplementares para desempenhar outra actividade, marcha claudicante e incapacidade permanente parcial para o trabalho de 7%.

Não se afigura, assim, que a quantia arbitrada em 1.ª instância (€ 15.000,00) seja excessiva ou, sequer, desajustada (há que evitar o miserabilismo, recorde-se), pelo que se mantém, nesta parte, a sentença.

A (…)

Sofreu lesões, com perda do conhecimento, e foi conduzida aos serviços de urgência de pediatria do Hospital de S. Teotónio, em Viseu, onde lhe foram detectados traumatismos diversos (traumatismo craniano, com fractura parietal direita e hemorragia sub-aracnoideia e traumatismo abdominal com múltiplas fracturas do baço), suficientes, só por si, para causar a morte.

Foi laparotomizada e esplenectomizada de urgência por laceração esplénica, tendo-lhe sido encontrado, durante a intervenção cirúrgica, um hematoma da cauda do pâncreas.

Após estabilização, foi, nesse mesmo dia, ainda, transferida, em helicóptero, acompanhada do corpo clínico de INEM, para o Hospital Pediátrico de Coimbra, onde ficou internada na unidade de cuidados intensivos até 03.02.2004.

Daí, passou para os Serviços de Cirurgia do mesmo Hospital, tendo retornado, três dias mais tarde, ao Hospital de S. Teotónio.

Em 10.02.2004, recebeu alta hospitalar para o domicílio, mas, no dia 16 do mesmo mês, foi, de novo, internada no Hospital de S. Teotónio, por perda de peso e vómitos.

Foi transferida, mais uma vez, para o Hospital Pediátrico de Coimbra, por suspeita de ruptura/fístula biliar, que se não confirmou.

No entanto, devido a sintomatologia oclusiva progressiva, foi submetida, em 18.02.2004, a laparotomia exploradora, revelando brida a nível do jenuno, pelo que houve necessidade de fazer intervenção cirúrgica para lise dessa brida e apendicectomia, o que aconteceu nesse mesmo dia.

Teve alta hospitalar para o domicílio em 22.02.2004, passando, desde então, a ser acompanhada e assistida medicamente e, praticamente, todas as semanas, quer no Hospital de S. Teotónio, quer em médicos privados.

Em 07.02.2005, fez ecografia abdominal para controlo de esplenectomia post-traumática abdominal resultante do acidente, tendo-lhe sido detectada atrofia do rim esquerdo, com ausência de funcionamento, em razão do que foi sujeita a intervenção cirúrgica, em 25.05.2005, para realização de nefronreterectomia esquerda.

Teve alta hospitalar em 27.05.2005, passando, desde então, a ser acompanhada, com frequência, por médicos, quer no Hospital de Viseu, quer em consultas particulares.

À data do acidente, gozava de boa saúde e apresentava um desenvolvimento físico e psíquico normal para a sua idade.

Ficou com uma incapacidade temporária geral parcial de 481 dias.

Devido à perda do baço e do rim esquerdo, terá de ter especiais cuidados médicos ao longo da sua vida e de se submeter a uma dieta alimentar cuidada e condicionada.

Por força das intervenções cirúrgicas a que foi sujeita, apresenta várias cicatrizes ao nível abdominal, que a desfeiam (dando origem a um dano estético classificado, médico-legalmente, de grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente) e lhe causarão traumas e mal estar psíquico e psicológico, mormente em alturas de exposição das zonas atingidas, e condicionarão o tipo de roupas a usar.

Sofreu dores intensas e atrozes, quer no momento do acidente, quer durante os períodos de internamento hospitalar e tratamentos ambulatórios, que persistem, sendo o quantum doloris classificado, médico-legalmente, no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

Actualmente, é portadora de uma IPG de 25%.

Se era grave a situação do autor J (…) a da menor A (…) é, a todos os títulos, gravíssima.

As lesões foram extensas e muito profundas, os períodos de internamento e os tratamentos prolongados, as sequelas anátomo-funcionais violentas (basta pensar na perda de órgãos necessários ao bom funcionamento do corpo), as dores intensas e atrozes, o dano estético (relevante para as pessoas, em geral, mas, em especial, para as do sexo feminino) considerável e a perda de capacidade para o trabalho elevada.

Para uma criança de menos de dois anos, pode dizer-se que é, no mínimo, a hipoteca do futuro.

As suas perspectivas de vida não são como as da generalidade das crianças, seja porque perdeu importantes órgãos do corpo, que a obrigarão a cuidados extremos de saúde e de alimentação, seja porque o acesso ao mercado de trabalho (ou a parte dele, pelo menos) se mostra, à partida, condicionado, por virtude da incapacidade sofrida, seja, ainda, porque as cicatrizes de que ficou portadora são um factor de inibição da afirmação pessoal e social.

Por tudo isso (pela gravidade objectiva da situação), tem-se por adequado o valor fixado em 1.ª instância.

C (…):

Em consequência directa e necessária do acidente, sofreu uma ferida extensa e múltiplas na região frontal, dorso do nariz e pálpebras inferiores, com fractura nasoetenoidal, apresentando, ainda, edema acentuado da perna e pé esquerdos, e feridas em ambas as pernas, que foram suturadas.

Foi socorrida no Hospital de S. Teotónio, em Viseu, onde ficou internada até ao dia 06.2.2004, período em que foi submetida a intervenção cirúrgica para redução da fractura cominutiva dos ossos próprios do nariz.

Após a alta, continuava com a perna e pé esquerdos inchados e com muitas dores, tendo andado, durante mais de dois meses, apoiada numa muleta, para assim poder caminhar, já que não podia pôr o pé no chão e apoiar-se nele, devido às dores intensas que isso lhe provocava.

Foi submetida a vários exames médicos, várias consultas médicas e tratamentos.

Desde o acidente, nunca mais fez marcha acelerada ou correu, por isso lhe provocar profundas e agudas dores ao nível do tornozelo esquerdo.

Não consegue manter-se apoiada nesse pé por períodos de tempo superiores a 30 minutos, nem pode caminhar transportando objectos pesados, por sentir, de imediato, dores agudas no dito pé.

Aquando das mudanças de tempo, sente mal estar e dores naquele pé.

Por virtude do acidente, ficou com extensas e profundas cicatrizes em ambas as faces anteriores das pernas, com 2 cicatrizes na metade esquerda da região frontal da face, com 3,5 e 4 centímetros de comprimento, respectivamente e com duas cicatrizes, com cerca de 6 centímetros de comprimento, que se cruzam na fronte, imediatamente acima da cana do nariz, as quais a desfeiam, ocasionando um dano estético fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

À data do acidente, era uma pessoa saudável, alegre e não possuía quaisquer defeitos físicos.

Sofreu dores aquando do acidente, durante o internamento e os tratamentos e posteriormente, que ainda hoje perduram ao nível do pé esquerdo.

Por vezes, claudica do pé esquerdo, o que lhe causa alguma inibição e sensação de diminuição física.

Ficou afectada de uma IPG de 3%.

Tais lesões e suas consequências, embora sem a extensão das dos restantes autores, são, ainda assim, bastante graves, dadas a necessidade de intervenção cirúrgica, as limitações da mobilidade (por via do uso de uma muleta durante mais de dois meses, da impossibilidade de fazer marcha acelerada, da perda de apoio no pé esquerdo e da dificuldade de transportar objectos pesados), as dores que a autora sofreu e, ainda, sofre, as cicatrizes nas pernas e no rosto e a IPG de que ficou afectada.

A importância atribuída na sentença (€ 5.000,00) não é, a nosso ver, demais para compensar um tão negativo espectro.

Em conclusão, procederá o recurso quanto ao montante indemnizatório referente aos danos patrimoniais (lucro cessante) sofridos pelas autoras A (…) e improcederá em relação a tudo o mais.

IV. Síntese final:

            1) Ainda que o lesado não tenha entrado na vida profissional remunerada, é ressarcível o dano derivado da perda de capacidade aquisitiva.

            2) Nesse caso, para o cálculo do dano deve considerar-se o ingresso no mercado de trabalho aos 18 anos e o salário médio ao alcance de um jovem saudável, dotado de formação profissional média.

            3) A indemnização por danos não patrimoniais não deve ser miserabilista, mas, antes, significativa.

            4) Mostra-se equilibrada a importância de € 70.000,00 para compensar uma menor de menos de dois anos que sofreu traumatismos múltiplos em acidente de viação, os quais obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas, foi sujeita a internamento e a tratamentos prolongados, perdeu um rim e o baço, suportou dores atrozes, ficou com cicatrizes que a desfeiam e lhe causarão traumas e mal estar psíquico e psicológico e passou a ser portadora de uma IPG de 25%.

            V. Decisão:

            Nos termos expostos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, por consequência, em fixar nos montantes de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) e de € 5.000,00 (cinco mil euros) o valor da indemnização relativa a danos patrimoniais (lucro cessante) a pagar pela ré às autoras A (…) e C (…), respectivamente, mantendo-se, em tudo o mais, o decidido.

            Custas por recorrentes e recorridos na proporção do respectivo decaimento.