Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/12.8TBTCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
CASO JULGADO
REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 12/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - TRANCOSO - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 609, 633, 635 CPC, 52 CEXP
Sumário: 1. Os efeitos do julgado não se estendem a cada um dos requisitos ou factores a ponderar para efeitos de apuramento do valor do solo expropriado, não havendo impedimento a que o tribunal tenha em conta uma medida superior de algum dos elementos que interferem na avaliação do terreno, desde que o valor indemnizatório total não seja afectado.

2. O princípio da proibição da reformatio in pejus tem apenas em vista que o Recorrente não venha a ficar prejudicado pelo facto de ter recorrido da decisão e isso não acontece se for atribuída uma indemnização idêntica ou inferior à estabelecida no acórdão arbitral.

3. A avaliação dos peritos, constituindo uma verdadeira prova pericial, está sujeita à livre apreciação do tribunal, de acordo com o disposto no artº 389º do C.Civil. Contudo, o laudo dos peritos, ainda que possa ser, apreciado de uma forma crítica pelo tribunal é determinante para a fixação da indemnização, pelos conhecimentos técnicos que nele são expressos por pessoas habilitadas para o efeito.

4. A decisão sobre a “justa indemnização” pode conter partes distintas ou diversas parcelas, correspondendo cada uma delas às questões que são submetidas à apreciação do tribunal, nos termos do artº 608 nº 2 do C.P.C. O tribunal decide apenas dentro dos limites delineados pelas partes que, no caso de recurso, é revelado pelas conclusões dos recorrentes.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante E.P.- Estradas de Portugal, S.A. e expropriados L (…) e D (…) foi adjudicada àquela, por decisão constante de fls. 96 e sg., a propriedade sobre a parcela de terreno n.º 42, com área de 8.251,00 m2, a destacar do prédio sito no lugar da Cumieira, Aguiar da beira, com área total de 17080,00 m2,inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia com o n.º 1223, e omissa na Conservatória do Registo Predial, o qual confronta a norte com Matos Cid e outros, sul com Matos Cid, Nascente com estrada e poente com Joaquim Pinto.

            Notificada a entidade expropriante e os expropriados deste despacho, veio a expropriante interpor recurso da decisão arbitral, peticionando que seja atribuída, a título de justa indemnização, a quantia de €7.425,90 e que não se considerassem os valores apresentados no laudo de avaliação arbitral, por a sua aplicação ser incorreta.

Em sustento de tal posição, alegou que a produção média de material lenhoso atendida no acórdão arbitral não era correta e que os valores atribuídos a esse material lenhoso também não se coadunavam com os valores inferiores praticados na zona onde a parcela se inseria. No que toca à taxa de majoração de 25% atribuída, expressa a recorrente que a taxa de capitalização aplicada no laudo já contempla todos os pressupostos explanados pelos srs. Árbitros, pelo que a aplicação da majoração e da taxa de capitalização importa uma sobrevalorização e uma sobreposição de critérios, acrescentando que estes não se enquadram no estipulado no Código das Expropriações. Relativamente às benfeitorias, alega que os pinheiros existentes na parcela e que reverteram para os respetivos proprietários, já atingiram o seu términus de rentabilidade económica.

Recebido o recurso, os expropriados, depois de notificados, não responderam.

Determinou-se a realização da avaliação pericial colegial a que se referem os arts. 61.º/2 e 62.º do Código das Expropriações, tendo sido elaborado o relatório constante de fls. 120 a 129, do qual a expropriante pediu esclarecimentos adicionais que foram prestados.

Apenas a expropriante alegou, começando por fazer um percurso retrospetivo sobre o processo, para depois se debater sobre as consequências da não apresentação de recurso pelos expropriados e finalizar, debruçando-se sobre a peritagem e a justa indemnização devida aos expropriados. Conclui que deverá avaliar-se o solo em 0,90€/m2 ou, caso assim não se entenda, em 0,92 €/m2, sem qualquer majoração, ou apenas com a majoração de 15%, determinar-se a não avaliação dos pinheiros existentes no local como benfeitorias e, por fim, não conhecer da restante matéria apurada em peritagem. Cita ainda a jurisprudência uniformizadora do Acórdão n.º 7/2001, do Supremo Tribunal de Justiça, para referir que o montante indemnizatório apurado deve ser atualizado desde a data da DUP até à data do despacho que atribui ao expropriado o montante até ao qual existe acordo e sobre a restante quantia, desde essa data até ao trânsito em julgado.

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriante, fixando em € 16.562,40 o montante da indemnização devida aos expropriados, acrescido da actualização de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor publicado pelo INE desde 14/04/2009 até 26/11/2012 e a partir desta data sobre o valor de € 9.136,50 até ao trânsito em julgado da decisão.

Não se conformando com esta decisão vem a expropriante interpor recurso para este tribunal, pedindo a revogação da sentença proferida, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

1.O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que atribuiu uma indemnização de € 16.562,40 pela expropriação de uma parcela de terreno denominada por parcela 42.

2. Tal parcela foi destacada do prédio rústico com a área total de 17.080m2, situado em Comeria, na freguesia do concelho de Aguiar da Beira, inscrito na matriz predial sob o artº 1223 e omisso na Conservatória do Registo Predial.

3. Segundo o Plano Director Municipal de Aguiar da Beira (PDMAB), a parcela a expropria fica inserida em Espaço Florestal.

4. Tanto os árbitros como os peritos avaliaram o solo da parcela expropriada como terreno para outros fins face à sua capacidade de produção florestal.

5. O Tribunal a quo embora tenha determinado a avaliação deste solo como apto para outros fins, fundamentado na peritagem, atribuiu à parcela um valor de metro quadrado díspar com o praticado no mercado e ainda uma majoração ao solo face à existência de infraestruturas no local.

6. Certo é que nem os peritos nem o Tribunal a quo colocou em crise os argumentos apresentados pela expropriante relativamente ao valor do m2, não aplicando o período de 35 anos de investimento, o que se traduziu num valor menor de produção num menor valor por m2.

7. Ora, era legítimo ao tribunal a quo optar pela atribuição do valor que melhor se aplica ao caso concreto, no entanto, aquele apenas poderia optar entre o valor apurado na arbitragem, de 0,92 e o apurado pelo expropriante de 0,90, dado que a expropriante não pode ser condenada a pagar um valor superior àquele com o qual o expropriado se conformou atento o trânsito em julgado.

8. Pois o expropriado ao não interpor recurso principal ou subordinado da decisão arbitral, aceitou o montante indemnizatório aí apurado, deixando-o transitar em julgado e com ele se conformou.

9. Como refere o Acórdão do STJ de 09.10.70 no BMJ 200, a pág. 168, o acórdão dos árbitros proferido no processo de expropriação por utilidade pública, não é um simples arbitramento, antes representa o resultado de um julgamento, constituindo verdadeira decisão susceptível de recurso em sentido próprio e sujeita portanto, às normas respectivas do Código de Processo Civil.

10. Por isso mesmo é que o âmbito do recurso da decisão arbitral é fixado pelas alegações referidas no artº 52 do C.E., sabendo assim o Tribunal de Recurso quais as partes da decisão que o recorrente impugna, e quais as que aceita, operando quanto a estas o trânsito em julgado.

11. Daí que se possa considerar como decidiu, e bem, o Ac. do STJ de 09.05.90, no BMJ nº 397, pág. 423, que os árbitros não intervêm como peritos, não tendo o resultado da sua actividade caracter de meio de prova de livre convicção do juiz. Deste modo, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões, não pode o tribunal de comarca, que neste caso intervém já em segunda instância, proceder à alteração das partes da decisão arbitral não impugnadas, e que por isso transitam em julgado. Tanto mais que os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo- artº 684 nº 4 do C.P.C.

12. Como se afirma no Ac. proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 12/02/98, na CJ tomo I, pág. 117, secundado pelo da Relação de Évora de 30.01.97, no BMJ nº 463, pág. 644, a decisão arbitral consubstancia o resultado de um julgamento, e no recurso dela interposto são aplicáveis as regras gerais sobre os recursos – logo, as questões não suscitadas no recurso da decisão arbitral não podem ser apreciadas na sentença do tribunal de comarca.

13. Assim sendo se compreende que para o expropriado e dado que este não interpôs recurso daquela decisão arbitral, conformou-se com tudo o que aí foi decidido, inclusive com a classificação do solo, valores unitários e globais, valores de benfeitorias, etc.

14. Já relativamente à majoração, não poderia o tribunal a quo atribuir a majoração apurada pelo tribunal a quo, pois atenta a falta de recurso do expropriado, a percentagem apurada pela peritagem, porque superior àquela que os árbitros apuraram e com a qual o expropriado se conformou, não poderia ter sido atribuída.

15. O Tribunal a quo teria de manter a apurada pelos árbitros, ou atender aos argumentos deduzidos pela expropriante e retirar a atribuição daquela.

16. É que o Código de expropriações manda atender a outras circunstâncias objectivas relevantes para o cálculo do valor do solo e que influenciem directamente o valor do rendimento do mesmo, a existência de infraestruturas não podem ser consideradas mais-valias para este tipo de solos, pois o facto de junto da parcela existir rede telefónica ou estação depuradora de esgotos ou rede de energia eléctrica, não influencia o valor do rendimento daquela parcela.

17. Acresce ainda que o colectivo arbitral não explicitou ou indicou quais e como é que as infraestruturas existentes junto da parcela influenciariam o rendimento da mesma.

18. As valorizações dos solos estão já contidas na taxa de capitalização utilizada no apuramento do valor/m2, pelo que a este propósito não poderá ser atribuído qualquer valor.

19. Caso assim não se entenda o que apenas se concede por mera questão de patrocínio, sempre a taxa a atribuir seria de 15% por ser servida por acesso pavimentado, não se atribuindo a restante percentagem.

20. Quanto à desvalorização atribuída pelos peritos à parcela sobrante esta não poderia ser conhecida, dado que não foi pedida por qualquer uma das partes, em sede de recurso de decisão arbitral.

21. Veja-se que esta é uma das formalidades exigidas na interposição de recurso – a exposição das razões da discordância com a decisão arbitral – uma vez que o objecto do recurso fica delimitado por essas razões, não podendo o Tribunal condenar em mais do que é pedido no artº 609 do NCPC.

Os expropriados vêm apresentar contra-alegações pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto dos recursos delimitado pela Recorrente nas suas conclusões - artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine.

- da não interposição de recurso da decisão do tribunal arbitral por parte dos expropriados impedir a avaliação do solo por valor superior ao fixado naquela decisão;

- da indevida consideração da majoração de 32,5%, no valor do solo fixado;  

- do excesso de pronuncia, em violação do artº 608 nº 2 do C.P.C. por ser atribuída indemnização pela desvalorização da parcela sobrante, o que não foi peticionado.

III. Fundamentação de facto

Por não ter sido impugnada, não havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto e tendo em conta o disposto no artº 663 nº 6 do C.P.C., remete-se para a decisão da 1ª instância, que considerou provados os seguintes factos:

1. Por despacho do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações com o n.º 9933/2009, de 2 de abril de 2009, publicado no D.R. n.º 72, 2.ª Série, de 14 de abril de 2009, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a esses inerentes necessários à execução da obra da EN 229 – variante de Aguiar da Beira – reformulação do projeto de execução e do seu aditamento n.º 1, identificados no mapa de expropriações e na planta parcelar em anexo, entre os quais se integrava a parcela n.º 42, da propriedade de D (…) e L (…)[Extrato do Diário da República junto a fls. 93 e 94].

2. A parcela de terreno n.º 42 é parte integrante de um prédio rústico, descrito como sendo de pastagem e pinhal, situado no lugar da Cumieira, freguesia e Concelho de Aguiar da Beira, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1223 e omisso na Conservatória do Registo Predial, que confronta a norte com Matos Cid e outros, a sul com Matos Cid, a Nascente com estrada e a poente com Joaquim Pinto [certidões matricial de fls. 15 e registral negativa de fls. 16 e anexo à DUP, a fls. 94, auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

3. A área total do prédio é de 17.080m2, sendo a correspondente à parcela expropriada de 8.251,00 m2 [certidão matricial de fls. 15 e registral negativa de fls. 16 e anexo à DUP, a fls. 94, auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

4. Segundo o Plano Diretor Municipal d           e Aguiar da Beira, em vigor à data da declaração de utilidade pública, a parcela situa-se em “espaços florestais” [certidão de fls. 64, auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

5. Foi conferida posse administrativa à parcela expropriada em 15 de junho de 2009 [auto de posse administrativa de fls. 52].

6. A expropriação da parcela deu origem a duas partes sobrantes, com 8.829m 2 no todo, sendo uma a nascente da parcela expropriada com 3.263m2 e outra a poente da mesma com 5.566 m2 [auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

7. O acesso ao prédio no qual se inseria a parcela era feito a partir da EN 229, com a qual confinava numa extensão aproximada de 190m; atualmente o acesso à parte sobrante do lado nascente ficou assegurado por aquela via e o à parte sobrante do lado poente pela construção de uma passagem inferior [auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

8. A parcela expropriada localiza-se nas proximidades da vila de Aguiar da Beira, numa zona de relevo pouco acidentado, possuindo um declive suave, sendo a sua envolvência caraterizada por ocupação agro/florestal com predominância para os terrenos de pinhal [acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

9. O seu solo era derivado da meteorização de rochas graníticas e dotado de textura franco-arenosa, com profundidade que variava entre a média e a delgada e alguns afloramentos rochosos, de forma dispersa, possuindo, nessa conformidade, aptidão florestal [auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

10. À data da vistoria ad perpetuam rei a parcela estava ocupada com quatrocentos e cinquenta pinheiros, com diâmetro médio de peito de 0,30m, os quais foram abatidos pelos expropriados [auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

11. Dispunha ainda de rede de distribuição de eletricidade e de rede telefónica [acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

12. De acordo com a vistoria ad perpetuam rei memoriam, os pinheiros estavam em bom estado de sanidade e tinham atingido o limite de explorabilidade económica, face à redução das copas; já no relatório arbitral entendeu-se que o se tratava de um povoamento esquénio e homogéneo, com vinte anos, e que a sua explorabilidade económica máxima seria atingida daí a quinze anos [auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam de fls. 59 a 62, acórdão arbitral de fls. 18 a 24 e relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

13. No acórdão arbitral a parcela expropriada foi classificada como “solo apto para outros fins” e avaliada em €17.306,00 [dezassete mil trezentos e seis euros] [acórdão arbitral de fls. 18 a 24].

14. No relatório pericial elaborado pelos peritos indicados pelo Tribunal, expropriante e expropriados, estes, por unanimidade, classificaram a parcela como “solo apto para outros fins” e fixaram o valor da justa indemnização em €16.562,40 [dezasseis mil quinhentos e sessenta e dois euros e quarenta cêntimos], sendo €13.119,09, atribuídos pelo valor do solo e o remanescente, €3.443,31, pela depreciação da parte sobrante [relatório de peritagem de fls. 120 a 129].

15. Na ficha de avaliação da parcela a entidade expropriante atribui-lhe um valor total de €14.026,70 [catorze mil e vinte e seis euros e setenta cêntimos] [fichas de avaliação de fls. 91 e 92].

IV. Razões de Direito

- da não interposição de recurso da decisão do tribunal arbitral por parte dos expropriados impedir a avaliação do solo por valor superior ao fixado naquela decisão.

Alega a Recorrente que os expropriados ao não terem interposto recurso da decisão arbitral, aceitaram o montante indemnizatório aí apurado, deixando-o transitar em julgado e conformando-se com ele, inclusive com a classificação do solo, valores unitários e globais, etc. Conclui que, tendo os árbitros defendido o valor de € 0,92 m/2 de terreno, a expropriante o valor de € 0,90 e os peritos o valor de € 1,20 o tribunal a quo apenas poderia optar por aqueles dois primeiros valores, não podendo a expropriante ser condenada em valor superior, pelo facto dos expropriados não terem recorrido.

Vejamos se assim é.

Tem vindo a ser entendido na jurisprudência, de forma praticamente pacífica e unânime, que a decisão arbitral constitui uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se por isso ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações, vd. neste sentido, Salvador da Costa, in. Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, pág. 301. Concordamos na íntegra com esta posição e com as razões que a fundamentam e bem expressas, designadamente, no Acórdão deste Tribunal de 02/10/2012, in. www.dgsi.pt às quais se adere na íntegra, e que nos diz: “Mas não deve haver qualquer equívoco quanto à natureza da decisão dos árbitros: esta constitui uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário, e a sua impugnação, i.e., o pedido da sua reapreciação dirigido ao tribunal judicial constitui, verdadeira e materialmente, um recurso ordinário: realmente a impugnação do acórdão arbitral outra coisa não é que o pedido de reponderação de uma decisão não transitada, dirigida a um tribunal supra-ordenado, fundado na ilegalidade da decisão e visando revogá-la e substituí-la por outra mais favorável ao recorrente. E recurso a que são aplicáveis, devidamente reconformadas, as normas do CPC que regulam essa forma de impugnação da decisão judicial. Em boa e sã doutrina, não se deve, realmente, confundir o perito com o árbitro: o primeiro capta e dá parecer sobre factos observados; o segundo profere verdadeiro julgamento sobre matéria de facto ou de facto e de direito. O árbitro julga; o perito é simplesmente um meio de aquisição da prova. (…) O acórdão dos árbitros, no processo de expropriação, constitui, na verdade, materialmente, uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário.”

Do acórdão arbitral cabe sempre recurso para o tribunal do lugar da situação dos bens ou da sua maior extensão.

Do acórdão arbitral, prévio a este processo, apenas a expropriante veio interpor recurso, dando início aos presentes autos; os expropriados não recorreram de tal decisão, conformando-se, nessa altura, com a mesma.

Nos termos do artº 633 nº 1 do C.P.C.: “Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável.” Por seu turno, o artº 635 do C.P.C., com a epígrafe: “Delimitação subjectiva e objectiva do recurso”, dispõe no seu nº 5, que: “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.”

Esta norma vem excluir a reformatio in pejus, na medida em que o julgamento do recurso não pode agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que se ele não tivesse recorrido- vd. neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, in. Código do Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 311.

Assim sendo, a parte decisória não recorrida torna-se estável, não podendo a posição da Recorrente ser agravada, devido ao recurso por si interposto, adquirindo a força e autoridade de caso julgado, atenta a proibição constante do princípio da reformatio in pejus, sendo certo que, de acordo com o disposto no artº 635 nº 4 do C.P.C. o recorrente pode restringir o objecto inicial do recurso nas conclusões da alegação que apresenta.

No caso em presença, a expropriante, no recurso que interpõe da decisão arbitral para o tribunal, não restringe o objecto do recurso a uma parte da mesma, não havendo nenhuma “parte da decisão não recorrida” para efeitos do previsto no artº 635 nº 5 do C.P.C. A Recorrente requer que seja fixado um montante indemnizatório inferior ao definido pelos árbitros, pondo em causa o valor indemnizatório a que os mesmos chegaram em ambos os parâmetros avaliados (valor do solo e benfeitorias); é apenas esse valor global que tem sempre que ser observado como limite pelo tribunal de recurso, sob pena da Recorrente ser prejudicada e uma vez que os expropriados não recorreram. A sentença sob recurso tinha assim como baliza, por um lado, o valor indemnizatório atribuído pelos árbitros e, por outro lado, o valor pugnado pela Recorrente, devendo averiguar se aquele montante fixado devia ser inferior de acordo com as razões invocadas.

Só a expropriante interpôs recurso do acórdão arbitral, o que significa que os expropriados se conformaram com o montante indemnizatório fixado, ou seja, com a decisão ali proferida que fixou em € 17.306,00 o valor da parcela expropriada. Não há fundamento para se entender que essa aceitação se estende a cada um dos critérios, elementos e qualificações que são considerados na mesma.

Isto para concluir, que a decisão arbitral em processo de expropriação por utilidade pública faz caso julgado apenas no que respeita ao valor da indemnização fixada e já não quanto às qualificações feitas pelos árbitros e critérios por ele utilizados, vd. neste sentido, entre outros, Acórdão deste Tribunal de 08/03/2006 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/10/2012, ambos in. www.dgsi.pt , referindo-se, neste último que: “a decisão arbitral […] apenas tem eficácia no que tange à declaração da medida da indemnização" e " assim, impugnada a mesma por qualquer das partes por ela abrangidas, é posta em causa toda a decisão, incluindo os critérios jurídicos de qualificação que motivaram a fixação da indemnização a atribuir aos expropriados, sem esquecer que a indagação da qualificação jurídica dos factos está reservada ao juiz que não está vinculado pela apreciação que dos mesmos é feita na decisão arbitral".

O cálculo da justa indemnização há-de obedecer a diversos critérios e requisitos. O Recorrente indica a sua discordância quanto ao valor atribuído à parcela de terreno expropriado, fundamentando-a nas razões e nos critérios utilizados na fixação do mesmo. O tribunal não pode estar sujeito apenas aos elementos que o recorrente vem apontar e aos critérios que o mesmo tem como bons, sob pena de ficar “truncado” numa avaliação que tem que ser abrangente e global, antes deve ponderar todos os elementos necessários à determinação do justo valor da parcela expropriada. Estando em causa o valor da parcela a expropriada, do qual a expropriante recorre, não pode dizer-se que a força de caso julgado se impõe quanto a determinados critérios ponderados pelos árbitros para chegarem àquele valor e já não quanto a outros critérios que o Recorrente põe expressamente em questão.

Por outro lado, é a própria Recorrente que ao intentar o recurso pondo em causa o valor indemnizatório da parcela expropriada a que chegou a decisão arbitral, impede que sobre tal questão se forme caso julgado, colocando o mesmo à reavaliação do tribunal.

O referido princípio da proibição da reformatio in pejus tem apenas em vista que o Recorrente não venha a ficar prejudicado pelo facto de ter recorrido da decisão e isso não acontece se for atribuída uma indemnização idêntica ou inferior à estabelecida no acórdão arbitral.

A indemnização contabilizada no processo como justa pela expropriação ascende à quantia de €16.562,40 enquanto que a indemnização atribuída pelo acórdão arbitral foi a de € 17.306,00. No total, o valor indemnizatório atribuído na sentença foi inferior ao do acórdão arbitral. Daqui decorre, desde logo, que a Recorrente ficou beneficiada e não prejudicada pelo facto de ter interposto recurso daquele acórdão arbitral, sendo agora fixado um valor indemnizatório inferior, ainda que o valor do m2 do solo tenha sido avaliado pelo tribunal a quo em montante superior àquele que foi encontrado pelos árbitros.

Considera-se por isso que a decisão do tribunal a quo não viola o disposto no artº 635 nº 5 do C.P.C. não tendo sido restringido o objecto do recurso a uma parte da decisão arbitral e não havendo nenhuma “parte da decisão não recorrida” para efeitos do previsto na norma mencionada, sobre a qual se tenha formado caso julgado.

- da indevida consideração da majoração de 32,5%, no valor do solo fixado.

Contesta a Recorrente a decisão recorrida na medida em que considerou atribuir uma majoração ao valor do m2 do terreno de 32,5% pela existência de estrada asfaltada e de infraestruturas.

Manifesta a sua discordância por duas razões:

- em primeiro lugar, por ter sido considerada pelos árbitros uma majoração de 25% e pelos peritos de 32,5%, tendo o tribunal optado por esta quando os expropriados não recorreram da decisão arbitral;

- em segundo lugar, pelo facto da existência de infraestruturas não dever ser considerada uma mais valia neste tipo de solos, por não influenciar o rendimento do terreno, além de que estes elementos já são considerados na taxa de capitalização utilizada no apuramento do valor do solo.

Quanto à primeira razão invocada, tem aqui inteira aplicação o que já ficou apreciado e decidido relativamente à primeira questão do recurso e que nos escusamos de repetir, concluindo-se que os efeitos do julgado não se estendem a cada um dos requisitos ou factores a ponderar para efeitos de apuramento do valor da parcela expropriada, não havendo por isso impedimento a que o tribunal tenha em conta uma medida superior de algum dos elementos que interferem na avaliação do terreno, desde que o valor indemnizatório total não seja afectado.

A segunda razão da discordância da Recorrente, refere-se à fixação de uma majoração de 32,5% resultante do terreno estar servido com infraestruturas consideradas relevantes como estrada asfaltada, electricidade e rede telefónica, dizendo ainda que tais elementos já são ponderados na taxa de capitalização usada para o apuramento do valor do solo.

A este respeito, a sentença sob recurso invocou a unanimidade dos Srs. Peritos e considerou não ter o tribunal qualquer razão para não ter como adequada tal majoração feita em função da localização do terreno, acessibilidade facilitada e disponibilidade de algumas infraestruturas.

Os Srs. Peritos fundamentam tal majoração na possibilidade de valorização do prédio sobretudo face à sua localização próxima de aglomerados urbanos e consideram que a mesma permite obter um valor mais consentâneo com a realidade do mercado.

Já os árbitros haviam igualmente atribuído uma majoração de 25% invocando a localização favorável servido por rede viária que a valoriza devido à facilidade de escoamento dos produtos lenhosos produzidos e considerando que o valor das propriedades rústicas depende também da proximidade das povoações e possibilidades de acesso.

Vejamos então, em primeiro lugar, os critérios que devem orientar a fixação da indemnização.

Na realização da expropriação, a justa indemnização aparece como contrapartida daquela, conforme prevê desde logo o artº 1º do Código das Expropriações, estabelecendo os artº 23 e 24 deste código o modo como a mesma deve ser fixada.

            Dentro do quadro estabelecido no artº 23 e considerando os critérios que devem presidir à fixação da justa indemnização, verifica-se que o prejuízo do expropriado deve medir-se pelo valor real e corrente dos bens, e não pelas despesas que haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente. A justa indemnização há-de repor no património do expropriado o valor dos bens de que ele ficará privado. Esse valor corresponderá ao preço que um comprador prudente, em condições normais de mercado, pagaria pela coisa, para a continuar a aplicar ao fim a que estava destinado.

            Para encontrar o valor real e corrente do bem expropriado, há-de atender-se ao seu valor actual, aferido pelo seu rendimento real e efectivo, e não pelo valor irreal, hipotético e futuro. Esse valor corresponderá ao valor de mercado, atribuindo-se ao expropriado o valor efectivo do bem, à semelhança do fenómeno da “sub-rogação pelo correspondente em dinheiro”- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, in. CJ 1998, tomo IV, pág. 217ss.

Para efeitos do cálculo da indemnização, logo a primeira questão que se põe é a da classificação dos solos, conforme previsto no artº 25 nº 1 do C. Expropriações, que classifica o solo em apto para a construção ou para outro fins, especificando o nº 2 deste artigo os elementos a considerar para a classificação do solo apto para construção. Estes requisitos não são cumulativos, bastando que se verifique um deles para que a parcela assim possa ser classificada, sendo que é por exclusão de partes que se determina qual é o solo para outros fins, de acordo com o nº 3 deste artigo.

Finalmente há que ter em conta o disposto nos artº 26 e 27 do C.E. que respectivamente estabelecem os critérios para o cálculo do valor do solo apto para construção e apto para outros fins.

Na decisão sob recurso foi considerado que a parcela expropriada se insere na categoria de “solo apto para outros fins”, havendo por isso que ponderar o disposto no artº 27 do C.E. Não havendo os elementos previstos nos nº 1 e 2, importa recorrer ao nº 3 que nos diz que: “… o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.”

Os peritos atribuem ao valor do terreno encontrado uma majoração, que fundamentam na possibilidade de valorização do prédio face à sua localização próxima de aglomerados urbanos e consideram que a mesma permite obter um valor mais consentâneo com a realidade do mercado. Já os árbitros também haviam considerado uma majoração, embora menor, em face das infraestruturas de que o terreno em causa podia beneficiar, ponderando a sua influência no valor de mercado

É certo que a avaliação dos peritos, constituindo uma verdadeira prova pericial, o seu resultado está sujeito à livre apreciação do tribunal, de acordo com o disposto no artº 389º do C.Civil.

            Contudo, o laudo dos peritos, ainda que possa ser, naturalmente, apreciado de uma forma crítica pelo tribunal é determinante para a fixação da indemnização, pelos conhecimentos técnicos que nele são expressos por pessoas habilitadas para o efeito. No caso em presença, todos os peritos por unanimidade, consideram ajustado ao caso a atribuição de uma majoração de 35% ao valor do terreno, na avaliação que em concreto fazem da sua localização e das infraestruturas que o servem, ponderando que tal permite aproximar o valor do terreno com o valor de mercado, o que é relevante para efeitos de encontrar a “justa indemnização”, sendo certo que os peritos se encontram familiarizados com os valores das propriedades.

            Além do mais, de lado algum decorre, como pretende a Recorrente, que a proximidade de aglomerados urbanos e a existência de infraestruturas tenha sido duplamente ponderada pelos peritos, por já o ter sido quando fixam a taxa de capitalização. Isso não resulta de forma alguma do relatório por eles apresentado.

            Conclui-se, pelo exposto, que a decisão recorrida não merece censura quando aceita a majoração do valor do terreno, apontada como adequada pelos peritos.

- do excesso de pronuncia, em violação do artº 608 nº 2 do C.P.C. por ser atribuída indemnização pela desvalorização da parcela sobrante, o que não foi peticionado.

Invoca ainda a Recorrente um excesso de pronuncia por parte do tribunal a quo, quando atribui uma indemnização pela desvalorização da parcela sobrante, por isso não ter sido pedido por nenhuma das partes em sede de recurso da decisão arbitral. Refere que sendo o objecto do recurso delimitado pelas razões das partes, não pode o tribunal condenar em mais do que é pedido, sob pena de violar o disposto no artº 609 do C.P.C.

A este respeito, a sentença sob recurso decidiu que, tendo sido impugnado o valor da indemnização em sede de recurso, o tribunal pode pronunciar-se sobre a depreciação das partes sobrantes pois limita-se a reapreciar os pressupostos que estiveram na base da fixação da justa indemnização pela decisão arbitral.

O problema que se põe é então o de saber se o tribunal a quo, na sentença proferida, podia ter atribuído indemnização pela desvalorização da parte sobrante, o que não foi considerado no acórdão arbitral, nem foi pedido por nenhuma das partes, sendo questão sobre a qual não incidiu o recurso interposto pela expropriante.

O artº 609 do CPC tem o seu equivalente no ex-artº 661 e dispõe que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

Por seu turno, o artº 608 nº 2 do C.P.C. ex-artº 660, estabelece no seu nº 2 que: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Conforme já se viu, sendo a decisão arbitral uma decisão proveniente de tribunal arbitral, ao recurso da mesma aplica-se o regime de recursos estabelecido no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações, sendo pacífico que o objecto do recurso é o delimitado pelos recorrentes nas suas conclusões, atento o disposto nos artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso, nos termos do artº 608 nº 2 do C.P.C.

Nesta medida, interposto recurso da decisão arbitral para o tribunal judicial, o âmbito da decisão judicial é definido pelas questões que o recorrente submete à reapreciação do tribunal e em relação às quais manifesta o seu desacordo com a decisão recorrida.

No caso, no recurso interposto da decisão arbitral, a expropriante nada invoca ou requer quanto a desvalorização ou indemnização da parte sobrante da parcela expropriada, sendo que os expropriados também não recorrem do acórdão arbitral. Assim, a eventual desvalorização da parte sobrante não pode ser objecto da decisão judicial, sob pena do tribunal estar a conhecer de questão não suscitada e que não faz parte do objecto do recurso.

Senão vejamos.

A indemnização das partes sobrantes constitui uma questão nova, sobre a qual o tribunal arbitral não se pronunciou, que não foi suscitada por qualquer um das partes junto do tribunal recorrido e que não é de conhecimento oficioso. Por não ter sido invocada, não tendo sido também suscitada qualquer nulidade a esse respeito, não pode ser apreciada e decidida pelo tribunal de 1ª instância, que na decisão que profere surge como tribunal de recurso.

E não se diga, como faz a sentença recorrida que tudo está em fixar-se a justa indemnização devida pela expropriação, que foi posta em causa com o recurso interposto e pode por isso ser reavaliada. É que a “justa indemnização”, tal como a decisão, pode conter partes distintas, correspondendo cada uma delas às questões que são submetidas à apreciação do tribunal, nos termos do artº 608 nº 2 do C.P.C. O tribunal decide apenas dentro dos limites delineados pelas partes; no caso de recurso, pelas conclusões dos recorrentes.

No caso, o objecto do processo judicial que foi estabelecido pela Recorrente reporta-se ao valor indemnizatório fixado e atribuído ao solo do terreno expropriado e às benfeitorias, questões sobre as quais é manifestada a discordância com o decidido no acórdão arbitral e às quais se encontra circunscrito o poder do tribunal se pronunciar, com excepção de questões de conhecimento oficioso, o que não é a situação da indemnização das partes sobrantes. Tal questão tem verdadeira autonomia no âmbito da indemnização devida pela expropriação, a par do valor do solo ou das benfeitorias, tudo constituindo parcelas diferentes do ressarcimento que é devido.

A ausência de apreciação e decisão sobre esta questão, delimitada e em concreto, não veio a merecer recurso por parte dos expropriados, sendo que a expropriante restringiu o objecto do recurso à apreciação de outras questões;

Tal como nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2006, in. www.dgsi.pt : “Ainda que dos autos constem todos os elementos integradores de uma determinada questão jurídica que seria suficiente para dar uma outra solução ao pleito, se a mesma não foi alegada pela parte que dela pode beneficiar, não pode o tribunal tomar conhecimento dessa questão, nos termos do artº 264º e 660º nº 2 do C. P. Civil.”

Assim, considera-se que o tribunal “a quo” não se podia ter pronunciado sobre a desvalorização da parte sobrante, por tal não ter sido suscitado pelas partes em sede de recurso, impondo-se por isso a revogação da decisão na parte em que atribui aos expropriados uma indemnização de € 3.443,31 pela depreciação das parcelas sobrantes, mantendo-se no mais o decidido quanto à indemnização atribuída.

V. Sumário:

1. Os efeitos do julgado não se estendem a cada um dos requisitos ou factores a ponderar para efeitos de apuramento do valor do solo expropriado, não havendo impedimento a que o tribunal tenha em conta uma medida superior de algum dos elementos que interferem na avaliação do terreno, desde que o valor indemnizatório total não seja afectado.

2. O princípio da proibição da reformatio in pejus tem apenas em vista que o Recorrente não venha a ficar prejudicado pelo facto de ter recorrido da decisão e isso não acontece se for atribuída uma indemnização idêntica ou inferior à estabelecida no acórdão arbitral.

3. A avaliação dos peritos, constituindo uma verdadeira prova pericial, está sujeita à livre apreciação do tribunal, de acordo com o disposto no artº 389º do C.Civil. Contudo, o laudo dos peritos, ainda que possa ser, apreciado de uma forma crítica pelo tribunal é determinante para a fixação da indemnização, pelos conhecimentos técnicos que nele são expressos por pessoas habilitadas para o efeito.

4. A decisão sobre a “justa indemnização” pode conter partes distintas ou diversas parcelas, correspondendo cada uma delas às questões que são submetidas à apreciação do tribunal, nos termos do artº 608 nº 2 do C.P.C. O tribunal decide apenas dentro dos limites delineados pelas partes que, no caso de recurso, é revelado pelas conclusões dos recorrentes.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se o presente recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que condena a expropriante no pagamento da parcela da indemnização de € 3.443,31 pela desvalorização das partes sobrantes, mantendo-se em tudo o mais o decidido.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 2 de Dezembro de 2014

           

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                                Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Carvalho Martins (2ºadjunto)