Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3056/22.1T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ATIVIDADES EXTRACURRICULARES
CURSO DE INGLÊS
DECISÃO POR UM DOS PROGENITORES
PERÍODOS DE CONVÍVIO COM O OUTRO PROGENITOR
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1906.º, N.º 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A frequência, em termos extracurriculares, de curso de aprendizagem/aperfeiçoamento da língua inglesa, constitui um ato da vida corrente, não estando dependente de uma decisão conjunta dos progenitores, e, como tal, pode ser determinada unilateralmente pelo progenitor que tenha o menor ao seu cuidado no período respetivo.

II – Essa frequência, determinada unilateralmente por um dos progenitores, não pode colocar em causa ou diminuir o período de convívio com o progenitor não responsável por essa decisão.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 3056/22.1T8VIS-B.C1

Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz 2

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

No âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento relativo a AA e BB, foi, por decisão de 19.04.2021, homologado o acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais relativa às menores, filhas de ambos, CC, nascida a .../.../2009, e DD, nascida .../.../2014.

Nessa regulação ficou estabelecido, ao demais, que:

“2. As menores ficam a residir habitualmente com ambos os progenitores, em regime de residência alternada, uma semana com cada um deles, excepto a quarta-feira que será passada com o progenitor que nessa semana não tenha as menores a sua guarda. O progenitor que fique com as menores à quarta-feira, irá buscar e levar as menores à escola, respectivamente à quarta-feira após as aulas e quinta-feira de manhã.

3. Os fins de semana serão alternados entre os progenitores. No fim de semana em que cada um dos pais fica com as menores, esse mesmo progenitor irá buscar as menores à sexta-feira e seguir às aulas e levá-las domingo às 18h a cada do outro progenitor”.

Entretanto, ante a modificação da sua residência para a cidade ..., ocorrida em 01.07.2022, a mãe das menores veio requerer a alteração da regulação das responsabilidades parentais, pretendendo, no essencial, que fosse fixada a residência das menores com a mãe.


        *

Em 19.09.2022 foi, no âmbito desse processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, fixado o seguinte regime provisório:

“1 - A CC fica a residir com o pai, que exercerá as responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente, autorizando-se a transferência de processo escolar da jovem, competindo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança;

2 - A criança DD fica a residir com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente, competindo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança;

3 - Durante os dias úteis da semana, às terças e quintas-feiras, cada um dos progenitores poderá visitar livremente a criança não residente, e estar com a mesma, por períodos não superiores a três horas, avisando previamente o outro progenitor com doze horas de antecedência, sem prejuízo dos períodos de descanso da criança, podendo almoçar, lanchar ou jantar com a criança, entregando-a em casa do progenitor residente até às 20.30 horas.

4 - Cada um dos progenitores poderá falar com a criança não residente, diariamente, por telefone ou por qualquer meio informático, preferencialmente com recurso a videoconferência, no período compreendido entre as 19h00 e as 20h30.

5 - As crianças passarão conjuntamente o fim de semana com um e com o outro progenitor, entendendo-se como fim de semana o período compreendido entre as 17h00 (ou a partir do final das atividades na escola) de sexta – feira e as 20h00 de domingo , indo a mãe buscar a criança CC a casa do pai na sexta-feira e vindo o pai buscar a criança (DD[2]) a casa da mãe no domingo.

O pai virá buscar a criança DD a casa da mãe na sexta-feira e a mãe irá buscar a criança DD a casa do pai no domingo. O próximo fim de semana deverá ser passado pelas crianças conjuntamente com o pai.

6 - As despesas médicas, medicamentosas e de educação das crianças (estas entendidas como ATL, livros, material escolar, explicações, viagens de estudo, frequência de ensino universitário ou equiparado, alojamento universitário ou equiparado, despesas de transporte de e para a universidade ou ensino equiparado desde que o estabelecimento se situe fora do concelho de residência da criança) serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, na parte não comparticipada por qualquer subsistema de saúde ou segurança social, devendo os respetivos documentos de suporte ser emitidos em nome da criança respetiva, com o NIF desta e descrição dos bens e serviços prestados.

Tais despesas deverão ser apresentadas até 30 dias após a sua realização e pagas no prazo de dez dias após a sua apresentação, sendo transmitidas por qualquer meio eletrónico de transmissão de dados. O seu pagamento deverá ser efetuado por transferência bancária ou depósito em conta. As despesas extra - curriculares serão suportadas em partes iguais, nos mesmos moldes, mediante prévio acordo quanto à natureza da atividade, modalidade e prestador do serviço”.


                *

Em 11.10.2022 a Requerente, invocando a circunstância de a menor DD

a) frequentar a Escola ... em ..., terminando as aulas diariamente às 17h00, sendo o lanche às 17h00, em diante,

b) frequentar, à sexta-feira, das 18h00 às 19h00, o curso de inglês na ..., inscrição que tem desde 5 de Julho de 2022, sendo que as únicas turmas existentes são: 6ªs das 17h00 às 18h00, 6ªs das 18h00 às 19h00 (a hora que a DD frequenta) e sábados das 11h às 12h.

veio requerer ao tribunal esclarecimento sobre se atividade do inglês, é ou não, uma atividade do superior interesse da menor DD, uma vez que, iniciando-se desde cedo, quando atingir o 12º ano, conseguirá concluir todas as fases do curso de inglês, mormente o ... e, como tal, quando na douta Sentença se lê 17h00, ou a partir das atividades da escola, se possa fazer uma interpretação abrangente no sentido de contemplar o curso de inglês, uma vez que a menor DD, já estava, matriculada desde 5 de Julho de 2022, o progenitor, deve cumprir aquele horário, assim, como a progenitora.


             *

O Requerido pronunciou-se a esse propósito dizendo, no essencial,

17. Antes de mais, atente-se ao texto da decisão que de forma claro e objetiva concretiza o fim de semana como “o período compreendido entre as 17h00 (ou a partir do final das atividades na escola) de sexta – feira e as 20h00 de domingo”.

 18. E não o “período compreendido entre as 17h00 (ou a partir do final das atividades na escola) de sexta-feira e as 20h00”, conforme a Requerente de forma ardilosa expõe, técnica e estratégia que somente à mesma aproveitará, com o intuito de alterar propositadamente o sentido e contexto da douta sentença (…).

19. Ora, sendo certo que a atividade de inglês não é uma atividade na escola, a decisão da Requerente inscrever a menor DD, para além de ter sido tomada sem o acordo do Requerido, o que por si só consubstancia no incumprimento do Ponto 1, viola também o supra transcrito quanto ao regime de visitas.

20. Mas atente-se que, de tudo isto a Requerente já saberia, porquanto, alegadamente a Menor terá sido inscrita no respetivo estabelecimento de ensino em 5 de julho de 2022.

21.Repara-se que, em 5 de julho de 2022, o Requerido nada sabia quanto a este propósito e tinha acabado de ser confrontado com a primeira carta da Requerente, recebida em 4 de julho, em que lhe dava a conhecer a sua intenção de mudança para ..., mas que se veio a comprovar que já tinha efetivamente acontecido, sem nada lhe ter sido dito, explicado e acordado, tal como não o foi com as Menores que se viram obrigadas a sair de ... contra a sua vontade.

22. E repara-se ainda que, no dia 20 de setembro, após a sentença ter sido proferida e notificada às Partes, a Requerente remeteu uma comunicação via email ao Requerido dando nota que “Gostava que a DD frequentasse o Inglês e a Natação. A CC já teve essa oportunidade e queria dar à DD o mesmo. Aguardo o teu parecer.”

23. Ao que o Requerido respondeu nesse mesmo dia o seguinte: “Eu sou a favor de apoiar as nossas filhas em tudo que seja necessário e lhes seja benéfico agora tens de ver a diferença de despesas que eu tenho mensalmente a comparar contigo. Eu não tenho cama, comida e roupa lavada de borla como é o teu caso. Tenho de saber os custos que isso ficará e ver ainda como será a decisão final de toda esta trapalhada em que nos colocaste.” (…)

24. A Requerente nada mais disse ao Requerido a propósito da inscrição no inglês, nem quanto a horários, nem quanto à efetiva inscrição da Menor.

25. Tal como nada disse a este digníssimo Tribunal aquando da sentença de regulação provisória das responsabilidades parentais, que bem sabia que iria incumprir pois alegadamente já teria inscrito a sua filha no inglês há mais de dois meses!”.


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A 23.11.2022 foi proferida decisão com o seguinte teor:

Por Acordo homologado a 19.04.2021, os pais das menores regularam o exercício das responsabilidades parentais das suas filhas, nos termos do qual acordaram que as questões de particular importância para a vida das menores são exercidas em comum por ambos os progenitores, sendo que as menores ficam a residir habitualmente com ambos os progenitores, em regime de residência alternada, uma semana com cada um deles.

Mais, acordaram os pais que, por consenso, resolveriam todas as questões pontuais e outras não previstas.

Sucede que a ora Requente, em incumprimento do dito Acordo, alterou a sua residência de ... para ... e em consequência colocou em causa o regime de residência alternada e mudou a residência que havia sido fixada na morada do pai pois que trouxe as suas filhas consigo, intentando agora contra o pai das filhas a presente Ação de Alteração dos termos daquele Acordo, após ter inscrito as filhas nos estabelecimentos de ensino e inscrever a menor DD na frequência de aulas de inglês extracurriculares às sextas feiras das 18horas às 19horas desde 5 de julho de 2022, sem que de tudo isto tenha obtido o consentimento do pai das crianças.

Antes de mais, cremos que, com o presente requerimento, o que a Requerente pretende obter do Tribunal é uma Alteração ao Regime do Exercício das Responsabilidades Parentais provisoriamente fixado pelo Tribunal para vigorar no decurso destes autos até que seja proferida decisão definitiva ou outra que a altere. Sucede que não foram alegadas circunstâncias supervenientes que importem alteração do que se encontra regulado judicialmente (vide artigo 42º, n.º 1 do RGPTC) uma vez que a inscrição da menor DD é anterior à data da decisão provisória.

Mais, nos termos do Acordo homologado a 19.04.2021, os pais das menores regularam o exercício das responsabilidades parentais das suas filhas, nos termos do qual acordaram que as questões de particular importância para a vida das menores são exercidas em comum por ambos os progenitores, o que cremos, e perante as especiais circunstâncias dos autos, deveria a Requerente ter conversado com o pai das suas filhas acerca da inscrição da filha numa atividade extra curricular e que iria colidir com o tempo livre desta. Mas se entendeu que nada deveria dizer ao pai das suas filhas acerca desta sua decisão (ainda que tomada no interesse da sua filha), deveria tê-lo dito aquando da realização da Conferência de Pais realizada a 29.09.2022, momento oportuno para dialogar com o pai das suas filhas acerca de todas estas questões novas e importantes na vida de todos, optando por assim não fazer.

Caso este não desse o seu acordo para que a menor frequentasse tal curso poderia ter lançado mão da providencia tutelar civil prevista no artigo 44º do RGPTC nos termos do qual, na falta de acordo entre os pais acerca de uma questão de particular importância, pode qualquer um deles recorrer ao tribunal a resolução do diferendo.

Ao invés, a Requerida optou por decidir sozinha sem considerar o teor da decisão do tribunal e bem como a vontade do pai das crianças, pois que a decisão, cuja interpretação se requer, é bem clara no sentido de apenas estar em causa a frequência do ensino escolar (obrigatório), tanto que quando foi proferida tal decisão, a signatária não teve em vista qualquer atividade extracurricular pois dela não teve conhecimento, pelo que não se pode fazer uma interpretação num sentido que nunca esteve no pensamento do decisor.

Por último, deferir o que agora se requerer levaria a que, no limite, a Requerente estivesse legitimada pelo Tribunal em decidir unilateralmente em inscrever a menor DD em qualquer outra atividade (também útil para os interesses intelectuais da menor) de modo a obstaculizar ou impedir o exercício de visitas estabelecido a favor da DD em conviver com o pai, tornando tal período cada vez mais curto e cansativo.

Destarte, por falta de fundamento legal, infere-se o requerido, mantem-se integralmente o teor da decisão provisória já proferida nos autos.


*

Inconformada, a Requerente interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:”

1ª - O presente recurso versa sobre matéria de direito, e impugna a douta decisão de 23 de Novembro de 2022, referência Citius 91837992, na parte em que indeferiu o seu requerimento de 11/10/2022, com a referência Citius 43513853

2ª - A douta decisão ora recorrida, não fez, na nossa modesta opinião, a mais acertada integração do direito, na situação dos autos, fazendo uma incorreta aplicação do conceito de Interesse da Menor DD, plasmado no disposto no nº3 e n.º 7 do artigo 1906.º do CC, violando-o,

3ª - Bem como faz uma errada interpretação dos pontos 2-, 3-; 4-; e 5-; da alteração das responsabilidades parentais fixadas em 19 de setembro de 2022, violando-os; e assim como viola o acordo de regulação das responsabilidades anteriormente fixado aquando do divórcio;

4ª - Até 19 de Setembro de 2022 estava em vigor o regime da residência alternada, sendo que, os actos da vida corrente cabiam ao progenitor com quem menor residisse.

5ª - A menor DD à data de 05 de Julho residia em ... com a sua mãe, ora Recorrente, sendo que foi inscrita na ..., em ...;

6ª - Em 08 de Julho de 2022, a Recorrente requereu no Tribunal da Comarca ..., a alteração das responsabilidades parentais.

7ª - O Tribunal da Comarca ..., declarou-se, territorialmente competente para conhecer destas questões.

8ª - Em 19 de Setembro de 2022, por sentença foram alteradas as responsabilidades parentais, sendo que ficaram a cargo da ora Recorrente, em relação à menor DD os actos da vida corrente.

9ª - Mais, ficou previsto

“2 - A criança DD fica a residir com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente, competindo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança; “

“3 –Durante os dias úteis da semana , às terças e quintas – feiras, cada um dos progenitores poderá visitar livremente a criança não residente, e estar com a mesma, por períodos não superiores a três horas, avisando previamente o outro progenitor com doze horas de antecedência, sem prejuízo dos períodos de descanso da criança, podendo almoçar, lanchar ou jantar com a criança, entregando-a em casa do progenitor residente até às 20.30 horas.”

“4 - Cada um dos progenitores poderá falar com a criança não residente, diariamente, por telefone ou por qualquer meio informático, preferencialmente com recurso a videoconferência, no período compreendido entre as 19h00 e as 20h30”

5 - As crianças passarão conjuntamente o fim de semana com um e com o outro progenitor, entendendo – se como fim de semana o período compreendido entre as 17h00 ( ou a partir do final das atividades na escola ) de sexta – feira e as 20h00 de domingo , indo a mãe buscar a criança CC a casa do pai na sexta – feira e vindo o pai buscar a criança CC a casa da mãe no domingo. O pai virá buscar a criança DD a casa da mãe na sexta – feira e a mãe irá buscar a criança DD a casa do pai no domingo.”

10ª - Por requerimento de 11 de Outubro de 2022, referencia Citius 43513853, foi requerido ao douto Tribunal recorrido, que houvesse douta decisão, quanto à interpretação deste ponto 5, pois que a menor DD, frequenta a Escola ... em ..., como já se tinha informado nos autos e, as aulas diariamente terminam às 17h00, sendo o lanche às 17h00, em diante, conforme horário do 3º ano junto.

11ª - Mais se tendo informado que a menor DD, frequenta ainda, à sexta-feira, das 18h00 às 19h00, o curso de inglês na ..., sendo que as únicas turmas existentes são: 6ªs das 17h00 às 18h00, 6ªs das 18h00 às 19h00 (a hora que a DD frequenta) e sábados das 11h às 12h.

12ª - Sobre este requerimento, recaiu a decisão de que ora se recorre, que a frequência daquela actividade, configura uma questão de particular relevância, e como tal carecia de autorização do pai,

13ª - O pai não autorizou que a menor DD frequentasse o inglês naquele horário, das 18h00 às 19h00, de Sexta-feira.

14ª - A Recorrente, no seu modesto entendimento, considera que não é uma questão de particular importância, mas uma questão de acto da vida corrente da menor DD, e por isso não tem de ter autorização do pai.

15ª - Trata-se contrariamente ao entendimento do douto Tribunal recorrido de ato da vida corrente da menor e, como tal, cabe no ponto 2- do regime das responsabilidades em vigor.

16ª - ainda que não coubesse neste ponto 2- deste regime, sempre caberia no regime do 1906º nº3, primeira parte do Código Civil.

17ª - Na verdade, a mãe antes de ver fixado o regime provisório pelo douto Tribunal, via em vigor o regime da residência alternada, acordo de exercício das responsabilidades parentais de processo de divórcio alcançado de 19 de Abril de 2021, que em nada contraria os seus poderes da responsabilidade parental para os atos da vida corrente, relativamente à menor DD.

18ª - Pelo que, a sentença recorrida ao decidir como decidiu que a frequência

do inglês para alem das 17h naquele Instituto[IH], com questão de particular importância e, por isso carecendo do acordo do pai, viola , porque faz errada interpretação, quer do acordo antes existente; quer do ponto 2; ponto 5 das responsabilidades parentais fixadas em 19 de Setembro de 2022 quer do artigo 1906ºnº 3 e 7 do Código Civil.

19ª - Questões de particular importância, segundo Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 6ª ed., págs. 306/307, serão, por exemplo: a educação católica da criança; a realização de uma intervenção cirúrgica com riscos sofrendo a criança de um problema de saúde grave; a mudança de residência para o estrangeiro; a autorização para contrair casamento quando o filho/a menor tenha mais de 16 anos; o consentimento para a interrupção voluntária da gravidez.

20ª - A douta decisão recorrida, viola ainda o Direito Fundamental da menor, de ter direito a uma Formação linguística melhor;

21ª - Que não se baste ao ensino da escola ou a uma escola que neste ano letivo tenha compatibilidade horário com a fixação pelo douto Tribunal pela hora que fixou em que se inicia o fim-de-semana do progenitor não residente;

22ª - O progenitor, reside em ..., está assim a uma hora de distância da menor DD, sendo todo o percurso feito em autoestrada.

23ª - Sendo que, o progenitor pode visitar a menor durante a semana e, falar todos os dias por vídeo chamada, também, se o progenitor tem possibilidades de estar em ... às sextas feiras, pelas 17h15m,[ficou bem patente nas queixas que o mesmo fez na GNR e juntou aos presentes autos e é evidenciado na decisão que se recorre], pode perfeitamente estar com a menor, antes da mesma entrar na aula das 18h da ..., partilhando momentos com a mesma.

24ª - A douta sentença de fixação das responsabilidades parentais, fixou as 17h ou a partir do final das atividades da escola.

25ª - Pode perfeitamente ao invés de, no Domingo, de quinze em quinze dias, para compensar o direito de visita do pai regressar ao invés das 20h, às 21H, e compensaria numa hora e, nas férias, somar-se-iam as horas (uma hora de quinze em quinze dias, e compensaria o prejuízo do direito de visitas do pai, no equivalente).

26ª - Bastaria para tanto que, o douto Tribunal recorrido, tivesse convocado uma conferencia dos pais no sentido de sensibilizá-los a lograr a obter um entendimento, para e, no Superior interesse da menor na frequência do inglês, neste ano lectivo, naquele horário, o pai ceder numa hora, a mãe noutra ao domingo e compensar a outra hora do pai, nas férias.

27ª - Não o tendo feito o douto Tribunal recorrido, violou o princípio da intersubjetividade das partes, que se lhe impunha, bem como o principio da cooperação,

28ª - Como decorre do acima já referido, o direito de visita do progenitor não guardião não representa uma faculdade, um direito subjectivo do parente do menor, mas antes um direito a que estão associados deveres, nomeadamente, o dever de se relacionar com os filhos com regularidade, em ordem a promover o seu desenvolvimento, físico e psíquico, e bem assim,

29ª - O dever de colaborar com o progenitor guardião na educação, ou seja,

30ª - Conhecendo o progenitor que a DD frequenta o inglês naquela Instituição e que a mesma gosta; Que tira boas notas; Que a na ótica da mãe, escolheu a melhor Instituição para a mesma,

31ª - Deve o mesmo ser cooperante com aquela;

32ª - E, ainda que mitigue/diminua em duas horas o seu direito de visita; aliás o direito de visita da menor;

33ª - Deveria ser o primeiro a cooperar com a mãe a promover o desenvolvimento, físico, psíquico, intelectual da menor;

34ª - Aceitando a limitação no período escolar do direito de visita , muito embora podendo compensar tal direito, à custa do período de férias da mãe em prol do desenvolvimento intelectual da menor DD.

35ª - Isto, como se disse, para a realização pessoal da menor que importa, sobremaneira, preservar.

36ª - Efetivamente e, como se disse, o direito de visitas dos progenitores [pai e mãe] deve ser conciliado com a realização pessoal da menor DD;

37ª - Não o fazendo, há uma clara violação Direito Fundamental de Formação da Menor;

38ª - Ante o exposto, deve a douta decisão recorrida ser revogada, com as legais consequência, por enfermar de vícios de violação de lei supra identificados, e dos princípios constitucionalmente consagrados e substituída por outra, que permita a frequência neste ano lectivo pela menor DD, das aulas de Inglês daquele horário, das 18h00 às 19h00 de Sexta-feira, porque não havia outro horário, a não ser ao Sábado, que era mais penalizante com o direito de visita do pai”.

Rematou pedindo que o recurso seja julgado procedente por provado, e alterada a douta decisão recorrida nos termos requeridos.

                                                           *

O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:

(…).

Terminou pugnando pela manutenção do decidido.


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O Requerido não respondeu.

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Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

    *

II-Objeto do recurso

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se a decisão que indeferiu o pedido da mãe (Recorrente) no sentido de ser efetuada uma interpretação abrangente da decisão provisória, com o alcance de o início do fim de semana contemplar a frequência pela menor DD do curso de inglês, fez uma incorreta integração do direito, tendo violado “o princípio da intersubjetividade das partes”, bem como o dever de cooperação.


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III-Fundamentação

Com vista à incursão na questão objeto de recurso, importa, antes de mais, ter em consideração as seguintes premissas:

1.ª - Em 19.09.2022 foi, no âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, fixado um regime provisório relativamente à regulação das responsabilidades parentais, que, ao demais, estabeleceu

“As crianças passarão conjuntamente o fim de semana com um e com o outro progenitor, entendendo-se como fim de semana o período compreendido entre as 17h00 (ou a partir do final das atividades na escola) de sexta-feira e as 20h00 de domingo, indo a mãe buscar a criança CC a casa do pai na sexta-feira e vindo o pai buscar a criança DD a casa da mãe no domingo.

2.ª - Essa decisão transitou em julgado por não ter sido impugnada.

No entender da recorrente, a circunstância de, já antes dessa decisão, a menor DD frequentar, em termos extracurriculares, o curso de inglês na ..., às sextas-feiras, das 18 às 19h, implica que, tratando-se de uma atividade do superior interesse da menor, o fim de semana apenas se inicie a partir das 19h.

É de acentuar, antes de mais, que, aquando da prolação da decisão provisória, não constava dos autos qualquer informação em como a DD frequentava, em termos extracurriculares, o referido curso de Inglês.

Depois, face ao texto da decisão provisória, apresenta-se manifesto que o fim de semana, para efeitos de convívio da menor com os progenitores, se inicia às 17h. (que corresponde, por regra, ao final das atividades letivas normais), ou a partir do final das atividades na escola.

Com “na escola” quer obviamente referir-se ao estabelecimento frequentado pelas menores, onde lhe é ministrado o ensino letivo normal, pelo que, se alguma aula/atividade se prolongasse para além das 17h., o fim de semana iniciar-se-ia depois dessa aula/atividade, ou, ao invés, se a menor terminasse as aulas/atividades antes das 17h., o fim de semana tinha início no horário do términus respetivo, antes das 17h.

   Apresenta-se também firme, tanto mais face ao desconhecimento dessa frequência do curso de Inglês, que nessa decisão a Sra. Juíza não incluiu o “retardamento” do início do fim de semana em função de atividades extracurriculares frequentada pela menor “fora da escola”.

O pretendido pela Requerente vai no sentido de se proceder a uma interpretação abrangente do “na escola”, com o alcance de incluir as aulas do curso de Inglês, por essa formação adicional ser do interesse da menor DD. 

Não ignoramos que hodiernamente a língua inglesa se assume como uma ferramenta de uso universal, que propicia, ao demais, uma abertura de portas a áreas de formação superior e de especialização no mercado de trabalho, apresentando-se, nessa exata medida, ainda que para além da formação já recebida a esse título no âmbito da escolaridade obrigatória, como do interesse da DD (e de qualquer outro menor/jovem, diga-se).

Só que este não é o ponto!

O ponto é o de saber se a mãe pode, sem o acordo do pai, ou decisão do tribunal, impor unilateralmente a frequência desse curso, mormente quando do mesmo resulte uma diminuição do período de convívio com o pai.

A este propósito a Recorrente procurou convencer que a frequência desse curso não se trata de uma “questão de particular importância”[3] e que, nessa exata medida, não tinha que obter a autorização do pai.

Como bem referem Helena Gomes Melo et al (Poder Paternal…, pág. 137)a definição do que seja questão de particular importância mostra-se hoje de especial relevo, pois ela constituirá a pedra basilar do exercício das responsabilidades parentais e o centro de todo o regime, devendo ser encontrada por contraposição aos atos da vida quotidiana (...) que o n.º 3 do art. 1906.º do CC designa como «atos da vida corrente»”, pelo que as questões de particular importância correspondem ao “conjunto dos atos de fundo que constituem as traves mestras da vida da criança ou do adolescente e que compõem o núcleo essencial dos seus direitos.

Para menores com necessidades especiais, designadamente a nível de aprendizagem, ou de saúde frágil, o leque de atos que devam ser considerados de particular importância será certamente muito mais alargado do que para a generalidade das outras crianças e adolescentes. Neste pressuposto, é de admitir que num mesmo processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, em que estejam em causa vários irmãos, o que seja questão de particular importância para um deles, possa ser um ato da vida corrente para o outro”.

Maria Clara Sottomayor (Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio”, 6.ª edição, Almedina, págs. 312 e 32) acentua que esse conceito indeterminado deve ser “interpretado restritivamente sob pena de se criar demasiada incerteza para o progenitor residente e para terceiros”, entendendo que a delimitação entre atos correntes e atos de particular importância se apresenta muitas vezes difícil de estabelecer em abstrato, “pois existe entre estas duas categorias uma ampla zona cinzenta formada por atos intermédios”, cuja fronteira depende dos “costumes de cada família”.

Temos para nós, que a particular importância “deverá relacionar-se com questões existenciais graves, centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde e formação da criança; todos os atos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das circunstâncias” (cfr. Tomé D´Almeida Ramião, Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual …”, Quid Juris, pág. 147), onde se inclui, ao demais,

- a determinação do local de residência da criança, sempre que este implique mudança geográfica relevante, para o estrangeiro ou dentro do país,

- as intervenções cirúrgicas que impliquem risco para a vida ou integridade física (incluindo as de ordem estética),

- a obtenção de emprego por parte do jovem menor de 18 anos, ou a participação de crianças em espetáculos, atividades artísticas, culturais ou com fins publicitários,

- a prática de atividades desportivas radicais,

- a incorporação de tatuagens definitivas no corpo,

- a educação religiosa até aos 16 anos,

- as saídas para o estrangeiro, mesmo as de curta duração (pelo menos quando não apresentem finalidades turísticas/lúdicas

sobrando, como atos da vida corrente, os necessários para o cumprimento dos deveres de cuidado, assistência e educação, tais como, de acordo com a doutrina e jurisprudência conhecida,

- dietas alimentares;

- a ingestão ou não de determinados medicamentos;

- a realização dos trabalhos escolares;

- a imposição de horários de deitar e de levantar;

- a proibição de visualização de certos programas de televisão ou conteúdos acessíveis pela internet (por exemplo, filmes violentos ou de conteúdo para adultos);

- formas de ocupação dos tempos livres;

- convívio ou visitas a familiares e amigos;

 - inscrição em associações desportivas;

- prática de atividades extracurriculares[4],

- cuidados de saúde como a vacinação obrigatória;

- pequenas intervenções cirúrgicas benignas;

- decisões quanto à higiene diária, ao vestuário e ao calçado;

- decisões sobre idas ao cinema, ao teatro, a espetáculos ou saídas à noite;

- frequência de consultas médicas de rotina;

- pedidos de renovação do bilhete de identidade ou de passaporte, etc.

A propósito da atividade extracurricular “frequência do curso de Inglês”, pronunciou-se, e a nosso ver bem, o acórdão do TRL de 02.05.2017 (processo 897/12.1T2AMD-F, disponível em www.dgsi.pt), considerando estarmos “perante uma mera orientação educativa, que constitui um aspecto da vida corrente, não existencial, sendo um pouco mais do que o acto da vida corrente normal mas sem a dignidade de questão de particular importância, não sendo reportada apenas à escolaridade mas também à formação complementar escolar e pessoal da criança”.

Trata-se, como tal, de um ato que, em concreto[5], não está dependente de uma decisão conjunta dos progenitores, podendo ser determinada unilateralmente pelo progenitor que tenha a menor ao seu cuidado no período respetivo[6].

Só que, e por aqui terminamos a nossa adesão à argumentação da recorrente, como se apresenta óbvio, essa frequência não pode colocar em causa ou diminuir o período de convívio com o progenitor não responsável por essa decisão, sob pena de, como muito bem se refere na decisão recorrida, levar “a que, no limite, a Requerente estivesse legitimada pelo Tribunal em decidir unilateralmente em inscrever a menor DD em qualquer outra atividade (também útil para os interesses intelectuais da menor) de modo a obstaculizar ou impedir o exercício de visitas estabelecido a favor da DD em conviver com o pai, tornando tal período cada vez mais curto e cansativo”.

Ou seja, embora se entenda que a frequência extracurricular do curso de Inglês se apresenta como do interesse da menor, e não se trate de uma questão de “particular importância”, a abrangência pretendida quanto ao início do fim de semana desrespeita o decidido, enquanto reduz o período de permanência da menor com o pai durante os fins de semana que deva ter a menor “à sua guarda”.

De resto, convenhamos que a finalidade pretendida pela recorrente implica consequências físicas de relevo[7], quer para a menor, quer pai, decorrentes da sujeição a uma deslocação de cerca de 120 Km., a uma sexta-feira, a partir das 19h., que implicaria, descontados os atrasos normais e uma ou outra pausa para descanso, a chegada à casa do pai por volta das 21h.

E com isto não se argumente o desrespeito do “princípio da intersubjetividade das partes” (princípio que - humildemente se reconhece - desconhecíamos, pelo menos em termos da sua aplicação nesta sede), ou do dever de cooperação, posto que o que está em causa é a interpretação e o cumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado, valendo esta de per si, e não como mera plasticina moldável de acordo com os entendimentos individuais de cada um dos progenitores acerca daquilo que corresponde ao interesse dos filhos, ainda que colocando em causa ou reduzindo o direito do filho ao convívio com o outro progenitor.

Assim, ao decidir nos termos em que o fez, a decisão recorrida limitou-se a respeitar uma decisão transitada em julgado, constituindo a interpretação abrangente pretendida pela Recorrente uma desvirtuação do decidido, com reflexos no encurtamento do período de permanência da menor com o pai e, consequentemente, sem apoio no decidido e na lei.

Do exposto decorre o naufrágio do apelo.


    *

Sumário[8]:

(…).

                                                                               *                                                      

IV - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                                                                               *

Custas pela apelante (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                               *

Coimbra, 28 de fevereiro de 2023


(Paulo Correia)

(Helena Melo)

  (José Avelino)




[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Melo e José Avelino
[2]- No texto da decisão consta, por manifesto lapso, “CC”.
[3] - Refere-se esta discussão aos conceitos indeterminados “questões de particular importância” e “atos da vida corrente” a que se refere o artigo 1906.º do Código Civil aplicável à situação dos autos.

[4]- e que podem passar v. g. por aprendizagens artísticas, culturais, linguísticas ou simplesmente atividades lúdicas/recreativas.

[5] - Já poderia ser configurada como ato de particular importância se, por exemplo, essa frequência se impusesse por a menor apresentar dificuldades de aproveitamento nessa disciplina no âmbito da sua formação escolar obrigatória, destinando-se a mesma a ultrapassar essa falta de aproveitamento.
[6] - Não se ignora que esta conclusão pode comportar consequências de cariz financeiro, designadamente não incidir sobre o outro progenitor a obrigação de participar nos custos respetivos.
[7] - Consequências que, de resto, em rigor, mais hora, menos hora, já estão presentes desde a altura da deslocação das menores para ..., e que, de acordo com os elementos constantes dos autos, não foram precedidas do consenso dos progenitores nem de autorização do tribunal.
[8] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).