Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
906/10.9TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CRÉDITO
CONTA CORRENTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 01/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 46º, Nº 1, AL. C), E 812º-E, Nº 1, AL. A), DO CPC
Sumário: I – Conhecido o tradicional entendimento de que a causa de pedir é, na acção executiva, constituída pelo título ou documento em que se corporiza a obrigação exequenda, ou seja, pelo título executivo - condição necessária, mas também suficiente, da execução -, nota-se que, mais recentemente, se tem entendido que na acção executiva a causa de pedir é, em rigor, o facto jurídico fonte da obrigação accionada, não sendo o título mais do que especial condição (probatória, necessária e suficiente) da possibilidade de recurso imediato a tal espécie de acções, enquanto base da presunção da existência do correspondente direito.

II - A manifesta falta de título executivo, consubstancia motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do art.º 812º-E, nº 1, a), do CPC, na redacção que a este código foi dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro (correspondendo, na redacção anterior, ao art.º 812º, n.º2, al. a), que foi o preceito citado na decisão impugnada).

III - Para que um documento particular se assuma como título executivo exige-se que seja assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto (art.º 46, n.º 1, alínea c), do CPC).

IV - Não resultando do documento dado como título, nem resultando de qualquer outro documento que haja sido junto com o requerimento executivo, nem tendo sido alegado neste que o crédito solicitado haja sido, efectivamente, posto à disposição do executado, não obstante a consideração constante nas “cláusulas contratuais” ou “condições gerais” do contrato firmado, não se pode entender que esse documento formalize ou evidencie um contrato de abertura de crédito.

V - Isto não pode ser substituído pela constatação do carácter plausível de ter ocorrido a entrega do montante do crédito ao vendedor, pois o que interessa é a titulação efectiva dessa entrega (que, aliás, é fácil de demonstrar) e não as conjecturas que, com base em elementos absolutamente exteriores ao título, possamos fazer.

VI - Do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46.º/1, alínea c) do C.P.C.

VII - Pelo que se afigura corolário lógico desta afirmação que, tendo o título exibido pelo exequente que constituir ou certificar a existência da obrigação, não se bastando com a previsão da constituição desta, o documento particular em que se fixe uma cláusula penal para funcionar em caso de não cumprimento de qualquer obrigação contratual, não integra título executivo em relação à quantia da indemnização ou da cláusula penal estabelecida, já que não fornece prova sobre a constituição da respectiva obrigação.

VIII - Ainda que os pressupostos abstractos da obrigação de indemnização decorrente da resolução se encontrem inseridos no contrato, a sua concretização exige a alegação e prova de factos, retirando à documentação apresentada o grau de certeza e de segurança próprios do título executivo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório:

A) F… 5 Llp”, instaurou, em 26/04/2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, execução comum, para pagamento de quantia certa, contra D…, para obter o pagamento coercivo de € 5.803,70, invocando para tal, enquanto título executivo, documento particular assinado pelo executado e que formalizou um contrato de crédito em conta corrente celebrado entre este e a A... (sucursal da S.A. francesa A ...), que a ela, exequente, cedeu tal crédito.

Para o efeito, alegou, além do mais, no requerimento executivo, que:

- Por documento particular foi outorgado pela A ... com o Executado/a, um contrato de crédito em conta corrente no montante de € 1.995,19, nas condições que constam do título executivo;

- O executado comprometeu-se ao pagamento de prestações mínimas mensais e sucessivas no valor de € 79,80;

- No entanto, nada pagou desde 22/09/2005, data em que o referido contrato de crédito foi resolvido;

- Nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do executado, existiria um acréscimo de 8% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal, pelo que o valor em dívida é de € 3981,22;

- Aquela quantia venceu juros legais desde a data atrás referida até à data da propositura da execução, acendendo a € 1822,48.

B) 1- Com o requerimento inicial a Exequente, entre outros, juntou, além do documento que no art.º 11º diz assinado pelo executado, um outro que a encimá-lo tem a expressão “CONTRATO DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE”, tendo escrito, logo abaixo desta, o seguinte: “Esta proposta é válida até 31/12/2001, e pode converter-se em contrato nos termos seguintes: Este contrato tem por objecto a concessão de crédito, em conta corrente e é proposto por Compagnie Financière pour la Distribution, A ..., S.A., Sucursal, pessoa colectiva nº… matriculada na CR. Comercial de Lisboa sob o nº…, com sede na …,em Lisboa”.

2 - No seu canto inferior direito este documento tem os seguintes dizeres impressos: ”Vida Livre” “DATA: 01/03/2001” “ASSINATURA A...”. Abaixo desta última expressão consta uma rubrica.

3 - Deste documento constam, entre outras, subordinadas à epígrafe “CONDIÇÕES GERAIS”, as seguintes cláusulas:

2.CONCLUSÃO DO CONTRATO.

A A ..., recebido o contrato que lhe é destinado, reserva-se o direito de confirmar ou recusar a concessão do crédito, entendendo-se aquele por concluído na data da assinatura pelo Mutuário, caso este não tenha revogado a declaração e a A ... tenha confirmado a concessão de crédito.

“7. CUSTO DO CRÉDITO.

O custo do crédito varia em função das utilizações, montante e duração do saldo devedor e é composto pelo crédito utilizado, juros diário vencidos, impostos e demais encargos, correspondendo a uma Taxa Nominal Anual de 23,30% e uma Taxa Anual Efectiva Global (TAEG) de 28,45% calculada nos termos do decreto de lei nº 101/2000, de 2 de junho”

“9. REEMBOLSO MÍNIMO E PRESTAÇÃO MENSAL.

9.1 O mútuo deve ser mensalmente reembolsado pelo mutuário à A ..., por débito em conta ou outra forma indicada pela A ..., variando a prestação em função do montante de crédito utilizado.

9.2. A prestação mensal deve ser paga até à data indicado no extracto de conta, não podendo ser inferior a uma parte fixa e pré-estabelecida de valor igual a 4% do limite máximo do crédito autorizado.

(…)”.

11. INCUMPRIMENTO E RESOLUÇÃO DO CONTRATO.

11.1. Caso o Mutuário não faça o pagamento duma prestação na data acordada ficará em mora, acrescendo a prestação em dívida juros de mora à mesma taxa do crédito ou, quando superior, à taxa máxima legalmente permitida para juros civis ou comerciais e uma indemnização equivalente a 8% do crédito vencido.

11.2. Mantendo-se o incumprimento, a A ... pode considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato, exigir o seu pagamento imediato e resolver o contrato. Neste caso a A ... pode exigir do Mutuário, para além do pagamento integral das prestações vencidas acrescidas de juros calculados nos termos do nº 11.1, uma indemnização equivalente a 8% do montante das prestações vencidas e não pagas e das prestações vincendas.

11.3. A A ... pode ainda resolver o contrato e encerar a conta se o Mutuário não utilizar o crédito durante 1 ano ou deixar de cumprir alguma obrigação assumida e em particular se der informações inexactas sobre a sua situação financeira e/0u pessoal; fizer uso abusivo ou ilícito do crédito da conta ou dos meios destinados a movimentá-lo; ultrapassar o limite máximo do crédito concedido.

11.4. A resolução do contrato nos termos do nº anterior dá lugar à imediata exigibilidade do saldo devedor, que vencerá juros à data em vigor à data da resolução até ao integral e efectivo pagamento, devendo o Mutuário restituir todos os meios que permitam a movimentação da conta.”.

C) Do documento que a Exequente diz estar assinado pelo executado, consta, entre o mais, no canto inferior esquerdo, manuscrito, em baixo da expressão impressa “DATA E ASSINATURA DO MUTUÁRIO (IDENTICA À DO B.I.), o nome “D…”, constando, no topo de tal documento, as seguintes expressões impressas: “Vida Livre”; “SIM DESEJO BENEFICIAR DA RESERVA VIDA LIVRE”; “SOLICITO A MINHA RESERVA PERMANENTE DE DINHEIRO NO MONTANTE DE”.

Em baixo desta última expressão, das quadrículas que antecedem as quantias aí referidas de 100.000$, 250.000$ e 400.000$, encontra-se assinalada com um X a que antecede esta última.

D) Por despacho de 24/09/2010, entendendo-se que se estava perante uma situação de manifesta inexistência do título executivo que fundamentasse a execução, indeferiu-se liminarmente o requerimento executivo, nos termos do art. 812º, n.º2, al. a), do CPC.

E) Inconformada, a Exequente recorreu desse despacho de indeferimento, recurso esse que foi recebido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

F) No final da sua alegação recursória a Apelante ofereceu as seguintes conclusões:

G) As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).

E a questão a solucionar consiste em saber se o requerimento inicial executivo podia ter sido indeferido liminarmente.

II - Fundamentação:

A) O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I A), B) e C)supra.

B) Conhecido o tradicional entendimento de que a causa de pedir é, na acção executiva, constituída pelo título ou documento em que se corporiza a obrigação exequenda, ou seja, pelo título executivo - condição necessária, mas também suficiente, da execução -, nota-se que, mais recentemente, se tem entendido que na acção executiva a causa de pedir é, em rigor, o facto jurídico fonte da obrigação accionada, não sendo o título mais do que especial condição (probatória, necessária e suficiente) da possibilidade de recurso imediato a tal espécie de acções, enquanto base da presunção da existência do correspondente direito.

A manifesta falta de título executivo, consubstancia, como é sabido, motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do art.º 812º-E, nº 1, a), do CPC, na redacção que a este código foi dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro (correspondendo, na redacção anterior, ao art.º 812º, n.º2, al. a), que foi o preceito citado na decisão impugnada).

Por outro lado, para que um documento particular se assuma como título executivo exige-se que seja assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto (art.º 46, n.º 1, alínea c)).

Saliente-se, antes do mais, que, o indeferimento em análise não se fundou na falta de legitimidade da Exequente, não obstante, na verdade, estar referido no despacho que esta carecia dessa legitimidade.

O despacho claramente aponta a falta de título que fundamente a execução como causa do indeferimento (daí a referência ao disposto na alínea a) do nº 2, do art.º 812º e não à alínea b) desse nº 2) surgindo a alusão à falta de legitimidade, digamos, em jeito de “obiter dictum”.

Sempre se dirá, contudo, que a legitimidade da Exequente é clara em função do disposto no art.º 56º, nº 1, do CPC e do alegado no requerimento inicial quanto à cessão do crédito ora exequendo, complementado com a junção do documento comprovativo de tal cessão.

Para fundar o referido indeferimento escreveu-se, entre o mais, no despacho recorrido: «A obrigação, para ser exequível, tem de ser certa, líquida e exigível, sendo que o título executivo tem de ser condição necessária e suficiente para se aferir da verificação de tais requisitos.

Ora, do documento junto como título executivo não resulta que a prestação da Executada revista as referidas características.

(…)

o título, além, de ser a condição necessária e suficiente da execução, define-lhe também os fins e os limites.

(…)

Na presença desse documento, dada a relativa certeza da existência da dívida nele demonstrada, é dispensada a fase declarativa para definir o direito do exequente, sem prejuízo de se vir a demonstrar, na oposição do executado por meio da oposição à execução, que a obrigação não existe.

Ora, no caso em apreço, está colocada em crise a suficiência do documento dado à execução - o denominado contrato de crédito, que mais não é do que um contrato de mútuo - para demonstrar a obrigação exequenda.

(…)

…do documento dada como título executivo consta apenas, numa quadrícula um montante de crédito de 400.000$00 (€ 1.995,19), sendo que do mesmo não resulta qualquer declaração da parte do executado de que é devedor dessa quantia nem que se vincula a um determinado modo de pagamento.

Porém, uma coisa é a simples alegação, outra é a comprovação perante o título do alegado, sendo que, in casu, cremos ser patente que o título dado à execução, por si só, não mostra ou certifica a dívida exequenda nem de qualquer outra.».

A Exequente refere no requerimento inicial constituir título executivo o documento que junta como doc nº 1 e que diz assinado pelo executado, referindo, ainda, que, de acordo com tal documento, “o executado comprometeu-se ao pagamento de prestações mínimas mensais e sucessivas no valor de € 79,80” e que “Nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do executado, existirá um acréscimo de 8% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal.” (cfr. art.ºs 2º e 5º).

Sucede, contudo, que, apresentando-se-nos como documentos materialmente autónomos, aqueles que acima se descrevem em I- B) e C), nada existe que inequivocamente os ligue, de modo a que poder entender-se que, afinal, são um só, aparentando-se-nos cindido pelo simples facto de terem sido juntas fotocópias do mesmo, ou que, tratando-se materialmente de dois documentos, um complementa o outro.

Assim, na realidade, o que se nos depara é um documento contendo as “condições gerais” de um contrato I- B), que não apresenta a assinatura do executado, estando datado de 01.03.2001, e um outro documento - o acima descrito em I- C) - este com o que se refere ser assinatura do ora executado em baixo do local reservado a isso, mas que não se encontra datado, em que o subscritor afirma desejar beneficiar da “reserva Vida Livre”, solicitando a “reserva permanente de dinheiro” no montante que se admite ser o de 400.000$, atento o sinal e as referências que se aludiram em I- C).

É que não há referência nenhuma na parte que termina com a assinatura do “mutuário” a quaisquer cláusulas ou condições gerais, não havendo qualquer alusão às condições de restituição do montante que se solicita, designadamente, número de prestações e início de pagamento, nem à mora ou ao incumprimento e respectivas consequências.

Assim, nesta perspectiva, não se afigura destituída de sentido a conclusão da Mma. Juiz “a quo” ao afirmar que “do documento dado como título executivo consta apenas, numa quadrícula um montante de crédito de 400.000$00 (€ 1.995,19), sendo que do mesmo não resulta qualquer declaração da parte do executado de que é devedor dessa quantia nem que se vincula a um determinado modo de pagamento.”.

Só agora, em alegações de recurso, vem a Exequente fazer afirmações que implicam a alegação - outrora omitida - de que o documento de onde constam as cláusulas contratuais, acima assinalado em I - C), constitui o verso daquele onde consta a assinatura imputada ao mutuário/executado (cfr. a expressão “verso do título executivo”, constante das conclusões 7ª e 12ª)

Só que, mesmo a admitir-se que, na realidade, aquilo que se nos apresenta como documentos materialmente autónomos, constituem a frente e verso de um único documento, nem assim se poderá concluir que este consubstancia um título executivo.

Vejamos.

Não resulta do documento dado como título (tomando-o a partir de agora, pois, na configuração revelada na alegação da apelante), nem resulta de qualquer outro documento que haja sido junto com o requerimento executivo, nem foi alegado neste, que o crédito solicitado haja sido, efectivamente, posto à disposição do ora executado, pelo que, não obstante a consideração do constante nas aludidas “cláusulas contratuais” ou “condições gerais”, não se pode entender que esse documento formalize ou evidencie um contrato de abertura de crédito.

E foi este, aliás, o entendimento seguido em caso decidido pela Relação de Lisboa, no Acórdão de 07/01/2010 (Apelação nº 4986/09.1TCLRS.L1-6)[3], do qual, atenta a semelhança da situação aí versada com aquela que aqui se trata, se transcreve o seguinte trecho: «Em tal documento, onde se contém um clausulado geral, não é possível delinear um qualquer contrato de mútuo - que apenas se pode ter como concluído e perfeito com a entrega da coisa mutuada -, mas antes e quando muito uma mera proposta de um contrato de abertura de crédito.

No proémio do respectivo clausulado se fala, de resto, em proposta: “Esta é uma proposta válida até 31/07/96, que se poderá converter em contrato definitivo nos termos seguintes”.

E o mesmo se retira da cláusula 2.1: “A A ... reserva-se o direito de, após a recepção do exemplar do contrato que lhe é destinado, confirmar ou recusar a concessão do crédito”.

Por outro lado, do documento em análise nem sequer consta o montante da quantia alegadamente mutuada, a respectiva taxa de juros ou os valores do seu reembolso, tendo-se clausulado apenas que o custo do crédito a constituir no âmbito do contrato varia em função do montante e da duração do saldo (cfr. cl. 7ª).

Por fim, tal documento e clausulado geral nem se mostra assinado pelo executado, pois a assinatura deste apenas consta do pedido de reserva permanente de dinheiro, que constitui o doc. junto a fls. 4. ».

Com pertinência, também, para o que aqui se decide, escreveu-se no Acórdão desta Relação proferido nos autos de Agravo nºs 229/06.8TBFZZ.C1[4], em que foi 2º adjunto o ora relator: «…não decorrendo neste caso do próprio texto do “contrato de crédito” a existência de uma efectiva entrega ao vendedor do montante do crédito concedido (v. a transcrição constante da nota 6), expresso no preço do bem adquirido pelo consumidor, e não constando igualmente a indicação dessa entrega do texto do requerimento executivo, nem tendo sido feita nem oferecida prova do preenchimento dessa condição (v. artigo 804º, nºs 1 e 2 do CPC), verifica-se a ausência pura e simples do elemento que possibilitaria o assumir desse contrato como título executivo ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 46º do CPC …

(…)

E isto não pode ser substituído, como pretende a Agravante, pela constatação do carácter plausível de ter ocorrido a entrega do montante do crédito ao vendedor, pois o que interessa é a titulação efectiva dessa entrega (que, aliás, é fácil de demonstrar) e não as conjecturas que, com base em elementos absolutamente exteriores ao título, possamos fazer. Com efeito, como esta Relação já tem tido oportunidade de sublinhar, um título executivo desta natureza, ou seja, que importe a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, não pode traduzir-se no fornecimento de uma espécie de puzzlle para que o executado o complete.».

Tendo sido omitida, como se disse, a apontada alegação, o caso não seria resolvido, como se entendeu também nos aludidos autos nºs 229/06.8TBFZZ.C1, com uma junção posterior de um documento que comprovasse a efectiva colocação do crédito na disponibilidade do executado, sendo de realçar, além disso, que a possibilidade de prova por documento adminicular se afigura estar reservada às situações em que os títulos executivos são documentos exarados ou autenticados por notário (art.º 50º do CPC)[5].

Não existe, face ao peticionado, ao invés daquilo que a Exequente refere nas suas alegações, “uma identificação entre a obrigação exequenda e a obrigação documentada no título”, desde logo porque não se pretende tão-só a restituição da quantia mutuada, que a Exequente diz corresponder à “obrigação primária assumida pelo devedor”.

Conforme se viu já a Exequente também exige uma indemnização por via do funcionamento de uma cláusula penal.

Conforme mais abaixo melhor se tentará explicitar, resulta logo do clausulado constante das “condições gerais” que o alegado no requerimento executivo não seria “per se” idóneo a possibilitar a exigência da aludida indemnização.

Por ora adianta-se que, conforme foi entendido pela Relação de Lisboa no Acórdão de 27/06/2007 (Apelação nº 5194/2007-7), “do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46.º/1, alínea c) do C.P.C”.

Pelo que se afigura corolário lógico desta afirmação que, tendo o título exibido pelo exequente que constituir ou certificar a existência da obrigação, não se bastando com a previsão da constituição desta, o documento particular em que se fixe uma cláusula penal para funcionar em caso de não cumprimento de qualquer obrigação contratual, não integra título executivo em relação à quantia da indemnização ou da cláusula penal estabelecida, já que não fornece prova sobre a constituição da respectiva obrigação.[6]

Ora, nada há no documento particular dado aqui à execução que nos permita dar por verificada a resolução, ainda que se admitisse ser esta possível face ao alegado no requerimento executivo e ao constante das “condições gerais”, pelo que se teria de ir buscar em elementos exteriores ao título o fundamento que alicerçasse a resolução do invocado contrato e a exigência da mencionada indemnização.

Ora, conforme se diz no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 27/06/2007, “Ainda que os pressupostos abstractos da obrigação de indemnização decorrente da resolução se encontrem inseridos no contrato, a sua concretização exige a alegação e prova de factos, retirando à documentação apresentada o grau de certeza e de segurança próprios do título executivo.”.

E, consequentemente, remata esse aresto de 27/06/2007, referindo: «Sendo a resolução o pressuposto da extinção da relação jurídica e a justificação para a invocação de um direito de indemnização, os documentos apresentados pela exequente no processo de execução não se mostram suficientes para configurar as posições jurídicas de cada uma das partes, exigindo uma actividade complementar a que não se ajustam os quadros limitados, as regras processuais e os objectivos da acção executiva virada para a exercitação coerciva de direitos certos e não tanto para a definição de direitos cujos contornos qualitativos e quantitativos sejam incertos e pressuponham uma actividade cognitiva.».

Desconhecendo-se, como se disse, em face do título, em que data foi disponibilizado o crédito - partindo-se, agora, do princípio que o foi, para benefício do raciocínio que se irá tentar explicar (só nas alegações - conclusão 4ª - é que a Exequente taxativamente diz, embora sem o concretizar temporalmente, que a verba mutuada foi “efectivamente disponibilizada”) - salienta-se que não se encontram discriminadas no título nem o número das prestações nem o respectivo montante a pagar pelo mutuário, nem a data do respectivo vencimento, já que não é possível saber, por mero exame do título, em que data estaria o executado obrigado a efectuar o primeiro pagamento.

Na verdade, mesmo assumindo que a proposta foi assinada pelo executado em 01/03/2001 e que foi aceite pela Exequente nos termos da cláusula 2ª, tratando-se de prestações mensais (cláusula 9.1) isso é insuficiente para se saber, em face do título, em que data se venceu a primeira e, consequentemente, as seguintes, nada havendo no título que permita concluir que uma delas deveria ser paga em 22.09.2005, que é a data que a Exequente refere como aquela em que “o devedor incumpriu o pagamento duma prestação na data acordada”.

Não é possível, face ao documento oferecido como título, concluir que o montante de € 79,80, foi aquele que o executado ficou obrigado a pagar de prestações mínimas mensais, ainda que seja de € 79,807 (ou 79,81 €) o valor equivalente (16.000$) às prestações assinaladas na proposta quanto ao “capital” de 400.000$, e ainda que a Exequente diga, como o faz na alegação de recurso, que pela execução em causa “pretende a restituição da quantia mutuada, que corresponde à obrigação primária assumida pelo devedor, ou seja, existe uma identificação entre a obrigação exequenda e a obrigação documentada no título.”.

Tal montante de € 79,80 (ou, melhor dizendo, o equivalente em escudos) em nenhum lugar do título consta como sendo o acordado para a prestação mensal a pagar pelo ora executado, não sendo possível, mesmo com o auxílio de mero cálculo aritmético, chegar-se à inequívoca conclusão de que ter sido esse o montante das prestações acordadas, cabendo salientar que, segundo a cláusula 7ª “O custo do crédito varia em função das utilizações, montante e duração do saldo devedor”.

É certo que a Exequente, no requerimento inicial, liquidou a “obrigação exequenda”, mas fê-lo, com apelo - para efectuar o respectivo cálculo aritmético - a elementos que não resultam da simples inspecção do título.

Note-se ter sido alegado pela Exequente no requerimento inicial que “nos termos das cláusulas do contrato, em caso de resolução devido ao incumprimento do Executado”, existiria “um acréscimo de 8% sobre o capital em dívida, a título de cláusula penal.”.

Daí que, tendo sido de 1.995,19 € o capital alegadamente “mutuado”, refira que “o valor em dívida é de € 3981,22” (art.º 6º).

Salvo o devido respeito, nada disso resulta do título, ainda que se entenda que o contrato foi resolvido pela exequente em 22/09/2005 como esta alega no art.º 4º, sem dizer, porém, pois só o afirma nas alegações (conclusão 7ª), ter sido o devedor ”interpelado para efectuar o pagamento das prestações em divida”.

É que mesmo a dar-se como assente que o executado não pagou uma das prestações em 22/09/2005 e que era essa a data acordada para o respectivo vencimento (acordo este que, repete-se, não resulta do título), essa falta de pagamento, atendendo-se às clausulas que a Exequente refere constarem do verso do título, não permitia considerar automaticamente vencidas as restantes prestações nem lhe possibilitava a imediata resolução do contrato.

Efectivamente, a falta de pagamento de uma das prestações na data acordada só conduz à mora, tendo como consequência os acréscimos previstos na cláusula 11.1, onde se inclui uma indemnização equivalente a 8% do crédito vencido.

A possibilidade de vencimento antecipado de todas as prestações e a resolução do contrato só se verifica, segundo a cláusula 11.2, no caso de se manter o incumprimento - o que se pressupunha a interpelação do devedor - hipótese essa que, a verificar-se daria à Exequente, ainda, o direito “a exigir do Mutuário, para além do pagamento integral das prestações vencidas acrescidas de juros calculados nos termos do nº 11.1, uma indemnização equivalente a 8% do montante das prestações vencidas e não pagas e das prestações vincendas.”.

Só que, conforme foi alegado no requerimento inicial, a Exequente, na data em que o executado falhou uma prestação, em 22/09/2005, procedeu logo à resolução do contrato, considerando antecipadamente vencidas todas as prestações.

É o que resulta do requerimento inicial:

«3º

No entanto, desde 22/09/2005 o/a executado/a nada pagou.

Data em que o referido contrato de crédito foi resolvido.».

Tal procedimento não é consentido pelo putativo título, conforme se expôs, sendo estranho, acrescente-se, que tendo o contrato sido firmado entre a “A... e o devedor”, como o afirma a Exequente nas suas alegações, em Março de 2001, ainda existissem prestações em dívida em Setembro de 2005 e no montante peticionado.

Não se vê, pois, que o documento particular dado à execução “sub judice”, embora presuntivamente se considere assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes. Daí se concluir que não consubstancia título executivo, face ao que se dispõe no art.º 46º, nº 1, c), do CPC.

Decidiu bem, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, ao indeferir liminarmente o requerimento executivo, embora que o preceito em apoio desse indeferimento devesse ser, não o do artº 812º, n.º2, al. a), do CPC, na redacção que antecedeu aquela que a este código foi dada pelo DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro, mas antes a da norma equivalente - 812-E, nº 1, a) do CPC -, resultante da alteração introduzida por esse DL n.º 226/2008, que é a aplicável.

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.


Falcão de Magalhães (Relator)
Regina Rosa
Jaime Ferreira


[1] Código este a considerar na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] Consultável, tal como os restantes dessa Relação que vierem a ser citados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/Pesquisa+Termos?OpenForm.
[4] Relatado pelo Exmo. Desembargador Teles Pereira.
[5] Assim, entre outros, não admitindo a aplicação do disposto no art.º 50º aos documentos particulares previsto no art.º 46º, nº 1, c), do CPC, o citado Acórdão da Relação de Lisboa, de 07/01/2010.

[6]Cfr. Acórdão do STJ de 01/07/2004, Agravo nº 04B2118 .