Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1189/16.2T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
NULIDADE FORMAL
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 286, 289, 334 CC
Sumário: 1 – Entre as hipóteses de exercício de um direito em que o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé (cf. art. 334º do C.Civil encontra-se a conduta contraditória, ou seja, o venire contra factum proprium.

2 – Porém, nos casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação/ conduta contraditória que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, porquanto as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral.

3 – Nestes casos específicos de pedido de declaração de nulidade de um negócio jurídico só excecionalmente é que se pode admitir a invocação do abuso de direito: desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade (isto é, as circunstâncias/pressupostos devem ser objecto de uma ponderação global, in concreto, para se aferir se existe uma exigência ético-jurídica de impedir a conduta contraditória.

4 – Agem com abuso de direito os Réus mutuários que, na contestação, invocam a nulidade do contrato por falta de forma, depois de terem fruído do capital mutuado por um período prolongado, utilizando-o nos termos que tiveram por convenientes, procedendo ao pagamento dos montantes de juros remuneratórios acordados, por um período longo de mais de 9 anos.

5 – É que, com tal comportamento, criaram no A. mutuante a confiança de que eles RR. mutuários iriam cumprir o acordado, pagando os juros estabelecidos até ao momento em que procedessem à restituição do capital mutuado; paralelamente, é legítimo afirmar que o A./recorrido investiu nessa confiança, já que, foi nesse pressuposto que permitiu aos RR. mutuários a disponibilidade do capital mutuado durante tanto tempo.

6 – Temos, então, a existência de uma situação objectiva de confiança, e o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger, donde a neutralização desse direito (invocabilidade da nulidade por vício de forma) que durante muito tempo se não exerceu, por o não exercente ter criado, pela própria conduta, uma expetativa legítima de que o mesmo não iria ser exercido (supressio).

Decisão Texto Integral:           










  Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

            H (…), casado, agricultor, contribuinte nº (...), residente na (...) instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra J (…), casado, bancário reformado, contribuinte nº (...) , residente em (...) e mulher M (…) casada, professora, contribuinte nº (...) , residente em (...) , pedindo que na procedência da acção sejam os Réus condenados no pagamento ao Autor da quantia de €89.927,00 (oitenta e nove mil e novecentos e vinte sete euros) acrescido de juros legais desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento da sua pretensão alega concretas condições na sequência das quais se conheciam - por via da actividade de bancário, o Réu marido e cliente da instituição na qual prestava serviços aquele, no caso do Autor - sendo que em condicionalismo temporal que caracteriza os RR solicitaram-lhe um empréstimo de importância que especifica, a que se seguiram vários outros empréstimos, escalonados temporalmente e em montantes distintos, em valor ou montante total que quantifica.

Sucede que os RR foram pagando o montante de juros acordado, até data que precisa, momento a partir do qual nada mais pagaram, elencando os montantes pagos a tal título, ademais de dizer que nenhuma parte do capital mutuado foi pago.

*

Citados regular e pessoalmente contestaram os Réus a fls 33 e segs.

Nesta peça processual começam por contrariar a afirmação do Autor relativamente à localidade na qual o Réu marido exercia a sua actividade, tal como dizem que se conheciam há muitos anos, em condições ou circunstâncias que nada têm a ver com a actividade bancária, tal como negam terem pedido o(s) empréstimo(s) ao Autor, antes foi este quem se ofereceu para tal, sabedor que os RR estavam a pensar reconstruir a casa da família.

Em seguida descrevem com pormenor as entregas de dinheiros, taxas de juro, pagamentos efectuados, etc, num total que quantificam, sendo que as taxas de juro foram impostas pelo Autor.

Após aludem às condições acordadas entre as partes para a restituição do capital mutuado, sendo que seguidamente se centram na abordagem jurídica da questão, no caso da nulidade do contrato por falta de forma.

Por isso que finalizam pedindo a procedência da excepção de nulidade do contrato por falta de forma e bem assim a improcedência da acção.

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O Autor respondeu única e exclusivamente em sede jurídica, no que tange à invocada nulidade do contrato por falta de forma e bem assim alegando ou invocando em seu benefício o instituto do abuso de direito, reiterando o pedido inicial.

*

Em tempo oportuno foi designada e teve lugar a efectivação de audiência prévia, com elaboração de despacho saneador, com apreciação da bondade dos pressupostos processuais, foi fixado o objecto do litígio e temas de prova e seriados os meios de prova, incluindo a marcação de dia para julgamento.

*

A audiência de julgamento foi realizada com respeito pelas regras processuais, numa única sessão, sem que no seu decurso se tenham suscitados quaisquer questões.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os “factos provados” e os “não provados”, mais se apresentando a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que os RR. não podem invocar a nulidade por falta de forma dos contratos de mútuo, porque tal corresponderia a agirem com “abuso de direito”, na modalidade do “venire contra factum proprium”, isto face ao apurado pagamento pelos mesmos, ao longo dos anos, dos juros convencionados, por força do que o R. marido teria criado “a confiança de que iria cumprir o acordado”, termos em que se concluiu pelo seguinte concreto “dispositivo”:

«Termos em que, por todo o exposto julgo a acção procedente, por provados os factos que a fundamentam e consequentemente decido condenar os RR J (…) e mulher M (…) a restituirem ao Autor H (…) a quantia de €89.782,79 (oitenta e nove mil, setecentos e ointenta e dois euros, setenta e nove cêntimos) acrescida de juros de mora calculados à taxa legal supletiva desde a data da citação para os termos da presente acção até integral e efectivo pagamento.

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Custas pelos Réus- artº 527º nºs 1 e 2 do CPC

*

Notifique e Registe e notifique.»

                                                                       *

            Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

            (…)

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - desacerto da decisão de direito que perfilhou o entendimento de que os RR. não podiam invocar a nulidade por falta de forma dos contratos de mútuo, porque tal corresponderia a agirem com “abuso de direito”, na modalidade do “venire contra factum proprium”?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Vejamos o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, sendo certo que no recurso não se questiona a decisão neste particular:

«Com interesse e relevo para uma boa decisão da causa, emergindo da sua discussão, por ordem lógico-cronológica, estão provados os seguintes factos:

1

O Autor emprestou aos Réus diversas importâncias em dinheiro, numa quantia total de €89.782,79 (oitenta e nove mil, setecentos e oitenta e dois euros, setenta e nove cêntimos), em condições definidas infra, nenhum deles titulado por escritura pública ou por documento particular autenticado, sem beneficiar de qualquer garantia por parte dos devedores/Réus, quantia que estes e até à data ainda não lhe restituíram.

2

Para além de terem pago a totalidade dos juros acordados até 31 de Dezembro de 2007, em montante não apurado em concreto, os RR efectuaram ainda os seguintes pagamentos a título de juros:

- em 20/03/2008 - €1.200,00 (mil e duzentos euros);

- em 30/10/2008 - €2.793,27 (dois mil setecentos e noventa e três euros e vinte sete cêntimos) e €1.995,19 (mil novecentos e noventa e cinco euros e dezanove cêntimos);

- em 20/05/2009 - €1.200,00 (mil e duzentos euros)

- em 20/09/2009 – 2.793,27 (dois mil setecentos e noventa e três euros e vinte sete cêntimos);

- em 15/05/2010 – €1.200,00 (mil e duzentos euros);

- em 15/06/2010 - €1.200,00 (mil e duzentos euros);

- em 15/10/2010 - €1.496,50 (mil quatrocentos e noventa e seis euros e cinquenta cêntimos) e €2.096,50 (dois mil e noventa e seis euros e cinquenta cêntimos);

- em 04/04/2011 - €897,40 (oitocentos e noventa e sete euros e quarenta cêntimos);

- em 12/07/2011 - €897,84 (oitocentos e noventa e sete euros e oitenta e quatro cêntimos);

- em 26/09/2011 - €598,55 (quinhentos e noventa e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos);

- em 26/10/2011 - €2094,95 (dois mil e noventa e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), num total de €16.371,34.

3

No ano de 1996 o Réu J (…) trabalhava na instituição de crédito Caixa Geral de Depósitos em localidade ou agência não apurada em concreto.

4

Em condições não apuradas em concreto, em 16 de Agosto de 1996, o Autor emprestou aos RR o montante de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) na moeda com curso legal à data, equivalente hoje a €29.927,00 (vinte nove mil e novecentos e vinte sete euros) à taxa de juro de 10% ao ano.

5

Em 20 de Abril de 2001 os Réus viram ser-lhes concedido, pelo Autor, um novo empréstimo, este no montante de 5.000.000$00 escudos (cinco milhões de escudos), ou seja, €24.939,94 (vinte quatro mil, novecentos e trinta e nove euros, noventa e quatro cêntimos), à taxa de juro de 8%.

6

Ainda nesse ano de 2001, mas em 19 de Junho, o Autor emprestou aos Réus a quantia de 7.000.000$00 escudos (sete milhões de escudos), ou seja, €34.915,85 (trinta e quatro mil, novecentos e quinze euros, oitenta e cinco cêntimos) à taxa de juro de 8% ao ano.

7

A e Réu marido conhecem-se há largos anos, em circunstâncias não apuradas em concreto.

8

Até à presente data o A recebeu dos RR, a título de juros, montante ou quantia total não apurada em concreto.

9

A partir de data não apurada o Réu marido começou a sentir dificuldades no pagamento dos juros em causa, por os seus rendimentos não permitiam fazer face às obrigações básicas e quotidianas do agregado familiar e, na sequência de diálogo com o Autor, acordaram numa revisão de taxa de juro de 10% para 6%.»             

*

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Desacerto da decisão de direito que perfilhou o entendimento de que os RR. não podiam invocar a nulidade por falta de forma dos contratos de mútuo, porque tal corresponderia a agirem com “abuso de direito”, na modalidade do “venire contra factum proprium

Será assim?

Na sentença recorrida discorreu-se, no essencial, com a seguinte linha de argumentação:

«(…) à data de celebração de cada um dos três (3) contratos de mútuo notados nos autos, por via do respectivo montante a lei obrigava, todos e cada um deles, a serem reduzidos a escritura pública, o que não sucedeu em relação a qualquer um deles, pelo que nem sequer se pode ponderar do simples incumprimento da obrigação da existência de documento escrito com a assinatura do mutuário.

Nessa perspectiva estão todos feridos de invalidade formal.

E qual a consequência?

Trata-se da respectiva nulidade, pois que não sendo válido, é nulo.

Em face da conclusão que acabou de se extrair quanto à questão da validade cumpre aferir quais as consequências jurídicas de tal vício contratual, o qual até é de conhecimento oficioso- cfr artº 286º.

Ora a regra geral relativa aos efeitos da declaração de nulidade está contida no nº1 do artº 289º o qual prevê que esta tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

Assim, no caso vertente, a nulidade do contrato ora declarada terá como efeito directo e necessário a restituição de tudo o que foi prestado desde a data da celebração do mesmo, pelo que terá os Réus terão proceder à restituição do montante mutuado aos Autores.

(…)

Em função do quadro factual, como legal e jurisprudencial citado, não há dúvidas aparentes no sentido de que os contratos de mútuo, sendo nulos, se declarasse esta e haveria que corresponder a restituição da correlativa contraprestação das partes.

Todavia, importa não olvidar que o Autor, no exercício do contraditório, à excepção de nulidade dos contratos invoca o abuso de direito.

Atentemos, então, no instituto do abuso do direito.

A este propósito estatui o artº 334º que "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

(…)

Todavia, e neste particular domínio assume enorme relevância o estudo do Prof Pereira Coelho ("Breves notas ao «Regime do Arrendamento Urbano», RLJ, 125/257 e segs e 126/194 e segs.), de que nos socorremos, por partilharmos a sua posição, com a devida vénia.

Começa aquele insigne Mestre por se questionar sobre se a arguição da nulidade, por vício de forma, não poderá ser paralizada pela aplicação da cláusula geral do abuso do direito.

É evidente que o estudo em causa aborda a problemática da forma do contrato de arrendamento "strictu sensu", mas tal e qual os arrendatários colocaram a questão, ela tem aqui plena aplicação.

Naturalmente que a questão se coloca ao nível do excesso dos limites impostos pela boa-fé, particularmente por tal arguição estar em contradição, ainda segundo os princípios da boa-fé com o procedimento adoptado pela parte que pretende argui-la.

E o problema reside precisamente na resposta à interrogação: será que o procedimento anteriormente adoptado não criou na outra parte a legítima expectativa de que a nulidade não viria a ser invocada?

A doutrina tem posições divergentes- ver, em sentido, limitativo os Profs Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil anotado, Vol I, 4ª edição, anotação ao artº 227º.

Mas já os Profs Vaz Serra (RLJ, 103/5451 e 115/187), Mota Pinto ("Teoria Geral do Direito Civil", 3ºa edição, pags 437/449) e Baptista Machado ("Tutela da confiança e «venire contra factum proprium»", RLJ 117/365) propendem para uma resposta positiva.

E fazem-no por consideração para com o carácter geral do instituto em causa, não se afigurando razoável uma interpretação restritiva do artº 334º e que exclua liminarmente do seu âmbito de aplicação o direito a arguir nulidades por vício de forma.

Aqui chegados como equacionar a hipótese concreta?

(…)

Ora foi neste contexto de livre relacionamento comercial e jurídico, enformado pela liberdade e consensualidade contratuais, que ocorreram os negócios dos autos.

Agora retornando aos actos, ainda que sintetizados, temos que:

- em 16 de Agosto de 1996 o Autor empresta aos RR o montante de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) na moeda com curso legal à data, equivalente hoje a €29.927,00 (vinte nove mil e novecentos e vinte sete euros) à taxa de juro de 10% ao ano;

- em 20 de Abril de 2001 outro montante, agora de 5.000.000$00 escudos (cinco milhões de escudos), ou seja, €24.939,94 (vinte quatro mil, novecentos e trinta e nove euros, noventa e quatro cêntimos), à taxa de juro de 8%;

- e em 19 de Junho de 2001 um último empréstimo, agora 7.000.000$00 escudos (sete milhões de escudos), ou seja, €34.915,85 (trinta e quatro mil, novecentos e quinze euros, oitenta e cinco cêntimos) à taxa de juro de 8% ao ano, tudo num total de €89.782,79 (oitenta e nove mil, setecentos e ointenta e dois euros, setenta e nove cêntimos), nenhum deles titulado por escritura pública ou por documento particular autenticado, sem beneficiar de qualquer garantia por parte dos devedores/Réus, quantia que estes e até à data ainda não lhe restituíram;

- pagamento pelos Réus dos juros acordados até 31 de Dezembro de 2007;

- pagamento pelos RR de outras importâncias, nos meses 3 e 10 de 2008, 5 e 9 de 2009, 5,6 e 10 de 2010, 4, 7, 9 e 10 de 2011, num total de €16.371,34.

Elencados estes factos, todos eles objectivos, ocorre questionarmo-nos: a arguição da nulidade dos contratos de mútuo, nos termos em que foi feita, constitui ou não um manifesto ultrapassar dos limites impostos pela boa-fé?

Temos para nós que a resposta é positiva.

A sua justificação ancora-se largamente no aresto citado pelo Autor, ou seja, o Acórdão do STJ datado de 27/5/2010, proferido no âmbito do processo 148/06.8TBMCN.P1.S1 (in www.dgsi.pt) no qual se sumaria que

“1. Embora em casos excepcionais, é de admitir a relevância da invocação do abuso de direito em negócios formais.

2. Celebrado contrato de empréstimo sem observância da forma legal, e tendo o devedor pago, durante oito anos, os juros convencionados, revela abuso de direito, por parte deste, pedir a sua devolução em consequência da nulidade do contrato.

3. A partir do momento em que o devedor deixa de pagar os juros, tal comportamento deixa de gerar confiança no credor de que aquele continue a pagar os juros, não relevando, a partir de então, o abuso de direito, sendo apenas devidos juros de mora desde a citação da acção em que o credor peça a devolução do dinheiro decorrente da nulidade por falta de forma.

4. Sendo o contrato de empréstimo um contrato real quod constitutionem que se consuma com a entrega do dinheiro, este é logo usado pelo devedor que o não mantém para dele tirar rendimento, não podendo aqui ser contabilizada a sua disponibilidade, como acontece com a utilização do arrendado por o respectivo contrato ter sido declarado nulo por falta de forma e o arrendatário o continue a utilizar sem título”.

E no seu desenvolvimento lê-se que “invocando o réu a nulidade do contrato, à face da citada norma, impor-se-ia a devolução de tudo o que foi entregue e, por isso, também o dinheiro que ele entregou a título de juros convencionados. Mas a invocação desse direito é clamorosamente ofensiva dos bons costumes, como afirmaram as instâncias, porque o R. ao utilizar o dinheiro e pagar durante bastante tempo (cerca de 8 anos) os juros, criou na A. a confiança que não invocaria a nulidade pois de outra forma já há muito tempo que lhe teria pedido a devolução do dinheiro”.

(…)

A finalizar citação jurisprudencial, anote-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de Junho de 2015 (in https://blook.pt/caselaw/PT/TRC/491156/?q=relator: %20Catarina%20Gon%C3%A7alves).

Nele e a dado trecho escreve-se que “a nossa jurisprudência tem vindo a admitir, em determinadas circunstâncias e por aplicação do instituto do abuso de direito, a paralisação dos efeitos da nulidade do negócio por vício formal, desde que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa ao princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso do direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo, nomeadamente em situação de claro venire contra factum proprium, manifestamente lesivo da boa fé.

(…)

Retomando a materialidade destes autos dela colhe-se que os RR durante mais de 9 anos pagaram todos os juros para com cuja satisfação se haviam comprometido, não sendo de todo despiciendo que a seguir a um primeiro empréstimo, em 1996, decorridos cerca de 5 anos, obtiveram mais dois, em dois escassos meses, circunstancialismo que retrata naturalmente uma especial relação de confiança mútua e, nas palavras do último aresto, ambas idóneas a criarem no Autor a confiança de que os Réus iriam cumprir o acordado, pagando os juros estabelecidos até ao momento em que procedesse à restituição do capital mutuado; por outro lado, é legítimo afirmar que o Autor investiu nessa confiança, já que, foi nesse pressuposto que permitiu aos Réus a disponibilidade do capital mutuado durante tanto tempo e que se dispôs a aceitar que tal capital não lhe proporcionasse os rendimentos que poderia auferir caso estivesse na sua disponibilidade.

O cumprimento da obrigação durante tanto tempo- mais de 9 anos, reitera-se -a que acrescem pagamentos nos anos subsequentes até 2011, sem que alguma vez os RR questionassem ou anunciassem algo relacionado com a restituição do capital, menos ainda questionassem a validade do contrato, criaram no Autor a natural e legítima expectativa de que nunca tal vício seria alegado ou invocado.

(…)

Estamos em presença de uma situação perfeitamente caracterizada a qual representa, na esteira da melhor Doutrina, um inadmissível venire contra factum proprium e como tal um verdadeiro abuso de direito, por violar os ditames da boa fé.

Para finalizar importa atentar na interrogação lançada pelo Acórdão do STJ que diz que “este comportamento, perdurável no tempo, criou na A. a confiança de que o R. nunca lhe invocaria a nulidade do contrato para lhe pagar os juros acordados; doutra foram, tal como agora acontece, a A. teria, seguramente, solicitado a devolução do dinheiro há mais tempo.

Ora, isto é uma situação clamorosamente abusiva e como tal torna inválida a restituição peticionada pelo R. que o art. 289.º, 1 citado impunha”, para seguidamente analisar a questão derivada de Autores que repudiam a aplicação do abuso de direito no caso de nulidades formais.

A conclusão vai no sentido da sua admissibilidade tal como, já se percebeu, cremos, ser a nossa perspectiva.

(…)

Está assim traçada a sorte e destino desta acção: a sua procedência.»

Adianta-se desde já – e releve-se o juízo antecipatório! – que nos merece integral acolhimento uma tal linha de entendimento.

A principal questão suscitada em termos de direito no recurso é a de saber da possibilidade de obstar à invocação de nulidade resultante de vício de forma, através do abuso de direito.

Consabidamente, o exercício de qualquer direito está sujeito a limites e restrições, sendo disso mesmo que dá conta o art. 334º do C.Civil, ao dispor que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Ora, entre as hipóteses de exercício de um direito em que o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé encontra-se a conduta contraditória, ou seja, o venire contra factum proprium.[2]

Ocorre que não é qualquer conduta contraditória que faz cair o seu autor sob a alçada do art. 334º do C.Civil.

Para tanto é necessário, em primeiro lugar, que aquele contra quem é invocado o abuso de direito, tenha criado “uma situação objectiva de confiança”, ou seja, tenha tido uma conduta que, “objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará coerentemente, de determinada maneira”. “Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação á criação da confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro”.[3]

Em segundo lugar, é necessário que, “com base na situação de confiança criada”, a contraparte tome “disposições ou organize planos de vida de que lhe surgirão dúvidas, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada”.

Em terceiro lugar, é necessária a “boa-fé da contraparte que confiou”.

De referir que, atenta a concreta tipologia dos actos abusivos que se incluem na categoria do abuso do direito e com os quais se procura densificar a indeterminação do conceito correspondente [são reconduzidos ao abuso do direito, v.g., o (i) venire contra factum proprium, quer dizer, a proibição do comportamento contraditório, a (ii) supressio (supressão), ou seja, a neutralização de um direito que durante muito tempo se não exerceu, tendo-se criado, pela própria conduta, uma expetativa legítima de que não iria ser exercido, a (iii) surrectio, i.e., o surgimento de um direito por força de um comportamento contraditório qualificado pelo decurso do tempo - e o (iv) desequilíbrio objectivo no exercício, comportamento abusivo cujo desvalor se objectiva na desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem, e que compreende todas as situações em que se exercem poderes sanção por faltas insignificantes, como sucede quando uma parte resolva o contrato, alegando uma violação sem relevo de nota, em termos de causar a esta um grande prejuízo], em nosso entender, é a categoria dogmática da supressio que aqui está mais diretamente em causa.

Sendo que importa concluir pela sua verificação positiva in casu: atente-se que, conforme sublinhado em douto aresto jurisprudencial, tem-se admitido a paralisação da invocabilidade da nulidade por vício de forma precisamente “quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduziu num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer pontos ou focos de litigiosidade relevante, assumindo estas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes – e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto”.[4]

Ademais, importa dizer que o abuso de direito tem sido invocado por algumas decisões jurisprudenciais precisamente para paralisar iniciativas semelhantes às dos aqui RR./recorrentes.

Paradigmático de tal era o caso sobre o qual se debruçou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de Junho de 2015[5] citado na sentença recorrida: com efeito, tratava-se aí da situação do mutuário que pagou os juros convencionados, durante cerca de sete anos, sem nunca questionar essa obrigação e a validade do contrato, donde se ter considerado como abusivo, por parte do mesmo, o exercício da pretensão de restituição desses juros, por força da nulidade que veio a ser declarada, por corresponder a um venire contra factum propium e defraudar a legítima expectativa do mutuante e a confiança que lhe mereceu o anterior comportamento do mutuário.

Acresce que tal invocação tem tido lugar noutras situações com algum paralelismo com a dos autos.

Senão vejamos.

Assim, já se decidiu que “a invocação da nulidade do contrato por falta de entrega de um exemplar, ao fim de quatro anos de vigência do contrato, encontrando-se pagas 31 das 48 prestações acordadas, quando se foi chamado a honrar o compromisso assumido, constitui abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil) e é, portanto, ilegítima”.[6]

Como também já se considerou que a invocação da nulidade de um contrato de crédito ao consumo, por não ter sido entregue ao mutuário um exemplar do contrato no momento da respetiva assinatura, depois de o devedor o ter cumprido durante quase dois anos e depois de ter utilizado o bem adquirido com recurso ao crédito em proveito pessoal, configurava claramente uma conduta contraditória, pois havia dado ao credor “evidentes, permanentes e sucessivos sinais de que o contrato seria cumprido; que, da sua parte nada obstava ao seu cumprimento”.[7]

De igual forma, foi considerado como exercício abusivo de um direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o facto de, num contrato de crédito ao consumo, os mutuários terem invocado a nulidade, por falta de entrega de um exemplar do contrato, após terem pago dezassete das 48 prestações mensais por que foi repartido o reembolso do crédito.[8]

Por seu turno, um acórdão do nosso mais alto tribunal, citando outras decisões jurisprudenciais, considera que a invocação da falta de comunicação das cláusulas contratuais será abusiva se tiver havido uma conduta do aderente apta a, objectiva e justificadamente, criar no que elabora as cláusulas contratuais gerais, a confiança de que a falta de comunicação não seria suscitada, tornando claramente inaceitável que, ao arrepio dessa sua atitude, a viessem invocar, em violação da confiança que eles próprios (objectivamente, repete-se) criaram”. Escreve-se ainda no citado acórdão que, para ocorrer abuso de direito, é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objetivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil)”.[9]

Tomando em linha de conta estas considerações, há que reconhecer que o caso dos autos tem fortes pontos de contacto com os apresentados anteriormente – sendo, obviamente, para este efeito decisivo os que se pronunciaram sobre a invalidade por falta de forma de contratos de mútuo.

Temos presente que «(…) nem toda conduta contraditória do exercente lhe é redutível. Exige-se, para que essa redução seja possível, um investimento de confiança realizado pela contraparte contra quem o direito é exercido, fundado na expectativa, lícita ou legítima, de que tal exercício não ocorreria, uma qualquer situação de confiança que deva ser protegida contra o exercício do direito pela contraparte.

Assim, em primeiro lugar, reclama-se um comportamento anterior do exercente do direito que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança; exige-se, depois, a imputabilidade aquele quer do comportamento anterior quer do comportamento actual; de seguida, há que verificar a necessidade e o merecimento do prejudicado com o comportamento contraditório; por último, há que averiguar a existência do investimento de confiança ou baseado na confiança, causado por uma confiança subjectiva, objectivamente justificada.

Note-se que a aplicação destes pressupostos, após a sua enumeração e verificação no caso concreto, não é automática: antes devem ser objecto de uma ponderação global, in concreto, para se aferir se existe uma exigência ético-jurídica de impedir a conduta contraditória, designadamente por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante e – o que é mais – por a situação conflituar, exasperadamente, com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo.

O principal efeito quer do venire é, naturalmente, o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou de direitos, em contradição com o comportamento anterior.»[10]

Ora, s.m.j., estamos precisamente no caso vertente reconduzidos a uma tal situação.

Na verdade, à semelhança do que sucedeu com as situações que estavam em julgamento em alguns dos acórdãos citados[11], os aqui RR. mutuários, durante mais de 9 anos pagaram todos os juros para com cuja satisfação se haviam comprometido, sendo que, na circunstância, houve um primeiro empréstimo (em 1996) e, decorridos cerca de 5 anos, foram celebrados outros dois empréstimos (separados por dois escassos meses), donde ser legítimo falar de uma especial relação de confiança mútua entre as partes, o que tudo foi idóneo a criar no aqui A./recorrido a confiança de que os RR. mutuários iriam cumprir o acordado, pagando os juros estabelecidos até ao momento em que procedessem à restituição do capital mutuado; paralelamente, é legítimo afirmar que o A./recorrido investiu nessa confiança, já que, foi nesse pressuposto que permitiu aos RR. mutuários a disponibilidade do capital mutuado durante tanto tempo, abdicando ele próprio, designadamente, de invocar a nulidade por falta de forma e/ou de reclamar a restituição do capital, dando o contrato por encerrado, em ordem a retomar a plena disposição e fruição dos montantes em causa.

Sendo certo que o mutuante, aqui A./recorrido, a decretar-se a obrigação de restituição dos juros remuneratórios percebidos dos mutuários, aqui RR./recorridos, ficaria numa situação de total desprotecção e mesmo de injustiça, porquanto,  enquanto estes últimos teriam tirado todo o benefício que os contratos lhes podiam proporcionar (note-se que, não obstante a nulidade, sempre teriam tido a disponibilidade do capital durante vários anos e a possibilidade de o aproveitar em seu proveito), já o A./recorrido ficaria apenas com o capital, sem auferir qualquer proveito e suportando ainda o prejuízo decorrente do facto de, durante aqueles anos, ter ficado impossibilitado de rentabilizar aquele capital e de o utilizar em seu benefício.

Dito de outra forma: aceitando-se que os contratos produzissem os efeitos que aproveitavam aos RR. (a disponibilidade do capital), surgiria por isso como claramente injusto que não se aceitasse também a produção do efeito que aproveitava ao Autor (a respectiva remuneração) durante o período em que tal efeito foi aceite e foi cumprido pelos RR. (sem questionar essa obrigação e sem questionar a validade dos contratos)…

E nem se argumente com o princípio geral nesta matéria – a saber, que apenas em situações excecionais e bem delimitadas, pode decretar-se, ao abrigo do instituto do abuso de direito, a inalegabilidade pela parte de um vício formal do negócio jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas (nomeadamente porque uma tal solução carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o ato) – para aí encontrar fundamento que obsta à decisão recorrida.

É que, como já foi explicitado em douto aresto, «Em consonância com esta orientação geral, pode admitir-se a paralisação da invocabilidade da nulidade por vício de forma, com base num censurável venire contra factum proprium , quando é claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito pelas regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada ou quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduziu num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer focos de litigiosidade relevante, assumindo aquelas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes – e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto.»[12].

Sucede que é precisamente esta última a situação dos autos, particularmente com referência à segunda classe de casos, a saber, a existência de uma situação objectiva de confiança, e o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger, donde a neutralização desse direito (invocabilidade da nulidade por vício de forma) que durante muito tempo se não exerceu, por o não exercente ter criado, pela própria conduta, uma expetativa legítima de que o mesmo não iria ser exercido (supressio).

O que tudo serve para dizer que a linha jurisprudencial que foi invocada para fundamentar a decisão recorrida encontra-se amplamente apoiada, tendo-se apenas citado alguns outros arestos no mesmo sentido, face ao que não divisamos, designadamente nas alegações recursivas dos RR./recorrentes, razões válidas nem concludentes para dela divergir.

Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Entre as hipóteses de exercício de um direito em que o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé (cf. art. 334º do C.Civil encontra-se a conduta contraditória, ou seja, o venire contra factum proprium.

I – Porém, nos casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação/ conduta contraditória que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, porquanto as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral.

III – Nestes casos específicos de pedido de declaração de nulidade de um negócio jurídico só excecionalmente é que se pode admitir a invocação do abuso de direito: desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade (isto é, as circunstâncias/pressupostos devem ser objecto de uma ponderação global, in concreto, para se aferir se existe uma exigência ético-jurídica de impedir a conduta contraditória.

IV – Agem com abuso de direito os Réus mutuários que, na contestação, invocam a nulidade do contrato por falta de forma, depois de terem fruído do capital mutuado por um período prolongado, utilizando-o nos termos que tiveram por convenientes, procedendo ao pagamento dos montantes de juros remuneratórios acordados, por um período longo de mais de 9 anos.

V – É que, com tal comportamento, criaram no A. mutuante a confiança de que eles RR. mutuários iriam cumprir o acordado, pagando os juros estabelecidos até ao momento em que procedessem à restituição do capital mutuado; paralelamente, é legítimo afirmar que o A./recorrido investiu nessa confiança, já que, foi nesse pressuposto que permitiu aos RR. mutuários a disponibilidade do capital mutuado durante tanto tempo.

VI – Temos, então, a existência de uma situação objectiva de confiança, e o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger, donde a neutralização desse direito (invocabilidade da nulidade por vício de forma) que durante muito tempo se não exerceu, por o não exercente ter criado, pela própria conduta, uma expetativa legítima de que o mesmo não iria ser exercido (supressio).  

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas em ambas as instâncias pelos RR./recorrentes.

Coimbra, 6 de Fevereiro de 2018

  Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] Cfr., neste sentido, BAPTISTA MACHADO, em “Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium”, na RLJ, ano 117º, a págs. 363.
[3] Socorremo-nos aqui da lição do autor citado na nota precedente, na RLJ, ano 118, a págs.171-172.
[4] Citámos agora o acórdão do STJ de 17.03.2016, no proc. nº 2234/11.3TBFAF.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Proferido no proc. nº 2943/13.2TBLRA.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[6] Trata-se do acórdão do T. da Rel. de Lisboa, de 28.06.2007 no proc. nº 4307/2007-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[7] Citámos agora o acórdão do T. da Rel. do Porto de 16.12.2009, no proc. n.º 1179/08.9TBPFR, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[8] Assim no acórdão do T. da Rel. de Coimbra, de 12.02.2008, no proc. n.º 366/05.6TBTND, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[9] Trata-se do acórdão do STJ de 07.01.2010, no proc. n.º 08B3798, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[10] Citámos agora o acórdão do T. Rel. de Coimbra de 8.05.2012, no proc. nº 401/09.9T2AVR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.

[11] Por exemplo no já citado acórdão do STJ de 27.05.2010 (proferido no proc. nº 148/06.8TBMCN.P1.S1), estava em causa uma situação em que o devedor havia pago, durante oito anos, os juros convencionados, sendo precisamente nessa ponderação que, nesse aresto, se concluiu que revelava abuso de direito, por parte do devedor, este pedir a devolução dos juros convencionados, em consequência da nulidade do contrato.
[12] Cf. o citado acórdão do STJ de 17.03.2016, no proc. nº 2234/11.3TBFAF.G1.S1 (nota 5 supra).