Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1426/08.7TBILH-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO
PASSIVO
RENDIMENTO
DISPONIBILIDADE
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.239º DO CIRE
Sumário: I - O legislador (art.239 nº3 a) i) CIRE) enunciou, em termos de limite mínimo da exclusão, o critério “do que seja razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, logo acrescentado, em termos de limite máximo, que não deve exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, 3 vezes o salário mínimo nacional.

II – Significa, até pela utilização de um conceito aberto, que não foi adoptado um critério meramente objectivo (três vezes o salário mínimo nacional) na determinação do “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

F (…), Insolvente nos autos à margem referenciados, não se conformando com o despacho proferido, relativo à exoneração do passivo restante, na parte que determina que “...integra o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, todos os rendimentos que advenham a qualquer título com exclusão do correspondente ao salário mínimo nacional para cada ano fixado, que se fixa como o necessário para o sustento minimamente condigno do devedor (art. 239.°, n.° 3, aI. b)”, veio dele interpor recurso, alegando e concluindo que:

I. Em face de tudo o que fica exposto, não deve manter-se o douto despacho de exoneração de passivo restante, na parte que determina que “...integra o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, todos os rendimentos que advenham a qualquer título com exclusão do correspondente ao salário mínimo nacional para cada ano fixado, que se fixa como o necessário para o sustento minimamente condigno do devedor (art. 239.°, n.° 3, al. b)”.

II. Estabelece o n.° 3, do artigo 239.°, do CIRE, que “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer titulo ao devedor, com exclusão: b) do que seja razoavelmente necessário para: i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;”.

IlI. Atenta a letra da lei, não pode deixar de ser entendimento do Recorrente que a intenção do legislador foi a de fixar um limite mínimo relativo ao rendimento que entende ser o razoável para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar,

IV. Determinando que esse mínimo corresponde a três vezes o salário mínimo nacional, ou seja, presentemente, €1.350,00.

V. E veja-se neste sentido a anotação 4., ao artigo 239.°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Volume II, página 194, que dispõe o seguinte “... a subal. 1) refere-se ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. O legislador adopta um critério objectivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: 3 vezes o salário mínimo nacional Merece, pois, aplauso esta solução, que tem ainda a vantagem de assegurar a actualização automática da exclusão.” (sublinhado nosso).

VI. A lei apenas impõe ao Juiz a necessidade de fundamentar a sua decisão quando o valor que considere minimamente digno para o sustento do devedor e do seu agregado familiar exceder as três vezes o salário mínimo nacional.

VII. E neste sentido militam os autores citados na obra supra referida, na anotação 4., ao artigo 239.º, página 194, quanto entendem que “o valor assim calculado só pode ser excedido mediante decisão do juiz, devidamente fundamentada”.

VIII. De outra forma não podia ter sido, pois está em causa não só o sustento do próprio devedor, como igualmente o sustento do seu agregado familiar.

IX. Atendendo ao actual valor do salário mínimo nacional, muito dificilmente conseguirá o Recorrente e o seu agregado familiar viver dignamente com tal parco montante.

X. O critério adoptado pelo legislador foi o do sustento minimamente digno, não se podendo considerar que alguém que aufere valor equivalente ao salário mínimo nacional vive dignamente.

XI. Sustento minimamente digno não se pode confundir com mínimo de sobrevivência.

XII. A corroborar a posição assumida pelo Recorrente temos o disposto no artigo 824.°, n.° 2, do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 226/2008, de 20 de Novembro, que estabelece que “a impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão...”, ou seja €1.350,00.

XIII. Conclui-se que o legislador equiparou a legislação processual civil à legislação que regula a Insolvência, pois caso assim não fosse teríamos situações diversas dentro do mesmo ordenamento, o que poderia levar a situações de manifesta injustiça.

XIV. Foi a própria lei ordinária que estabeleceu e sustentou este tipo de impenhorabilidade, na medida em que sempre que alguém tenha como vencimento mensal uma valor superior a 1/3 de €1.350,00, não pode deixar de auferir esse valor,

XV. Estabelece a lei ordinária aqui e à semelhança do que sucede para aqueles que se apresentam à insolvência e requerem a exoneração do passivo restante, um limite mínimo de rendimento mensal que a lei fixou em €1.350,00.

XVI. A apresentação de pessoas singulares à insolvência constitui um incentivo aos próprios insolventes singulares, tendo em conta a possibilidade de se exonerarem do passivo que, eventualmente, permanecer por liquidar, evitando-se, ainda, a interposição de dezenas de milhares de execuções.

XVII. Sem prescindir do exposto e no caso de assim não se entender, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concede, veja-se o decidido pelo recente Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 15 de Julho de 2009, com o n.° 268/09.7TBOAZ-D.P1, que determinou que “Porém, uma vez que aí [artigo 239.°, n.° 3, alínea b), subalínea i), do CIRE] se alude ao sustento minimamente digno, não só do devedor mas também do seu agregado familiar, apelando e fazendo eco da denominada “cláusula do razoável” e do “princípio da proibição do excesso”, determina-se que, durante o período de cessão (que se prolonga por 5 anos), receba sempre uma quantia igual ao valor de 2 vezes o salário mínimo nacional.”

XVIII. O Meritíssimo Juiz a quo fez uma errada interpretação e aplicação do preceito contido na subalínea 1), da alínea b), do n.° 3, do artigo 239.°, do CIRE.

Não foram proferidas contra-alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa:

No contexto que o elemento narrativo dos Autos evidencia, foi proferida decisão onde se consagrou - no que para o efeito em apreciação se destaca - que:

“III — Considerando que o sacrifício financeiro dos credores legitima proporcional sacrifício do insolvente, tendo como limite a respectiva vivência minimamente condigna, que o legislador ordinário entendeu como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional, integra o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título com exclusão do correspondente ao montante correspondente ao salário mínimo nacional para cada ano fixado, que se fixa como o necessário para o sustento minimamente condigno do devedor (art. 239°, n° 3, al. b CIRE)”.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões:

1. Não deve manter-se o despacho de exoneração de passivo restante, na parte que determina que “...integra o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, todos os rendimentos que advenham a qualquer título com exclusão do correspondente ao salário mínimo nacional para cada ano fixado, que se fixa como o necessário para o sustento minimamente condigno do devedor (art. 239.°, n.° 3, al. b)”.

2. Estabelecendo o n.° 3, do artigo 239.°, do CIRE, que “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer titulo ao devedor, com exclusão: b) do que seja razoavelmente necessário para: i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;”

3. Pois que, atenta a letra da lei, não pode deixar de ser entendimento do Recorrente que a intenção do legislador foi a de fixar um limite mínimo relativo ao rendimento que entende ser o razoável para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar,  determinando que esse mínimo corresponde a três vezes o salário mínimo nacional, ou seja, presentemente, €1.350,00. pelo que o Meritíssimo Juiz a quo fez uma errada interpretação e aplicação do preceito contido na subalínea 1), da alínea b), do n.° 3, do artigo 239.°, do CIRE.

Apreciando, diga-se que, segundo o n.° 3 do art. 239º (cessão do rendimento disponível) CIRE, constituem o rendimento disponível os rendimentos que advenham ao devedor após o despacho inicial, qualquer que seja a sua fonte, que não estejam excluídos nos termos das als, a) e b) desta norma.

As exclusões referidas nestas alíneas assumem mais de uma modalidade, tendo fundamentos diferentes.

Assim, a da al. a), como a remissão nela contida deixa perceber, articula-se com a eficácia de cessões de créditos feitas pelo devedor nos termos do art.° 115. Estão em causa créditos futuros emergentes de contratos de trabalho ou de prestação de serviços (ou de prestações sucedâneas futuras, nomeadamente, subsídios de desemprego ou pensões de reforma) ou de rendas ou alugueres, cedidos antes da declaração de insolvência.

Resulta, pois, da al. a) que, na medida da sua eficácia, essas cessões prevalecem sobre a cessão do rendimento disponível.

Quanto à al. b), há que distinguir.

As exclusões previstas nas suas subals. i) e ii) decorrem da chamada função interna do património, enquanto suporte de vida económica do seu titular. Em qualquer delas, embora em planos diferentes, está em causa essa função.

Deste modo, a subal. i) refere-se ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. O legislador adopta - em individualizada interpretação, - um critério objectivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: 3 vezes o salário mínimo nacional. Merecendo, pois, aplauso esta solução, que tem ainda a vantagem de assegurar a actualização automática da exclusão.

O valor assim calculado só pode ser excedido mediante decisão do juiz, devidamente fundamentada (Cf. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, REIMPRESSÃO, QUID JURIS SOCIEDADE EDITORA, Lisboa 2009, pp. 787-788).

Numa outra interpretação (expressa, designadamente, no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 15 de Julho de 2009, com o n.° 268/09.7TBOAZ-D.P1, em que foi Relator o Senhor Desembargador Barateiro Martins), considerou-se - tal como aí se refere - que “na definição da amplitude do “rendimento disponível”, é certo e seguro que, fosse qual fosse a técnica legislativa utilizada, sempre teria que ficar de fora do “rendimento disponível” a ceder uma parte do rendimento do devedor/insolvente; parte essa suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a sua existência.

Ora, cumprindo tal inevitabilidade, o legislador enunciou, a nosso ver, em termos de limite mínimo da exclusão, o critério “do que seja razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”; logo acrescentado, em termos de limite máximo, que não deve exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, 3 vezes o salário mínimo nacional.

É esta a “leitura” que fazemos do preceito em causa.

Isto é, sem prejuízo da “delicadeza” argumentativa, não nos parece que o legislador tenha adoptado um mero critério objectivo - 3 vezes o salário mínimo nacional - na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno.

Não se podendo, no caso, reconstituir o pensamento legislativo a partir de trabalhos preparatórios, mas presumindo-se que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados, somos levados a pensar e concluir que, caso o legislador quisesse adoptar um critério objectivo, não iniciaria a redacção da exclusão em análise pela expressão/frase “do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno”, tão típica dum conceito aberto; uma vez que, se fosse esse o caso (de querer adoptar um mero critério objectivo), lhe teria sido fácil preceituar, como excluído do “rendimento disponível”, um montante mínimo correspondente a 3 vezes o salário mínimo nacional, salvo decisão, em montante superior, devidamente fundamentada.

Mais, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, não nos parece, que estejamos autorizados a afirmar que o legislador, quando, ano após ano, fixa o montante do salário mínimo nacional, considera e avalia o montante que fixa como 1/3 do montante necessário a um sustento minimamente digno (e era o que implicitamente diríamos, ao considerar, com a recorrente, que um sustento minimamente digno equivale a 3 vezes o salário mínimo nacional).

Evidentemente, “sustento minimamente digno” não se confunde com mínimo de sobrevivência, mas, também no ordenamento jurídico, existe, “abaixo” do salário mínimo, como critério orientador de tal limite mínimo de sobrevivência, o rendimento social de inserção”.

Serve isto para dizer que se concorda, igualmente, em termos restritos, com a interpretação ínsita na decisão recorrida; de a exclusão imposta pelo art. 239.°, nº 3. b). i) não ter que ser, no mínimo, de 3 vezes o salário mínimo nacional.

Não obstante, na sequência do exposto, uma vez que aí se alude ao sustento minimamente digno, não só do devedor mas também do seu agregado familiar, apelando e fazendo eco da denominada “cláusula do razoável” e do “princípio da proibição do excesso”, determina-se que,

III — Considerando que o sacrifício financeiro dos credores legitima proporcional sacrifício do insolvente, tendo como limite a respectiva vivência minimamente condigna, que o legislador ordinário entendeu como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional, integra o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título com exclusão do correspondente ao montante correspondente a um salário mínimo nacional para cada ano fixado, que se fixa como o necessário para o sustento minimamente condigno do devedor (art. 239°, n° 3, al. b CIRE).

Isto porque, no caso da prestação em análise - este montante ora eleito equivale, nas suas finalidades e montante, ao assim considerado mínimo indispensável para uma existência condigna do titular e seu agregado familiar -, bastante, em termos quânticos capazes de fazer frente às despesas existenciais mínimas que a experiência e o senso comum revelam,  para garantir exactamente a dignidade humana do devedor e seu agregado.

Reitera-se, assim, neste particular específico, o julgamento que considera um limite mínimo - o equivalente a um salário mínimo, o que tudo melhor se compreenderá no confronto com a argumentação desenvolvida já no Ac. n.° 177/2002 do Trib. Const., de 23 .4.2002. publicado no DR, 1-A, de 2.7.2002. Assim se recentrando a pretendida analogia que vem alegada (em 14 das alegações formuladas) relativamente ao disposto no artigo 824.°, n.° 2, do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 226/2008, de 20 de Novembro, na sua integralidade redactorial.

O que impede corroborar a posição assumida pelo Recorrente na parte em que invoca o disposto no artigo 824.°, n.° 2, do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 226/2008, de 20 de Novembro, que estabelece que “a impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão...”, ou seja €1.350,00.

A situação não é substancialmente diferente. São formuladas balizas quânticas claramente expressas em termos de mínimo e máximo, entre as quais se pode eleger uma valoração circunstancial. O que não implica inferir, como feito em alegação, atenta a diferenciada individualidade, que “o legislador equiparou a legislação processual civil à legislação que regula a Insolvência (…)”.

O que pode é sustentar-se que o legislador adoptou não propriamente um critério objectivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno, antes que não deve exceder 3 vezes o salário mínimo nacional, assim assumindo radical de expressão redutora (balizada entre 1 e 3 vezes o salário mínimo nacional). Exactamente a ponderar - insista-se - que  aquém de tal enunciado, sempre se afectaria, de forma inaceitável a satisfação das «necessidades do titular e seu agregado familiar.

Forma e fórmula que permitem, também, acompanhar a decisão proferida.

O que se compatibiliza com a circunstância de se pretender evitar que saiam afectadas, de forma inaceitável, as necessidades, recte, aquele considerado mínimo indispensável para uma existência condigna do titular e seu agregado familiar.

Nestes termos, pois que, na vinculação do disposto no art. 9º (interpretação da lei) do Código Civil, o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei: interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, de entre as várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (M. Andrade. Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 21 e 26). Como elemento norteador daquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. E mesmo quando se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, 189).

Colhem, deste modo, resposta negativa as questões formuladas.

Podendo, assim, concluir-se que:

1. Tendo em conta o disposto no art. 9º (interpretação da lei) do Código Civil, o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei: interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, de entre as várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva.

2. Por vinculação ao disposto no art. 239º CIRE, e levando sempre em conta que “sustento minimamente digno” não se confunde com “mínimo de sobrevivência”, a definição da amplitude do “rendimento disponível”, fosse qual fosse a técnica legislativa utilizada, sempre teria que ficar de fora do “rendimento disponível” a ceder uma parte do rendimento do devedor/insolvente; parte essa suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a sua existência.

3. Cumprindo tal inevitabilidade, o legislador enunciou, a nosso ver, em termos de limite mínimo da exclusão, o critério “do que seja razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”; logo acrescentado, em termos de limite máximo, que não deve exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, 3 vezes o salário mínimo nacional.

4. O legislador adoptou, deste modo, não propriamente um critério objectivo (3 vezes o salário mínimo nacional) na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno, antes que não deve exceder 3 vezes o salário mínimo nacional, assim assumindo radical de expressão redutora (balizada entre 1 e 3 vezes o salário mínimo nacional). Exactamente a ponderar, concordantemente, que aquém de tal enunciado, sempre se afectaria, de forma inaceitável a satisfação das «necessidades do titular e seu agregado familiar.

5. Pela mesma via, circunstancialmente, apelando e fazendo eco da denominada “cláusula do razoável” e do “princípio da proibição do excesso”, se entende  como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional, integra o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título com exclusão do correspondente ao montante correspondente a um salário mínimo nacional para cada ano fixado.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento à apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão proferida, considerando que o sacrifício financeiro dos credores legitima proporcional sacrifício do insolvente, tendo como limite a respectiva vivência minimamente condigna, que o legislador ordinário entendeu como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional, integra o rendimento disponível do devedor/insolvente, objecto da cessão ora determinada, todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título com exclusão do correspondente ao montante correspondente a um salário mínimo nacional para cada ano fixado, que se fixa como o necessário para o sustento minimamente condigno do devedor (art. 239°, n° 3, al. b CIRE).

Custas pela massa.