Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165/11.6TBFCR.A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
PACTO DE PREENCHIMENTO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIG. DE CASTELO RODRIGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.10, 17, 30, 31, 32, 75, 77 LULL, 334 CC
Sumário: 1.- Os meros avalistas, porque - nessa qualidade - não sujeitos materiais da relação contratual (relação subjacente), não podem opor ao portador da livrança a excepção do preenchimento abusivo do título (art.17 LULL).

2.- O aval representa um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (art. 32, aplicável “ex-vi” do art° 77 ambos da LULL).

3.- Quando o abuso de direito se consubstancia no excesso dos limites da boa fé, tal excesso tem de ser manifesto, claro, patente e indiscutível, não sendo necessário que tenha havido consciência de se excederem tais limites, porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A (…), deduziu a presente oposição à execução contra “B (…) GROUP”, o qual intentou acção executiva comum contra a primeira, invocando ter subscrito uma livrança, a qual ficou em branco, apenas tendo sido aposta a assinatura.

Alega que não teve conhecimento dos contratos celebrados, invocando a nulidade das cláusulas do contrato principal “Contrato de Locação Financeira que remetia para a Convenção de preenchimento da Livrança em Branco”, da qual não lhe foi fornecida cópia.

Embora reconheça que a livrança é a que subscreveram, entende que não houve acordo para o seu preenchimento e, ainda que o mesmo existisse, deveria a livrança ter sido preenchida com o montante em dívida em em Novembro de 2008 e não em Janeiro de 2010 como fez, data em que o mutuário deixou de pagar os empréstimos.

*

A oponida apresentou contestação invocando que não procedeu ao preenchimento da livrança no fim do prazo admonitório porquanto o executado (…)prometeu pagar a dívida e durante aquele tempo usufruiu do bem locado. Alega que é indiferente o avalista, aqui executado, dar o seu acordo ou não ao preenchimento da livrança porquanto esse acordo apenas respeita ao portador da livrança e ao seu subscritor.

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Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Em face do exposto, julgo improcedente, por não provada, a oposição à execução deduzida por A (…) contra B (…) Group, determinando o prosseguimento da execução comum.

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Custas a cargo do oponente, nos termos do disposto no artigo 446.º, nos 1 e 2 do Código de Processo Civil.

A (…), oponente no processo à margem referenciado e aí melhor identificado, não se conformando com a Sentença proferida após a referência eletrónica 330603 (dos presentes autos), veio interpor e recurso de apelação, alegando e concluindo que:

5.1)- A livrança dada à execução foi preenchida (seja de acordo com a fundamentação da sentença revidenda, seja de acordo com os factos dados como provados no âmbito dos presentes autos) em conformidade com as cláusulas contratuais gerais dos contratos juntos aos autos;

5.2)- Ao(s) contrato(s) celebrado(s) entre oponente e oposta aplica-se, salvo o devido respeito e melhor opinião, a disciplina jurídica resultante do DL nº 359/91, de 21.9 – cf. art. 2º, nº1, a);

5.3)- Tal diploma prevê no seu art. 6º os requisitos a que deve obedecer tal contrato estabelecendo no seu nº1 – «O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respetiva assinatura»;

5.4)- Nos termos do artigo 7º, mesmo diploma legal: «1. O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no nº 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do nº2, nas alíneas a) a e) do nº3 e no nº4 do artigo anterior.

2. O contrato de crédito é anulável quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas b), e), f) e h) do n.° 2 do artigo anterior”.

5.5)- Dispõe o art. 4º do mesmo diploma legal: “A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidado do contrato só pode ser invocada pelo consumidor”.

5.6)- No caso dos autos foram expressamente elaborados dois quesitos (4º e 5º da Base Instrutória) nos termos dos quais se perguntava se a oposta havia fornecido ao oponente cópia dos escritos (contratos) referidos em B) e F) da mesma base Instrutória - os quais mereceram as respostas transcritas supra (alíneas R e S dos Fatos Provados);

5.7)- Do que resulta, acredita-se, que a exequente/oposta não logrou provar (como lhe era exigível) que, no acto de assinatura do contrato com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução, entregou ao oponente um exemplar do(s) dito(s) contrato(s);

5.8)- Por isso que se verifica, in casu, a nulidade de tal(ais) contrato(s) (cf. art. 7º, nº 1, DL nº 351/ 91, de 21.08); e, em consequência, a inexiquibilidade da livrança dada à execução;

5.9)- Aqui chegados poder-se-ia questionar se ao invocar a nulidade do contrato, o oponente não age com abuso do direito, já que foram pagas algumas das prestações previstas no(s) dito(s) contrato(s);

5.10)- Ora, na ponderação de saber se houve abuso do direito (art. 334º do Código Civil, exceção material de conhecimento oficioso) o Tribunal deve atuar com prudência quando se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor;

5.11)- Sopesada a gravidade do comportamento da exequente, instituição que atua no mercado de crédito, dotada de assinalável arsenal de meios logísticos, marketing, publicidade, o quadro fatual em que o opoente (a parte mais fraca no contexto negocial, repetimos) invocou a nulidade, não exprime abuso do direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras da boa-fé;

5.12)- A sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. 2º/1, a); 4º; 6º; 7º e 18º do DL nº 359/ 91, de 21/09; e 668º/1, c) e d), CPC;

Devidamente notificada para o efeito, a RECORRIDA, B (…) GROUP, S.A., veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

A) A Oposta é uma instituição de crédito que tem por objecto social todas as operações bancárias, financeiras e de crédito em especial por aceitação de efeitos, dedicando-se ainda, entre outras actividades, à compra, venda, utilização e em particular a locação ou a locação financeira de qualquer material de equipamento novo ou usado, para uso profissional de qualquer natureza, destinados à agricultura, comércio, indústria e construção, assim como às profissões liberais ou artesanais e quaisquer bens, tanto mobiliários como imobiliários, úteis à instalação e exploração dos mesmos materiais e em geral destinados ao uso profissional, conforme certidão permanente do B (…) Group, S.A., com o código n.º ( ...).

B) No exercício da sua actividade, a Oposta celebrou com o 1º Executado um acordo designado por “Contrato de Locação Financeira Mobiliária” identificado pelo número 10700142, referente ao bem móvel abaixo identificado, conforme documento de fls. 8 a 12 e cujo o conteúdo se dá por integralmente reproduzido:

- Enfardadeira, marca NEW HOLLAND, modelo BR550, número de série 164712005, no valor total de € 15.625 (quinze mil seiscentos e vinte e cinco euros), o qual acrescido de IVA à taxa legal aplicável de 12% perfez o montante total de € 17.500 (dezassete mil e quinhentos euros).

C) Foi acordado pelas partes que o prazo de duração do contrato era de 36 (trinta e seis) meses, iniciando-se em 22 de Abril de 2007 e cessando os seus efeitos em 22 de Janeiro de 2010.

D) Com a celebração do acordo referido em A), foi emitido um documento designado por “Livrança” identificado pelo nº 500166773022068465, conforme documento de fls. 13 que se dá por integralmente reproduzido.

E) No escrito de fls. 13 dos autos de execução encontra-se inscrito que:

1. Contendo sob a indicação “local e data de emissão (ano) (mês) (dia)”, a expressão “Lisboa, 2011-09-30”, sob a indicação importância, o valor de “€16.309,60”, sob a indicação “vencimento” a expressão “2011-09-30”, sob a indicação “no seu vencimento pagará (ão) por esta via de letra a nós ou à nossa ordem a expressão “B (…) Group”, a quantia de a expressão “ Dezasseis mil e trezentos e nove euros e sessenta cêntimos”, sob a indicação “assinatura do subscritor” consta a expressão “R (…)”.

2. No canto inferior direito no local destinado ao nome, morada e assinatura do sacado não se encontra aposta qualquer menção.

3. Na parte superior esquerda, no local onde consta local de pagamento e domiciliação, encontra-se inscrito/timbrado “ Bpn paribas lease group S.A. com o capital social de Eur. 284.360.736, Sede Social ( ...) puteaux, França, matrícula R.C.S. Nanterre n.º B 632.017.513, sucursal em Portugal, ( ...) Lisboa matrícula CRC lisboa n.º ( ...) contribuinte fiscal n.º ( ...)”.

4. No verso consta a expressão “ dou o meu aval ao aceitante” e o nome sob a forma da assinatura “A (…)”.

F) Consta da cópia digitalizada do documento de fls. 15 e 16, um documento designado por “Convenção de preenchimento de Livrança em Branco” com o seguinte conteúdo:

“ Celebrada entre:

Primeiro: R (…) com residência em ( ...) Castelo Rodrigo, portador(a) do bilhete de identidade número ( ...), Contribuinte número ( ...) doravante designado por “Locatário”;

Segundo: A (…), com residência em ( ...) Castelo Rodrigo, Contribuinte n.º ( ...);

Terceiro: B (…) GROUP, S.A., com sede em ( ...) PUTEAUX, FRANÇA, com o capital social de €285.079.248,00, matriculado no Registo do Comércio e das Sociedades de Nanterre sob o número B ( ...), com Sucursal em Portugal, sita na ( ...) LISBOA, Pessoa Colectiva número ( ...), doravante designado por “BPLG”.

Pela presente convenção o aqui Primeiro Outorgante, na qualidade de seu subscritor, autoriza de forma irrevogável, o Terceiro Outorgante a preencher a Livrança em anexo, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, nos termos que correspondem às suas responsabilidades não satisfeitas, observando-se, no entanto, e sempre o seguinte:

- O montante da Livrança não poderá ser superior às responsabilidades do Locatário perante o Terceiro Outorgante à data do seu vencimento;

- A referida livrança destina-se a titular créditos do Terceiro Outorgante sobre o Primeiro Outorgante emergentes, nomeadamente das obrigações pecuniárias, presentes ou futuras, resultantes do incumprimento temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade e da ineficácia do Contrato de Locação Financeira n.º 10700142 entre ambos celebrados.

São ainda da responsabilidade solidária do Primeiro e Segundo(s) Outorgantes as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitadores, necessários à boa cobrança dos valores titulados pela Livrança que o Terceiro Outorgante venha a realizar.

O Primeiro Outorgante autoriza desde já, a que o Terceiro Outorgante proceda, se assim tiver por conveniente, ao desconto da Livrança.

O(s) Segundo(s) Outorgante(s) declararam que possuem um perfeito conhecimento do conteúdo do referido Contrato de Locação Financeira e das responsabilidades que dele emergem para o Primeiro

Outorgante, assim como das consequências do seu incumprimento, temporário ou definitivo, da sua resolução, caducidade ou ineficácia, autorizando em consequência, o preenchimento da Livrança nos precisos termos exarados.

Os subscritores e avalistas estrangeiros, apesar da sua nacionalidade, declaram entender perfeitamente a Língua Portuguesa, e ter conhecimento que estes contratos estão sujeitos à lei Portuguesa.

Fica anexado ao presente documento, dele fazendo parte integrante, a citada Livrança.

Feito e assinado em lisboa, em 16 de Janeiro de 2007.

Os Subscritores R (…)

Por bnp paribas LEASE GROUP

Os Avalistas

A(…) , B.I. n.º ( ...) emitido pelo arquivo de identificação da Guarda, em 20/10/2006.

G) Consta do documento referido em F) que por baixo de: “Os Subscritores R (…)”, que foi aposta uma assinatura com o nome R (…).

H) Consta do documento referido em F) que por baixo de: “Os Avalistas A (…) B.I. n.º ( ...) emitido pelo arquivo de identificação da Guarda, em 20/10/2006”, que foi aposta uma assinatura com o nome A (…).

I) No âmbito da execução do acordo referido em A), a Oposta entregou ao 1º Executado o bem objecto do contrato de locação financeira, conforme documento de fls. 17 que se dá por integralmente reproduzido.

J) O 1º Executado não liquidou a renda que se venceu no dia 22 de Julho de 2008, bem como as rendas que se venceram posteriormente até ao fim do contrato.

K) Em 28 de Outubro de 2008, face ao não pagamento da renda vencida, a oposta

interpelou o 1º Executado, através de carta registada com aviso de recepção, conforme documentos de fls. 18 e 19, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzidos.

L) Em 28 de Outubro de 2008, a oposta enviou carta registada com aviso de recepção ao oponente, conforme documentos de fls. 20 e 21 cujo conteúdo que se dá por integralmente reproduzido.

M) Em 29 de Janeiro de 2010, a oposta enviou carta registada com aviso de recepção ao 1.º Executado, conforme documentos de fls. 22 e 23 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

N) Em 29 de Janeiro de 2010 a oposta enviou também carta registada com aviso de recepção ao oponente, conforme documentos de fls. 24 e 25, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzir.

O) Em 30 de Junho de 2010, o 1º Executado enviou um cheque à Oposta no valor de € 7.000 (sete mil euros).

P) A Oposta imputou o valor referido em O) nas despesas e juros de mora vencidos.

Q) O oponente apôs a sua assinatura nos escritos referidos em E) e F).

R) A oposta não forneceu ao oponente cópia do escrito referido em F).

S) A oposta não forneceu ao oponente cópia do escrito referido em B).

T) A oposta dispensou os escritos referidos em E) e F) ao oponente e ao 1.º Executado para análise.

*

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

*

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

I.

5.2)- Ao(s) contrato(s) celebrado(s) entre oponente e oposta aplica-se, salvo o devido respeito e melhor opinião, a disciplina jurídica resultante do DL nº 359/91, de 21.9 – cf. art. 2º, nº1, a);

5.3)- Tal diploma prevê no seu art. 6º os requisitos a que deve obedecer tal contrato estabelecendo no seu nº1 – «O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respetiva assinatura»;

5.4)- Nos termos do artigo 7º, mesmo diploma legal: «1. O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no nº 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do nº2, nas alíneas a) a e) do nº3 e no nº4 do artigo anterior.

2. O contrato de crédito é anulável quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas b), e), f) e h) do n.° 2 do artigo anterior”.

5.5)- Dispõe o art. 4º do mesmo diploma legal: “A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidado do contrato só pode ser invocada pelo consumidor”.

5.6)- No caso dos autos foram expressamente elaborados dois quesitos (4º e 5º da Base Instrutória) nos termos dos quais se perguntava se a oposta havia fornecido ao oponente cópia dos escritos (contratos) referidos em B) e F) da mesma base Instrutória - os quais mereceram as respostas transcritas supra (alíneas R e S dos Fatos Provados);

5.7)- Do que resulta, acredita-se, que a exequente/oposta não logrou provar (como lhe era exigível) que, no acto de assinatura do contrato com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução, entregou ao oponente um exemplar do(s) dito(s) contrato(s);

5.8)- Por isso que se verifica, in casu, a nulidade de tal(ais) contrato(s) (cf. art. 7º, nº 1, DL nº 351/ 91, de 21.08); e, em consequência, a inexiquibilidade da livrança dada à execução;

Apreciando, diga-se haver, circunstancialmente, de levar em consideração - como no Ac. do STJ 04B3453, de 11.11.2004 - que livrança em branco é aquela a que falta algum ou alguns dos requisitos essenciais mencionados no art° 75° da LULL, destinando-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior sendo a sua aquisição/entrega acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado «acordo ou pacto de preenchimento».

Esse acordo pode ser expresso - quando as partes estipularam certos termos em concreto - ou tácito - por se encontrar implícito nas cláusulas do negócio subjacente à emissão do título. O título deverá ser preenchido de harmonia com tais estipulações ou cláusulas negociais, sob pena de vir a ser considerado tal preenchimento como «abusivo».

Em todo o caso, o ónus da prova desse preenchimento abusivo impende, nos termos do artigo 342° n° 2 do C.Civil, sobre o obrigado cambiário, por se tratar de facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito. O que não foi logrado, tendo, desde logo, em conta o elemento redactorial assumido pelo recorrente nas referenciadas cláusulas contratuais, que resultam provadas, em expressa determinabilidade, emergente de um concreto programa negocial entre o credor beneficiário e o devedor afiançado.

De resto, os meros avalistas, porque - nessa qualidade - não sujeitos materiais da relação contratual (relação subjacente), não podem opor ao portador da livrança a excepção do preenchimento abusivo do título (conf. art° 17° da LULL). Com efeito, o aval representa um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (art° 32°, aplicável “ex-vi” do art° 77º ambos da LULL).

Acresce, igualmente em ditame no acórdão referenciado (Ac. do STJ 04B3453, de 11.11.2004), que o oponente, na sua qualidade de mero avalista, que não na de sujeito material da relação contratual (relação subjacente), jamais poderia «a se» opor à entidade bancária exequente, ora recorrida, a excepção do preenchimento abusivo do título (conf. art° 17° da LULL). Com efeito, não era sujeito da relação jurídica estabelecida entre a firma subscritora e a entidade exequente, e só uma tal relação legitimaria uma conjectural oposição, quiçá por pretenso abuso de preenchimento. Como assim, o oponente/ora recorrente, na qualidade de “avalista” jamais poderia opor ao primeiro portador da livrança os meios de defesa que competiriam à subscritora avalizada (que não o próprio pagamento da dívida).

A prestação de aval pelo ora recorrente, através da aposição no título das respectiva assinatura, é incontroversa. E, quanto ao pretenso abuso do pacto de preenchimento da livrança, os factos potencialmente integradores de tal alegação perfilar-se-iam sempre como de todo em todo irrelevantes em ordem à definição da respectiva responsabilidade como mero avalista.

O que até certo ponto tem a ver com a diferença de natureza jurídica da fiança por um lado - com o seu carácter acessório relativamente a uma dada obrigação principal (art° 627° e segs. do C. Civil) - e do aval por outro ( art°s 30º e 31°, aplicáveis por força do art° 77° da LULL).

O aval é, nos termos desse art° 30º da LULL, o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra (ou livrança) garante o pagamento desse título, por parte de um dos respectivos subscritores.

A este propósito, Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, vol. III, Coimbra 1956, pág. 197 e segs., chama a atenção para a responsabilidade do avalista não ser subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do benefício da excussão prévia. Nos termos do § 2° do art° 32°” a sua (do avalista) obrigação matem-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu for nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. A nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica, pois, à do avalista, sendo que a este assistirá, se pagar o título, o direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado (art° 32° § 3° da LULL). Concluía, assim, o citado mestre que o aval se não confunde com a fiança, não obstante admitir a natureza garantística do primeiro, cuja acessoriedade, por tais razões, apelidou de «imprópria» (conf. ob. cit., págs. 200 e 201). O aval representa, desse modo, um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (art° 32°, aplicável “ex-vi” do art° 77° ambos da LULL).

Ademais, não vem provado que emirja do título qualquer restrição à responsabilidade do avalista, menção essa que, de qualquer modo, a ser relevante, sempre se reportaria à relação subjacente de empréstimo (concessão de crédito), de cuja celebração o mesmo - nessa qualidade -, não foi partícipe.

E aos avalistas encontrar-se-ia sempre vedado opor ao portador (primeiro preenchedor do título) uma excepção que, na hipótese vertente, apenas ao sujeito da relação subjacente (no caso, o executado R (…), subscritor/mutuário) seria permitido perante aquele credor/mutuante.

Tal como se considerou no Acórdão do STJ de 3-7-00, in CJSTJ, Ano VIII, Tomo II, pág 139 e ss, “sem embargo de deverem ser qualificadas como de «imediatas» as relações entre o avalista do aceitante e o sacador ou entre o avalista do subscritor e o beneficiário - visto que as suas obrigações, independentes das dos avalizados, têm como primeiro credor o interveniente cambiário que assim se lhes opõe - mesmo nesse domínio das «relações imediatas» a obrigação cambiária continua a ser literal e abstracta, embora a relação subjacente possa fundar excepções que funcionam como uma contraprestação, compensando-a ou anulando-a” (sic)”.

Em suma a qualidade de mero «avalista» (do subscritor da promessa de pagamento da livrança) não legitima a oponibilidade (por esse avalista) da excepção de preenchimento abusivo para com o credor-beneficiário dessa promessa.

Pelo que se não poderá falar - para além do que se expôs - em “violação do pacto de preenchimento”, pois que, ex vi do art. 10º e 77º LULL, o preenchimento da letra - rectius livrança - em branco não constitui falsidade, visto que o aceitante, ao subscrever uma letra em branco, obriga-se cambiariamente, e a essa obrigação corresponde, mesmo, o direito transmissível de preenchimento concomitante (Ac. da Rel. Lx. de 30-3-962, in Jur. Rel., 8, 298). Com efeito, a falsidade da letra em branco só existe quando se dê oposição entre o preenchimento e a autorização dada pelo subscritor (Ac. do S. T. J., de 16-2-955, in Bol., 47.º-265). E se o autor, a quem foi entregue uma letra em branco quanto à data do saque e do vencimento, ao montante e ao local do pagamento, alegou que a preencheu conforme o convencionado, o réu, querendo impugnar tal alegação, não deve limitar-se a afirmar que o preenchimento foi abusivo e arbitrário; cumpre-lhe tomar posição definida e por isso especificar factos que revelem abuso (Ac. do S. T. J., de 17-11-953, in Rev. Leg. Jur., 86, 232; Abel Pereira Delgado, LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E LIVRANÇAS ANOTADA, 4.ª EDIÇÃO (actualizada), LIVRARIA PETRONY, 1980, p.65).

Perante tal realidade, revela-se adequado, firmar, como em decisório que:

“(…) No caso sub judice, apurou-se que foi efectuada um pacto de preenchimento subscrito pelos oponentes constante de fls. 54 (alínea F) dos factos assentes) e que o mesmo foi respeitado, razão pela qual não se verifica qualquer preenchimento abusivo da livrança dos autos, sendo que não obstante se ter provado que a oposta não forneceu ao oponente cópia dos escritos referidos em F) e B), dos factos provados, o certo é que o mesmo assinou e tomou conhecimento do acordo de preenchimento da livrança.

De facto, o pacto de preenchimento, assinado pelo oponente, autoriza o exequente a apor na mesma a data de vencimento que lhe convier e a quantia da dívida, incluindo o capital, juros e despesas, com vista a que com essa livrança seja intentada acção executiva no caso de incumprimento contratual.

Assim sendo, apor, como pretende o oponente, na livrança o valor da dívida na data do incumprimento seria beneficiar o incumpridor, que não paga as suas dívidas se o credor tivesse que preencher apenas com o montante do capital em dívida, sendo certo que o pacto de preenchimento autoriza a colocação da data de vencimento que convier à exequente, bem como que o montante da dívida inclua capital, juros e despesas”.

Depois, porque dos elementos constantes dos autos consta em que circunstâncias procedeu o Banco ao preenchimento do título dado à execução (título executivo), respeitando todos os requisitos exigidos pelo artigo 46.° do CPC, título esse onde constava o aval prestado pelo oponente ora apelante.

Ficando, assim, por demonstrar que se está “perante uma violação do pacto de preenchimento.

Tal, por sua vez, converte em factor sistemático de todo irrelavante a objecção formulada em alegações, segundo a qual

5.6)- No caso dos autos foram expressamente elaborados dois quesitos (4º e 5º da Base Instrutória) nos termos dos quais se perguntava se a oposta havia fornecido ao oponente cópia dos escritos (contratos) referidos em B) e F) da mesma base Instrutória - os quais mereceram as respostas transcritas supra (alíneas R e S dos Fatos Provados);

5.7)- Do que resulta, acredita-se, que a exequente/oposta não logrou provar (como lhe era exigível) que, no acto de assinatura do contrato com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução, entregou ao oponente um exemplar do(s) dito(s) contrato(s);

Consequentemente, e bem ao invés, não pode inferir-se que

5.8)- Por isso se verifica, in casu, a nulidade de tal(ais) contrato(s) (cf. art. 7º, nº 1, DL nº 351/ 91, de 21.08); e, em consequência, a inexiquibilidade da livrança dada à execução;

a pretexto do que vem de dizer-se, suficiente para dirimir a situação sub judice nos termos relatados, em conformidade a regulamentação operacional directa e autónoma expressa (LULL), que funciona como prius relativamente à demais legislação convocada e sem oportunidade vinculadora.

 Verificando-se, assim, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n. 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil (Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°).

O que atribui resposta negativa a todas as questões em I. configuradas.

II.

5.9)- Aqui chegados poder-se-ia questionar se ao invocar a nulidade do contrato, o oponente não age com abuso do direito, já que foram pagas algumas das prestações previstas no(s) dito(s) contrato(s);

5.10)- Ora, na ponderação de saber se houve abuso do direito (art. 334º do Código Civil, exceção material de conhecimento oficioso) o Tribunal deve atuar com prudência quando se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor;

5.11)- Sopesada a gravidade do comportamento da exequente, instituição que atua no mercado de crédito, dotada de assinalável arsenal de meios logísticos, marketing, publicidade, o quadro fatual em que o opoente (a parte mais fraca no contexto negocial, repetimos) invocou a nulidade, não exprime abuso do direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras da boa-fé;

Este tipo de enunciado não alcança, sequer, correspondência como questão autónoma com virtualidade para alteração do decidido no segmento respectivo, uma vez que, relativamente a ele - atento o elemento redactorial utilizado -, não exprime dissensão. Confronte-se, para tanto, o enunciado decisório:

Por outro lado, não há qualquer situação de abuso de direito prevista no artigo 334º do Código Civil na medida em que a livrança foi preenchido sem sequer ter decorrido o prazo normal de prescrição da dívida e após os oponentes acordarem que a exequente poderia apor a data que mais lhe conviesse, sendo certo que, nos termos acima referidos, o incumprimento contratual, não obstante o decurso de vários anos, se mantém e que o prazo prescricional a que alude o artigo 70º da LULL corre desde o dia do vencimento nela aposto pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.

Nestes termos, sem necessidade de maiores considerandos, conclui-se que não se verifica qualquer situação de abuso de preenchimento da livrança aqui em causa, sendo certo que o ónus da prova de tal facto incumbia ao oponente nos termos do disposto no artigo 342º, n.º 2 do Código Civil, pelo que, sem necessidade de maiores considerandos, a presente oposição deve ser julgada improcedente.

Em todo o caso, referindo que esta formulação se revela conforme, pois que o exercício de um direito deve situar-se dentro dos limites impostos pelas regras da boa fé, dos bons costumes e da conformidade ao fim social ou económico para que a lei conferiu esse direito (art. 334 do Cód. Civil). O abuso de direito, pressupondo logicamente a existência de um direito subjectivo ou de um poder legal, cujo titular se excede no seu exercício, consiste justamente na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que deve ser exercido. Para se determinarem os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes há que atender, de modo especial, às concepções ético-jurídicas dominantes da colectividade; a consideração do fim económico ou social do direito apela, de preferência, para juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Agir de boa fé é actuar com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte; é proceder de modo a não procurar nem alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. Quando o abuso de direito se consubstancia no excesso dos limites da boa fé, tal excesso tem de ser manifesto, claro, patente e indiscutível, não sendo necessário que tenha havido consciência de se excederem tais limites, porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito (Ac. STJ, 9-10-1997: BMJ, 470.°-546). O que, por mera evidência e constação, não aconteceu, circunstancialmente.

De resto, a figura do abuso de direito, consagrada no art. 334.º do Cód. Civil, não é invocável quando se pretende impugnar, não os limites do exercício do direito, mas a própria existência do direito (Ac. STA, 14-4-1988: BMJ, 376.°- 462).

Esta sendo a resposta às questões em II.

Consequentemente, (III. 5.12) A sentença revidenda não violou, as normas dos arts. 2º/1, a); 4º; 6º; 7º e 18º do DL nº 359/ 91, de 21/09; e 668º/1, c) e d), CPC.

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Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:

1.

Os meros avalistas, porque - nessa qualidade - não sujeitos materiais da relação contratual (relação subjacente), não podem opor ao portador da livrança a excepção do preenchimento abusivo do título (conf. art° 17° da LULL). Com efeito, o aval representa um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (art° 32°, aplicável “ex-vi” do art° 77º ambos da LULL).

2.

Conceitualização suficiente para dirimir a situação sub judice nos termos relatados, em conformidade a regulamentação operacional directa e autónoma expressa (LULL), que funciona como prius relativamente à demais legislação convocada e sem oportunidade vinculadora.

3.

 Verificando-se, assim, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n. 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil.

4.

Quando o abuso de direito se consubstancia no excesso dos limites da boa fé, tal excesso tem de ser manifesto, claro, patente e indiscutível, não sendo necessário que tenha havido consciência de se excederem tais limites, porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito. O que, por mera evidência e constatação, não aconteceu, circunstancialmente. De resto, a figura do abuso de direito, consagrada no art. 334.º do Cód. Civil, não é invocável quando se pretende impugnar, não os limites do exercício do direito mas a própria existência do direito.

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III A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo