Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5320/16.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EMPREITADA
ELIMINAÇÃO DE DEFEITOS
MODO DE DENÚNCIA AO EMPREITEIRO
CADUCIDADE
PRAZO
Data do Acordão: 06/22/2020
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JL CÍVEL DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1221º, 1222º, 1224º E 1225º DO C. CIVIL.
Sumário: 1. O exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, construção de nova obra, redução do preço e de resolução, conferidos ao dono da obra, conferidos pelos artigos 1221º e 1222º CC, encontram-se sujeitos à regra geral da liberdade de forma, por mera declaração unilateral dirigida ao empreiteiro.

2. Os artigos 1224º e 1225º CC limitam-se a estabelecer qual o prazo durante o qual os direitos têm de ser exercidos sob pena de caducidade, não impondo que os mesmos tenham de ser exercidos por meio de ação judicial.

Decisão Texto Integral:




Processo nº 5320/16.0T8VIS.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Catarina Gonçalves

2º Adjunto: Freitas Neto

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Construções B..., Lda., intenta a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra J... e M..., peticionando:

- que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 15.180,18€, acrescida de juros vencidos desde a data das respetivas faturas e juros vincendos até pagamento.

Para tal alegando, em síntese:

a autora celebrou com o Réu um contrato por via do qual se obrigou a proceder à construção – quanto à estrutura e acabamento –, de um espaço comercial (café/bar) pelo preço de 93.500,00€;

durante a execução da obra e a pedido dos Réus, alguns desses trabalhos foram alterados e foram executados outros trabalhos que não estavam inicialmente previstos;

durante a execução da obra os Réus foram pagando, nos termos convencionados, as faturas que a Autora ia emitindo;

a obra foi concluída em Dezembro de 1014 e, tendo sido emitida a licença de utilização, os Réus aceitaram a obra nessa data, sendo que, não obstante esse facto, a Autora ainda procedeu, no decurso de 2015, a alguns trabalhos solicitados pelos Réus e que, não obstante a aceitação da obra e não obstante as interpelações efetuadas, os Réus não pagaram a fatura A95 no valor de 7.000,00€ referente a serviços que haviam sido orçamentados, e não pagaram a fatura F14 no valor de 8.180,18€ referente a trabalhos que foram executados e não haviam sido inicialmente orçamentados.

Os Réus apresentam articulado de contestação/reconvenção alegando, em síntese:

o valor das referidas faturas não é devido, tendo procedido à sua devolução;

alguns dos valores faturados não correspondem ao que foi acordado;

relativamente ao orçamento apenas devem ao A. 5.500,00€ (diferença entre o orçamento e o valor já pago);

a instalação do gaz e os estores elétricos já estavam integrados no orçamento;

além do mais, a obra apresenta diversos defeitos (que discrimina) que foram reclamados por carta registada enviada à Autora em 13/11/2015, defeitos estes que a Autora se recusa a eliminar.

Concluem pela improcedência da ação e, deduzindo reconvenção, pedem a condenação da Autora seja a reparar os defeitos alegados ou a pagar aos Réus o valor correspondente à sua reparação a liquidar em execução de sentença.

A Autora replicou, impugnando a existência de defeitos e alegando que os Réus aceitaram a obra sem quaisquer reservas em dezembro de 2014 e não reclamaram quaisquer defeitos (não o fizeram nessa data nem nos 30 dias subsequentes) e que, se alguns defeitos existissem, teria caducado o direito de os reclamar.

Conclui pela improcedência da reconvenção.

 Foi realizada a audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho a admitir a reconvenção, foi proferido despacho saneador, foi fixado o objeto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada:

I. Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenar os Réus a entregar à Autora a quantia de €14.650,10, acrescida de juros de mora contados sobre a quantia de €7.325,05 desde a presente decisão e até integral pagamento.

b) Absolver os Réus do remanescente peticionado.

c) Julgar verificada a exceção do cumprimento defeituoso do contrato e, em consequência e por conta do valor mencionado em a), considera-se legítima a recusa dos Réus a liquidarem a quantia de €7.325,05, recusa parcial essa que se manterá até à Autora cumprir integralmente a sua obrigação nos termos assinalados, isto é, eliminando as desconformidades mencionadas infra em III.

II. Julgar procedente a exceção da caducidade do direito de ação dos Réus relativamente às desconformidades mencionadas em 27. a) a c), i), j) e p) dos factos provados, absolvendo-se os Autores/Reconvindos do pedido contra eles formulados e relativo aos defeitos descritos nas referidas alíneas do ponto 27.

III. Condenar a Autora/Reconvinda a proceder à eliminação das desconformidades descritas em 27. f) (1ª parte), g), h), k), l) e o) dos factos provados, absolvendo-se a mesma do remanescente peticionado.


*

Inconformados com tal decisão, os Réus dela interpõem recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

...

Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº 2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto
2. Prazo de caducidade do direito que os Réus exerceram por via de reconvenção no que toca aos defeitos mencionados em 27. a) a c), i), j) e p) dos factos provados – sua interrupção pela citação para contestar a presente ação ou por reconhecimento do direito que tenha sido efetuado pela Autora na pendência da presente ação.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Na 1ª instância julgou-se provada a seguinte matéria de facto:

...

1. Impugnação da matéria de facto

...

Entendemos, portanto, em face do exposto, não haver razões que justifiquem a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.

2. Caducidade do direito de ação relativamente às desconformidades mencionadas em 27. a) a c), i), j) e p) dos factos provados

Tendo sido julgada improcedente a impugnação deduzida relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto e não existindo, por isso, qualquer consequência a retirar da alteração que, a esse nível, era suscitada pelos Apelantes, resta a apreciação da questão referente à exceção de caducidade do direito relativamente à reparação dos defeitos, uma vez que nenhuma outra questão foi suscitada pelos Apelantes.

Esta questão prende-se com o segmento da decisão que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação dos Réus relativamente às desconformidades mencionadas em 27. a) a c), i), j) e p) dos factos provados e que, em consequência, absolveu os Autores/Reconvindos do pedido contra eles formulados e relativo aos defeitos descritos nas referidas alíneas do ponto 27.

Para fundamentar essa decisão, a sentença considerou: que, tendo em conta a data da denúncia dos defeitos em causa (carta datada de 13/11/2015 e remetida via CTT a 19/11/2015), à data em que foi deduzida a reconvenção (28/11/2016) já havia decorrido o prazo de um ano a que aludem os arts. 1224º e 1225º do CC e que não se provou qualquer facto suscetível de impedir a caducidade, não se tendo provado, designadamente, que a empreiteira tivesse reconhecido, em qualquer momento, a existência desses defeitos.

Os Apelantes insurgem-se contra essa decisão, sustentando, no essencial: que o prazo de caducidade se interrompeu com a sua citação para contestar a presente ação (citação que lhes dava o direito de deduzir reconvenção); que, no âmbito da presente ação, foi realizada peritagem em 03/07/2017 às desconformidades apresentadas pelos RR. sem que a Autora tivesse deduzido qualquer reclamação, pelo que a Autora reconheceu esses defeitos na pendência dos presentes autos; que, na pendência da ação e durante o prazo da contestação, os Réus estavam impedidos de exercer o seu direito de interpor ação judicial contra a A./Reconvinda, porque tal implicaria uma situação de litispendência criada em virtude de a causa de pedir ser igual ao fundamento da reconvenção e que, por essas razões, o Tribunal julgou erradamente a exceção de caducidade não tendo respeitado o disposto no artigo 331º do CC.

Vejamos.

Para lá das regras gerais respeitantes ao incumprimento das obrigações, o Código Civil ao regulamentar o contrato de empreitada dedica uma Secção aos “Defeitos da Obra”, atribuindo ao dono da obra os seguintes direitos: i) eliminação dos defeitos ou nova construção (artigo 1221º); ii) redução do preço ou resolução do contrato (artigo 1222º); iii) indemnização nos termos gerais (artigo 1223º).

Contudo, sob pena de “caducidade” de qualquer um desses direitos, impõe o Código ao dono da obra o ónus de denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos 30 dias seguintes ao seu descobrimento (nº 1 do artigo 1220º), prazo este que passa para um ano no caso de edifícios ou imóveis de longa duração (nº 2 do artigo 1225º).

Os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam se não forem exercidos dentro do prazo de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, ou no ano seguinte à denúncia, no caso de edifícios ou imóveis de longa duração (artigo 1224º, nº 1).

A responsabilidade do empreiteiro, no caso de edifícios ou imóveis de longa duração, abarcará os defeitos que se venham a revelar no decurso de cinco anos a contar da entrega ou no decurso do prazo de garantia convencionado (artigo 1225º, nº 1).

Temos, assim, a consagração de três tipos de prazos: a) um prazo para a denúncia de cada um dos defeitos, da qual se encontrará dependente a possibilidade de escolha e de exercício de qualquer um dos direitos conferidos por lei (prazo geral de 30 dias e de um ano para os imóveis); b) um prazo para o exercício de qualquer um dos direitos que lhe são concedidos por lei (eliminação dos defeitos ou nova construção, redução do preço ou resolução do contrato, e indemnização); c) estas pretensões só existem relativamente aos defeitos que se manifestem durante o prazo de dois anos, ou de cinco anos, no caso de edifícios ou imóveis de longa duração.

A previsão de tais prazos significa que, caso se manifeste determinado defeito na obra durante os cinco anos seguintes à entrega, e denunciado o vício ao empreiteiro dentro do prazo de um ano seguinte ao seu conhecimento, o dono da obra terá um prazo para exercer as suas pretensões, de entre os meios de reação que lhe são facultados, uns com caráter alternativo ou sucessivo e outros com caráter cumulativo, escolhendo e comunicando a sua pretensão ao empreiteiro, sob pena de perder os seus direitos.

Estabelecem aquelas normas diversos prazos durante os quais o dono da obra tem de exercer os seus direitos sob pena de extinção dos mesmos por caducidade[1], o que tem levantado na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se nos encontramos perante prazos de propositura de ação judicial – prazos para a invocação de tais direitos por via de ação ou de reconvenção – ou meros prazos de exercício de tais direitos, independentemente do modo como este é exercido.

Não exigindo a lei qualquer formalidade especial para o exercício de quaisquer desses direitos especificamente previstos para a empreitada defeituosa – eliminação dos defeitos, construção de uma nova obra, redução do preço e resolução do contrato – bem como para aquelas pretensões que para o dono da obra resultariam das regras gerais de incumprimento dos contratos (por ex., exceção de incumprimento), encontram-se sujeitos à regra geral da liberdade da forma (artigo 219º CC)[2].

Qualquer daqueles direitos pode, assim, ser exercido mediante declaração unilateral (ainda que verbal) dirigida ao empreiteiro, não carecendo de recurso judicial para a sua eficácia[3], sendo que para o direito de resolução em geral, tal liberdade de forma encontra-se expressamente prevista no nº 1 do artigo 436º CC.

Os artigos 1224º e 1225º do CC limitam-se a estabelecer qual o prazo durante o qual tais direitos têm de ser exercidos por parte do dono da obra sob pena de caducidade, sem que de tais normas se que deles se consiga extrair se são, ou não, prazos de propositura de ação, ou seja, se o exercício dos direitos a que se reportam têm de ser efetuado por via de ação judicial, questão para cuja resposta se terá de ir buscar ao regime geral do incumprimento dos contratos.

Negando tratar-se de prazos de caducidade para a propositura da ação, João Cura Mariano sustenta que “Podendo os direitos do dono da obra serem exercidos judicialmente, a simples declaração de redução do preço ou de resolução do contrato, ou mesmo a interpelação extrajudicial do empreiteiro para eliminação dos defeitos, realização de obra nova ou pagamento de indemnização, impedem a caducidade destes direitos. Em nenhum lado a lei exige que o acto impeditivo da caducidade deva ser a propositura de ação judicial, nomeadamente o disposto no artigo 1224º do C.C. Daí que a invocação destes direitos, posteriormente às mencionadas declarações de exercício, em ação judicial, por via de acção, reconvenção, ou exceção, já não está sujeita a qualquer prazo de caducidade, estando apenas o exercício dos direitos não potestativos (direito à eliminação, realização de nova obra ou pagamento de indemnização), ou dos direitos resultantes da alteração provocada pelo exercício dos direitos de natureza não potestativa (v.g., o direito à devolução do preço pago, em consequência do exercício do direito  de resolução ou de redução do preço), sujeitos ao prazo de prescrição geral[4]”.

E, no sentido de que tais direitos não têm necessariamente de ser exercidos por via de ação judicial, sob pena de caducidade, aponta o facto de os direitos do dono da obra nem sequer serem estáticos[5], evoluindo ou alterando-se em função das respostas que às suas pretensões venham a ser dadas pelo dono da obra: por ex., se, denunciado o efeito, o dono da obra conceder ao empreiteiro um prazo razoável para a eliminação dos defeitos e se este, após tentativas várias, não os conseguir eliminar (por incompetência do empreiteiro ou por os mesmos não serem elimináveis), o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro atribuirá ao dono da obra novos direitos, como seja, o direito à eliminação dos defeitos por terceiro a expensas do devedor, no caso de a eliminação ser ainda possível, o direito à redução do preço ou, mesmo, à resolução do contrato.

Ora, este diálogo constante entre as pretensões do dono da obra e as contrapropostas do empreiteiro não é compatível com a exigência de que, independentemente do facto de ter atempadamente comunicado extrajudicialmente quais as suas pretensões, o teria de fazer, novamente e necessariamente, por via de ação judicial (por via de ação ou de reconvenção) dentro daqueles prazos, sob pena de caducidade.

No caso em apreço ficou demonstrado que o Réu/dono da obra, por carta remetida a 19 de novembro de 2015, comunicou à autora/empreiteira a existência dos defeitos elencados no ponto 27. dos factos dados como provados, solicitando a respetiva correção no prazo de 30 dias.

Ou seja, na própria carta pela qual procedeu à denúncia dos defeitos, o Réu, desde logo, comunicou à autora qual era a sua posição relativamente a cada um desses defeitos que se encontram descritos nas referidas alíneas do ponto 27, comunicando-lhe de imediato, e expressamente, que pretendia que a autora procedesse à eliminação de tais defeitos.

Assim sendo, entende-se que o Réu exerceu tempestivamente o seu direito à eliminação dos defeitos por si denunciados através da carta de novembro de 2015, pelo que podia validamente, mais tarde, pedir em reconvenção a condenação da autora em tal eliminação, independentemente de à data em que tal pedido reconvencional foi formulado terem passado um ano e dez dias desde tal carta, encontrando-se prejudicada a questão da eventual interrupção de do prazo de caducidade suscitada pelos Apelantes.

Na improcedência da exceção da caducidade do direito à eliminação destes defeitos será a autora igualmente obrigada a proceder a tal eliminação, alargando-se a condenação da autora na eliminação dos mesmos.

A apelação será de proceder parcialmente.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, relativamente ao ponto II. da mesma:

II. Julgando improcedente a exceção da caducidade do direito de ação dos Réus relativamente às desconformidades mencionadas em 27. a) a c), i), j) e p) dos factos provados, condenando a Autor/Reconvinda a proceder à eliminação das desconformidades descritas nas referidas alíneas do ponto 27.

Custas a suportar pela Apelada e pelos Apelantes relativamente à Apelação, na proporção de 2/3 e de 1/3, respetivamente, sendo as custas da ação suportadas pela Autora e pelos Réus na proporção de metade para cada uma das partes, e as da reconvenção na proporção de 1/3 para os RR. e de 2/3 para a autora.                      

                                                                Coimbra, 22 de junho de 2020

Relator: Maria João Areias (por vencimento do relator inicial)

1º Adjunto: Catarina Gonçalves

2º Adjunto: Freitas Neto

Declaração de voto (Catarina Gonçalves)

Discordo do acórdão na parte referente à caducidade do direito de exigir a reparação dos defeitos pelas razões que passo a enunciar.

Os artigos 1224.º e 1225.º do Código Civil estabelecem um prazo de caducidade dos direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização, determinando que tais direitos caducam se não forem exercidos dentro do prazo aí estabelecido.

Considerou-se no presente acórdão (de acordo com a posição que fez vencimento) que a mera interpelação extrajudicial do empreiteiro para reparar os defeitos corresponde ao acto que, nos termos do art. 331.º do CC, tem efeito impeditivo da caducidade. Assim e porque os Réus, aquando da denúncia dos defeitos – por carta remetida em 19/11/2015 – solicitaram, desde logo, ao empreiteiro a correcção desses defeitos no prazo de 30 dias, considerou-se que esse acto havia impedido a caducidade e que, como tal, a acção destinada a efectivar o direito à reparação dos defeitos já não estaria sujeita a qualquer prazo de caducidade.

Não concordo, no entanto, com essa posição e, na minha perspectiva, a acção destinada a exigir a eliminação dos defeitos tem que ser interposta dentro do prazo previsto nas citadas disposições legais sob pena de caducidade do direito.

Antes de mais, cabe referir que o aludido prazo sempre foi visto e encarado na doutrina e jurisprudência como um prazo para a propositura da acção – ou seja, para o exercício judicial do direito – ainda que, recentemente, tenham surgido opiniões em sentido contrário (conforme se dá conta no acórdão). Com efeito, apesar de não abordarem especificamente a questão nos termos em que ela aqui se coloca, Pedro Romano Martinez[6], Pires de Lima e Antunes Varela[7] e João Serras de Sousa[8] referem-se àquele prazo como sendo um prazo para interpor a acção judicial, um prazo de caducidade da acção ou um prazo para o exercício do direito de acção. Na jurisprudência, podemos ver, designadamente, os Acórdãos do STJ de 01/10/1996 (processo nº 96A075), de 29/11/2011 (processo nº 121/07.TBALM.L1.S1) e de 13/01/2009 (processo nº 08A3878)[9] onde também se laborou no pressuposto de que está em causa um prazo para a propositura da acção.

É certo, por outro lado, que a finalidade do instituto da caducidade e as razões que terão determinado o legislador à fixação do aludido prazo também apontam para o facto de estar em causa um prazo dentro do qual, e sob pena de caducidade, tem que ser interposta a acção por via da qual se exige e se pretende tornar efectivo o direito à reparação/eliminação dos defeitos.

A propósito do fundamento da caducidade em geral, diz Manuel Domingues de Andrade[10]: “O fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteràvelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo”. No mesmo sentido, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela[11] - citando Vaz Serra – que “a caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica…”. Em conformidade com o fundamento da caducidade em geral, o prazo de caducidade para o exercício dos direitos emergentes dos defeitos na empreitada encontra a sua razão de ser na necessidade de a situação referentes aos defeitos e à inerente responsabilidade do empreiteiro ficar definida em prazo relativamente curto, evitando a indefinição dessa responsabilidade por prazo muito dilatado – com os inerentes prejuízos para a segurança do tráfico jurídico – e evitando também, não só as dificuldades de prova dos defeitos e da sua extensão, mas também as dificuldades da própria execução da prestação de eliminação dos defeitos que resultariam da circunstância de ser efectivada muitos anos depois. Nesse sentido, Pires de Lima e Antunes Varela[12] e Pedro Martinez[13].

Ora, sendo esses os fundamentos e os objectivos do aludido prazo de caducidade, penso que se impõe concluir que eles não poderão ser satisfeitos com a mera interpelação extrajudicial do empreiteiro para reparar os defeitos, porque essa interpelação não tem qualquer idoneidade para definir e consolidar a situação e a responsabilidade do empreiteiro e para conferir qualquer certeza à situação jurídica das partes relativamente aos defeitos; tal interpelação não tem aptidão para efectivar e definir o direito (seja ao nível da própria existência do direito, seja ao nível do seu conteúdo e extensão) e o dono da obra poderia vir, muitos anos depois, a instaurar acção para exigir a eliminação dos defeitos com todos os inconvenientes daí resultantes – e que o legislador pretendeu evitar quando estabeleceu o prazo de caducidade – seja ao nível da segurança do tráfico jurídico, seja ao nível das dificuldades de prova, seja ainda ao nível da própria execução da prestação com vista à eliminação dos defeitos num momento em que, por efeito do decurso do tempo, as anomalias existentes já pouco teriam a ver com os efectivos defeitos que existiam à data em que haviam sido denunciados.

 Entendo, por isso, que, ao contrário do que se considerou no acórdão, tal interpelação não poderá ter efeito impeditivo da caducidade nos termos do art. 331.º do CC; o exercício dos direitos a que se reportam os citados arts. 1224.º e 1225.º, enquanto acto que impede a caducidade, terá que ser efectuado em moldes que permitam a sua definição em definitivo e a consolidação da situação jurídica das partes em relação aos eventuais defeitos da obra e, no caso em análise, tal apenas se consegue com a interposição da respectiva acção judicial, porquanto a mera interpelação do empreiteiro para reparar os defeitos não tem qualquer aptidão para regular e definir a situação e para satisfazer os objectivos tidos em vista pelo legislador quando instituiu o referido prazo de caducidade.

Refira-se que a questão assume contornos diferentes relativamente ao direito de resolução do contrato (não interessa, por ora, fazer qualquer apreciação a propósito dos demais direitos previstos nas normas citadas). Na verdade, o direito à resolução do contrato é um direito potestativo que, na falta de disposição legal que exija a interposição de acção judicial, opera mediante declaração à outra parte nos termos do n.º 1 do art. 436.º do CC. Ao contrário do que acontece com a interpelação para a eliminação dos defeitos, a declaração de resolução do contrato regula e define a situação das partes porque produz, ela própria, o efeito resolutivo do contrato que se pretende obter e a acção que posteriormente venha a ser instaurada, em caso de litígio entre as partes, já não será uma acção destinada a decretar essa resolução mas sim uma acção destinada a apreciar e declarar a validade e legalidade da resolução efectuada extrajudicialmente. Sendo instaurada acção onde se pede ao tribunal que decrete a resolução do contrato, estar-se-á a exercer judicialmente o direito e, como tal, a acção só pode ser instaurada dentro do prazo referido nos citados arts. 1224.º e 1225.º. Mas, se a acção se destinar apenas a reconhecer a validade e legalidade da resolução efectuada extrajudicialmente, não se está a exercer o direito (pretende-se apenas que o tribunal aprecie se o direito foi ou não validamente exercido) e, como tal, já não estará sujeita ao prazo de caducidade previsto nas normas citadas, sendo certo que a caducidade foi impedida pela declaração de resolução por via da qual o direito foi exercido.

Ao contrário do que acontece com a declaração de resolução do contrato – que torna efectiva a resolução sem necessidade de qualquer decisão judicial (que, a existir, se destinará apenas a reconhecer a validade e legalidade da resolução operada mediante aquela declaração) –, a interpelação do empreiteiro para eliminar os defeitos não tem aptidão para definir e tornar efectivo esse direito; se os defeitos não forem eliminados na sequência da interpelação, o dono da obra não poderá limitar-se a instaurar acção a pedir ao tribunal que reconheça a validade daquela interpelação (porque ela não produz, só por si, qualquer efeito que possa assegurar a efectividade e a realização do direito); para efectivar esse direito, o dono da obra terá que instaurar acção – como sucedeu no caso em análise – pedindo a condenação do empreiteiro nessa prestação e, ao formular esta pretensão, o dono da obra está efectivamente a exercer o seu direito à eliminação dos defeitos e isso apenas pode ser feito dentro dos prazos previstos nos citados arts. 1224.º e 1225.º, sob pena de caducidade.  

Ora, no caso em análise, os Réus denunciaram os defeitos mencionados em 27. a) a c), i), j) e p) dos factos provados por carta remetida à Autora em 19/11/2015 e só em 28/11/2016 vieram exercer judicialmente o direito à eliminação desses defeitos por via da reconvenção que deduziram nos presentes autos, sendo certo que nesta data e de acordo com a interpretação que tenho como correcta (nos termos e pelas razões supra enunciadas) já havia decorrido o prazo de um ano a que aludem os arts. 1224.º e 1225.º do CC.

Entendo, por outro lado, que não merecem procedência as razões invocadas pelos Apelantes para discordar da decisão de 1ª instância que julgou procedente a excepção de caducidade no que toca àqueles defeitos (questões que não chegaram a ser apreciadas no acórdão por terem ficado prejudicadas).

Ainda que as circunstâncias invocadas pelos Apelantes (relacionadas com a peritagem efectuada nos autos) configurassem um reconhecimento do direito dos Réus por parte da Autora (e não me parece que assim seja), esse reconhecimento – que, alegadamente, teria sido efectuado já na pendência da acção – teria sido efectuado após o decurso do prazo de caducidade e, como tal, não teria a virtualidade de impedir uma caducidade que já estava consumada.

Também não tem fundamento a alegação dos Apelantes quando sustentam que o prazo de caducidade se teria interrompido com a sua citação para contestar a presente acção em virtude de tal citação lhes dar o direito de deduzir reconvenção. Na verdade, o prazo de caducidade apenas se suspende ou interrompe nos casos em que a lei o determine (cfr. art. 328.º do CC) e se é certo que não existe qualquer disposição legal que atribua tal efeito à citação para a acção no âmbito da qual se vem exercer o direito em questão por via de reconvenção, também é certo que o facto de a citação efectuada para contestar dar aos Réus a possibilidade de deduzir reconvenção no prazo da contestação não significa, naturalmente, que lhes fosse permitido deduzir reconvenção para o efeito de exercer um direito que já estava extinto por caducidade.

E também não assiste razão aos Apelantes quando dizem que, na pendência da acção e durante o prazo da contestação, estavam impedidos de exercer o seu direito de interpor ação judicial contra a A./Reconvinda, porque tal implicaria uma situação de litispendência. Na verdade, não havia qualquer impedimento legal na instauração dessa acção nem tal implicaria uma qualquer situação de litispendência, uma vez que a pretensão dos Réus é diferente da pretensão formulada pela Autora e, como tal, poderia ser deduzida em acção autónoma sem que se configurasse qualquer litispendência. De acordo com o disposto no art. 564.º, alínea c), do CPC, a citação apenas inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica e não era esse o caso da pretensão que os Réus pretendiam dirigir contra a Autora; estava em causa uma pretensão e questão jurídica diferente que os Réus poderiam formular por via de reconvenção (se estivessem em condições de o fazer) mas que também poderiam formular por via de instauração de acção autónoma (se assim o entendessem) sem prejuízo de poder vir a ser ordenada posteriormente a apensação de ambas as acções.

Assim e em face das considerações efectuadas, entendo que o direito dos Réus à reparação dos defeitos mencionados em 27. a) a c), i), j) e p) dos factos provados caducou efectivamente – conforme se entendeu na 1ª instância – e, como tal, confirmaria a decisão recorrida.

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº 7 do CPC.

1. O exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, construção de nova obra, redução do preço e de resolução, conferidos ao dono da obra, conferidos pelos artigos 1221º e 1222º CC, encontram-se sujeitos à regra geral da liberdade de forma, por mera declaração unilateral dirigida ao empreiteiro.

2. Os artigos 1224º e 1225º CC limitam-se a estabelecer qual o prazo durante o qual os direitos têm de ser exercidos sob pena de caducidade, não impondo que os mesmos tenham de ser exercidos por meio de ação judicial.


[1] Apesar da proposta de Adriano Vaz Serra de sujeição do exercício de tais direitos prazos curtos de prescrição, o legislador optou por estabelecer prazos de caducidade – “Empreitada”, BMJ nº 146, pp. 72-90.
[2] Em nosso entender, apenas o exercício do direito à indemnização tem de ser exercido por via de ação judicial.
[3] Relativamente à resolução se pronuncia Pedro Romano Martinez, chamando a atenção para que tal liberdade de forma não obsta a que se recorra a tribunal para apreciar da sua ilicitude, alertando para algumas das exceções consagradas na lei relativamente a tal liberdade de forma, como será o caso da resolução por alteração das circunstâncias, em que se exige a intervenção judicial (artigo 437º CC), exigindo a lei, por vezes, uma declaração escrita fundamentada, por ex., para a resolução do contrato de agencia (art.31º do DL nº 178/86)  – “Da Cessação do Contrato”, 3ª ed., 2015, Almedina, p. 171-172. Relativamente à redução do preço prevista no artigo 1222º CC, também João Serras de Sousa afirma que a mesma “pode operar extrajudicialmente, não obedecendo a qualquer formalismo especial (art. 219º)” – “Código Civil Anotado”, Coord. Ana Prata,Vol. I (Artigos 1º a 1250º), 2017, Almedina, p.1519, nota 2. ao artigo 1522º.
[4] “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2015 – 6ª ed., Almedina, p.154.
[5] Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo falam no estabelecimento de um “encadeamento dos direitos do dono da obra”, com a preocupação de não permitir o exercício dos direitos de uma das partes (o dono da obra) em prejuízo excessivo da outra (o empreiteiro) – “Direito das Obrigações”, Vol. II, Contratos em Especial – Contrato de Empreitada, 2012, p.422.
[6] Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, págs. 412 e 424 e Contrato de Empreitada, 1994, pág. 221.
[7] Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª edição revista e actualizada, pág. 818.
[8] Código Civil Anotado Coordenação de Ana Prata, Vol. I. 2017, pág. 1523.
[9] Disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[10] Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1987, pág. 464.
[11] Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição revista e actualizada, pág. 294.
[12] Ob. cit., Vol. II, pág. 824.
[13] Contrato de Empreitada, pág. 218 e Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, págs. 430 e 431.