Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
211/13.9TBVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CITAÇÃO
CITAÇÃO EM PESSOA DIVERSA DO CITANDO
PRAZO DE CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 10/13/2015
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU - INST. LOCAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 228º, Nº 2, E 230º, Nº 1, AMBOS DO CPC.
Sumário: I – Nos casos de citação realizada em pessoa diversa do citando, nos termos do art. 228º, nº 2 do CPC, a circunstância de a lei determinar que esta citação se considera efectuada no dia em que se mostra assinado o aviso de recepção e na própria pessoa do citado determina que o prazo da contestação se inicie nesse momento.

II - Para poder evitar que o prazo da contestação se inicie nesse momento terá o réu/citado de elidir a presunção fixada no art. 230º, nº 1 parte final e, com esta elisão, obter a certificação de que não houve citação por não ter tomado conhecimento de tal acto (da citação) por facto que não lhe é imputável, nos termos do art. 188º, nº 1, al.e) do CPC.

III - Pode ainda, eventualmente, o réu evitar que o prazo de contestação se inicie com a assinatura do aviso de recepção pelo terceiro que recebeu a carta, quando argua a nulidade (nos termos do art. 195º) do envio da carta a que alude o art. 233º, por remessa pela secretaria fora do prazo de dois dias fixado nesse preceito ou por falta de indicação dos elementos aí prescritos.

IV - Esta nulidade, por não ser de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida pelo Tribunal da Relação se não tiver sido antes arguida perante o Tribunal de primeira instância e aí decidida.

Decisão Texto Integral:  
Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 656 do Código de Processo Civil, passa-se a conhecer do recurso através de decisão singular, se bem que não necessariamente sumária.

Relatório

No Tribunal da Comarca de Viseu – Instância local – secção cível - J3 , na acção que C... move contra A... e F..., o tribunal de primeira instância julgou extemporânea, e por isso não a admitiu, a contestação apresentada pelo réu F.

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os réus concluindo que:

“A) O Despacho recorrido não se pronunciou sobre questões essenciais à boa decisão da causa e fez uma incorrecta interpretação das normas aplicáveis.

B) Com efeito, a contestação apresentada pelos Réus, ora Recorrentes é tempestiva.

C) O Réu F... foi considerado citado para contestar a acção no dia 21/04/2014, em virtude de o aviso de recepção de citação ter sido assinado por pessoa diversa.

D) Em 06/05/2014 o Réu F... recebeu carta registada, nos termos do disposto no artigo 233º do CPC, com advertência de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do aviso de recepção, em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa.

E) Os ora Recorrentes A... e F... apresentaram a sua contestação em conjunto aproveitando o prazo que corria em último lugar, ou seja o prazo do Réu F...

F) O início do prazo para apresentação da contestação deverá ser considerado desde a data da recepção da carta registada, remetida ao Recorrente F..., nos termos do artigo 233º do CPC – 06/05/2014.

G) Esta é a interpretação que melhor corresponde ao espírito da norma contida no artigo 233º do CPC, atentos os direitos constitucionalmente consagrados de acesso à justiça, a um processo justo e equitativo e à defesa.

H) É que se o mencionado preceito não for assim interpretado a advertência aí não passa de uma mera formalidade, esvaziada de qualquer utilidade prática.

I) O direito de defesa é um direito constitucionalmente consagrado de importância fundamental no acesso à justiça (cfr. artigo 20º da CRP).

J) O acto de citação destina-se a comunicar ao réu a propositura de uma acção chamando-o ao processo para se defender, pelo que tal acto deve possibilitar o exercício pleno e efectivo de tal direito de defesa e facultar as condições adequadas para responder.

K) Assim, deve facultar-se ao citando todos os elementos e documentos do processo necessários à preparação da sua defesa em tempo útil e nos prazos que lhe são concedidos para esse efeito.

L) Tendo sido dado cumprimento ao artigo 233.º do CPC apenas no dia 06/05/2014 – não tendo sido respeitado o prazo de dois dias úteis previsto no referido preceito – não poderá exigir-se ao citando que ignore essa data e que considere o dia em que se mostrou assinado o aviso de recepção pelo terceiro – 15 dias antes! – como a data a partir da qual se inicia o prazo para o exercício do seu direito de defesa.

M) A citação, embora feita na data em que o terceiro legalmente autorizado assinou o aviso recepção da carta só se torna perfeita com a comunicação ao citado dos elementos indispensáveis para o exercício do seu direito de defesa.

N) Considera-se, deste modo, haver uma suspensão do prazo entre a assinatura do aviso de recepção da citação por um terceiro e o cumprimento do disposto no artigo 233º do CPC.

O) Esta é a única solução que garante um efectivo acerto com os princípios constitucionais da igualdade das partes, inserido no artigo 13.º da CRP, entre os direitos, liberdades e garantias, que, em caso de dúvida, têm de ser interpretados com conteúdo extensivo e não restritivo.

P) Nestes termos, deveria ter sido admitida a contestação apresentada, já que o prazo da contestação esteve suspenso desde a data em que a citação ocorreu na pessoa de terceiro até à data em que o Réu recebeu a comunicação do artigo 233º do CPC.

Q) Assim, o termo a quo do prazo para contestar verificou-se no dia 06/05/2014 e o termo ad quem no dia 16/06/2014, data em que os Réus apresentaram em juízo a sua contestação.

R) Face ao exposto deve ser admitida, por tempestiva a contestação dos Réus.

S) Subsidiariamente, não foram cumpridas as formalidades exigidas pelo disposto no artigo 233º do CPC.

T) A carta remetida ao Réu F..., nos termos do artigo 233º do CPC não contém a comunicação expressa da data e do modo por que o acto se considera realizado, o destino dado ao duplicado que terá sido entregue ao terceiro que assinou o aviso de recepção e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada, designadamente o nome completo e os elementos constantes do cartão de cidadão ou bilhete de identidade (cfr. artigo 228º, nº 3 do CPC).

U) Por outro lado, a advertência remetida por carta registada ao Réu F... foi remetida 15 dias depois do prazo de dois dias úteis exigido no artigo233º do CPC, pelo que a finalidade de garantia adicional e cautelar que o artigo 233º visa proteger ficou claramente preterida, por motivos a que o Réu é totalmente alheio.

V) Verifica-se a preterição de formalidades essenciais ao direito de defesa do Réu na presente acção judicial, que prejudicam seriamente o seu direito de defesa o que gera a nulidade da citação.

W) O Despacho recorrido padece ainda do vício de omissão de pronúncia, uma vez que não se pronuncia sobre a admissibilidade da contestação apresentada pelo A... nem sobre os argumentos aduzidos pelos Recorrentes no requerimento de fls. 221 e segs.

X) O que determina a nulidade do mencionado despacho, o que se invoca, para os efeitos previstos no artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC.

Y) Em consequência do supra exposto, deve o Douto Despacho recorrido ser revogado e, em consequência, deve ser admitida a contestação dos Réus.

Z) Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser declarada a nulidade da citação do Réu F... e, em consequência, ser ordenada a repetição de tal acto, com todas as devidas consequências legais.”

Não houve contra alegações.

Cumpre decidir.

Fundamentação

Os factos que servem a decisão deste recurso são os que constam do relatório, nomeadamente o teor da decisão que não admitiu a contestação do réu F... e ainda que:

- em 21 de Abril de 2014 foi assinado o aviso de recepção da citação postal do réu F... por M...;

- em 5 de Maio de 2014 foi enviada ao réu F... carta nos termos do disposto no art. 233 do CPC sendo que da mesma consta:

“Nos termos do disposto no art. 233 do CPC fica V.Exª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do aviso de recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.

O prazo para contestar é 30 dias.

Aquele prazo acresce a dilação de 5 dias (…)”

- A contestação entrou em juízo em 16 de Junho de 2014

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Nestes termos o objecto do presente recurso é o de saber se existe na decisão recorrida nulidade por omissão de pronúncia e, também, se deveria ter sido considerada tempestiva a contestação apresentada pelos réus.

Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

O vício de omissão de pronúncia está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” (cf. artº 608º nº 2 do Código de Processo Civil), resultando do regime previsto nesta norma que o julgador “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os petições das partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 615 nº 1 d) 1ª parte, do CPC. Note-se, porém, que o tribunal não tem que se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes: desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa, está afastada aquela causa de nulidade.

Como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143): “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”.

Com este enquadramento deve concluir-se que uma sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.

No caso presente os recorrentes imputavam a nulidade de omissão de pronúncia do despacho que não admitiu a contestação à circunstância de nele se não fazer referência à admissibilidade da contestação apresentada pelo réu Automóvel nem sobre os argumentos aduzidos pelos Recorrentes no requerimento de fls. 221 e segs.

Observe-se que os recorrentes referem que apresentaram a sua contestação em conjunto aproveitando o prazo que corria em último lugar, ou seja, o prazo do réu F...

O que foi apreciado no despacho recorrido foi precisamente o prazo que o réu F... tinha para contestar e aí foi decidido que a contestação foi apresentada para além do prazo que esse mesmo réu dispunha para o fazer.

Ora, se a contestação apresentada pelo réu F..., que é conjunta com a apresentada pelo réu A..., formando uma única peça processual, foi julgada extemporânea, está implícito de forma directa e consequente que o réu A..., ao tentar aproveitar esse prazo de acordo com o art. 569 nº 2, viu também necessariamente julgada a apresentação da sua contestação (que é afinal a mesma) como extemporânea, não havendo omissão de pronúncia porque a decisão servia a todos os réus contestantes.

Quanto à omissão de pronúncia consubstanciada na falta de posição assumida sobre os argumentos aduzidos pelos recorrentes no requerimento de fls. 221 e segs,, como se refere na decisão de primeira instância que se pronunciou sobre a nulidade, esses argumentos encontram-se contrariados pelo teor do próprio despacho recorrido, uma vez que os réus em tal requerimento defendiam que se devia considerar  que a data em que ocorreu a citação do réu F... foi a data em que foi enviada a carta registada ao abrigo do art. 233.º do C.P.Civil, e tal não foi expressamente aceite tendo o despacho recorrido decidido, pelos motivos constantes do mesmo, que a citação ocorreu no dia em que foi assinado o aviso de recepção de fls. 196, sendo que, o envio da carta nos termos do disposto no art. 233.º do C.P.Civil não tem como finalidade a citação do réu, sendo sim uma advertência (aliás como da mesma consta) de que a citação já ocorreu.

Aliás, com atenção no próprio despacho proferido em 31.10.2014, do mesmo consta que “Pelo exposto, e porque é nosso entendimento que a carta registada enviada nos termos do art. 233.º do C.P.Civil não deve ser considerada para efeitos de citação, determinando a contagem do prazo para apresentação da contestação, indefere-se o requerido a fls. 221 e segs.”

    Pelo exposto julga-se improcedente a nulidade de omissão de pronúncia da decisão recorrida.

Quanto a saber-se se deveria ter sido considerada tempestiva a contestação apresentada pelos réus, na base desta questão situa-se aquela outra de saber se na citação realizada em pessoa diversa do citando o prazo para constar se inicia a partir do momento em que se mostrar assinado o aviso de recepção ou se, ao invés, tal prazo apenas se inicia com a comunicação a que alude o art. 233 do CPC (diploma a que pertencerão a partir deste momento todas as citações normativas sem menção de origem).

Ainda que brevemente, deixamos exposto que a citação, o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (cf. art.º 219) deve ser feita de forma pessoal, só estando prevista a citação edital “quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta”, (como resulta das disposições combinadas dos artigos 225.º e 236).

A citação pessoal realiza-se por entrega de carta registada com aviso de recepção ao citando [art. 225 nº2 al.b) primeira parte] sendo admissível que esta entrega seja feita a pessoa diversa, desde que esta se encontre na residência ou no local de trabalho daquele e declare encontrar-se em condições de entregar prontamente a carta o citando (vd. art. 228 nº2). E é este mesmo preceito que salvaguarda todas as exigências internas e externas da citação, prescrevendo os elementos que devem constar do modelo da citação e ser entregues, bem como as advertências que devem ser expressamente realizadas a quem receba a citação se não for o citando (cf. nº1 parte final, nº3 e nº4).

Cumpridas estas exigências, determina a lei (art. 230) que a citação postal efectuada nos termos do nº2 (em pessoa diversa do citando) se considera feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção, tendo-se por efectuada na própria pessoa do citando e presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.

Neste contexto parece pacífico que, se o réu F... foi citado na sua residência, numa terceira pessoa que aí se encontrava, através da entrega de carta registada com aviso de recepção, por força de determinação legal, a citação deve considerar-se efectuada no dia em que foi assinado esse aviso de recepção.

Contudo defendem-se os réus desta conclusão protestando que “o início do prazo para apresentação da contestação deverá ser considerado desde a data da recepção da carta registada, remetida ao recorrente F..., nos termos do artigo 233º do CPC – 06/05/2014”, porque a citação, embora feita na data em que o terceiro assinou o aviso recepção da carta só se torna perfeita com a comunicação ao citado dos elementos indispensáveis para o exercício do seu direito de defesa, havendo assim uma suspensão do prazo entre a assinatura do aviso de recepção da citação por um terceiro e o cumprimento do disposto no artigo 233º do CPC.

Apreciando estes argumentos, retemos em primeiro lugar que, depois de a lei afirmar que a citação feita em pessoa diversa do citando se considera feita na própria pessoa deste e no dia em que o terceiro assinou o aviso de recepção (art. 228 nº1), o art. 233 vem estabelecer que seja enviada (no caso, pela secretaria) no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando comunicando-lhe a data e o modo como o acto se considera realizado; o destino dado ao duplicado; a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada”.

Nesta disciplina normativa, que por um lado declara a validade da citação feita em pessoa diversa do citando fixando como data dessa mesma citação o dia em que foi assinado pelo terceiro o aviso de recepção, e por outro lado prescreve a exigência de ser enviada carta registada ao citando comunicando-lhe data e o modo como a citação foi realizada bem como outros informes, tudo o que importa é apurar qual a validade desta última comunicação no contexto da própria citação.

Cremos que os argumentos dos réus ao pretenderem que só com a comunicação do art. 233 começa a correr o prazo da citação e que até esse momento o início da contagem de tal prazo se considera suspensa, colidem frontalmente com a declaração normativa do art. 230 nº1 que considera expressamente e sem equívocos interpretativos, como feita na própria pessoa do citando a citação efectuada em pessoa diversa ao abrigo do art. 228, fixando como data da mesma a da assinatura por esse terceiro do aviso de recepção.

A afirmação que se faz no art. 230 parece-nos absoluta no sentido de se prescrever qual a data e o valor da citação realizada nos termos sobreditos, ainda antes e independentemente de a lei vir a prescrever, posteriormente, o envio de uma carta registada ao citando comunicando-lhe, precisamente, que já se encontra citado. Isto é, a carta tem como finalidade, nos termos da própria letra da lei, informar-lhe que a sua citação foi feita e, expressamente, que foi feita no dia em que o aviso de recepção foi assinado pelo terceiro que a recebeu.

Podemos seguramente questionar, então, qual o valor do envio desta carta a que alude o art. 233 sendo certo que a epígrafe do preceito a qualifica como “advertência” e que os recorrentes a qualificam como “formalidade essencial” da citação, geradora da nulidade desta.

Na origem, o CPC de 1939 no seu art. 195º, nº 4, al. c) e na redacção do art.º 195º, nº 1, al. d) e nº 2, al. c), (do CPC de 1961) cominava com a falta de citação a falta do envio da carta por omissão de uma formalidade essencial, explicando Alberto dos Reis, in Comentário, vol. 2º, pág. 331, que «esta forma de citação oferece menos segurança do que a citação feita numa pessoa. Bem se compreende que quanto mais precária seja a forma da citação, maior seja a soma de formalidades essenciais».

Assim, na origem do preceito, a exigência do envio da carta como acto posterior à citação em pessoa diversa do citando só podia ser entendida legalmente, por imposição da própria letra da lei, como formalidade essencial cuja omissão determinava que se considerasse a citação como inexistente, num entendimento que não desacreditando formalmente a afirmação de que a citação ocorria em momento anterior, fazia depender a própria existência dessa citação e os seus efeitos de uma formalidade posterior reputada de essencial.

Porém, a lei retirou o envio da carta a que alude agora o art. 233 do elenco das causas de falta de citação pelo que julgamos dever concluir que a citação, quando efectuada em pessoa diversa do citando se encontra realizada, nos seus efeitos úteis, no momento em que o terceiro assine o aviso de recepção. E tanto assim é que o mencionado art. 230 nº1 expressamente impõe que se presuma que a carta entregue ao terceiro, foi oportunamente entregue ao destinatário. Isto é, ao declarar o momento em que a citação se considera feita este normativo não o faz em sentido condicional, exigindo qualquer formalidade essencial posterior para que o prazo de contestação tenha início, fixando antes, de forma bem intencional, uma presunção de que com a entrega ao terceiro que recebe a carta o próprio citando a recebeu oportunamente e em termos de o seu prazo de contestar começar a correr a partir do momento em que o mencionado terceiro assinou o aviso de recepção.  

Sublinhe-se ainda que dos casos de citação em que a lei exige envio de carta nos termos do art. 233, (v.g. a citação com hora certa art. 232 nº4), a lei apenas no caso daquela que se realiza em pessoa diversa do citando (art. 225 nº4 e 228 nº2) refere especificadamente que o acto se considera efectuado no dia que conste da assinatura do aviso de recepção, o que nos reforça o entendimento de que nesta modalidade de citação, assinado aquele aviso pela pessoa que recebeu a carta, nada mais é necessário para que comece a contar o prazo (com a respectiva dilação) da contestação a partir desse momento, sem embargo de o citando para se opor a tal efeito ter de afastar a presunção de que a carta de citação lhe foi entregue. 

O estabelecimento da presunção aludida julgamos que deve ser inserida precisamente numa ideia de deixar expresso que os imperativos legais de segurança e certeza na prática do acto se encontram garantidos, com a entrega a pessoa diversa do citando da carta com aviso de recepção, desde que cumpridas as formalidades prescritas no art. 228 nº1, 2, 3 e 4, não havendo razão para que o prazo para contestação não comece a correr a partir do momento fixado no art. 230 nº1 ou para que se tenha por necessária a existência de uma suspensão desse prazo até que venha o próprio destinatário da citação a receber a carta registada a que alude o art. 233.

Se pode argumentar-se que na interpretação do preceito, que manda realizar ao citado a comunicação de que o foi, a sua utilidade tem de interferir sempre com o início da contagem do prazo da contestação, quando não tal dispositivo seria um acto inútil e ofensivo do art. 130[1], julgamos que nessa interpretação devemos alargar a utilidade dessa comunicação num sentido sistemático, vendo nela uma preocupação suplementar do legislador em pretender informar o citado de que o foi, tendo como efeito útil, por exemplo, o de lhe dar conhecimento quem recebeu a citação e em que data e de que forma.

Cremos igualmente que não tem sentido que se atribua à comunicação do art. 233 um valor de suspensão do inicio do prazo de contestação porque tal significaria, paradoxalmente, que a citação em pessoa diversa do citando exigiria, afinal, que o esta só se considerasse realizada quando o réu/citando fosse ele mesmo citado na sua própria pessoa, com a carta registada de advertência nos termos do art. 233. É que se fosse esta a vontade do legislador, seguramente que este nas advertências das alíneas do art. 233 teria incluído a de que o início do prazo de contestação só começaria a contar a partir do recebimento dessa comunicação, sendo que teríamos então uma colisão directa com o teor do art. 230 nº1 que ao fixar a data da citação com o momento do aviso de recepção não supôs nem instituiu qualquer suspensão desse prazo.

Assim, em face do sobredito, porque os recorrentes não pretenderam afastar (e por isso não afastaram) a presunção de que a carta entregue ao terceiro lhe foi oportunamente entregue[2], teremos de concluir que a citação do réu F... foi realizada no dia 21 de Abril de 2014 (quando o aviso de recepção foi assinado) e que a partir desse momento se iniciou o prazo de contestação e não em 6 de Maio de 2014, improcedendo neste âmbito as conclusões de recurso.

Subsidiariamente os recorrentes argúem também a nulidade da citação em virtude de a carta registada de advertência a que alude o art. 233 ter sido enviada ao réu F... depois do prazo de dois dias que este normativo estatui.

A garantia pretendida em que se traduz o envio da carta e a alusão a que a remessa seja feita pela secretaria e no prazo de 2 dias, não constituindo como antes afirmámos, um elemento essencial à citação (que se consuma com a assinatura do aviso de recepção pelo terceiro que a recebeu), é no entanto como a própria epígrafe do preceito o refere, uma advertência ao citando que o legislador pretendeu que tivesse um efeito útil informativo. Mesmo partindo da presunção de que este recebeu a carta do terceiro a quem foi entregue, a lei julgou ainda de interesse prescrever essa advertência num sentido já não de eficácia da citação mas no de uma complementar transparência garantística, ficando este a saber que foi citado; como o foi; em quem foi e que prazo tinha para contestar.

A questão que se coloca neste contexto é pois a de saber que consequências resultam quando esse envio da carta não é realizado ou não o é no prazo de dois dias fixado mas posteriormente.

O art. 187 al. a) do CPC estabelece que é nulo todo o processo quando o réu não tenha sido citado, explicitando o art. 188 os casos em que se considera inexistir a citação, e de onde resulta (como vimos anteriormente) que nenhum desses casos é o de faltar o envio da carta a que alude o art. 233 ou o deste envio ser posterior ao prazo fixado neste preceito.

Por outro lado, e quanto à nulidade da citação, o art. 191 nº 1 refere que sem prejuízo do disposto no art. 188 a citação é nula quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.

O prazo de arguição desta nulidade, que não é de conhecimento oficioso, é o indicado para a contestação - art. 191º, nº2 (salvo nos casos de citação edital ou não indicação do prazo de defesa que no caso não relevam) sendo a arguição só atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado – art. 191º, nº 4.

Em todas as situações cominadas de nulidade, a omissão ou não observância dos procedimentos/formalidades prescritas para realizar a citação coloca-se no círculo daquelas diligências que conduzem à citação. Porém, como observámos e repetimos, a formalidade prescrita no art. 233 não se situa antes da realização da citação mas sim, diferentemente, como forma de comunicar que esta já foi realizada e, inclusivamente, que o prazo de contestação (com a respectiva dilação) já começou a correr.

Concluímos assim, liminarmente, que não têm razão os réus quando parecem querer argumentar que a falta de envio da carta no prazo estabelecido legalmente constitua uma formalidade essencial da citação que tenha como resultado a sua inexistência.

Parece-nos contudo evidente que neste segmento, as conclusões de recurso dos Apelantes se dirigem a questionar a validade da citação realizada, se não na sua existência, na sua validade para produzir como efeito que o prazo de contestação tivesse início do no dia da assinatura pelo terceiro do aviso de recepção de citação, todas estas questões que aludem à existência de alguma nulidade.

Assim, agora, não é já pela via da falta da citação (por preterição de alguma formalidade essencial) que se pretende situar o início da contagem do prazo da contestação com o recebimento da comunicação do art. 233 e menos ainda por se entender que no caso de citação em pessoa diversa do citando tal prazo só se inicia a partir desse momento, mas é antes pela invocação de uma nulidade (a de que a comunicação do art. 233 não foi feita em prazo nem com as indicações das suas alíneas) que se pretende uma contagem do prazo da contestação diferente.    

No domínio das nulidades, como se observou em decisão da Relação do Porto[3]J:\fa00140\Os meus documentos\Jurisprudência\Cível\3ª Sec\Dr. Manuel Capelo\Decisão sumária Agravo n┬║ 1522_05.doc - _ftn3 “Não sendo hoje considerada pela lei uma formalidade essencial, a expedição da carta registada a que se refere o art.º 241º está longe de ser uma inutilidade; se o fosse não teria consagração legal nem se justificava o reforço da exigência de envio de carta em dois dias úteis após a citação (na redacção do Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de Março, aqui aplicável).” Porém, saber se a sua preterição ou cumprimento extemporâneo cabe na previsão no art. 191nº1 ou pode ser fonte de nulidade nos termos do art.º 195º, nº 1, como defende o acórdão citado, é matéria que se nos imporia decidir.

E dizemos que imporia decidir, porque efectivamente não se impõe em virtude da própria disciplina jurídica das nulidades.

Ainda que os recorrentes nas suas conclusões de recurso invoquem que “subsidiariamente deve ser declarada a nulidade da citação do Réu F... e, em consequência, ser ordenada a repetição de tal acto, com todas as devidas consequências legais”, a circunstância de termos já decidido que não existe falta de citação (nem isso parece ser alguma vez protestado pelos recorrentes) para que este Tribunal da Relação pudesse conhecer de qualquer eventual nulidade da citação ou outra (na previsão do art. 194 nº1) com incidência na validade da citação, era necessário que os Réus a tivessem arguido em primeira instância e perante o tribunal recorrido uma vez que, qualquer que fosse essa nulidade ela não era de conhecimento oficioso, obrigando pois, aí, à sua arguição.

Isto é, perante a decisão que considerou extemporânea a contestação e por isso válida a citação na pessoa diversa do citando e na dia em que o terceiro assinou o aviso de recepção, os réus em vez de recurso dessa decisão deveriam ter arguido por requerimento e perante o tribunal de primeira instância a nulidade da citação por todas as razões que resumem nas conclusões de recurso.

Não tendo os réus arguido perante o tribunal em primeira instância qualquer nulidade da citação ou outra que se traduzisse na prática ou omissão de acto que a lei não admitisse ou prescrevesse (maximé, o eventual não cumprimento das formalidades exigidas pelo disposto no artigo 233º do CPC) não pode agora este Tribunal da Relação apreciar de questão que se traduzisse no conhecimento de nulidade de conhecimento não oficioso não arguida anteriormente nos termos sobreditos.

Assim, improcedem na totalidade as conclusões de recurso.

Realizando a síntese conclusiva desta decisão faz-se constar que:

- Nos casos de citação realizada em pessoa diversa do citando, nos termos do art. 228 nº2 do CPC, a circunstância de a lei determinar que esta citação se considera efectuada no dia em que se mostra assinado o aviso de recepção e na própria pessoa do citado, determina que o prazo da contestação se inicie nesse momento;

- Para poder evitar que o prazo da contestação se inicie nesse momento terá o réu/citado de elidir a presunção fixada no art. 230 nº1 parte final e, com esta elisão, obter a certificação de que não houve citação por não ter tomado conhecimento de tal acto (da citação) por facto que não lhe é imputável, nos termos do art. 188 nº1 al.e) do CPC;

- Pode ainda, eventualmente, o réu evitar que o prazo de contestação se inicie com a assinatura do aviso de recepção pelo terceiro que recebeu a carta, quando argua a nulidade (nos termos do art. 195) do envio da carta a que alude o art. 233, por remessa pela secretaria fora do prazo de dois dias fixado nesse preceito ou por falta de indicação dos elementos aí prescritos;

- Esta nulidade, por não ser de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida pelo Tribunal da Relação se não tiver sido antes arguida perante o Tribunal de primeira instância e aí decidida;

Decisão

Pelo exposto julga-se improcedente a Apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Tribunal da Relação de Coimbra, em 13/10/2015

Manuel Capelo

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[1] Vd.ac. RP citado pelos recorrentes, de 7 de Outubro de 2003, com a indicação de que nesta decisão, ao defender-se que a comunicação ao citado nos termos do agora art. 233 produz uma suspensaão do inicio da contagem do prazo da contestação, acaba por retirar significado e utlidade à fixaçõa da presunçõa  do agora art. 230 nº1 parte final.
[2] Julgamos que o citado em pessoa diversa da sua apenas elidindo esta presunção pode obter como efeito a consideraçõa que a citaçõa não foi feita nos termos do art. 188nº1 al.e). 

[3] Ac. de 15-4-2010 no proc. 2544/08.7TJPRT.P1, in dgsi.pt, no qual se defende que é com com a recepção da carta a que alude o agora art. 233 que o citado fica em condições de conhecer o conteúdo da citação, correndo a partir dessa data o prazo da contestação, mas aplicando-se este eentendimento aos casos de citaçõa com hora certa na previsão do agora art. 232 nº4 e não aos casos de citaç~ºoa em pessoa diversa do citando, justifivando-se “Por ser a citação por afixação de nota, prevista no art.º 240º do Código de Processo Civil (agora art. 232 nº4), aquela que menos garantias dá da sua efectividade, com ela devemos ser especialmente exigentes, não podendo aceitar-se o conhecimento da citação pelo réu quando, comprovadamente, a carta a que se refere o art.º 241º do mesmo código não chega ao seu conhecimento dentro do prazo da contestação”