Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
25/15.1GAIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
PROCESSO ABREVIADO
FORMA DA SENTENÇA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO NÃO DETENTIVA
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (IDANHA-A-NOVA – INST. LOCAL – SEC. COMP. GEN. – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 389-A, N.º 5, DO CPP (ADITADO PELA LEI N.º 26/2010, DE 30-08)
Sumário: As alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2010 quanto à forma escrita da sentença, nos processos sumário e abreviado, visaram tão só a aplicação de penas privativas da liberdade (ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário) - n.º 5 do art. 389º-A e art. 391º-F do CPP -, e não as penas, não detentivas, aplicadas em substituição daquelas.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo sumário n.º 25/15.1GAIDN supra identificado, submetidos a julgamento os arguidos A... e B... , foram condenados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. j), ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (o arguido A... ) e na pena de 1 ano e 10 meses de prisão (o arguido B... ).

Estas penas de prisão foram suspensas na sua execução, por igual período, e sujeitas ao acompanhamento pela D.G.R.S.P..


*

O Ministério Público, por discordar da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido B... , veio interpor recurso da decisão proferida, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

1. Como já ficou referido a sentença de que se recorre condenou o arguido B... pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203°, n.º 1 e 204°, n.º 1, al. j) ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeita a acompanhamento pela DGRSP, devendo o arguido, nomeadamente, receber vistas ou comparecer perante o técnico competente, sempre que este o entenda necessário, assim como colocar à disposição da DGRSP todas as informações e documentos solicitados por este organismo, sendo a nossa discordância restrita à pena que foi aplicada a este arguido.

2. Pela mesma sentença e em co-autoria com o recorrido, foi condenado o arguido A... pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203°, n.º 1 e 204°, n.º 1, al. j) ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeita a acompanhamento pela DGRSP, devendo o arguido, nomeadamente, receber vistas ou comparecer perante o técnico competente, sempre que este o entenda necessário, assim como colocar à disposição da DGRSP todas as informações e documentos solicitados por este organismo.

3. Não se pondo em crise a matéria dada como provada e não provada em sede de sentença e, consequentemente o enquadramento jurídico normativo de tal factualidade, discorda-se, no entanto, da pena aplicada ao arguido B... na sentença.

4. Ao crime pelo qual o arguido foi condenado cabe uma pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias,

5. Em face da personalidade manifestada pelo arguido, nomeadamente a que decorre do seu certificado do registo criminal, bem como a inexistência de qualquer arrependimento, dado que optou por se remeter ao silêncio, torna-se evidente que deveria o arguido ser condenado em pena de prisão, como o foi, concordando-se ainda com a dosimetria nela imposta, mas não se encontra qualquer justificação para que tal pena de prisão tenha sido suspensa na sua execução.

5 a). Para que uma pena de prisão possa ser suspensa na sua execução o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, tem de concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, de molde a que a simples censura do facto e a ameaça da pena, acompanhadas ou não da imposição de deveres e/ou regras de conduta, bastarão para afastá-lo da criminalidade.

6. No caso concreto, a Meritíssima Juiz efectuou um prognóstico favorável, concluindo que a simples censura do facto e a ameaça da pena eram suficientes para afastá-lo da criminalidade, sem que, no entanto, o tenha explicado em sede de sentença, como devia.

Perante essa ausência de fundamentação, e mesmo que a mesma existisse, não compreendemos como se pode efectuar tal juízo.

7. O ilícito em causa carrega consigo fortes necessidades de prevenção geral, que justificaram uma recente alteração legislativa, passando a punir tal tipo de condutas como furto qualificado (cf. Lei n.º 19/2013, de 21de Fevereiro).

8. As necessidades de prevenção geral resultam ainda do conhecimento público do flagelo que tem sido nos últimos anos o furto de cobre por todo o território nacional, nomeadamente de postos de transformação da EDP, em que os delinquentes não têm qualquer problema em causar milhares de euros de prejuízo (cerca de 6.000 € só de material, ao qual acrescem os custos de retirada do solo contaminado com o óleo vertido dos postos de transformação e reciclagem do mesmo) por alguns poucos euros que conseguem com o cobre assim furtado.

9. Tais necessidades de prevenção geral apontam desde logo para a necessidade de aplicação de uma exemplar pena, como sinal claro da justiça à comunidade da forte censura que a prática de tais factos têm de merecer.

10. O arguido optou por não prestar declarações em sede de audiência de julgamento, o que, sendo um direito que lhe assiste e que não o pode prejudicar, só pode levar o tribunal a concluir, na ausência de qualquer outro elemento, pela inexistência de qualquer arrependimento por parte do arguido.

11. Por outro lado, também não dispõe de qualquer elemento que possa ter em consideração quanto às circunstâncias em que ocorreu o facto ilícito que contribuam no sentido da suspensão da execução da pena de prisão.

12. Do certificado do registo criminal do arguido B... resultam antes elementos que permitem concluir pela existência de fortes necessidades de prevenção especial, as quais devem levar à conclusão que a suspensão da execução da pena de prisão não afastarão o arguido da senda do crime, até porque ante não tiveram tal virtualidade.

13. Dos autos resulta ainda elementos que permitem concluir que o arguido tem procurado furtar-se à acção da justiça.

14. Perante tais elementos, não se consegue compreender como se pode realizar qualquer prognóstico favorável que justifique a suspensão da execução da pena de prisão.

15. O único juízo possível de efectuar é de um prognóstico bastante desfavorável, porquanto o arguido tem um longo percurso criminal, devendo ter-se sempre presente que esteve privado da liberdade durante um longo período, tendo praticado, entre outros, crimes contra o património, tal como o que está em causa nos presentes autos.

16. Pela prática de um outro crime de furto o arguido beneficiou já de uma pena de prisão suspensa na sua execução, a qual acabou por ser revogada, tendo o arguido cumprido pena de prisão.

17. Nada nos autos aponta no sentido de concluir que a simples ameaça da pena fará o arguido alterar o seu comportamento e levá-lo a não cometer outros crimes.

Termos em que deve a sentença ser alterada no sentido supra preconizado sendo o arguido condenado numa pena de 1 ano e 10 meses prisão efectiva.


*

O arguido não respondeu.

Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, suscitando, como questão prévia, a nulidade da sentença por não ter sido reduzida a escrito; mas, para o caso de esse não ser o entendimento deste tribunal, acompanha as alegações do recorrente Ministério Público.

Quanto à forma como foi proferida a sentença recorrida, diz a Exmª PGA:

«tendo como assente que o Tribunal a quo aplicou uma pena de prisão, suspensa na sua execução, que poderá ser privativa da liberdade dos arguidos A... e B... , caso os mesmos não cumpram os deveres que levaram à respectiva suspensão, há que ter em conta as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto ao Cód. Penal, que veio introduzir alterações ao regime da sentença proferida no âmbito do processo sumário.

Com efeito, o regime da sentença proferida em processo sumário sofreu alterações traduzidas, quer na sua sujeição ao domínio da oralidade (com excepção do dispositivo), quer na simplificação dos seus termos (com a dispensa do relatório e com a indicação sumária dos factos provados e não provados) que pode até ser feita por remissão para a acusação - cfr. art. 389°-A, n.º 1, a), do Cód. Proc. Penal.

A excepção à regra da oralidade da sentença está prevista no n.º 5, do citado art. 389°-A, que refere que, quando for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tomarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.

Ora, na sentença recorrida, os arguidos A... e B... foram condenados em pena de prisão, que foi suspensa na sua execução, mediante o cumprimento de determinados deveres.

Entende-se, como já foi referido, estarmos perante a aplicação de uma pena privativa da liberdade que, não obstante ter sido suspensa na sua execução, poderá eventualmente vir a ser cumprida, com a privação da liberdade dos arguidos A... e B... .

Desta forma, estando em causa a aplicação de pena privativa da liberdade, entende-se que o Tribunal a quo deveria ter dado pleno cumprimento ao disposto no n.º 4, do citado art. 389º-A do Cód. Proc. Penal, mediante a elaboração de uma sentença por escrito.

Face ao exposto, considera-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, por não ter sido reduzida a escrito.»

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi obtida resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Submetidos os arguidos a julgamento, em processo sumário, produzida a prova, foi proferida sentença (nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 389º-A do CPP) que considerou provados os seguintes factos (conforme gravação junta aos autos):

- No dia 21 de Julho de 2015, pelas 03h30m, os arguidos, em conjugação de esforços e de intenções e de acordo com um plano por ambos previamente traçado, dirigiram-se ao posto de transformação de energia eléctrica, sito no lugar de Muro do S. João, Rosmaninhal, com o propósito de se apoderarem das bobines de cobre existentes no seu interior.

- Assim, levando por diante os seus propósitos, os arguidos fizeram-se transportar para o local no veículo de matrícula LD... e, uma vez aí, munidos de luvas, arnês e ferramentas de corte, extraíram do posto de transformação ali existente, cinco bobines de cobre e quatro barras de cobre, as quais guardaram no interior da bagageira do veículo indicado, ocultando-as sob uma colcha, abandonando de seguida o local, sendo interceptados na localidade de Ladoeiro por elementos da GNR que ali procediam a acção de fiscalização no âmbito da prevenção aos furtos de metais não preciosos.

 - Aquelas bobines e barras de cobre, no valor de €5.000, eram propriedade da EDP- Distribuição de Energia, SA, o que os arguidos bem sabiam.

- Ao actuarem do modo descrito os arguidos quiseram fazer seu o aludido material em cobre, como fizeram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que ao actuarem daquele modo agiam sem autorização e contra a vontade do respectivo proprietário.

- Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta é proibida e punida por lei.

 Mais resultou provado que:

(…);

- o arguido B... vive com a mãe, em casa desta, não tem quaisquer rendimentos ou bens, e tem como habilitações literárias o 6º ano da escolaridade;

(…).

Foram ainda consideradas como provadas as condenações sofridas pelos arguidos de acordo com os respectivos certificados de registo criminal.

O arguido B... foi condenado (CRC de fls. 77/86):

- em 31-5-2001, no proc. sumário n.º 88/2001 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, pela prática (em 31-5-2001) do crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de Esc. 750$00;

- em 9-7-2001, no proc. abreviado n.º 71/2001 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, pela prática (em 20-1-2001) do crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de Esc. 500$00;

- em 14-6-2002, no proc. comum n.º 39/01.9GBMMN – 1º Juízo, pela prática (em 22-2-2001) do crime de condução de veículo sem habilitação legal, e em cúmulo jurídico com as penas impostas nos procºs n.ºs 88/2001 e 71/2001, foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 ou 120 dias de prisão subsidiária; por despacho de 14-7-2004, a pena foi declarada extinta pelo seu cumprimento;

- em 2-10-2003, no proc. comum n.º 169/01.7GBMMN – 1º Juízo, pela prática (em 20-1-2001) dos crimes de condução de veículo sem habilitação legal, desobediência, furto simples, furto qualificado e falsificação de documento, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova;

- em 16-10-2003, no proc. comum n.º 197/01.2GBMMN – 2º Juízo, pela prática (em 7-11-2002) do crime de furto simples, na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano; a suspensão da pena veio a ser revogada por despacho de 20-9-2004;

- em 19-3-2004, no proc. abreviado n.º 194/03.3GBMMN – 1º Juízo, pela prática (em 21-8-2003) do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com a condição de no prazo de 8 meses comprovar nos autos que se encontra matriculado em escola de condução e a frequentar o respectivo curso de aprendizagem;

- em 10-5-2004, no proc. sumário n.º 513/04.5TBMMN – 2º Juízo, pela prática (em 29-4-2004) do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão;

- no âmbito do proc. n.º 204/02.1GBMMN – 1º Juízo, pela prática (em17-8-2002) de um crime de roubo e, por decisão 14-5-2008 foi proferido o acórdão cumulatório que fixou a pena única em 7 anos e 5 meses de prisão.

A considerar ainda que:

- por decisão de 29-11-2011 do TEP de Lisboa foi-lhe concedida a liberdade condicional;

- por decisão de 24-3-2014 do TEP de Évora foi revogada a liberdade condicional, tendo sido determinada a execução da pena de prisão ainda não cumprida imposta no proc. n.º 204/02.1GBMMN – 1º Juízo.


*

APRECIANDO

Como resulta das conclusões da motivação de recurso, uma única questão vem suscitada, a da suspensão da execução da pena de 1 ano e 10 meses de prisão imposta ao arguido B... .


***

Da questão prévia:

Considera a Exmª PGA que tendo os arguidos sido condenados em pena de prisão, suspensa na sua execução, com sujeição ao acompanhamento pela DGRSP, a sentença deveria ter sido reduzida a escrito, como dispõe o n.º 5 do artigo 389º-A do CPP.

Como resulta da acta de audiência de discussão e julgamento, pela Mmª Juiz foi proferida oralmente a sentença em obediência ao estatuído no artigo 389º-A, n.º 1 do CPP, encontrando-se a mesma gravada e, nos termos do n.º 2 foi o dispositivo ditado para a acta.

No que respeita ao processo sumário, com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, foi, para além do mais, revogado o n.º 6 do artigo 389º (que dispunha: A sentença é logo proferida verbalmente e ditada para a acta) e, “em sua substituição” foi aditado o artigo 389º-A, com a epígrafe “Sentença”, o qual estabelece:

«1- A sentença é logo proferida oralmente e contém:

 a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

 b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

 c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

 d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º.

2- O dispositivo é sempre ditado para a acta.

3- A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º.

4- É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 3 do artigo 101.º.

5- Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.».

Resulta deste preceito que, por regra, a sentença é proferida oralmente e, apenas nos casos a que alude o n.º 5, a sentença é elaborada por escrito, designadamente, «Se for aplicada pena privativa da liberdade».

In casu, foram impostas aos arguidos penas de prisão, suspensas na sua execução. E, nestas circunstâncias, entende a Exmª PGA que a sentença deveria ter sido reduzida a escrito.

Afigura-se-nos que não lhe assiste razão.

É que, a suspensão da execução da pena constitui uma verdadeira pena autónoma.

Como pode ler-se no ponto 11 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo DL n.º 400/82, de 23Set., Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (arts. 48º e seguintes) e o regime de prova (arts. 53º e seguintes).

Substitutivos particularmente adequados das penas privativas da liberdade (…).

A condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, corresponde ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

Na Comissão Revisora do Código Penal, o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, defendeu o carácter autónomo, enquanto verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J., tendo particular interesse a discussão travada nas 17ª sessão, de 22 de Fevereiro de 1964 e, 22ª sessão, de 10 de Março).

Com efeito, a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio. O Prof. Figueiredo Dias considera que tal pena de suspensão constitui entre nós a mais importante das penas de substituição.

A propósito da distinção entre penas principais e penas de substituição refere o mesmo autor ([1]) “Estas penas de substituição, se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime), não são obviamente penas acessórias: não só porque estas se assumem num enquadramento histórico e teleológico que nada tem a ver com o das penas de substituição, como porque uma coisa são as penas que só podem ser fixadas conjuntamente com uma pena principal (como é o caso das penas acessórias), outra diferente as penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição).”.

Dúvidas não restam pois, de que a suspensão da execução da pena é uma pena autónoma, que foi aplicada em substituição da pena de prisão.

A questão ora suscitada colocar-se-ia em todas as outras penas de substituição não privativas da liberdade. Ou seja, a considerar-se que no caso da suspensão da execução da pena de prisão teria a sentença de ser escrita, tal forma deveria revestir a sentença nas situações em que fossem aplicadas ao arguido outras penas de substituição não privativas da liberdade, nomeadamente, pena de prisão substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade (artigos 43º e 58º do CP), ou até, no limite, quando tivesse sido fixada prisão subsidiária, para o caso de não pagamento da pena de multa (artigo 49º).

Ora, essa não foi a intenção do legislador. As alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2010 quanto à forma escrita da sentença, nos processos sumário e abreviado, visaram tão só a aplicação de penas privativas da liberdade (ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário) - n.º 5 do art. 389º-A e art. 391º-F do CPP - e não as penas aplicadas em sua substituição (não detentivas).

Nos termos expostos, nenhum reparo nos merece a forma como foi elaborada a sentença proferida nos autos, não se verificando a invocada nulidade.


***

Da suspensão da execução da pena:

Defende o recorrente que in casu existem fortes exigências quer de prevenção geral, quer de prevenção especial a oporem-se à suspensão da execução da pena, e conclui que as finalidades da punição só se mostram devidamente asseguradas com a aplicação ao arguido B... da pena de 1 ano e 10 meses de prisão efectiva.

Como fundamento refere que “as necessidades de prevenção geral resultam do conhecimento público do flagelo que tem sido nos últimos anos o furto de cobre por todo o território nacional, nomeadamente de postos de transformação da EDP; tais necessidades levaram até o legislador a qualificar a conduta, passando a puni-la como furto qualificado, o que ocorreu pela redacção da al. j) do n.º 1 do artigo 204º do Código Penal, operada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro.

E acrescenta, “o arguido optou por não prestar declarações em sede de audiência de julgamento, o que, sendo um direito que lhe assiste e que não o pode prejudicar, só pode levar o tribunal a concluir, na ausência de qualquer outro elemento, pela inexistência de qualquer arrependimento por parte do arguido. Por outro lado, também não dispõe de qualquer elemento que possa ter em consideração quanto às circunstâncias em que ocorreu o facto ilícito que contribuam no sentido da suspensão da execução da pena de prisão; e, atente-se no certificado de registo criminal do arguido, do qual resulta (para além das condenações sofridas) que o mesmo tem procurado furtar-se à acção da justiça (encontra-se declarado contumaz no processo n.º 4984/10.2TXLSB-A e num outro processo com o n.º 46/12.6GBMMN)”.

De acordo com o preceituado no artigo 50º do Código Penal, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.

E só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (neste sentido o Ac. do STJ de 11-01-2001, proc. n.º3095/00-5).

Em suma, é necessário que, por um lado se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada se conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas.

A suspensão da execução da pena, não é uma medida de clemência, nem pode ser encarada como tal. É uma forma de cumprimento de uma pena funcionando como medida de substituição que não determinando a perda da liberdade física condiciona a vida daqueles a quem é aplicada durante todo o período em que é fixada.

Embora os factos sejam reprováveis, têm de ser encarados na medida da sua gravidade e danosidade social, estando tal medida assegurada pela própria pena.

Já a reintegração do agente na sociedade impõe que se apliquem medidas que sejam suficientes para assegurar que os condenados interiorizem os valores ínsitos nas normas jurídicas e não voltem ao crime. O nosso sistema jurídico-penal é eminentemente ressocializador.

No caso vertente, como resulta da decisão recorrida o tribunal a quo justificou a suspensão da execução da pena do seguinte modo:

Atento o hiato temporal já decorrido desde a última condenação, por parte de cada um dos arguidos, será ainda possível formular um juízo de prognose favorável aos arguidos, o que se revela como a derradeira oportunidade dada aos mesmos. (…)

Decorre da análise do seu CRC que o mesmo esteve em liberdade condicional, pelo menos desde 2011 e, portanto, acredita-se que ainda poderá reconciliar-se com o direito com esta suspensão da execução da pena que lhe é aplicada.   

O arguido conta actualmente 31 anos de idade e, aos 17 anos sofreu as primeiras condenações por condução sem habilitação legal.

Como foi dado como provado, em função do CRC junto aos autos, o arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes: 6 de condução sem habilitação legal, 2 de furto simples, 1 de furto qualificado, 1 de desobediência, 1 de falsificação de documento e 1 de roubo. Condenações estas, demonstrativas da reiteração de comportamentos reveladores de desrespeito, quer perante a lei criminal, quer pelas consequências que o incumprimento desta acarreta.

Por outro lado, tendo o arguido já beneficiado da suspensão de execução de penas (sendo que a suspensão declarada no proc. comum n.º 197/01.2GBMMN – 2º Juízo veio a ser revogada), deverá considerar-se que o juízo de prognose favorável que tem sido feito para suspender a execução das penas tem-se revelado infrutífero, e que uma nova suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, não assegura as particulares exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir nos presentes autos.

Como sublinha o recorrente, o arguido não quis prestar declarações em audiência de julgamento quanto aos factos de que vinha acusado e, justamente, ao não ter assumido a sua conduta não demonstrou qualquer arrependimento pela mesma.

Acresce que, aquando da ponderação sobre a prognose favorável, teve a Mmª Juiz a quo em conta o facto de o arguido B... estar em liberdade condicional desde 2011. Efectivamente, por decisão de 29-11-2011 do TEP de Lisboa foi-lhe concedida a liberdade condicional; no entanto, foi a mesma revogada por decisão de 24-3-2014 do TEP de Évora, tendo sido determinada a execução da pena de prisão ainda não cumprida imposta no proc. n.º 204/02.1GBMMN – 1º Juízo.

Deste modo, também se nos afigura que não pode formular-se quanto ao arguido uma prognose favorável, no sentido de que não voltará a delinquir, pelo que não deverá beneficiar da suspensão da execução da pena, sendo o seu cumprimento efectivo.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Julgar procedente o presente recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte em que suspendeu a execução da pena de 1 ano e 10 meses de prisão imposta ao arguido B... .

Sem tributação.


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Coimbra, 13 de Janeiro de 2016

(Elisa Sales - relatora)

(Paulo Valério - adjunto)


[1] - in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág. 91.