Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
104/14.2TBCDR-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
MASSA INSOLVENTE
IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.120, 121, 123, 125 CIRE
Sumário: 1.-A resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de actos prejudiciais a este património.

2. -Será excessivo exigir que a declaração de resolução contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam; mas essa declaração há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.

3. - Esta impugnação visa apenas a negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo AI, não podendo o impugnante ser surpreendido com factos essenciais ou fundamentos novos, com que se pretenda suprir as deficiências da declaração de resolução.

4. - A carta resolutiva deverá conter, ainda que sinteticamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do acto em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o acto, através da acção prevista no artº 125º CIRE, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados.

5 - Sem prejuízo de na resolução incondicional, prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva fundamentação adrede bastante.

6.- Se a carta resolutiva enviada pelo Administrador da Insolvência não indicar os fundamentos da resolução incondicional, a declaração de resolução comunicada através da mesma está ferida de nulidade e determina a procedência da acção instaurada para impugnação dessa resolução.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A(…), S.A.,, com sede em Rua (...) , Castro Daire, ao abrigo do disposto no artigo 125.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (diploma a que pertencem as demais normas sem indicação de origem), intentou a presente de impugnação da resolução, contra a Massa Insolvente de T (…) Lda., pedindo, em via principal, que se julgue validamente impugnada a resolução da venda do imóvel identificado na carta de resolução. Alternativamente, pede que a manter-se a resolução, deve ser reconhecido como dívida da massa o valor que pagou pela compra do imóvel em causa (€120.000,00) e, bem assim, a condenação por todos os danos que a resolução está a causar e causará à autora, a liquidar em execução de sentença.

Alega, em síntese, que o negócio em causa nos autos realizou-se em 23 de março de 2012, como tal, sendo anterior aos dois anos que precederam o início do processo de insolvência não podia ser resolvido em benefício da massa insolvente, resolução que considera nula e de nenhum efeito por não terem sido alegados factos que pudessem conduzir ou fundamentar a resolução do negócio. Alega ainda que o negócio não é susceptível de ser resolvido pelo facto de ter sido objeto de uma transação judicial homologada por sentença transitada em julgado, defendendo que os artigos 120.º a 126.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não são aplicáveis a negócios cuja validade e efeitos jurídicos resultam da prolação de sentenças judiciais. Acrescenta ainda que o negócio não foi realizado em prejuízo da massa insolvente, nem foi lesivo dos interesses dos credores e que prescreveu o direito de resolver o negócio em causa pelo decurso do prazo a que alude o artigo 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Alega ainda que pagou o preço acordado pelo imóvel que adquiriu, não contribuindo para nenhum empobrecimento da devedora.

Contestou a ré começando por referir que só com o trânsito em julgado da sentença homologatória da transação se concretizou o ato de compra e venda, que apenas em 09-02-2015, através de requerimento apresentado no incidente de qualificação de insolvência, teve conhecimento do negócio celerado, que foi indicada como data da transmissão a do registo, no entanto, a transmissão para a esfera jurídica da autora ocorreu com o trânsito em julgado da sentença homologatória da transação, conclui, desse modo, que está verificado o pressuposto temporal previsto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 120.º e que a carta de resolução foi enviada no prazo previstos no artigo 123.º,n.º 1. Acrescenta que estão verificados os requisitos relativos à resolução em benefício da massa insolvente e que a lei não estabelece requisitos formais quanto ao ato a resolver. Conclui pela improcedência da ação e entrega do prédio à ré.

Foi designada e realizada audiência prévia.

Frustrada que foi a tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador, despacho a identificar o objeto do litígio, a enunciar os temas da prova, a admitir os meios de prova indicados e a designar data para a realização da audiência final que se realizou com observância do formalismo legal.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

«Nestes termos, julgo a presente ação procedente e, em consequência, declaro nula e sem efeito a resolução extrajudicial efetuada pelo administrador da insolvência através da carta mencionada no artigo décimo nono dos factos provados.

Custas a cargo da ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Registe e notifique.

Atendendo ao facto mencionado no artigo 21.º, após trânsito em julgado, vão os autos vista ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes».

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MASSA INSOLVENTE DE T (…) LDA., ré, na Acção de Processo Declarativo comum que corre por apenso ao processo de insolvência em epígrafe, apenso F, não se conformando com a decisão que colocou termo ao litígio sem lhe dar razão, veio, nos termos dos nº 1 art.º 627º e nº1 do art.º 629º, ambos do NCPC, apresentar Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

*

A (…), SA, autora nos autos referenciados em epígrafe, notificada das alegações de recurso da ré/recorrente Massa Insolvente de T (…), Lda., veio RESPONDER, formulando Contra-Alegações, por sua vez concluindo que:

(…)

**

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

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Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Discutida a causa resultam provados os seguintes factos:

1. A sociedade T (…) Lda., (…), com sede na Rua (...) , em Castro Daire, tem o capital social de €250.000,00, dividido em duas quotas, de €125.000,00 cada, pertencentes, à data da constituição da sociedade, cada uma delas a (…) e, à data da declaração da insolvência, a (…) esta por aquisição a (…)  que, por sua vez, tinha adquirido a quota transmitida de €125.000,00 a (…)

2. Desde 4 de janeiro de 2011 que o único gerente da sociedade insolvente é J (…)

3. Em 28 de novembro de 2011 foi efetuado o registo da constituição da autora, pessoa coletiva n.º (...) , com sede em Rua (...) , Viseu, com o capital social de €50.000,00, representado por 50.000 ações, no valor nominal de €1,00, tendo sido designado como administrador J (…) para o quadriénio de 2011 a 2014, e para o quadriénio seguinte foi nomeada S (…)

4. Em 31 de dezembro de 2011 as contas de depósitos bancários e da caixa da  sociedade T (…), Lda. apresentavam um saldo de €105.181,52.

5. A (…) S.A. intentou, no Tribunal Judicial de Castro Daire, ação de condenação sob a forma de processo ordinário, contra T (…) Lda.. autuada sob o n.º 126/12.8TBCDR, pedindo que se declarasse transferida a propriedade do prédio urbano denominado Covas, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 2544/19990209, da freguesia de (...) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4742 a seu favor, com todos os ónus e encargos existentes à data da celebração do contrato promessa.

6. Para tanto alegou que por contrato intitulado “contrato promessa de compra e venda com eficácia real”, datado de 23-03-2012, cuja cópia se encontra junta a fls. 77 a 80, a ré prometeu vender à autora, pelo preço de €120.000,00, pago na totalidade na data da celebração do contrato promessa, aquele prédio urbano, que passou de imediato a utilizá-lo em exclusivo e que a ré não procedeu à convencionada interpelação nem ao agendamento da escritura pública, mencionando que não dispunha dos documentos necessários à formalização do contrato prometido.

7. Naquele contrato autora e a ora insolvente estavam representadas apenas por (…), respetivamente na qualidade de administrador e gerente das sociedades, e consta das cláusulas nona e décima que “as partes desejam expressamente atribuir eficácia real ao (…) contrato, nos termos e para os efeitos do art.º 410.º n.º 3 do Código Civil” (9.ª) e que o “contrato fica sujeito ao regime de execução específica, nos termos e para os efeitos do art.º 830.º do Código Civil” (10.ª).

8. No dia 8 de maio de 2012, (…) compareceu na Secretaria Judicial do Tribunal Judicial de Castro Daire, na qualidade de “legal representante da Autora e Ré”, e a seu pedido foi lavrado termo de transação, onde o mesmo declarou que nessa qualidade, punha termo aos autos, por acordo, mediante as seguintes cláusulas:

“1.ª A ré reconhece que a autora é a legítima dona e proprietária do prédio urbano, sito no lugar de Covas, em Farejinhas, freguesia e concelho de (...) , composto por Barracão destinado a serração de madeiras c/ terreno anexo destinado a parque e estaleiro, com superfície coberta de 1700m2 e logradouro de 10300m2, que confronta do norte com Baldio, do sul com (...) , do nascente com baldio e (...) e poente com estrada, inscrito na matriz predial sob o n.º 4742, o qual a ré prometeu vender e a autora prometeu comprar pelo preço de €120.000,00;

2.ª A ré reconhece e confessa o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, celebrado em 23 de março de 2012, uma vez que não conseguiu obter, nem tem forma de o vir a conseguir a licença de utilização necessária à realização do contrato de compra e venda definitivo;

3.ª Por conseguinte, a ré confessa o pedido formulado pela autora (…) e aceita a transferência do prédio descrito na cláusula 1.ª para a autora, nos exatos termos e condições constantes do contrato promessa de compra e venda junto aos autos a fls. 14 a 17.

4.ª A autora aceita adquirir o prédio em causa nos exatos termos e condições estipulados no contrato promessa de compra e venda.

5.ª A autora é uma sociedade que se dedica à compra e venda de imóveis e declara que o prédio adquirido à ré se destina à revenda”.

9. Em 10 de maio de 2012, foi proferida sentença, transitada em julgado em 13-06-012, a julgar válida aquela transação e a homologá-la por sentença, condenando e absolvendo as partes nos seus precisos termos.

10. O prédio mencionado no artigo oitavo tem o valor patrimonial de €113.360,00, determinado em 2011.

11. Pela apresentação 1815 de 18-09-2012, foi registada a aquisição do prédio mencionado no artigo 8.º a favor da autora.

12. Em 30 de abril de 2013, 9 de maio de 2013 e 1 de outubro setembro de 2013 a ora insolvente vendeu respetivamente os seus veículos de matrícula (...) BH (de 2006), (...) ZZ (de 2005) e (...) IB (de 2009).

13. No balancete de maio de 2014 o saldo da conta caixa era de €96.342,76, montante esse que não foi entregue à massa insolvente.

14. Em 15 de abril de 2014 foi requerida a insolvência da sociedade T (…), Lda. que, citada em 21 de abril de 2014, não deduziu oposição.

15. Por sentença proferida no dia 12 de maio de 2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade T (…), Lda. e foi nomeado (…)como administrador da insolvência.

16. O mencionado Administrador da Insolvência apresentou o relatório a que alude o artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no dia 18 de junho de 2014, onde é mencionado que o Serviço de Finanças não identificou qualquer imóvel em nome da insolvente.

17. A assembleia de apreciação do relatório realizou-se no dia 26 de junho de 2014, tendo sido deliberada a liquidação do ativo da insolvente, foi concedido o prazo de 10 dias para os credores se pronunciarem por escrito sobre a resolução do contrato relativo a veículos, foi notificado o gerente da insolvente para, no prazo de 15 dias, proceder à transferência das quantias de €103.222,35 e de €20.831,74 para a conta da massa insolvente e informar do restante ativo.

18. O Sr. Administrador da Insolvência teve conhecimento da venda em causa nos autos, pelo menos, em 17 de fevereiro de 2015.

19. Datada de 15 de maio de 2015, o Sr. Administrador da Insolvência enviou à autora, que a recebeu em 20 de maio de 2015, a carta registada, com aviso de receção, cuja cópia se encontra junta a fls. 16, cujo teor se dá por reproduzido, onde refere o seguinte:

- A Massa Insolvente de T (…) Lda. vem ao abrigo do disposto nos artigos 120.º a 127.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e artigos 432.º a 439.º do Código Civil, proceder à resolução da venda realizada em 18/09/2012, do imóvel abaixo identificado à sociedade A (…), S.A. (…).

Não podiam ignorar que tal ato era efetivamente lesivo dos interesses dos credores da insolvente, ou seja do direito ao pagamento dos respetivos créditos, no todo ou em parte, através da liquidação do património da insolvente, no âmbito do presente processo.

Assim, face aos motivos supra mencionados, serve a presente para informar V. Exas. de que, na (…) qualidade de administrador de insolvência e ao abrigo do disposto no artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, procedo nesta data à resolução, em benefício da Massa Insolvente, da venda realizada em 18/09/2012 à sociedade A (…), S.A.

Os fundamentos ora invocados são causa de resolução, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1, 2, 4, 5, al. a) e b) do CIRE, pelo que, pela presente forma, e para todos os efeitos legais se declara”.

20. A autora liquidou à ora insolvente o montante de €120.000,00 (cento e vinte mil euros), a título de preço relativo à aquisição do prédio mencionado no artigo 8.º, nos termos seguintes:

a. €48.000,00 em 13-12-2011;

b. €24.000,00 em 27-08-2012;

c. €20.000,00 em 13-09-2012;

d. €5.000,00 em 12-10-2012;

e. €23.000,00 em 08-11-2012.

21. O imóvel em causa está situado numa zona classificada em termos de Plano Diretor Municipal como sendo baldio e sujeito ao regime florestal.

22. Em tempos o imóvel em causa nos autos era utilizado como serração de madeiras, que foi desmantelada há vários anos e agora serve apenas de armazém.

23. O imóvel não possui qualquer licença camarária ou outra que permita desenvolver no imóvel qualquer tipo de atividade comercial, industrial ou outra para a qual seja necessário obter licenciamentos.

24. O preço da venda mencionado no artigo 20.º e, bem assim, a venda estão refletidos na contabilidade da insolvente.

25. Através de carta registada, datada de 16 de maio de 2014, o Sr. Administrador da Insolvência solicitou ao gerente da insolvente, entre outros, os seguintes documentos contabilísticos: demonstração financeira dos últimos três anos, balancete analítico atualizado, mapa de imobilizações e mais e menos valia dos últimos três anos, elementos justificativos de venda de imobilizado, cópia dos elementos fiscais que atualizem a contabilidade.

2.1.2. Factos não provados:

Não resultaram provados os seguintes factos:

a) O negócio foi realizado sem intenção de prejudicar os credores.

b) A maioria dos credores, à data da realização do negócio, não era detentora dos créditos que vieram a ser reclamados nestes autos de insolvência.

c) Depois do negócio em causa, durante cerca de dois anos, a insolvente desenvolveu a sua atividade profissional, liquidando as suas dívidas de forma regular, recebendo os seus créditos, produto do seu trabalho, não existindo à data da celebração do negócio em causa quaisquer indícios de que a sociedade T (…) Lda. poderia ser declarada insolvente.

d) Os requerentes da insolvência, trabalhadores da sociedade Transportes T (…), Lda. durante os dois anos seguintes à realização do negócio em causa sempre receberam os seus créditos salariais e prestaram o seu trabalho de forma regular.

e) Os fornecedores da insolvente sempre receberam os seus créditos.

f) O facto mencionado no artigo 21.º dos factos provados impede o proprietário do imóvel em causa nos autos de obter qualquer licenciamento, seja de utilização ou outro.

g) O facto mencionado no artigo 21.º dos factos provados não foi considerado na avaliação realizada pelas finanças.

h) O imóvel foi adquirido pela autora numa perspetiva de investimento e com a expetativa de, no futuro, com uma eventual revisão do PDM, poder recuperar o investimento feito e obter algum lucro na venda.

i) O dinheiro encaixado com a venda do imóvel permitiu à agora insolvente desenvolver a sua atividade profissional durante mais de dois anos após a venda, que destinou ao seu giro comercial, com ele pagando a credores, fornecedores e trabalhadores, sendo que, não fosse o facto da insolvente não receber dos seus devedores de forma pontual, não fosse a constante subida abrupta dos combustíveis, a redução abrupta da procura dos seus serviços, a diminuição abrupta da contratualização de cargas para transportar e outros factores relacionados com a crise nacional e internacional, que muito afetou o setor dos transportes, ainda hoje estaria em atividade.

j) Toda a contabilidade da insolvente foi entregue e ficou na posse e à disposição do administrador da insolvência logo após a declaração de insolvência.

k) Todos os elementos mencionados no artigo 25.º foram disponibilizados ao Sr. Administrador da Insolvência e, de vários dos documentos disponibilizados, era visível e perfeitamente percetível a existência do negócio da venda do imóvel em causa, nomeadamente pela análise do balancete disponibilizado, das movimentações financeiras e outros documentos entregues ao administrador da insolvência.

l) O Sr. Administrador da Insolvência tomou conhecimento da venda do imóvel em causa nos autos, porque isso resultava dos elementos contabilísticos que lhe  foram entregues, entre a data da sentença que declarou a insolvência e o dia 26 de junho de 2014.

m) O Sr. Administrador da Insolvência só procedeu à resolução em causa nos autos 11 meses após ter tomado conhecimento do negócio resolvido.

n) O produto da venda foi destinado à satisfação dos créditos da autora ou do seu sócio-gerente.

o) Em 10 de setembro de 2012 o objeto social da autora foi alterado para permitir a compra e venda de bens imobiliários.

p) O valor de €120.000,00 foi parar novamente à conta da autora.

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Nos termos do art. 635º NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

*

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

1.

D) A carta de resolução enviada pelo Administrador, neste caso concreto, contém todos os elementos essenciais, ou seja, os elementos necessários e suficientes para se operar a resolução condicional do ato/contrato em apreço nos presentes autos de processo, nos termos do art.º 120 do CIRE.

Apreciando, perfilem-se, em termos pressuponentes e prodrómicos, desde logo, os seguintes vectores que hão-de funcionar como lampadário de caminho cognoscitivo, no sentido de dilucidar as questões em perfil. A saber:

I - A resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de actos prejudiciais a este património;

II - Será excessivo exigir que a declaração de resolução contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam; mas essa declaração há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.

III - Esta impugnação visa apenas a negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo AI, não podendo o impugnante ser surpreendido com factos essenciais ou fundamentos novos, com que se pretenda suprir as deficiências da declaração de resolução.

Sendo que, por sua vez, o administrador da insolvência indicou os seguintes fundamentos da resolução:

 

- "Não podiam ignorar que tal ato era efetivamente lesivo dos interesses dos credores da insolvente, ou seja do direito ao pagamento dos respetivos créditos, no todo ou em parte, através da liquidação do património da insolvente, no âmbito do presente processo".

- Mais indicando, ainda, como fundamento da resolução o disposto no artigo 120.º, n.ºs 1,2,4,5, alíneas a) e b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

A tal respeito, convoquem-se os princípios analíticos explanados no Ac. STJ, de 29.04.2014, Processo nº 251.09.2TYVNG, Relator Pinto de Almeida, in www.dgsi.pt, destacando em particular que:

«A resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo "de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património".

Dispõe o art. 120º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):

“1. Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

2. Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

3. Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.

4. Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

5. Entende-se por má-fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) Do início do processo de insolvência”.

No art. 121º, prevê-se a resolução (incondicional), em benefício da massa insolvente, dos actos aí indicados nas als. a) a i) do nº 1, sem dependência de quaisquer outros requisitos.

Importa referir, designadamente, os actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência – al. b) –, e os actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte – al. h).

Nestes casos de resolução incondicional, a prejudicialidade à massa insolvente é presumida juris et de jure (art. 120º nº 3), não carecendo a resolução da demonstração da má fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução (art. 120º nº 4).

Fora do âmbito de previsão do art. 121º nº 1, ou seja, nos casos de resolução condicional, terá de ser demonstrada a prejudicialidade à massa insolvente (art. 120º, nº 2) e, bem assim, a má fé do terceiro, sendo essa má fé presumida, juris tantum, quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (art. 120º nº 4).

Nos termos do art. 123º nº 1, a resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência, por carta registada com aviso de recepção, nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

A resolução pode ser impugnada pela outra parte no acto resolvido ou por terceiro afectado pela resolução, a quem incumbe o ónus de intentar a acção correspondente, que corre por dependência do processo de insolvência (art. 125º). Está em causa nesta acção a inexistência do fundamento da resolução operada [sobre o regime da resolução em benefício da massa insolvente, cfr., Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2ª ed., 523 e segs; Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, 48 e segs; Ana Prata, Morais Carvalho e Rui Simões, CIRE Anotado, 354 e segs; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 3ª ed., 178 e segs; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 212 e segs.].

A resolução consiste na destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato [Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 275.].

Carece, pois, de um fundamento [como refere J. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, em Obra Dispersa, Vol. I, 130 -  "o direito de resolução é um direito potestativo extintivo, dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (ou surgimento) desse direito potestativo".].

Sobre a fundamentação da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, divisam-se na jurisprudência duas orientações:

Uma, mais rigorosa, na esteira do entendimento firmado no Acórdão do STJ de 17.09.2009 [acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os Acórdãos adiante citados.], no sentido de que o administrador tem de indicar os concretos factos fundamento da resolução; só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução, não podendo a deficiência de fundamentação do acto ser suprida em sede de contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios. "A impugnação visará a negação dos factos invocados pelo administrador para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou" [Acórdão da Relação do Porto de 26.11.2012; no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 17.01.2012 e de 18.02.2013.].

Outra posição, mais moderada, reconhecendo que o terceiro tem o direito de impugnar o acto de resolução, afirma que ele deve conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele foram invocados. Todavia, a declaração de resolução apenas carece da indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada [Cfr. entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 29.09.2009, de 24.11.2011, de 05.12.2013 e de 18.12.2013.].

Como notam Ana Prata, Morais Carvalho e Rui Simões "parece prevalecer na jurisprudência um entendimento «disciplinar» do mecanismo da resolução em benefício da massa (…), orientação que «parece impedir que, em posterior litígio judicial, o resolvente possa invocar outros factos, para além daqueles que indicou na comunicação à contraparte (princípio da imutabilidade da causa de resolução)»"[ Ob. Cit., 360.].

Na doutrina encontramos posições que se aproximam da referida tendência mais rigorosa. Assim, Gravato Morais [Ob. Cit., 164; aderindo à posição deste Autor, Carvalho Fernandes e João Labareda, Ob. Cit., 537.] refere que "dado que esta resolução carece de específica motivação, é essencial que sejam invocados os fundamentos que a originam", acrescentando, no que respeita à resolução condicional: "para além da invocação do acto em concreto (…) há ainda que enunciar, quando não funcionar a presunção inilidível do art. 120º nº 3 do CIRE, a causa que leva a considerar aquele acto como prejudicial, assim como o circunstancialismo que envolve a má fé, quando não funcione a presunção iuris tantum do art. 120º nº 4 do CIRE".

Em Acórdão deste Tribunal e Secção [Proferido em 25.02.2014, que os ora relator e Exmo 1º Adjunto subscreveram como adjuntos; em sentido idêntico, o Acórdão de 20.03.2014 relatado pelo (aqui) Exmo 1º Adjunto.], em situação similar da mesma insolvente, tomou-se posição sobre a questão em termos que se têm por adequados, afirmando-se designadamente que:

"Sem querermos ser extremamente rigorosos no que tange às exigências substanciais da carta resolutiva, entendendo que a Lei embora não impondo que aquela seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, a mesma tem de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.

Assim, sem embargo de não se exigir para a respectiva efectivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade (…), pois dessa proposição genérica não se poderá retirar, como consequência e sem mais, o surgimento desse direito potestativo (…).

É que, tal enunciação, destituída de qualquer elemento fáctico que nos possa conduzir à asserção de que, por qualquer forma entre os Autores e a Insolvente foi o negócio havido em manifesto prejuízo da massa (…), não poderá valer, sem mais, como resolução, pois o destinatário tem de saber pelo menos, em termos suficientes, quais os factos que conduziram à destruição do negócio e que seriam susceptíveis lhe porem fim.

(…)

Conclui-se assim que a resolução do contrato pelo AI, "embora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução, e essa suficiência deverá ser objecto de análise casuística"».

Postas estas considerações, vejamos o caso dos autos.

Assim, a questão que se coloca, agora, é - efectivamente -,  a de saber qual o conteúdo que deveria ter a declaração resolutiva.

Ora, apurou-se que o contudo de tal resolução é o que consta do art. 19º dos factos provados e, de forma integral, da carta cuja cópia se encontra junta a fls. 16. O Administrador da insolvência indicou, pois, como se constata, os seguintes fundamentos da resolução:

« - Não podiam ignorar que tal ato era efetivamente lesivo dos interesses dos credores da insolvente, ou seja do direito ao pagamento dos respetivos créditos, no todo ou em parte, através da liquidação do património da insolvente, no âmbito do presente processo".

- E, ainda, o disposto no artigo 120.º, n.ºs 1,2,4,5, alíneas a) e b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas».

Perante este tipo de consagração, de acordo com o acervo prodrómico convocado, colhe perfeita adequação o se haver - em conformidade -, em decisório, consignado:

«(…)compra e venda é um ato “lesivo dos interesses dos credores da insolvente, ou seja do direito ao pagamento dos respetivos créditos, no todo ou em parte, através da liquidação do património da insolvente no âmbito do presente processo” nada esclarece sobre o requisito do prejuízo a que alude o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2.

Estando em causa uma ação de apreciação negativa impende sobre o administrador da insolvência o ónus de alegar e provar os factos que fundamentam a resolução, como constitutivos do respetivo direito (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil), cabendo à impugnante, autora, o correspondente ónus de contraprova (art.º 346.º do Código Civil).

Perante aquela alegação genérica que consta da declaração de resolução, a contraprova não pode incidir sobre factos na medida em que não foram alegados factos concretos relativos à prejudicialidade do ato em causa nos autos.

Na carta de resolução nada foi alegado designadamente quanto à, eventual, desproporção do preço em relação ao valor venal do prédio vendido, ao pagamento desse valor, à sonegação do preço, à não integração do preço no património da insolvente ou qualquer outra razão relativa ao prejuízo.

Estando em causa resolução condicional teriam de ser concretizados os factos que traduzem a prejudicialidade para a massa, sendo certo que o requisito do prejuízo não se confunde com o da má fé do terceiro, razão pela qual, não obstante a presunção mencionada pela ré nos artigos 67.º a 69.º da contestação, o administrador da insolvência estava obrigado a invocar os factos essenciais relativos ao prejuízo da massa insolvente.

A resolução para além de dever observar os requisitos de forma e prazo previstos no artigo 123.º, n.º 1, tem de conter a factualidade subjacente à resolução, já que a resolução não é livre e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei, motivação essa que é tanto mais importante devido ao facto de a contraparte no negócio resolvido ter o direito de impugnar a resolução, mediante a instauração da ação prevista no artigo 125.º.

Como já se referiu, está em causa resolução condicional, que determinava também a concretização dos factos que traduzem a prejudicialidade para a massa insolvente».

Nesta conformidade, reconhece-se, chancelando, que «a declaração de resolução, que foi efectuada pelo Administrador da Insolvência, não se mostra suficientemente fundamentada, estando, assim, ferida de nulidade, por falta de fundamentação».

O que determina atribuir resposta negativa à questão em 1.

2.

T) A sentença não se pronunciou sobre a prejudicialidade da venda do imóvel para a massa insolvente, nem sobre a má-fé da autora, no entanto, existem nos autos elementos de facto mais do que suficientes para que este Tribunal se possa pronunciar sobre esses aspectos o que desde já se requer.

A este respeito, haverão de se continuar a destacar como elementos obsidiantes de resolução do problema judiciário, assim em perfil, os seguintes:

1.- A carta resolutiva deverá conter, ainda que sinteticamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do acto em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o acto, através da acção prevista no artº 125º CIRE, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados.

2.- Sem prejuízo de na resolução incondicional, prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva o acto em causa, o prazo em que foi outorgado, a data do início do processo de insolvência e ainda a circunstância de não respeitar a uma operação com real interesse para o insolvente.

3.- Se a carta resolutiva enviada pelo Administrador da Insolvência não indicar os fundamentos da resolução incondicional, a declaração de resolução comunicada através da mesma está ferida de nulidade e determina a procedência da acção instaurada para impugnação dessa resolução.

Deste modo, delineados os padrões de aferição, tem oportunidade convocar - como no Ac. RC. de 04.06.13, Proc. nº 354/12.6TBFND.K.C1, Relatora: MARIA JOSÉ GUERRA  - que:         

«A insolvência tem como escopo axial a satisfação paritária dos interesses dos credores, não sendo admissível a concessão de vantagens especiais a qualquer deles a partir do momento em que a situação de insolvência do devedor vem a ser conhecida. Daí que, caso o devedor tenha concedido alguma vantagem desse tipo no período suspeito anterior à declaração, a lei venha permitir à massa insolvente a recuperação das atribuições patrimoniais correspondentes. Para esse efeito, o administrador da insolvência pode determinar a resolução de actos e omissões em benefício da massa insolvente.

         O instituto da resolução em benefício da massa insolvente consagrado no CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), visou conferir uma maior eficácia e celeridade aos actos de recuperação de bens que estivessem no património do devedor insolvente e que tivessem sido desviados do fim a que se destina o processo de insolvência, qual seja o de dar satisfação, na medida das forças do património, dos créditos existentes à data da declaração da insolvência.

         Como defende Fernando Gravato Morais in Resolução em Beneficio da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pág. 47 «Os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo, naturalmente, à inexistência de vícios que os afectem.

         Do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência.

         A finalidade é, pois, a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor»

         Regulada de forma pormenorizada nos artigos 120º a 126º do CIRE, a resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades:

         a) – a resolução condicional prevista nos artigos 120.º do CIRE; e

          b) a resolução incondicional regulada no artigo 121.º do mesmo diploma legal.

         Os requisitos da resolução variam, havendo que se distinguir entre requisitos gerais (Art. 120º do CIRE) e requisitos em relação a certas categorias de actos (Art. 121º do CIRE), falando a lei, neste último caso, em resolução incondicional.

         Os requisitos gerais de resolução, decorrentes do art. 120º, são os seguintes:

         a) realização pelo devedor de actos ou omissões;

         b) prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;

         c) verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência;

         d) existência de má fé do terceiro.

         Já no caso da resolução incondicional a que se reporta o art. 121º do CIRE os requisitos gerais da resolução são dispensados. Os actos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal- vide, neste sentido, Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 3ª ed., págs. 225/6.

         Pode-se assim afirmar, face à redacção destes dois preceitos do CIRE, que a lei estabelece dois tipos de presunções:

         Uma, no que toca aos actos taxativamente enumerados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 121º, que são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos, daí decorrendo que se presumem prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário e que não é necessária a má fé do terceiro. Estamos aqui perante a denominada “resolução incondicional”, em que se dispensa o requisito da má fé e se consagra uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa insolvente dos actos indicados nas várias alíneas do art. 121º.

         Dir-se-à que o Art. 121.º do CIRE confere um conjunto de actos ou negócios jurídicos que podem ser tidos como constituindo-se lesivos e prejudiciais para a massa insolvente, estipulando prazos para alguns dos actos, como é o caso da “constituição de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas” que poderá/deverá ser resolvido, incondicionalmente, dentro dos 60 dias anteriores à data do inicio do processo de insolvência.

         Efectivamente, é no Art. 121º do CIRE que se estabelece a resolução incondicional, em benefício da massa insolvente, dos actos indicados nas alíneas a) a i), do nº 1, sem dependência de quaisquer outros requisitos, designadamente dos “actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte” (al. h)).

         Quer dizer,

 nas situações elencadas no nº 1 do Art. 121º do CIRE, a resolubilidade do acto prejudicial à massa insolvente não carece da demonstração da má fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução (nº 4, do Artº 120º).

         Só se estiverem em questão actos enquadráveis em alguma das alíneas do nº 1 do art. 121º é que o AI está dispensado da alegação de tais fundamentos – da prejudicialidade e da má fé do terceiro, que se presumem «juris et de jure» [ presunção inilidível ] - bastando-lhe, nesses casos, a indicação precisa do negócio que é objecto do acto resolutivo, de modo a que o destinatário da respectiva missiva possa aperceber-se de que está em causa uma situação compreendida em tal preceito legal – vide, neste sentido, Carvalho Fernandes, in Efeitos Substantivos Privados da Declaração de Insolvência, Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, 2009, pgs. 203-207, Gravato Morais, in ob. cit., pag. 164 e Acs. do STJ de 12.07.2011  e de 17.09.2009, Ac. da Rel. do Porto de 17.01.2012, Ac. da Rel. de Lisboa de 15.04.2010, Ac. da Rel. de Coimbra de 24.05.2011, e Ac. da Rel. de Guimarães de 26.03.2009, todos disponíveis  in www.dgsi.pt.

         Dito isto, há que concluir que, sem prejuízo de na resolução incondicional prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva fundamentação adrede bastante.  

            É certo que a Lei não especifica o grau de fundamentação da carta resolutiva ou até mesmo se ela deve existir, pois que, tal não resulta do disposto do Art. 123º, do CIRE.

         Todavia, afigura-se-nos que tal carta resolutiva deverá conter, ainda que sinteticamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do acto em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o acto, através da acção prevista no Artº 125º, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados. – vide neste sentido, Gravato Morais, in ob. cit. pág.164. e Acs. Rel. Porto de 10.5.2011 e de 24.11.2011, disponíveis in www.dgsi.pt.»

         E, será que no caso em análise a carta resolutiva cumpre tais exigências?

A resposta é, incontornavelmente, negativa! Com efeito, como se defende do Ac. do STJ, de 17.09.2009, cujo entendimento se perfilha,

«o impugnante tem o direito de saber por que factos ou razões concretos se tinha de considerar resolvido o negócio por ele celebrado, pois só assim se garantiria o efectivo contraditório.

         A acção de impugnação é pela sua natureza uma acção de contra-ataque, e, por isso tem o impugnante de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são desferidos.

         Só assim está ele em condições de poder demonstrar a insubsistência do acto resolutivo.

         O impugnante não vai atacar factos ou fundamentos que não lhe foram revelados na carta de resolução.

         Não pode ser surpreendido, por outro lado, com novos factos ou novas razões quando a acção de impugnação se encontra já em andamento.»

         No caso em vertente, em função do dito e do que vem consagrado em probatório, continua a vincular que:

«Na carta de resolução nada foi alegado designadamente quanto à, eventual, desproporção do preço em relação ao valor venal do prédio vendido, ao pagamento desse valor, à sonegação do preço, à não integração do preço no património da insolvente ou qualquer outra razão relativa ao prejuízo.

Estando em causa resolução condicional teriam de ser concretizados os factos que traduzem a prejudicialidade para a massa, sendo certo que o requisito do prejuízo não se confunde com o da má fé do terceiro, razão pela qual, não obstante a presunção mencionada pela ré nos artigos 67.º a 69.º da contestação, o administrador da insolvência estava obrigado a invocar os factos essenciais relativos ao prejuízo da massa insolvente».

Por conseguinte, continua a se entender que a declaração de resolução que foi efectuada pelo Administrador da Insolvência não se mostra fundamentada, o que significa que a mesma está ferida de nulidade. Exactamente, valendo por insistir:

- Sem prejuízo de na resolução incondicional, prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva o acto em causa, o prazo em que foi outorgado, a data do início do processo de insolvência e ainda a circunstância de não respeitar a uma operação com real interesse para o insolvente;

         - Se a carta resolutiva enviada pelo Administrador da Insolvência não indicar os fundamentos da resolução incondicional, a declaração de resolução comunicada através da mesma está ferida de nulidade e determina a procedência da acção instaurada para impugnação dessa resolução.

-

Desta arte, pois que, na verdade, a lei dispensa o declarante de demonstrar/provar os concretos factos de que resulta a prejudicialidade, consagrando uma presunção legal, juris et de jure – “sem admissão de prova em contrário”–, dentro das situações em hipotipose no n.º 3 do art. 120.º do CIRE, desde que alegados os factos materiais constantes da verificação do acto a resolver. Surgindo a resolução condicional como forma de o administrador da insolvência agir ou actuar, relativamente a actos que tendo sido levados a cabo pelo devedor sejam ou possam, no seu recto e salutar critério, taxar-se de prejudiciais para o fim da insolvência. Sendo que a presunção de prejudicialidade estabelecida no art. 120.º, n.º 3, do CIRE, não está, sequer, afectada de qualquer inconstitucionalidade. Esta presunção, porque estabelecida em benefício da massa, é conforme ao desígnio do processo de insolvência e aos interesses de todos os credores concorrentes ao pagamento dos créditos à custa da massa insolvente. Serve como mecanismo de reparação para a prática de determinados actos que a lei reputa e taxa de lesivos e prejudiciais para o interesse comum ou para a par conditio creditorum (Cf. Ac. STJ de12.7.2011, Proc. nº 509/08.8TBSCB-K.C1.S1; Relator: GABRIEL CATARINO). Ou como, aí, mais se destaca, com particular ênfase:

«A lei ao estabelecer presunções fá-lo com vista a conferir valor ou valimento jurídico a determinados actos ou situações que pela sua importância e/ou determinabilidade numa relação jurídica, devem merecer uma especial consideração e protecção. Verificando-se a ocorrência de um determinado comportamento ou a verificação de um evento a lei concede a um dos sujeitos um beneficio ou a dispensa (legal) de não ter que provar o facto ou evento acontecido.

No caso que nos ocupa não se nos afigura, de resto, que a lei ao estabelecer uma presunção juris et de jure quanto à prejudicialidade esteja a ofender o princípio da livre iniciativa privada ou o princípio da segurança e da confiança jurídica. Na verdade, quando a lei estabelece um escopo para a insolvência, itera-se, a satisfação dos créditos pelas forças patrimoniais existentes na massa insolvente, afigura-se-nos pertinente que para assegurar esse escopo muna o processo de mecanismos jurídicos que permitam reconstituir com a maior aproximação possível o património do devedor do que era quando os créditos forma contraídos. O contrário, isto é, permanecer inane e inerte perante actos que possam ter afectado e prejudicado o valor patrimonial do devedor é que seria contrário à segurança e à confiança jurídica que os demais credores tinham criado quando contrataram com o devedor. A expectativa de todos ver-se-ia frustrada e apenas um ou alguns seriam os beneficiários da não existência de uma presunção. Esta presunção, porque estabelecida em benefício da massa, o que vale por dizer no beneficio de todos os detentores de créditos sobre o insolvente é conforme ao desígnio do processo de insolvência e aos interesses de todos os credores concorrentes ao pagamento dos créditos á custa da massa insolvente. Serve como mecanismo de reparação para a prática de determinados actos que a lei reputa e taxa de lesivos e prejudiciais para o interesse comum ou para a par conditio creditorum (Cfr. a este propósito Reis Novais, Jorge, in “Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa”, 2011 (reimpressão), Coimbra Editora, pág. 261 e segs; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pag. 485 a 488; Vide, ainda, Michele Taruffo, in “La Prueba”, 2008, Marcial Pons, Madrid, pág. 152 e M. Gascón Abellán, in “Los Hechos en el Derecho”, 2004, Marcial Pons, Madrid, pág. 146”.  

Sendo, por isso, igualmente, negativa a resposta à questão em 2.

*

Pode, pois, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

A resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de actos prejudiciais a este património;

2.

 Será excessivo exigir que a declaração de resolução contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam; mas essa declaração há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.

3.

 Esta impugnação visa apenas a negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo AI, não podendo o impugnante ser surpreendido com factos essenciais ou fundamentos novos, com que se pretenda suprir as deficiências da declaração de resolução.

4.

A carta resolutiva deverá conter, ainda que sinteticamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do acto em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o acto, através da acção prevista no artº 125º CIRE, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados.

5.

 Sem prejuízo de na resolução incondicional, prevista no art. 121º do CIRE, se mostrar dispensado o requisito da má fé e de existir uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência deve indicar na carta resolutiva fundamentação adrede bastante.

6.

 Se a carta resolutiva enviada pelo Administrador da Insolvência não indicar os fundamentos da resolução incondicional, a declaração de resolução comunicada através da mesma está ferida de nulidade e determina a procedência da acção instaurada para impugnação dessa resolução.

*

IV. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto,  mantendo-se a decisão.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..

*

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo