Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/17.0T8TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RESOLUÇÃO BANCÁRIA
BANCO DE PORTUGAL
DELIBERAÇÃO
INSOLVÊNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 06/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - TONDELA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: RGICSF ( DL Nº 298/92 31/12),DL Nº 199/2006 14/8, ART.128 CIRE, 277 E) CPC
Sumário:
1 – A medida de resolução adotada pelo Banco de Portugal em 3 de agosto de 2014 não transferiu para o N (…)., a eventual indemnização a que o Autor tenha direito resultante de alegada aplicação não autorizada de EUR 32.000,00 que o Autor tinha depositados na sua conta e foram utilizados na aquisição das ações, porquanto, esta situação cai especificamente no disposto na subalínea «vi», da alínea «B», do novo Anexo 2 C, adicionado à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014.
2 – Por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 14 de agosto, e do n.º 1 do artigo 128.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março, estando pendente processo de liquidação do B (…) deve declarar-se extinta a instância, por inutilidade da lide – al. e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil –, relativa a uma ação declarativa de condenação interposta por um lesado.
Decisão Texto Integral:
I. Relatório
a) O autor F (…), ora recorrido, instaurou a presente ação declarativa de condenação contra os Recorrentes alegando que possuía uma conta no banco B (…), com o n.º (…) da qual é agora titular o réu N (…), S.A., e que o banco B (…) a movimentou sem a sua autorização, o que fez por intermédio do réu Pedro, funcionário do B (…), retirando dela €32.000,00 (trinta e dois mil euros), que utilizou nas seguintes aplicações financeiras:
(I) Compra de 600 ações «SCBESOAE0179 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)», ao valor unitário de «€52,83», no valor total de operação de 31.698,67 euros.
(II) Compra de 3.200 ações «SCBESOAEO257 EUROAFORRO INVESTMENTS JERSEY (JERSEY)», ao valor unitário de «10,00», no valor total de operação de 32.000,00 euros.
Estas operações de compra e de venda foram realizadas em 25 de março de 2013.
Concluiu pedindo, a condenação solidária dos Réus «…a restituir ao Autor a quantia indevidamente transferida da sua conta, no valor global de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), acrescida dos juros legais vencidos e vincendos, calculados de acordo com a aplicação da taxa e respetivo acréscimo referido no artigo 54.º do presente articulado a contar da data da citação e até efetiva e integral restituição».
Os Réus contestaram.
O N (…)o referiu, em síntese, que a eventual responsabilidade resultante dos factos alegados não foi transferida para si pela Deliberação do Banco de Portugal de 3/8/2014, pelo que é parte ilegítima na ação ou, de qualquer modo não poder proceder o pedido contra si feito pelo Autor.
O réu B (…) alegou que se encontra em estado de insolvência e, por conseguinte, o pedido do Autor tem se ser formulado no âmbito do processo de insolvência, devendo a instância terminar por impossibilidade da lide.
O Réu P (…) argumentou que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade porque agiu a mando da sua entidade patronal e segundo as ordens desta, devendo ser absolvido do pedido.
b) No despacho saneador foi proferida a seguinte decisão, na parte que agora interessa para efeitos dos presentes recursos:
«Da ilegitimidade passiva do N (…) S.A.
O 1º Réu invoca a sua ilegitimidade passiva, ancorando-se nas deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, juntas a fls. que junta como Docs. nºs 2 a 4, das quais resultaria, pretensamente e na sua tese, que a responsabilidade civil que o Autor pretende ver judicialmente reconhecida com a presente ação se traduz num elemento do passivo do 2º Réu que o Banco de Portugal deliberou fosse excluído de transmissão para o 1º Réu.
A transmissão para o 1º Réu da responsabilidade contratual do 2º Réu por violação de deveres de informação, designadamente no quadro da contratação à distância, não foi excluída por qualquer uma das Deliberações adoptadas pelo Banco de Portugal neste domínio.
Com efeito a deliberação do Banco de Portugal transfere os direitos e obrigações correntes da actividade bancária como resulta do documento de fls. 87 e seguintes junto por esse réu, como consta dos considerandos da referida deliberação de 03 de Agosto de 2014, o objectivo primacial da aplicação da medida de resolução em apreço foi o de isolar o 1º Réu dos riscos criados pela exposição do 2º Réu a entidades do “G (…)”, que o colocaram numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações, e consequentemente, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade.
A responsabilidade contratual por violação de deveres de informação contratual que constitui o objecto do presente processo não tem qualquer ligação aos riscos que o Banco de Portugal procurou dissociar do 1º Réu ao adoptar a referida deliberação e insere-se na pura responsabilidade contratual pela prestação de serviços bancários.
Pelo que tendo sucedido ao BES, o 2º réu é parte legítima da presente acção, como já foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-04-2016, proferido no âmbito do processo nº 4673/15.1T8LSBA».
(…)
«Quanto à excepção de impossibilidade originaria da lide, invocada pelo 2º réu.
Como resulta da alegação do autor este não pretende reclamar um crédito sobre o B (…), já constituído, à data da sua instauração, mas apenas a responsabilidade decorrente de movimentações não autorizadas nos depósitos de sua conta bancária de que era titular no B (…) e que eram geridas pelo seu trabalhador e co-réu P (…) – conta bancária essa que, entretanto, foi transferida para o Réu N (…), S.A.
Assim, a relação material controvertida da presente acção a todos os Réus diz respeito e todos têm, pois, interesse directo em contradizer os factos alegados na Petição Inicial.
Sem a presença do B (…) – Em liquidação nos presentes autos não será possível apurar dos factos alegados pelo Autor e a sua responsabilidade contratual apenas se poderá efectivar através de sentença judicial que o confirme e declare.
Com efeito caso se venha apurar que a indevida movimentação das quantias depositadas na conta de que o Autor era titular é da responsabilidade do B (…) e este venha a ser condenado no pagamento de uma quantia indemnizatória a título de responsabilidade contratual, essa será uma dívida da sua massa insolvente, por se tratar de uma dívida cuja constituição é posterior à declaração de insolvência, só assim podendo o autor lançar mão da reclamação de créditos prevista no artigo 128º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Pelo que se terá que declara improcedente a excepção de impossibilidade originária da lide.
O 3º Réu P (…), excepciona a ilegitimidade passiva.
De acordo com o alegado pelo autor e aceite por este réu era trabalhador da 2ª Ré, sendo que alega ter praticado aqueles factos sob as ordens e instruções da sua entidade patronal, o que na sua tese determinaria a sua irresponsabilidade perante o Autor e, consequentemente, a sua absolvição da instância, nos termos da alínea e) do artigo 577º do Código de Processo Civil.
Nos presentes autos a causa de pedir é a responsabilidade civil por factos ilícitos fundada no artigo 500.º do Código Civil tem necessariamente de ser instaurada, quer contra o comitente, quer contra o comissário, para que a decisão a proferir pelo tribunal possa produzir o seu efeito útil normal, ou seja trata-se de uma situação de litisconsórcio necessário, tal qual é prevista no artigo 33º do Código de Processo Civil.
Pelo que terá que ser julgada improcedente tal excepção.
Da exclusão da culpa e da ilicitude:
Alega este réu que que actuou ao abrigo dos deveres laborais que lhe incumbiam perante a sua entidade patronal, designadamente ao abrigo do dever de obediência, o que excluiria a ilicitude e a culpa susceptíveis de determinar a sua responsabilidade civil.
Tal questão apenas poderá ser decidida em sede de sentença atendendo ao disposto no Código do Trabalho sobre os limites dos deveres de obediência.
Assim julgam-se improcedentes as excepções supra referidas e relegam-se para a sentença as questões também referidas».
c) O réu N (…), S.A. recorre desta decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
d) Recorreu também o réu B(…), o qual apresentou as seguintes conclusões de recurso:
(…)
e) Da decisão recorreu também o réu P (…), o qual formulou estas conclusões:
(…)
f) Não há contra-alegações.
II. Objeto do recurso
Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que estes recursos colocam são as seguintes:
1 - Recurso do N (…)
A questão colocada neste recurso consiste em determinar se a responsabilidade imputada pelo Autor ao N (…) de encontra excluída da esfera de responsabilidade deste Réu, face às deliberações do Banco de Portugal de 3/8/2014, 11/08/2014 e de 29/12/2015, com as retificações formais aprovadas em 12/01/2016.
Ou seja, consiste em verificar se o crédito invocado pelo Autor se inclui ou está excluído do passivo transmitido pelas referidas deliberações do Banco de Portugal para o N (…) S.A.
2 - Recurso do BES
A questão colocada consiste em saber se a declaração de liquidação do B (…) SA, consubstanciada na deliberação do Banco Central Europeu, que revogou a autorização para o exercício da atividade do B (…), SA, acarreta a falta de interesse em agir do Autor contra o B (…), SA, o que implica a inutilidade/impossibilidade da presente lide.
3 - Recurso do réu P (…)
Cumpre verificar se falece legitimidade a este Réu, porquanto o mesmo se limitou a agir no âmbito das suas funções enquanto funcionário do B (…), SA e, em representação do mesmo, donde resulta que não tem legitimidade substantiva para ser demandado, devendo ser absolvido do pedido.
III. Fundamentação
a) Matéria factual
I – Em 2013, o autor F (…) detinha um depósito de EUR 32.000,00 (trinta e dois mil euros), na conta no B (…), SA, com o n.º (…), da qual é agora titular o réu N (…), S.A.
II – Este montante foi utilizado ( Diz-se «utilizado», sem especificar «quem utilizou», porque é controvertido nos autos quem foi o autor dessa «utilização», pois o Autor afirma que a compra das ações foi feita pelo BES sem seu consentimento, à sua revelia, facto impugnado pelo Novo Banco (cfr. artigo 79 da contestação), pelo réu P (…) (artigo 61 da contestação) e pelo BES (artigo 34 da contestação).) nas seguintes aplicações financeiras:
(I) Compra de 600 ações «SCBESOAE0179 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)», ao valor unitário de «€52,83», no valor total de operação de 31.698,67 euros.
(II) Compra de 3.200 ações «SCBESOAEO257 EUROAFORRO INVESTMENTS JERSEY (JERSEY)», ao valor unitário de «10,00», no valor total de operação de 32.000,00 euros.
Estas operações de compra e de venda foram realizadas em 25 de março de 2013.
III Em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, pelas 20:00 horas, foi deliberado, além do mais, o seguinte:
- Constituir o N (…) S.A., ao abrigo do artigo 145.º-G do RGICSF (Decreto-Lei n.º 298/92), cujos estatutos foram aprovados pelo Anexo 1 à deliberação;
- Transferir para o N (…) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 145.º-H do RGICSF (conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal), os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. que constam dos Anexos 2 e 2A à deliberação;
IV – Deste Anexo 2 (sobre os B (…)objeto de transferência para o N (…), SA) consta, entre outras coisas, que serão objeto de transferência para o N (…)
«(a) (…) (b) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o N (…) SA com excepção dos seguintes (“passivos excluídos): (…);
(iv) Todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios do B (…), cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas à emissão de acções ou dívida subordinada;
(vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do G (…)
No que concerne às responsabilidades do B (…) que não serão objecto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do B (…)
(…)
Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o B (…) e o N (…) SA, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do art. 145.º-H, número 5.
(…)
3 - Em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, pelas 17 horas, – com a agenda «Clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do B (…) transferidos para o N (…) – foi tomada Deliberação através da qual se fizeram, entre outras, as seguintes clarificações:
«(…) 20 Na subalínea (iv) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, importa ter em conta que devem igualmente ser excluídos da transferência para o N (…) os instrumentos que em algum momento tenham sido elegíveis pata o cômputo dos fundos próprios do B (…)
21 Deve ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo à deliberação de 3 de Agosto;
22 Na subalínea (vi) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, deve ficar explícito que as responsabilidades ou contingências do B (…) que não foram transferidas para o N (…) podem também resultar de contratos de que o B (…) seja parte e não apenas da emissão de acções ou de dívida;
23 Na subalínea (vii) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, deve ficar explícito que os passivos do B (…) nela referidos que não foram transferidos para o N (…) abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o G (…), embora sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, desde que estas estipulações estejam documentalmente comprovadas nos aquivos do B (…) em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas;(…)».
V – Deliberou-se, nessa mesma reunião, ao abrigo do n.º 1 do artigo 145.º-G e dos números 1 e 5 do artigo 145.º-H do RGISCF, «…clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do B (…)transferidos para o N (…) nos seguintes termos: «(…)
(G) Na subalínea (iv) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, onde se lê:
“Todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios do BES, cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
deve ler-se
Todas as responsabilidades resultantes da emissão de instrumentos que sejam, ou em algum momento tenham sido, elegíveis no cômputo dos fundos próprios do B (…), cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
Na subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, onde se lê:
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;
deve ler-se
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;
Na subalínea (vi) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, onde se lê:
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas à emissão de acções ou dívida subordinada;
deve ler-se
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do B (…) relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o B (…);
Na subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, onde se lê:
vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do G (…).
deve ler-se
vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o G (…), sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos aquivos do BES em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas;”
VI – Em Reuniões Ordinárias do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 29 de Dezembro de 2015, foram tonadas 3 deliberações (publicadas em 13/01/2016):
Uma designada por “Perímetro”, com a agenda “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014”
Outra designada por “Contingências”, com a agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 03/08/2014 na redacção de 11/08/2014;
E uma terceira designada “retransmissão de obrigações seniores”, com a agenda “retransmissão de obrigações não subordinadas do Novo Banco para o BES”
VII – Na respeitante a “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014 – foi tomada Deliberação com o seguinte conteúdo:
(…)
2 Após 3 de Agosto, e à medida que tem vindo a ser disponibilizada informação adicional, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do N (…)
3 O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores de uma instituição objecto de medida de resolução devem suportar os prejuízos dessa mesma instituição.
4 Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.
5. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente estabelecido que poderá ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para exercício da actividade ou da venda do N (…) para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o N (…) e o B (…) (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no capítulo III (resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente previsto no número 2 do anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto.
6. São necessárias clarificações adicionais quanto aos activos, passivos e elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do B (…) para o N (…) e alterar o Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto para reflectir estas clarificações.
(…)
O Conselho de Administração do Banco de Portugal (…) delibera o seguinte:
A) A subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 passa a ter a seguinte redacção:
“Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v) que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude do respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do B (…) e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos aquivos do B (…) em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas”;
(…)
E) É aditado um novo n.º 11, com a seguinte redacção:
«O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea b) do n.º 1 do presente Anexo deve ser interpretado à luz das clarificações constantes do Anexo 2C”
F) É aditado um novo Anexo 2 C à deliberação de 3 de Agosto (…)”
(…)
L) É anexado à presente deliberação uma versão revista e consolidada do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014, a qual incorpora:
(…)
d. O anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto será alterado e rectificado de modo a revestir a forma estabelecida no anexo da presente deliberação, incluindo o aditamento dos anexos 2B e 2C.”
VIII – Assim, no texto consolidado do Anexo 2 passou a constar:
«(…) (b) As responsabilidades do B (…) perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o N (…) SA com excepção dos seguintes (“passivos excluídos):
(…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contra-ordenacionais, com excepção das contingências ficais activas;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do B (…) relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v) que (a) fossem exigíveis à data da medida resolução em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do B (…) e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos aquivos do B (…), em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
(viii) Com efeitos a partir de 29 de Dezembro de 2015, todos os direitos e responsabilidades do N (…), decorrentes dos instrumentos de dívida não subordinados enumerados no Anexo 2B (excluindo os detidos pelo N (…)), juntamente com todos os passivos, contingências e elementos extrapatrimoniais, na medida em que estejam relacionados com os referidos instrumentos de dívida (incluindo (i) a emissão, comercialização e venda dos mesmos, e (ii) decorrentes de documentos contratuais ou outros instrumentos, celebrados ou emitidos pelo banco, e com conexão com esses instrumentos, incluindo documentos de programa ou subscrição ou quaisquer outros actos do banco praticados em relação a esses instrumentos, em data anterior, simultânea ou posterior à data das respectivas emissões)
IX - E passando a constar, entre outras coisas, no Anexo 2C (também da deliberação “perímetro”:
«(…)
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência do RGICSF, para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A) Clarificar que nos termos da alínea (b) do n.º1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos do B (…) para o N (…) quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do B(…) que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B(…)
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do B (…) para o N (…) os seguintes passivos do B (…):
(i) Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidos por sociedade-veículo estabelecidas pelo B (…) e vendidas pelo B (…);
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionadas com activos imobiliários que foram transferidos para o N (…);
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros) assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;
(iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o B (…);
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o B (..:) era mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo B (…) enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo;
(c) No que concerne às responsabilidades do B (…)que não são objecto de transferência, estas permanecem ma esfera jurídica do B(…)”.
X – Por deliberação do dia 13 de julho de 2016, o BCE revogou a autorização para o exercício da atividade bancária do B (…) deliberação de que não foi interposto qualquer recurso para o TJUE.
XI – Nesta sequência, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do B (…) (processo distribuído à 1.ª secção do T. de Comércio de Lisboa – processo n.º 18588/16.2T8LSB).
b) Apreciação das questões objeto dos recursos
■ Recurso interposto pelo N (…) S.A.
Como se referiu, a questão colocada consiste em saber se a responsabilidade imputada pelo Autor ao Novo Banco de encontra excluída da esfera jurídica deste Réu face às deliberações do Banco de Portugal de 3/8/2014, 11/08/2014 e de 29/12/2015, com as retificações formais aprovadas em 12/01/2016, isto é, se o crédito invocado pelo Autor se inclui ou está excluído do passivo transmitido pelo Banco de Portugal para o N (…)
Sobre esta questão, cumpre recordar que o Banco de Portugal, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 139.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro), tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro pode e deve adotar as medidas de «resolução», previstas no neste diploma legal.
No que se refere especificamente às medidas de resolução, o n.º 1 do artigo 145.º-E, do mesmo diploma, estabelecia e estabelece que o Banco de Portugal podia e pode aplicar as seguintes medidas de resolução:
«…a) Alienação parcial ou total da atividade;
b) Transferência parcial ou total da atividade para instituições de transição;
c) Segregação e transferência parcial ou total da atividade para veículos de gestão de ativos;
d) Recapitalização interna».
Foi no âmbito destes poderes que o Banco de Portugal as deliberações de 3/8/2014, 11/08/2014 e de 29/12/2015, com as retificações formais aprovadas em 12/01/2016, as quais ficaram mencionadas supra na matéria de facto.
A validade destas deliberações impõem-se aos tribunais comuns, cumprindo apenas a estes interpretá-las e aplicá-las.
Por conseguinte, a questão colocada pelo recurso do N (…) consiste em verificar se o crédito invocado pelo Autor se inclui ou se está excluído do passivo transmitido pelo Banco de Portugal para o N (…)
A resposta a esta questão consiste em afirmar que o crédito invocado pelo Autor não foi transmitido pelo Banco de Portugal para o N (…) pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, cumpre ter presente as causas e finalidades tidas em vista pelas deliberações do Banco de Portugal, pois elas lançam luz sobre a resposta que deve ser dada à questão colocada pelo Recorrente.
Assim, ao nível das causas, consta dos considerandos da deliberação de 3 de agosto de 2014 que «7. Os factos descritos nos números anteriores colocaram o B (…) numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos da manutenção da autorização para o exercício da sua actividade (…), pelo que não sendo tomada com urgência a medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização (…) com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira» e
«11. Na falta de soluções imediatas viáveis de alienação da actividade do B (…)a outra instituição de crédito autorizada, a criação de um banco para o qual é transferida a totalidade da actividade prosseguida pelo B (…), SA, bem como um conjunto dos seus activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, revela-se como a única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permite isolar, em definitivo, o novo banco dos riscos criados pela exposição do B (…) a entidades do G (…)».
Quanto às finalidades referiu-se que «12 – O BANCO assim constituído, libertado da exposição que conduziu às perdas registadas (…), permitirá aos seus depositantes manter um relacionamento estável com a sua instituição e a continuidade do acesso aos serviços por ela prestados».
Verifica-se que o Banco de Portugal através da medida de resolução tomada cindiu a atividade bancária do B (…), em dois campos ou segmentos, de modo a ficarem isolados ou estanques, não podendo a atividade de cada um deles repercutir-se no outro.
A finalidade consistiu em manter a atividade bancária, digamos «saudável», separada da restante atividade que gerou a perdas financeiras e o risco de incumprimento das obrigações, evitando deste modo a insolvência e a liquidação do B (…) salvaguardando os interesses dos seus depositantes.
Em segundo lugar, para atingir estes objetivos, o banco de Portugal tinha de definir com a necessária certeza quais os ativos e passivos a separar e a colocar numa nova entidade.
Para cumprir aquelas finalidades os ativos e passivos a separar tinham de ser certos, devidamente estabelecidos ou consolidados, de modo a saber-se exatamente ou, pelo menos, com o menor grau de incerteza possível, qual a realidade financeira que a nova entidade bancária ia assumir e administrar, sob pena de, não sendo assim, a nova entidade poder fracassar a curto ou médio prazo e não cumprir os objetivos em função dos quais foi criada.
Assim, tudo o que respeitasse à atividade bancária que havia gerado as enormes perdas financeiras do B (…)., teria de permanecer no âmbito deste banco; assim como, futuras indemnizações resultantes de atividade violadora das normas bancárias, devido à incerteza dos valores que poderiam estar em jogo, quer em número de casos, quer quanto aos valores indemnizatórios.
Em terceiro lugar, verifica-se que o Banco de Portugal manteve no âmbito do B (…), S.A., entre outros, os passivos mencionados no Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014, após as Reuniões Ordinárias do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 29 de Dezembro de 2015, mencionados na alínea «b» e suas subalíneas «v» e «vii», as quais ficaram com a seguinte redação:
«(…) (b) As responsabilidades do B (…) perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o N (…) com excepção dos seguintes (“passivos excluídos): (…);
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contra-ordenacionais, com excepção das contingências ficais activas; (…)
vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v) que (a) fossem exigíveis à data da medida resolução em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do B (…) e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos aquivos do B (…) em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas».
Em quarto lugar, verifica-se que as aplicações financeiras indicadas pelo Autor, como tendo sido realizadas pelo B (…) à sua revelia, em 25 de março de 2013, consistem no seguinte:
(I) 600 ações «SCBESOAE0179 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)», ao valor unitário de «€52,83», no valor total de operação de 31.698,67 euros.
(II) 3.200 ações «SCBESOAEO257 EUROAFORRO INVESTMENTS JERSEY (JERSEY)», ao valor unitário de «10,00», no valor total de operação de 32.000,00 euros.
Trata-se, pois, da aquisição de ações de entidades exteriores ao B (…)
As eventuais responsabilidades do B (…)., nestes negócios, nomeadamente as que resultassem dos factos alegados pelo Autor, não foram transmitidas para o N (…) pois estão excetuadas (passivos excluídos) face ao disposto na subalínea «vii» da alínea «b» do Anexo 2, da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, após as Reuniões Ordinárias do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 29 de Dezembro de 2015.
Com efeito, a aquisição dessas ações, e eventual responsabilidade daí decorrente, inclui-se no texto «vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades …».
Acrescendo, ainda, que a indemnização pretendida pelo Autor cai no disposto na subalínea «vi», da alínea «B», do novo Anexo 2 C, adicionado à deliberação de 3 de Agosto de 2014, onde se determina:
«B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do B(…) para o Novo Banco os seguintes passivos do B (…):
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo B(…) enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento».
Ora, a reversão da operação bancária que o Autor imputa ao B (…)., pretendendo a devolução dos seus EUR 32.000,00, traduz-se na «anulação», ou seja, na neutralização dos efeitos dessa operação indevidamente realizada, segundo o Autor, pelo B (…)
O conceito de «anulação» de operações realizadas pelo B (…) enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento, não está aqui utilizado no sentido técnico previsto no Código Civil, dependente das causas de anulação aí previstas, mas sim num sentido amplo que pretende significar a «perda ou supressão de efeitos» de operações realizadas pelo B (…) enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento, de modo a tudo se passar como se essas operações não tivessem sido realizadas, sem prejuízo das responsabilidades imputáveis ao B (…)., decorrentes da sua indevida realização.
Concluindo:
A medida de resolução adotada pelo Banco de Portugal em 3 de agosto de 2014 não transferiu para o N (…), a eventual indemnização a que o Autor tenha direito resultante da aplicação dos EUR 32.000,00 que tinha depositados na sua conta e foram utilizados na aquisição das ações identificadas supra na matéria de facto.
Esta situação cai especificamente no disposto na subalínea «vi», da alínea «B», do novo Anexo 2 C, adicionado à deliberação de 3 de Agosto de 2014, onde se determina:
«B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do B (…)para o N (…) os seguintes passivos do B(…)
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo B (…) enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento».
Procede, por conseguinte, o recurso do N (…)., cumprindo absolvê-lo do pedido, porquanto não é responsável pela indemnização pedida e eventualmente devida ao Autor.
■ Recurso interposto pelo B (…) Em Liquidação.
A questão colocada consiste em saber se a declaração de liquidação do B (…) resultante da deliberação do Banco Central Europeu, que revogou a autorização para o exercício da atividade deste banco, acarreta a falta de interesse em agir do Autor contra o mesmo, o que implica a inutilidade/impossibilidade da presente lide.
A resposta é afirmativa, aderindo-se à argumentação exposta pelo Recorrente.
Com efeito, o Banco Central Europeu, por decisão de 13 de julho de 2016 revogou a autorização para o exercício da atividade bancária por parte do B (…)
Nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 14 de agosto, esta decisão produz os efeitos da declaração de insolvência e o n.º 1 deste mesmo artigo dispõe que são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março.
O CIRE dispõe, no seu artigo 128.º, n.º 1, que «Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham…», acrescentando o n.º 5 deste artigo que «A verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento».
Ou seja, todos os créditos são averiguados ou definidos no próprio processo de insolvência.
Este procedimento funda-se no facto da insolvência funcionar como uma execução coletiva na qual todos os credores estão num plano de igualdade, sem prejuízo das garantias de que beneficiem os diversos créditos.
Por isso, quem for credor tem de alegar e provar o crédito perante o insolvente e todos os restantes credores, mesmo, como se diz no n.º 5 do artigo 128.º do CIRE, nos casos em que o credor já disponha de sentença a reconhecer o crédito (perante o insolvente), pois tal sentença não faz caso julgado em relação aos restantes credores, porquanto estes não tiveram intervenção no processo onde esse crédito foi reconhecido.
Por ser assim, instaurado o processo de insolvência, não é possível, fora dele, deduzir ações contra o insolvente, porque a sentença não teria qualquer valor no processo de insolvência perante os demais credores.
Daí que o Supremo Tribunal de Justiça tenha decidido através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, com n.º 1/2014, publicado no DR 1ª série, n.º 39, de 25 de Fevereiro de 2014, que: «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide».
Por conseguinte, o presente pedido do autor não tem utilidade prática e, por isso, não há razão para que a instância continue, devendo extinguir-se por inutilidade da lide (al. e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil).
Procede, pois, o recurso o B (…) – Em Liquidação.
■ Recurso interposto pelo réu P (…).
Cumpre verificar se falece legitimidade a este Réu, porquanto o mesmo, segundo afirma, se limitou a agir no âmbito das suas funções enquanto funcionário do B (…)., e em representação do mesmo, donde resulta que não tem legitimidade substantiva para ser demandado, devendo ser absolvido do pedido.
Não assiste razão ao réu Pedro pelas seguintes razões:
Nos termos do artigo 30.º do Código de processo Civil, «1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor».
Vejamos então se o Réu tem interesse em contestar a ação deduzida pelo autor contra si.
A resposta é afirmativa porque o Autor imputa ao Réu ações dolosas que o mesmo, segundo ele, não devia ter praticado, por violarem os deveres inerentes à atividade bancária que o Réu devia ter observado nas suas relações com o Autor.
Efetivamente, Consta da petição o seguinte:
«-20º -
Acontece que o A. foi surpreendido com a receção na sua morada Suiça de uma comunicação enviada via postal datada de 25 de março de 2013 e assinada pelo 3.º Réu, com o papel timbrado do 2º Réu., com os seguintes dizeres:
“Estimado Cliente,
Conforme acordado, envio-lhe o comprovativo de investimentos, o documento deverá ser assinado no local assinalado, conforme assinatura que consta no sistema informático do Banco e devolvido por correio para a seguinte morada:
A/c P (…)
DRE/GRD – Gestão de Relação à Distância B (…)
Rua Conselheiro Afonso Melo, 23, 1º, 3500-014 Viseu
Estou inteiramente ao seu dispor, entre as 10:00h e as 19:00h (hora de Portugal), através do telefone directo (…)” ou através do B(…) onde poderá solicitar o meu contacto, para responder a quaisquer questões que pretenda colocar.
Sem outro assunto de momento e com os nossos melhores cumprimentos,
Atentamente,
P (…)
(…)
(cfr. comunicação cuja cópia ora se junta como doc. nº 5)
- 21º -
A referida comunicação capeava um formulário de subscrição de uma aplicação financeira com a designação “EuroAforro 8 03/13 16RE02”, Código ISIN “XS0279081011”, do tipo “OUTROS”, na quantidade de “3200”, preço de “10,00000000”, no valor de liquidação de “32.000,00”, com validade até “25/03/2013” (cfr. comunicação já junta como doc. nº5).
- 22º -
Contendo os campos de assinatura, quer do banco, quer do cliente em branco.
- 23º -
Uma vez que não tinha aderido telefonicamente a qualquer proposta negocial, nem lhe foram explicadas quaisquer condições contratuais relativas ao suposto instrumento financeiro corresponde àquele formulário de subscrição, o Autor não o assinou, nem o devolveu e, pois, não subscreveu qualquer aplicação financeira.
- 24º -
No entanto, a verdade é que o A. foi novamente surpreendido em 07 março de 2014 com uma comunicação escrita do 2º Réu que continha uma “Declaração de Movimentos de Registo/Depósito de Valores Mobiliários”, cuja cópia ora se junta como doc. nº 6.
- 25º -
Na aludida declaração encontrava-se registada uma operação de venda de 600 ações “SCBESOAE0179 POUPANÇA PLUS INVESTMENTS (JERSEY)”, ao valor unitário de 52,83”, no valor total de operação de “31.698,67”.
- 26º -
Encontrando-se também registada uma operação de compra de 3.200 ações “SCBESOAEO257 EUROAFORRO INVESTMENTS JERSEY (JERSEY)”, ao valor unitário de “10,00”, no valor total de operação de “32.000,00”.
- 27º -
Estas operações de compra e de venda haviam sido realizadas em 25 de março de 2013, no mesmo dia em que o 3º Réu enviou ao Autor a comunicação já junta como doc. n.º 4 e que continha o formulário do instrumento financeiro que aquele não assinou, nem devolveu e, pois, não subscreveu.
- 28º -
De onde resulta que os 2º e 3º Réus efetuaram movimentações não autorizadas na conta bancária de que o Autor era titular, gerindo a seu bel-prazer o dinheiro que aquele ali tinha depositado.
- 29º -
Ora, não obstante a muita insistência do Autor nesse sentido, recusa-se, agora, o 1.º Réu, que sucedeu na posição do 2.º Réu, a colocar à disposição do Autor, na sua conta ordem, aquela quantia de 32.000,00 (trinta e dois mil euros) indevidamente movimentada.
(…)
- 40º -
Os Réus atuaram livre e conscientemente, bem sabendo que não dispunham de autorização para efetuar as referidas movimentações na conta do Autor».
Verifica-se que o Autor nestes artigos da petição afirma que o réu P (…) contra a vontade do Autor (artigo 40.º), sem estar por este autorizado, fez movimentações na conta bancária do Autor (artigo 28.º) aplicando o dinheiro ali depositado na aquisição das ditas ações.
Imputa-lhe, por conseguinte, atos ilícitos geradores de responsabilidade e imputa-lhos a título pessoal, isto é, no sentido do Réu ter decidido praticar esses atos.
Ora, se o réu P (…)decidiu sem autorização do Autor, como este afirma, aplicar na aquisição de ações em nome do Autor, dinheiro depositado pelo Autor numa conta sua, violou um dever de conduta que lhe proíbe proceder de tal modo, ou seja, o dever de lealdade que consiste, numa das suas vertentes, sem dúvida em agir respeitando a vontade do cliente, no caso, em não utilizar o seu dinheiro sem ele dar autorização para a respetiva utilização.
Com efeito, o artigo 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro) determina que «Os (…) empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados».
Se o Autor virá a provar ou não estes factos é questão que neste momento não se encontra decidida e, por isso, não tem influência na presente análise.
Assim como não tem influência saber se o Réu provará a sua afirmação no sentido de se ter limitado a cumprir ordens da sua entidade patronal e eventual influência desta factualidade na sua responsabilidade perante o Autor.
Improcede, por conseguinte, o recurso do réu P (…).
IV. Decisão
Considerando o exposto:
(I) Julga-se procedente o recurso interposto pelo N (…)., revoga-se a decisão recorrida, pelo que se absolve o N (…) do pedido.
Custas pelo Autor.
(II) Julga-se procedente o recurso interposto pelo B (…) - Em Liquidação, e declara-se extinta a instância quanto a ele por inutilidade da lide, nos termos da al. e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil.
Custas pelo Autor
(III) Julga-se improcedente o recurso interposto pelo réu P (…)
Custas pelo Réu P (…)
*
Coimbra, 12 de junho de 2018

Alberto Ruço ( Relator)
Vítor Amaral
Luís Cravo