Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
448/09.5TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
EXCLUSÃO DE SÓCIO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 214, 241, 250, 251 CSC, 668 Nº1 D) CPC
Sumário: 1. Omitindo a recorrente a identificação da ou das questões concretas que o tribunal a quo alegadamente tomou conhecimento sem ter poderes para tanto, o tribunal ad quem fica impedido de conhecer da verificação ou não do invocado vício, de conhecimento não oficioso, improcedendo, por tal razão, a invocada nulidade da sentença recorrida.

2. O ónus da prova dos factos que constituem fundamento da deliberação social de exclusão de um sócio compete à sociedade a que respeita a deliberação tomada.

3.A exclusão do sócio que utilize as informações obtidas causando injustamente prejuízo à sociedade ou a outros sócios opera por mera deliberação, porquanto se trata de um caso em que a lei prevê a exclusão da sociedade (artigo 241º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais).

4.O sócio a excluir está impedido de votar nessa deliberação (artigo 251º, nº 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais) e, na falta de norma do pacto social em sentido diverso, a deliberação considera-se tomada se obtiver a maioria dos votos emitidos (artigo 250º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais).

Decisão Texto Integral:             Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 22 de Setembro de 2009, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, A (…) instaurou acção declarativa sob forma sumária contra (…) (Rádio), Lda. pedindo que se anule a deliberação de 24 de Agosto de 2009, que consta da acta nº 22. Fundamenta tal pretensão, em síntese, na alegação de que em assembleia geral extraordinária realizada no dia 24 de Agosto de 2009, os outros dois sócios decidiram excluí-lo da sociedade ré; afirma que está afastada a possibilidade da sociedade excluir o sócio por sua arbitrária vontade, bem como a de excluir o sócio com o fundamento num facto que, ou a lei, ou o contrato, não tenham previsto como justificativo da exclusão, pelo que só por via judicial poderá o autor ser excluído de sócio; acresce que os argumentos invocados para a exclusão, como seja a instauração da acção de destituição da sócia gerente M (...) ou o inquérito judicial instaurado contra a sociedade para aceder a informações que lhe são negadas, não justificam de forma alguma a decisão.

A ré foi citada por carta registada com aviso de recepção e contestou admitindo alguma da factualidade articulada pelo autor, nomeadamente a aprovação da deliberação tomada no dia 24 de Agosto de 2009, impugnou a maior parte da restante matéria, afirmando que a decisão de exclusão do sócio e ora autor teve por base a utilização abusiva de informação que este obteve na sequência de um outro inquérito judicial, de modo a prejudicar injustamente a sociedade e a outra sócia M (...) , concluindo pela total improcedência da acção.

            Determinou-se o registo da acção, fixou-se o valor da causa em € 30.001,00, decidiu-se que a acção seguiria os termos do processo declarativo ordinário, dispensou-se a realização de audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.

            As partes ofereceram os seus meios de prova e requereram a gravação da audiência de discussão e julgamento.

            Os requerimentos probatórios das partes foram apreciados, deferindo-se a gravação da audiência de discussão e julgamento.

            Realizou-se a audiência de discussão e julgamento em quatro sessões, sendo a última delas dedicada à prolação de decisão sobre a matéria vertida na base instrutória.

            Seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção procedente, anulando a deliberação social tomada a 24 de Agosto de 2009 e constante da acta nº 22.

            Inconformada com a sentença, a ré interpôs recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

30. Foram assim violados os artº 214 nº1 e nº6, artºs 241º nº1 e 246 nº1 alínea c) do Código das Sociedades Comerciais bem como os artºs 659º nº2 e 3 e artº668 nº1 al. d), ambos do C.P.C.

            O autor contra-alegou pugnando pela improcedência total do recurso de apelação interposto pela ré.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da nulidade da sentença recorrida por ter tomado conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil);

2.2 Da impugnação da recusa de prestação de informações no ano de 2009, do fundamento da propositura do processo nº 299/09.7TBTND e da resposta ao artigo 3º da base instrutória;

2.3 Da validade ou invalidade da deliberação social tomada em assembleia geral da ré ocorrida a 24 de Agosto de 2009.

3. Fundamentos

3.1 Da nulidade da sentença recorrida por ter tomado conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil)

Nas conclusões 26ª e 30ª a recorrente alude à nulidade da sentença recorrida, por se ter pronunciado sobre questões de que não podia tomar conhecimento. A recorrente não indica de forma precisa quais as questões de que o tribunal tomou conhecimento quando o não devia legalmente fazer.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Nos termos do disposto no nº 2, do artigo 660º do Código de Processo Civil, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Exceptuando a nulidade da sentença decorrente da falta de assinatura (artigo 668º, nº 1, alínea a) e nº 2, do Código de Processo Civil), bem como a decorrente de omissão na fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4, do artigo 659º (artigo 668º, nº 1, alínea f) e nº 4, a contrario sensu e 667º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), todos os restantes fundamentos de nulidade da sentença carecem de ser arguidos pelo meio próprio, não sendo passíveis de conhecimento oficioso (artigo 668º, nº 4, do Código de Processo Civil).

Arguindo a recorrente a nulidade da sentença recorrida por ter tomado conhecimento de questões de que não podia conhecer e tratando-se de um vício de conhecimento não oficioso, incumbia-lhe alegar, de forma precisa e concreta, qual a questão ou questões de que o tribunal recorrido tomou conhecimento, sem ter legalmente poderes para tanto. Omitindo a identificação da ou das questões concretas de que o tribunal a quo tomou conhecimento sem ter poderes para tanto, a recorrente impede este tribunal de conhecer da verificação ou não do invocado vício, improcedendo, por tal razão, a invocada nulidade da sentença recorrida.

3.2 Da impugnação da recusa de prestação de informações no ano de 2009, do fundamento da propositura do processo nº 299/09.7TBTND e da resposta ao artigo 3º da base instrutória

(…)

Por tudo quanto precede, conclui-se pela rejeição da impugnação da resposta dada ao artigo 3º da base instrutória e pela parcial procedência da impugnação factual requerida pela recorrente, na parte restante e supra analisada.

3.3 Fundamentos de facto enumerados na sentença sob censura que não foram impugnados ou eficazmente impugnados, bem como os factos plenamente provados resultantes de documentos autênticos juntos aos autos, bem como de cópias não impugnadas


3.3.1

A R. “(…) (Rádio), Lda.” é uma sociedade por quotas com o número de matrícula 502181168 da Conservatória do Registo Comercial de Tondela, com sede em (...) , (...) , Tondela, cujo objecto é a “Instalação e exploração de uma emissora local de radiodifusão, actividades radiofónicas em geral e publicidade”, com o capital de € 5.000,10, sendo seus sócios (…), com uma quota de € 2.142,90, o A. A (…), com uma quota de € 2.142,90, e (…), com uma quota de € 714,30, sendo a “Estrutura da gerência: Designada em Assembleia-Geral, poderá ser constituída por dois ou três sócios”, tendo sido designados, por último, como gerentes da R. (…) (alínea A dos factos assentes).

3.3.2

Em 20 de Junho de 2009, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária da R., em que foi deliberado excluir judicialmente o A. de sócio da R., com justa causa e mediante instauração de acção judicial, tendo o A. intentado uma acção – o Processo n.º 352/09.7TBTND do 1.º Juízo deste Tribunal – com vista à anulação dessa deliberação (alínea B dos factos assentes).

3.3.3

Posteriormente, o A. foi convocado para uma nova Assembleia Geral Extraordinária da R. a realizar em 24 de Agosto de 2009, tendo a convocatória como ponto único a proposta e aprovação da deliberação para exclusão, com justa causa, do A. de sócio da R. (alínea C dos factos assentes).

3.3.4

O A., em 10 de Agosto de 2009, requereu ao sócio-gerente da R. informação prévia sobre essa Assembleia Geral, tendo recebido, como resposta, o documento junto a fls. 23 do processo em papel do procedimento cautelar apenso, em que consta que “a informação que sustenta a ordem de trabalhos da próxima Assembleia-Geral a realizar no dia 24, faz parte dos processos (factos e documentos) de destituição de gerente da sócia M (...) e inquérito judicial intentados por V. Exª junto do Tribunal Judicial de Tondela. No entanto, relembro que teve o sócio A (…) acesso a toda a informação, por vontade da sociedade e dos seus gerentes, e que essa mesma informação tem sido usada frequentemente contra os seus sócios e a própria sociedade. Quanto ao esclarecimento jurídico sobre esta Assembleia-Geral não cabe ao seu gerente fazê-lo” (alínea D dos factos assentes).

3.3.5

O A. utilizou as informações e documentos que obteve da R., no âmbito de um anterior inquérito judicial, para intentar um novo inquérito judicial contra a R. e para pedir a destituição da gerente da R. (…) (resposta ao artigo 1º da base instrutória).

3.3.6

Pretendendo, com a primeira dessas acções, obter informação sobre as contas da sociedade, requerendo ainda a destituição de ambos os sócios gerentes caso se viessem a confirmar as alegadas irregularidades, e, com a segunda acção, destituir do cargo de gerente a sócia (…) (resposta ao artigo 2º da base instrutória).

3.3.7

A ré emitiu e não facturou alguma publicidade referente ao programa “Anoitecer ao Tom Dela”, não constando dos registos contabilísticos da ré as receitas provenientes das dedicatórias do programa “Música a seu gosto” realizado no dia 15 de Agosto de 2008 ou as receitas provenientes de uma festa de Verão do mesmo ano (resposta ao artigo 3º da base instrutória).

3.3.8

A ré, em Janeiro de 2009, passou alguns blocos publicitários sem a utilização da necessária demarcação da restante emissão; mais se recusou a fornecer ao autor informações relativas ao ano de 2009, o que foi mais um motivo que o levou a instaurar novo inquérito judicial à sociedade (resposta ao artigo 4º da base instrutória).

3.3.9

Em 24 de Agosto de 2009, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária da

R., em que foi deliberado, com os votos favoráveis dos outros sócios da R., excluir o A., que não esteve presente, de sócio da R., por justa causa e nos termos da proposta aí apresentada, em que consta que o Requerente, “após ter tido acesso, por via de Inquérito Judicial a toda a informação da Sociedade e que, após ter adquirido esse conhecimento, instruiu dois processos no Tribunal Judicial de Tondela, um deles de inquérito judicial à Sociedade e outro de destituição de gerente da sócia (…) prejudicando injustamente a Sociedade e os outros sócios, juntando aos referidos processos, documentos e descrevendo factos que só por via do direito à informação teve acesso, abusando desse direito em detrimento da Sociedade e dos sócios, tal como dispõe o artigo 214º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais”, sendo que, quanto à quota do A., “irá a mesma ser objecto de análise para posterior deliberação nos termos normativos do Código das Sociedades Comerciais e do pacto social, nomeadamente, sobre o apuramento do valor da contrapartida a pagar ou não ao sócio excluído” (alínea E dos factos assentes).


3.3.10

Com a deliberação referida em E), pretenderam os outros sócios da ré afastar o autor dos destinos da sociedade, vindo a adquirir posteriormente a sua quota por um valor inferior àquele que o autor conseguiria obter se permanecesse como sócio (resposta ao artigo 5º da base instrutória).

3.3.11

            A 30 de Maio de 2007, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, (…) instaurou acção especial contra (…) , Lda. e A (…) pedindo a destituição deste último como gerente daquela sociedade, processo a que foi atribuído o nº 375/07.0TBTND (certidão de folhas 719 a 783).

3.3.12

            No Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, A (…) instaurou acção especial de inquérito judicial à sociedade contra (…) (Rádio), Lda., processo a que foi atribuído o nº 156/08.4TBTND, tendo sido proferido despacho a 03 de Junho de 2009 que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, decisão que transitou em julgado a 13 de Julho de 2009 (certidão de folhas 572 a 584).

3.3.13

            A 13 de Maio de 2009, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, Amândio José Ferreira de Loureiro instaurou acção declarativa sob forma sumária contra Ao Tom Dela Rádio, Lda., processo a que foi atribuído o nº 237/09.7TBTND, pedindo a anulação da deliberação tomada em assembleia geral da ré a 14 de Abril de 2009, acção que foi julgada improcedente por sentença proferida a 06 de Novembro de 2009, a qual foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Maio de 2010 (certidão de folhas 585 a 628).

3.3.14

            A 15 de Junho de 2009, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, A (…) instaurou acção especial de inquérito judicial à sociedade contra (…) (Rádio), Lda., processo a que foi atribuído o nº 299/09.7TBTND, acção que foi julgada improcedente por sentença proferida a 24 de Janeiro de 2011 e que a 09 de Fevereiro de 2011 ainda não havia transitado em julgado (cópias de folhas 78 a 142 que não foram impugnadas e certidão de folhas 710 a 718).

3.3.15

            A 19 de Junho de 2009, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, A (…) instaurou acção especial para destituição de gerente contra a sociedade (…) (Rádio), Lda. e (…), processo a que foi atribuído o nº 308/09.0TBTND, pedindo a destituição da gerente (…) com fundamento em justa causa, acção que foi julgada improcedente por sentença proferida em primeira instância a 12 de Fevereiro de 2010 e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Outubro de 2010, já transitado em julgado (cópias de folhas 240 a 298 que não foram impugnadas e certidão de folhas 660 a 686).

4. Fundamentos de direito

4.1 Da validade ou invalidade da deliberação social tomada em assembleia geral da ré ocorrida a 24 de Agosto de 2009

O autor instaurou a presente acção declarativa pretendendo a anulação da deliberação social da ré tomada a 24 de Agosto de 2009 e que determinou a sua exclusão como sócio da ré (…) (Rádio), Lda. O autor alicerçou essa pretensão num argumento formal e que seria a impossibilidade legal de exclusão de sócio por mera deliberação social por tal não estar previsto no contrato e argumentos substanciais decorrentes dos motivos invocados para a tomada da deliberação social impugnada não justificarem a exclusão do autor e ainda porque essa deliberação foi tomada em exclusivo benefício dos votantes, sem base fáctica e jurídica que a sustente.

Na decisão recorrida sustentou-se a validade formal da deliberação impugnada e anulou-se a mesma por não se ter comprovado que o autor utilizou as informações obtidas de modo a prejudicar injustamente a sociedade ou outros sócios.

A recorrente insurge-se contra a decisão que determinou a anulação da deliberação social tomada a 24 de Agosto de 2009, pugnando pelo preenchimento da previsão legal do artigo 214º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no artigo 214º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais, “O sócio que utilize as informações obtidas de modo a prejudicar injustamente a sociedade ou outro sócios é responsável, nos termos gerais, pelos prejuízos que lhes causar e fica sujeito a exclusão.

O direito potestativo à exclusão do sócio depende não só da causação de um prejuízo à sociedade ou a um sócio, mas também da injustiça desse prejuízo, da ilicitude desse dano. Não basta assim a intenção de causar prejuízo à sociedade ou ao sócio, nem tão-pouco é suficiente a simples provocação de dano à sociedade ou a outro sócio. Na verdade, a título de exemplo, a denúncia de práticas ilícitas praticadas por órgãos da sociedade ou por sócios, podendo implicar a ocorrência de prejuízos nas esferas jurídicas da sociedade ou dos sócios implicados em tais práticas, nem por isso constitui a causação de um prejuízo injusto, porquanto nesses casos está em causa o exercício de um direito e o prejuízo sofrido é mera decorrência das condutas ilícitas mantidas[1].

A exclusão do sócio que utilize as informações obtidas causando injustamente prejuízo à sociedade ou a outros sócios opera por mera deliberação, porquanto se trata de um caso em que a lei prevê a exclusão da sociedade (artigo 241º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais). O sócio a excluir está impedido de votar nessa deliberação (artigo 251º, nº 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais e, na falta de norma do pacto social em sentido diverso, a deliberação considera-se tomada se obtiver a maioria dos votos emitidos (artigo 250º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais).

No caso em apreço vem imputada a anulabilidade da deliberação social tomada a 24 de Agosto de 2009, em virtude de aí ter sido deliberado a exclusão do autor sem que se mostrasse preenchida a previsão do artigo 214º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais. A anulabilidade da deliberação derivaria da violação da lei (artigo 58º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais), pois teria sido tomada sem que se mostrasse preenchida a hipótese legal que faculta a exclusão de sócio por deliberação social.

O nascimento do direito potestativo de exclusão do sócio por simples deliberação social dependia do preenchimento da hipótese legal do artigo 214º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais, isto é, dependia que se mostrasse que o sócio visado com a deliberação de exclusão tinha feito uso de informações obtidas de modo a causar prejuízo injusto à sociedade ou a outros sócios. Neste contexto, pode afirmar-se que constitui facto constitutivo do direito potestativo de exclusão de um sócio por simples deliberação social a demonstração de que o sócio visado com a deliberação de exclusão fez uso de informações obtidas de modo a causar prejuízo injusto à sociedade ou a outros sócios.

A questão que se coloca e que já se colocou aquando da condensação da factualidade relevante para a boa decisão da causa[2] é a de saber como se reparte o ónus da prova nestes casos. Competirá ao autor impugnante da deliberação social a demonstração do não uso de quaisquer informações obtidas, ou a inexistência de causação de prejuízo à sociedade ou a outros sócios com as informações obtidas, ou ainda que o prejuízo eventualmente causado com o uso dessas informações não é injusto? Ou, pelo contrário, competirá à ré demonstrar que a deliberação social tomada se conforma com a previsão legal ao abrigo da qual foi tomada, isto é, que o autor fez uso de informações obtidas de modo a causar prejuízo injusto à sociedade ou a outros sócios?

Na nossa perspectiva, quer tendo em conta a natureza sancionatória das normas que prevêem a exclusão de sócios[3], quer tendo em atenção que o nascimento do direito potestativo de exclusão de um sócio por outros mediante deliberação social depende não só da tomada de uma deliberação maioritária, mas também do preenchimento da previsão legal que confere tal direito potestativo[4], afigura-se-nos que competirá à sociedade demonstrar que aquando da tomada da deliberação maioritária estava preenchida a previsão legal de que depende o nascimento de tal direito potestativo.

A factualidade provada permite-nos concluir que as informações obtidas pelo autor no exercício do seu direito de informação foram utilizadas para instaurar diversos procedimentos judiciais contra a ré e a sócia (…) (vejam-se os pontos 3.3.5 e 3.3.6 dos fundamentos de facto). Está em causa o exercício de um direito fundamental, o direito de acesso ao direito (artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). A obtenção de informações referentes à gestão da sociedade pode ter como finalidade legítima o controlo dos responsáveis pela gestão da sociedade, se necessário mediante a instauração dos pertinentes procedimentos judiciais. Daí que a utilização de informação obtida sobre a gestão da ré para a interposição de procedimentos judiciais variados contra a sociedade a quem respeita a informação obtida e contra outros sócios seja por si só manifestamente insuficiente para que daí decorra a causação de prejuízos injustos aos demandados em tais procedimentos. O sentido natural de tais actos é precisamente o oposto, pois está em jogo o exercício de um direito, o direito de acção judicial (veja-se o artigo 2º, nº 2, do Código de Processo Civil) e, se os procedimentos forem fundados, procedendo a pretensão accionada, o eventual prejuízo causado ao ou aos demandados será um prejuízo justo.

No caso em apreço, não obstante a improcedência de alguns dos procedimentos instaurados pelo autor, não resulta da factualidade provada que este haja sido condenado como litigante de má fé ou que com tais procedimentos tenha causado outros prejuízos àqueles que eram neles visados que não os decorrentes da assunção da posição processual de demandados com os inerentes encargos envolvidos em tal estatuto processual.

Neste contexto, não está demonstrada causação de prejuízos injustos à ré ou à sócia (…) com a utilização de informações obtidas sobre a gestão da ré em procedimentos judiciais intentados contra a ré e a sócia (…).

Assim, por tudo quanto precede, embora com fundamentos distintos, deve ser confirmada a sentença sob censura que decretou a anulação da deliberação social da ré tomada a 24 de Agosto de 2009.

5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por (…) (Rádio), Lda. e, em consequência, em confirmar a sentença proferida a 13 de Julho de 2011. Custas do recurso de apelação a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

Carlos Gil ( Relator )

Fonte Ramos

Carlos Querido



[1] Assim, ao contrário do que é afirmado no Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume III, Almedina, 2011, anotação 7 ao artigo 214º, páginas 300 e 301, a exigência de que o prejuízo causado seja injusto não é estranha e tem a justificação apresentada pelo Sr. Professor Raul Ventura in Sociedades por quotas, Volume I, 2ª edição, Almedina 1989, página 297.
[2] Por isso se citou a folhas 54 e 55 o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2003, proferido no processo nº 03B1348 e acessível no site da DGSI. No entanto, na concretização da base instrutória em função da repartição do ónus da prova considerada correcta, o artigo 2º da base instrutória ficou muito aquém daquilo que seria necessário por desde logo apenas conter matéria de direito e conclusiva e, ainda que assim não fosse, por se bastar com uma simples intenção de causar prejuízo à sociedade e aos outros sócios desta.
[3] Esta é a linha de argumentação do acórdão citado na nota que antecede.
[4] Neste sentido se encaminha o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Maio de 1993, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 427, páginas 516 a 523.