Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5517/08.6TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACÇÃO EXECUTIVA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 05/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - 5º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 39.º, N.º 1; 81.º, N.º 1; 191.º DO CIRE; 287.º, E) DO CPC
Sumário: Tendo a sentença de declaração de insolvência carácter limitado, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CIRE, não há lugar à extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, em acção executiva pendente contra o insolvente que, por isso, poderá prosseguir os seus ulteriores termos na busca da existência (se os houver) de bens penhoráveis.
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            A “A..., SA”, intentou a presente execução comum, para pagamento de quantia certa, contra “B..., L.da”, já identificados nos autos, dando em execução as letras de câmbio juntas, por fotocópia, de fl.s 9 a 12, uma no montante de 13.417,100 €, emitida em 27/3/2006 e com data de vencimento em 03/6/2006 e a outra no montante de 3.750,00 €, emitida em 11/4/2006 e com data de vencimento em 11/7/2006, as quais não foram pagas, nem na data do seu vencimento nem posteriormente, aceites da ora executada, peticionando o valor correspondente ao inscrito nas letras em questão, de capital em dívida, bem como os juros de mora respectivos, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, ao ano, até efectivo e integral pagamento e respectivo imposto de selo, à mesma taxa.

            Em 16/04/2010, foram os autos conclusos à M.ma Juiz titular do processo, precedida da informação constante de fl.s 34, segundo a qual, havia sido proferida, em 23 de Março de 2009, ao meio dia, nesse mesmo Juízo e Tribunal, sentença de declaração de insolvência da aqui executada, ali mais se declarando que havia sido aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter limitado, previsto no artigo 191.º do CIRE.

            Na data primeiramente ora referida, informou-se a M.ma Juiz que tal sentença transitou em julgado em 02 de Março de 2010.

No seguimento de tais informações, conforme despacho de fl.s 35, a M.ma Juiz proferiu a seguinte decisão:

“Nos presentes autos de execução, com processo comum, que A..., SA intenta contra B..., L.da, atenta a declaração de insolvência da executada, julgo extinta a instância nos presentes autos por impossibilidade superveniente da lide (art.287.º al. e) do CPC).

Custas pela massa insolvente da executada”.

            Conforme certidão de fl.s 52 a 57, aqui dada como reproduzida, foi declarada, na data já referida, a insolvência da aqui executada, tendo sido declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter limitado, decisão, esta, já transitada em julgado.

            Como consta de fl.s 59, não foi requerido o complemento da referida sentença e conforme informação de fl.s 60, o processo de insolvência em que foi declarada insolvente a aqui executada, foi declarado findo, ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 7, al. b) do CIRE.        

            Inconformada com a supra referida decisão constante de fl.s 35, interpôs recurso, a exequente, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida nos próprios autos, imediatamente e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 66), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

            1. A insolvência da sociedade executada foi declarada no âmbito do processo 972/09.0TBLRA, Insolvência pessoa colectiva (requerida), do 5.º Juízo Cível de Leiria, tendo sido qualificada com incidente de carácter limitado nos termos do disposto no artigo 191.º, do CIRE;

            2. A tal insolvência qualificada com o incidente de carácter limitado aplica-se o disposto no artigo 191.º do CIRE e o prescrito na al. a), do n.º 7, do artigo 39.º do CIRE;

            3. A declaração de insolvência, com carácter limitado, nos termos do disposto nos artigos 191.º e 39.º, do CIRE, não determina nem pode determinar a declaração de extinção da instância executiva por impossibilidade da lide nos termos do disposto na al. e), do artigo 287.º CPC;

            4. Declarada a insolvência com carácter limitado, os credores não são chamados à insolvência para reclamar os seus créditos, não existindo liquidação do património do devedor em seu proveito, antes continuando tal património a ser administrado pela entidade devedora que dele pode dispor, não podendo os credores ser prejudicados com tal facto, pelo que não produz a declaração de insolvência quaisquer efeitos sobre as execuções em curso, que podem ser impulsionadas pelos respectivos exequentes, como é o caso da recorrente A..., em ordem à cobrança dos seus créditos (cfr. supra citado artigo 39.º, n.º 7, al. a), do CIRE);

            5. Mesmo que não tivesse sido declarada a insolvência com carácter limitado, nunca à luz do disposto no artigo 88.º do CIRE, poderia ter sido determinada a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide;

            6. O artigo 88.º, do CIRE, determina antes a suspensão da instância executiva.

            7. Assim o entende a jurisprudência conhecida dos Tribunais Superiores, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03/11/2009, publicado na Internet no Site: http://www.dgsi.pt/jtrc.

            8. A decisão recorrida merece censura tendo ofendido nomeadamente, o disposto no artigo 88.º do CIRE, bem como o prescrito na al. a), n.º 7 do artigo 39.º do CIRE, pelo que deve ser revogada.

            Termina, peticionando a procedência do presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine o prosseguimento da presente execução.

           

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a única questão a decidir é a de saber se deve ou não determinar-se a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos presentes autos, dada a declaração de insolvência da aqui executada.

Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.

            Passando à análise da questão da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, dada a declaração de insolvência da aqui executada, importa ter em linha de conta o decidido na sentença em que se proferiu tal declaração de insolvência, bem como as disposições legais atinentes.

            Ora, dado que na sentença de insolvência em causa foi declarado aberto o incidente de qualificação com carácter limitado e não foi requerido o seu complemento, nos termos do disposto no artigo 39.º do CIRE, tem aplicação o que neste preceito se acha estipulado no seu n.º 7, al. a), de acordo com a qual:

            “o devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas deste Código”.

            Constituindo esta regra um desvio importante a um dos principais efeitos de declaração de insolvência, em caso de esta ter carácter pleno, qual seja o previsto no n.º 1 do artigo 81.º, n.º 1 do CIRE.

Isto é, ao passo que, em geral, a declaração de insolvência priva o insolvente de poder administrar e dispor dos seus bens, tal já não acontece se não for requerido o complemento da sentença, quando esta for de carácter limitado.

            Neste último caso, “…a declaração de insolvência não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados, ao abrigo das normas do Código, mantendo-se o devedor também na administração e disposição do património – que exista.” – cf. Carvalho Fernandes, João Labareda, in CIRE, Anotado, Reimpressão, Vol. I, Quid Juris, 2006, a pág. 205.

            Ora, um dos efeitos da declaração da insolvência, nos termos do disposto no artigo 88, n.º 1, do CIRE é o do que tal declaração obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, bem como a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente.

            No entanto e porque a sentença de declaração de insolvência teve carácter limitado, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 39.º do CIRE, na respectiva sentença apenas se dá cumprimento ao disposto nas alíneas a), d) e h) do artigo 36 e não já à sua alínea j), que faz referência à designação de prazo para a reclamação de créditos.

            Como consta da certidão a que acima se fez referência, tal decisão já transitou em julgado e não foi requerido o complemento da sentença de forma a passar a ter carácter pleno o incidente de qualificação da insolvência – cf. n.º4 do artigo 39.º do CIRE.

            Do que decorre, em consequência do que se acha estabelecido no n.º 7, al. b), deste preceito, que o processo de insolvência já tem de ser considerado como findo.

            Como propugnado no Acórdão da Relação do Porto, de 19/9/06, com o n.º convencional JTRP00039480, in http://www.dgsi.pt e na sequência do que dispõe o artigo 39, n.º 7, al. a), 2.ª parte, do CIRE, o disposto no artigo 88, do mesmo diploma, só poderá ter campo de aplicação para os casos de incidente de qualificação plena da declaração de insolvência e não já, para os casos de incidente de qualificação restrito ou limitado, entre outras, razões, dado o carácter restrito de tal decisão e a ausência de reclamação de créditos.

            De resto, nos termos do n.º 7, al. d), do artigo 39.º do CIRE, permite-se, até, que após o trânsito em julgado da decisão de insolvência com carácter limitado e em certas condições, um credor possa instaurar novo processo de insolvência.

            Assim sendo, e porque in casu se trata, repete-se, de caso de incidente de qualificação limitado, que já se encontra findo, nos sobreditos termos, não se justifica a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, dos presentes autos de execução que, por isso, podem prosseguir os seus ulteriores termos na busca da existência (se os houver) de bens penhoráveis.

Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, deve o presente recurso obter provimento.

Nestes termos se decide:

Julgar por procedente o presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida, pelo que pode a presente execução prosseguir os seus ulteriores termos.

Sem custas.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira