Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
209/21.3T9MGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CASSAÇÃO DO TÍTULO DE CONDUÇÃO SISTEMA DE PONTOS
NE BIS IN IDEM
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE - JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 148.º, N.ºS 1, 2, 3, 4, AL. C), 10, 11 E 12, DO CÓDIGO DA ESTRADA (REDACÇÃO DA LEI N.º 116/2015, DE 28-08; ART. 29.º, N.º 5, DA CRP
Sumário: I – A cassação da carta de condução por efeito da perda total de pontos [cfr. artigo 148.º, n.ºs 4, al. c), 10, 11 e 12, do Código da Estrada] não constitui uma nova condenação pela prática dos factos determinantes da aplicação da proibição de conduzir veículos motorizados.

II – Ao invés, a dita cassação consubstancia, em relação às condenações determinantes da perda de pontos, um novo sancionamento, axiologicamente motivado pela inidoneidade, entretanto revelada pelo condutor e, em última ratio, por imperativos de segurança rodoviária.

III – Deste modo, o circunstancialismo referido não traduz qualquer violação do princípio ne bis in idem.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito dos autos de impugnação judicial n.º 209/21.3T9MGR, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande - Juiz 1, por sentença de 17-05-2021, foi julgado totalmente improcedente o recurso de impugnação judicial interposto por HM e, em consequência, mantida a decisão administrativa recorrida.
2. Inconformada recorreu a arguida, formulando as seguintes conclusões:
“a) O disposto no nº 10, do artigo 148º do Código da Estrada, é inconstitucional quando impõe que: “A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do nº 4 é ordenada em processo autónomo”, por tal constituir uma clara violação do artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime" e, por maioria de razão, pela mesma contraordenação;
b) Com a condenação do segundo crime, em 2019, a recorrente ficou com zero pontos na sua carta de condução, devendo o Tribunal ter ordenado a cassação da carta de condução, não sendo necessário a ANSR vir depois decidir pela cassação do título de condução, noutro processo;
c) Não existe qualquer fundamento para o arguido ser julgado em processo autónomo para lhe ser cassada a carta de condução, pois, quer no procedimento contraordenacional, quer no processo-crime, existe a informação necessária (e se não existe no processo crime, é possível obtê-la através da consulta do registo do condutor junto da ANSR), para ordenar a cassação;
d) A privação de pontos resulta de forma automática de acordo com a natureza da contraordenação (grave, muito grave ou crime); privação de 3 ou 4 pontos na contraordenação grave; 4 ou 5 pontos na contraordenação muito grave; e privação de 6 pontos quanto for cometido crime;
e) Nos termos do nº 4 do artigo 148º do CE: “A subtração de pontos tem os seguintes efeitos: c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor”;
f) Quando o condutor fica com zero pontos, tem de lhe ser cassada a carta de condução, pura e simplesmente, o que implica privado de conduzir por, pelo menos, 2 anos;
g) A cassação da carta de condução é mais grave que a inibição de conduzir, implicando em ambos os casos que o condutor não pode conduzir veículos automóveis;
h) Se há cassação do título, não pode o arguido ser simultaneamente inibido de conduzir, por a cassação retirar o título ao condutor e assim estar automaticamente inibido de conduzir até obter novo título, o que só pode acontecer após dois anos da cassação;
i) Inibir o condutor por 12 meses após ficar com zero pontos e depois privá-lo de conduzir por mais 2 anos aquando da cassação, é uma clara violação do princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29º, no 5 da CRP.
Termos em que deve ser revogada a sentença que julgou improcedente a impugnação e bem assim a decisão da autoridade administrativa que ao aplicar a cassação do título de condução à recorrente em processo autónomo, violou o artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa,
Assim se fazendo Justiça.”
*
3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. Em resposta ao recurso o Ministério Público concluiu:
“1º - Concorda-se com os fundamentos da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial.
2º - Pelo que, deve ser negado provimento ao recurso da recorrente.
3º Devendo a sentença proferida, ser confirmada e integralmente mantida.
Nestes termos, deverá a douta sentença recorrida ser mantida e negado provimento ao recurso.

5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

6. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, o recorrente não reagiu.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa decidir se ocorreu violação do principio “ne bis in idem”.
2. A decisão recorrida
Ficou a contar da sentença (transcrição parcial:
“A) Factos provados, com relevância para a decisão em causa:
1) Pela prática, em 02/06/2018, de um crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi a arguida condenada, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por sentença transitada em julgado em 05/09/2018, no âmbito do processo sumário n.º 81/18.0GAMGR, que correu termos neste Juízo de Competência Genérica.
2) Pela prática, em 31/08/2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi a arguida condenada, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por sentença transitada em julgado em 21/10/2019, no âmbito     do processo sumário n.º 179/19.8GAMGR, que correu termos no Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande – J2.
3) No seguimento das condenações mencionadas nos pontos 1 e 2, a ANSR instaurou o competente processo com vista à verificação dos requisitos da cassação da carta de condução da aqui recorrente.
4) As referidas condenações determinaram a perda da totalidade dos pontos atribuídos a cada condutor (6 pontos por cada uma delas).
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B) Factos não provados:
Com relevância, inexistem factos por provar.
*
A demais matéria não releva para a decisão da causa, é conclusiva ou de direito, pelo que não foi aqui considerada.”
*
3. Apreciação

Da violação do ne bis in idem
Defende o recorrente que “o disposto no nº 10, do artigo 148º do Código da Estrada, é inconstitucional quando impõe que: “A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do nº 4 é ordenada em processo autónomo”, por tal constituir uma clara violação do artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime".
Vejamos.
Da decisão em crise resultou provado ter sido a arguida condenada:
A - por sentença transitada em julgado em 05/09/2018, no âmbito do processo n.º 81/18.0GAMGR do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande - Juiz 1, pela prática, em 02/06/2018 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 12 meses, - cfr fls13 a 16.
B - por sentença transitada em julgado em 21/10/201922.03.2018, no âmbito do processo n.º179/19.8GAMGR, do Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande – J2, pela prática em 31/08/2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 12 (doze) meses - cfr fls 9/v a 11.
Em ambos os casos os factos foram praticados já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 116/2015, de 28.08 ao Código da Estrada, ocorrida em 01.06.2016.
Nos termos do artigo 121.º - A do Código da Estrada (preceito aditado pela Lei n.º 116/2015), sob a epígrafe “Atribuição de pontos”:
1 – A cada condutor são atribuídos doze pontos.
[…].
Sobre o Sistema de pontos e cassação do título de condução, dispõe o artigo 148.º do mesmo diploma:
[…]
2 – A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.
[…]
4 – A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:
[…]
c) – A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.
[…]
10 – A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.
11 – A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação.
12 – A efetivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.
[…].

Assim sendo, ocorrida a subtração da totalidade dos pontos atribuídos a um condutor tem lugar a cassação do seu título de condução, independentemente de qualquer juízo sobre a perigosidade do condutor, com base nos factos que que fundaram a dita subtracção e na sua personalidade.
Neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Évora 20 de outubro de 2020, proferido no processo n.º 218/20.T8TMR.E1 acessível em www.dgsi.pt. - «A cassação do título de condução pela subtração da totalidade dos pontos atribuídos a condutor habilitado com título de condução (…) não é uma medida de segurança penal, cuja aplicação dependa da verificação, em concreto, de um estado de perigosidade do agente, revelado pela sua personalidade, para a condução, conforme previsto no artigo 101.º do Código Penal, mas uma medida administrativa que se “prefigura como uma medida de avaliação negativa da conduta estradal dos condutores, conforme a gravidade da infração cometida” e que tem na sua base a finalidade visada pelo legislador de sinalizar em termos de perigosidade determinadas condutas contraordenacionais ou criminais, rodoviárias, que põem em causa bens jurídicos fundamentais, constitucionalmente protegidos, como a segurança, a integridade física e a vida das pessoas, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal tipo de condutas comportam, pondo em causa a Segurança Rodoviária e a vida de todos os que circulam nas estradas
A cassação do título de condução é efeito da inidoneidade para a condução de veículos com motor, decorrente das anteriores condenações por crimes rodoviários, ou seja, como refere o acórdão do TRP de 06.10.2004 (proc. n.º 0345913), “O que está em causa não é um novo sancionamento pela prática daquelas contraordenações (concretas), mas, pelo contrário, o sancionamento pela prática reiterada de contraordenações graves ou muito graves (sejam elas quais forem) que revela a inidoneidade para o exercício da condução (…). Existe um mais, que não foi nem podia ser considerado e é, precisamente, esse mais (inidoneidade) a causa da cassação da carta de condução. O condutor revelou, com a sua conduta (prática sucessiva de contraordenações graves ou muito graves) que não tem condições para o exercício da condução. Às coimas e sanções acessórias já aplicadas acresce agora uma outra sanção que já não pune os factos (as concretas contraordenações) praticados, mas a perigosidade, a ineptidão, a inidoneidade entretanto reveladas.
Com a sua conduta, o arguido demonstrou que as sucessivas condenações em coima e em sanção acessória não foram suficientes para o afastar da prática de infrações estradais e, por isso, que é incapaz de conduzir com observância dos preceitos estabelecidos na lei. Em resumo: que é inidóneo para o exercício da condução”.
A cassação da licença encontra justificação num comportamento que representa uma perigosidade acrescida do agente no exercício da condução e na necessidade de reforçar o sistema com uma reação (no caso de natureza administrativa) que vá para além da pena acessória, a qual se veio a revelar insuficiente à sensibilização do infrator no sentido de adequar o exercício da atividade perigosa, em que se traduz a condução, às normas - ac RC de 6 de Novembro de 2019.
O ne bis in idem encontra consagração no artigo 29.º, n.º 5 da CRP enquanto dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, princípio igualmente acolhido no direito internacional e europeu – cf. v.g. o artigo 14.º, n.º 7 do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos; o artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH; o artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
De tal princípio decorre a proibição de duplo julgamento e a proibição de dupla punição pelo mesmo crime.
O que seja o mesmo crime impõe se defina o objecto do processo.
Esclarece o Acórdão do STJ de 15.3.2006 (in www.dgsi.pt), ao mencionar que «o incisivo “mesmo crime” não deve nem pode ser interpretado no seu sentido estrito técnico jurídico.» E ainda que «O termo crime não deve pois ser tomado ao pé da letra, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou um acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado – e não de um crime – que se quer evitar. O que o artigo 29º nº5 da Constituição da República Portuguesa proíbe, é no fundo que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal.»
Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva, «o crime deve considerar-se o mesmo quando exista parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar e que ambos os factos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integrem na outra, um todo do ponto de vista jurídico.» (Cfr. Curso de Processo Penal III, Editorial VERBO 2009, pág.48).
Por seu turno, entende o Prof Eduardo Correia, que “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e, a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele ao cidadão a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias.” – cf. A Teoria do concurso em direito criminal, II CASO JULGADO e PODERES DO JUIZ, Coimbra, 1983, pág. 302.

A medida de cassação da carta de condução imposta à ora Recorrente pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária não constitui punição pelos factos que foram objecto dos processos n.º 81/18.0GAMGR do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande - Juiz 1 e n.º179/19.8GAMGR, do Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande - J2.

Com efeito, os factos apurados nestes processos são constitutivos de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e justificaram a condenação da Recorrente também em penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor.

Já o processo administrativo referente à cassação da carta de condução visa apreciar o registo de infracções do condutor, com o propósito de contabilizar a perda de pontos decorrente da prática de contraordenações e/ou de crimes rodoviários, com vista a determinar a perda da totalidade desses pontos, caso em que ocorre a cassação do título de condução.

Resulta clara a falta de coincidência do objecto de tais processos.
Aliás, idêntica questão foi recentemente tratada nesta Relação, no acórdão proferido em 6 de Novembro de 2019 (relatora Des Maria José Nogueira em termos que sufragamos e por isso passamos a transcrever: “De qualquer modo, como, a propósito de um caso similar, salienta o citado acórdão do TRP de 06.10.2004, na situação em apreço “A solução do problema é (...) a mesma, independentemente da posição que se perfilhe para a determinação da «identidade do facto». Seja do ponto de vista naturalístico, seja do ponto de vista normativístico, seja, ainda, do ponto de vista do «concreto pedaço de vida» a consequência é a mesma (…). Não há qualquer violação do ne bis in idem. Os factos não são os mesmos (…), as normas aplicáveis não são as mesmas (…) e o pedaço de vida também não é o mesmo (…)”, pois – prossegue –, “… o facto de o arguido já ter sido condenado na sanção acessória de inibição de conduzir por cada uma das contraordenações, não impede a aplicação da cassação por esta não violar o princípio ne bis in idem, consagrado na Constituição e aplicável por força do art.º 41.º do D.L. n.º 433/82, de 27/10. Aliás, a condenação por tais contraordenações – o mesmo se diga da condenação pelos dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez – constitui até um pressuposto necessário da aplicação da medida de cassação da carta para se aquilatar da idoneidade ou não para a condução de veículos a motor”.
A impor a mesma conclusão de que afastada a verificação de duplicação de factos, distintos que são os fundamentos que conduziram à aplicação das penas acessórias (correspondentes a cada um dos crimes de condução em estado de embriaguez), por um lado, e da medida de cassação da licença de condução, por outro lado, sendo diferentes as finalidades que presidem a umas e outra, conclui-se no sentido de não ocorrer violação do caso julgado e/ou do ne bis in idem.
No que se refere à suscitada competência do tribunal para aplicação da cassação também não assiste razão à recorrente, porque a subtracção de pontos ao condutor sancionado com a sanção acessória de proibição de conduzir não é uma sanção aplicada pelos Tribunais, pela simples razão de que a subtração de pontos não constituiu qualquer pena acessória e não constitui medida de segurança prevista nos arts 101º e 102 do CP.
A intervenção da autoridade administrativa, na pessoa do seu Presidente, limita-se à verificação dos pressupostos formais da cassação - situações susceptíveis de causar a perda de pontos e se o infractor perfez a totalidade de pontos - mãe pressupondo em concreto qualquer juízo de valor, por isso que não existe qualquer violação dos preceitos constitucionais invocados.
Trata-se de uma consequência automática, de natureza administrativa, logo da competência da Administração, razão pela qual cabe recurso da decisão para os tribunais, nos termos do regime geral das contra-ordenações (art.148º, nº13 do C. da Estrada).
Lembrar que a pena acessória tem por natureza um conteúdo sancionatório autónomo, ainda que coadjuvante da pena principal, e “só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal” - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 93 e ss.
Em conclusão: não ocorreu qualquer violação do ne bis in idem, nem do caso julgado - porque não se trata de nova apreciação dos mesmos factos pelo Tribunal a quo, mas sim de uma consequência automática da verificação de zero pontos no título de condução e da competência da Administração - nem de qualquer outra violação da Constituição da República Portuguesa.

*
III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.
Custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC, a cargo da recorrente – (artigos 513.º e 514.º do CPP; artigo 8.º do RCP, com referência à tabela III).

Coimbra, 2 de Fevereiro de 2022
Texto revisto pela relatora

Isabel Valongo (relatora)

Jorge França (ajunto)