Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
928/11.2TBFIG-J.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
PRESUNÇÃO
MÁ FÉ
TERCEIRO
PRAZO
CADUCIDADE
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 05/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGURIRA DA FOZ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 120º, 121º, 123º E 125º DO CIRE.
Sumário: I – Na redacção anterior à dada pela Lei nº 16/2012, de 20/4, o artº 120º, nº 1, do CIRE estabelece que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

II - Pressupondo esta resolução, de que trata o art.º 120º, a má fé do terceiro, esta última presume-se, contudo, quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (nº 4 do artigo), consignando-se no nº 5 do preceito que a má fé consiste no conhecimento à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) Do início do processo de insolvência.

III - De acordo com o nº 3 do artº 120º do CIRE, “Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados”.

IV – O art.º 121º, nº 1, do CIRE, por sua vez, consagra de entre outros, como actos passíveis de resolução, sem dependência de quaisquer outros requisitos:

- O pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir (al. g));

- Os actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte (al. h)).

V - Sob a epígrafe “Forma de resolução e prescrição do direito”, o art.º 123º do CIRE preceitua, no seu n.º 1, que “A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.”.

VI - Por sua vez, o art.º 298º n.º 2 do C.Civil dispõe que «quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente a prescrição».

VII - Ora, não obstante a referência à prescrição que consta da epígrafe do citado art.º 123º, não parece que nessa norma se estabeleça outra coisa senão um prazo de caducidade do direito de requerer a resolução do acto.

VIII - O citado art.º 123º, ao estabelecer o prazo de seis meses, a contar do respectivo conhecimento por parte do Administrador, para que este exerça o direito potestativo de resolver os actos prejudiciais à massa, visa, em nosso entender, com este prazo curto que impõe para que seja exercido tal direito, abreviar o estado de sujeição decorrente do mesmo, estabelecendo um prazo de caducidade.

IX - Para os efeitos do artigo 121.º, n.º 1, g) do CIRE, a extinção de uma obrigação por dação em cumprimento não pode sem mais ser qualificada como um meio não usual no comércio jurídico.

X - De harmonia com a jurisprudência maioritária, a acção de impugnação da resolução prevista no art. 125º do CIRE é uma acção de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada pelo AI e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com plasmado no nº 1 do art. 343º do Cciv.

XI - Sabendo-se que a resolução também pode ser obtida por via judicial, em acção a intentar pelo Administrador da Insolvência, caso em que a impugnação deve ser levada a efeito na contestação e em que dúvidas não restam competir à Massa Insolvente o ónus da prova dos fundamentos em que alicerça a resolução (artº 342º, nº 1, do CC), não é coerente que tal ónus se inverta no caso de se ter utilizado a via extra-judicial para efectivar a resolução.

XII - Nos casos de resolução incondicional, não é exigida a verificação da má fé do adquirente e a prejudicialidade dos actos presume-se “juris et de jure”, sendo, pois, inilídivel.

XIII - Contudo, se é certo que quem beneficia de uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que a presunção legal conduz (350, n.º 1, do CC), não deixa de lhe competir alegar e provar os factos integradores da presunção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório:

A) - 1) - A “E…, Lda.”, com sede na …, para acautelar o pagamento de um crédito de € 109.107,00 que alegou possuir sobre os “N…, S.A.”, instaurou contra esta sociedade, em 12 de Fevereiro de 2011, procedimento cautelar de arresto, que correu termos pelo 1.º juízo do tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz sob o n.º …, vindo aí a ser em decretado o arresto de vários bens móveis da Requerida;

2) - Em 18.03.2011 foi celebrado entre Requerente e Requerida uma transacção, mediante a qual, além do mais, se fixou o valor da dívida em € 122.789,15 e se declarou que N… faria extinguir a mesma entregando - como meio de pagamento - todos os bens móveis constantes do auto de arresto, tendo tal transacção sido homologada por sentença datada de 22.03.2011 e que transitou em julgado;

3) - Tendo-se apresentado à insolvência, a “N…, S. A.” viu declarada a sua insolvência por sentença proferida pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, no dia …/2011,[1] que nomeou como Administrador da Insolvência …, designou o dia …-2011 para a realização da reunião de assembleia de credores de apreciação do relatório e fixou o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

4) - Por carta registada, datada de 03.04.2012, mas depositada em 10/4/2012 e que a “E…, Lda.” recebeu em 11/4/2012, o Sr. Administrador comunicou a esta sociedade a resolução incondicional, em benefício da massa insolvente, da referida transacção, invocando para esse efeito o disposto nos art.ºs 120º, 121º, nº 1, alíneas g) e h), ambos do CIRE, sendo os termos dessa comunicação os seguintes: «…, nomeado Administrador de Insolvência no processo à margem referenciado, onde é declarada a Insolvência de N…, S.A., vem comunicar a V. Exa. a resolução, em benefício da massa insolvente, da transacção judicial através efectuada no âmbito do procedimento cautelar de arresto que correu termos sob o Processo n.°…, através do qual foi extinta a dívida de 122.789,15€ (cento e vinte e dois mil, setecentos e oitenta e nove euros e quinze cêntimos) da empresa ora insolvente para com a E…, Lda., mediante entrega de todos os bens móveis constantes do auto de arresto realizado em 11.03.2011 conforme acordo celebrado em 17 de Março de 2011.

Nestes termos, uma vez que a ora insolvente foi assim declarada por sentença proferida no dia …de 2011, considera o Administrador que a referida transacção, homologada por sentença proferida em …-2011, é um acto prejudicial à massa insolvente, conforme estatuem os artigos 120°e seguintes do C.I.R.E., especialmente por: ter sido uma forma de extinção de obrigação em termos não usuais no comércio jurídico, conforme previsto no disposto no alínea g) do n.° 1 do Art.°121.°do C.I.R.E., tendo por base e fundamento o facto de não consubstanciar um acto que exigisse qualquer obrigação legal para a sua concretização, antes, pelo contrário, ter sido efectuada voluntariamente; um acto a título oneroso realizado pela insolvente em que as obrigações por ela assumida excedem manifestamente as da contraparte, nos termos do disposto na alínea h) do n.°1 do Art.°121.°do C.I.R.E. uma vez que o valor dos bens entregues é superior ao valor da dividia em apreço, tendo ainda devido ao facto de antes da declaração de insolvência estes bens, por comporem a globalidade da unidade industrial, terem obviamente um valor consideravelmente superior. Por outro lado, esses mesmos bens garantiriam a possibilidade de a empresa ora insolvente apresentar um Plano de Insolvência e (apesar de não homologado) sua consequente recuperação e manutenção da actividade, o que evitaria o desmantelamento da unidade industrial e possibilitaria o pagamento de grande parte dos seus créditos.

Assim, por estarem preenchidos os requisitos que potenciam a resolução incondicional do negócio jurídica em apreço, declaro resolvido em benefício da massa insolvente o acto supra referido, pelo que não se reconhecendo tal transacção, por a mesma ser ineficaz, deverão os bens da insolvente ser mantidos na esfera jurídica da mesma e liquidados em conformidade.»;

5) - Por acção que, em 23/04/2012, intentou contra a MASSA INSOLVENTE de “N…, S.A,”, nos termos do art.º 125º do CIRE, veio a “E…, Lda. impugnar a resolução levada a cabo pelo Sr. Administrador, defendendo, para além inexistência da qualquer dos circunstancialismos que fundamentaram a resolução, a prescrição do direito de resolução em benefício da Massa Insolvente, pelo decurso do prazo de 6 meses que se alude no art.º 123º do CIRE.

Concluiu nos seguintes termos a petição inicial:

«…deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência;

a) Ser a presente impugnação julgada totalmente procedente por provada e em consequência disso ser a resolução em benefício da Massa Insolvente praticada pelo Sr. Administrador de Insolvência, dada sem efeito, pelo que;

b) Devem os mencionados bens ser separados da massa insolvente, isto é, dos bens apreendidos e consequentemente restituídos à E… todos os bens - sua pertença - melhor identificados no Auto de arresto e no item 15.º do presente articulado.

c) Ser ainda julgada procedente por provada a excepção de prescrição do direito de resolução em benefício da Massa Insolvente praticado pelo Senhor Administrador de Insolvência.».

6) - Citada a Massa Insolvente da N…, SA, na pessoa do Administrador de insolvência, para, no prazo de 30 dias, contestar, querendo, com a advertência de que a falta de contestação importava a confissão dos factos articulados pelo autor, não foi oferecida contestação, pelo que se proferiu despacho ordenando que se cumprisse “o disposto no art. 484º, nº. 2 do CPC”, despacho esse que foi notificado às partes.

7) - Na sentença que veio a proferir-se em 14/12/2012, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, referindo a falta de contestação da Ré e o disposto nos artºs. 480º e 484º, nº 1 do Código de Processo Civil, julgou reconhecidos “os factos concretos constantes da petição inicial”, que deu como reproduzidos e, após ter feito a exposição que considerou pertinente relativa à fundamentação de direito e em que acabou por concluir que, além de se verificar a invocada prescrição, a resolução incondicional efectuada pelo Sr. Administrador de Insolvência não preenchia os requisitos no citado artigo 121.º n.º 1 al. g) do CIRE, razão pela qual “sempre se teria de julgar procedente o pedido efectuado pela requerente nas alíneas a) e b) do petitório”, terminou com o seguinte dispositivo:

«… julga-se a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência:

a) Declara-se prescrito o direito de resolução do acordo celebrado em 17.03.2011 (e homologado por sentença datada de 22.03.2011) entre a E…, L.da e a N…, SA, nos termos do disposto no artigo 123.º do CIRE e, em conformidade, determina-se a devolução à E…, Lda dos bens identificados no artigo 15.º da petição inicial, apreendidos no âmbito dos autos principais.».

B) - Inconformada com esta decisão, dela apelou a Ré, que, a findar as respectivas alegações recursivas, ofereceu as seguintes conclusões:

            Terminou defendendo que, dando-se provimento ao recurso, se revogasse a sentença impugnada e se substituísse a mesma por decisão que julgasse a acção totalmente improcedente.

A Apelada, respondendo, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.

C) - Questões a resolver:
Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do CPC[2], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso. (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [3]).

Assim, para além da omissão de pronúncia que a ré Apelante invoca, a questão a resolver consiste em saber se estavam reunidos os pressupostos que habilitavam o Tribunal “a quo” a conceder procedência à acção.

II - Fundamentação:

A) - Os factos.

Sendo também de considerar o circunstancialismo elencado em I-A) “supra”, na sentença da 1.ª Instância referiu-se como provado o seguinte:

B) - O direito:

Pediu a Autora, sob a alínea a), que a resolução em benefício da Massa Insolvente praticada pelo Sr. Administrador de Insolvência, fosse dada sem efeito.

Tal pedido deve entender-se como o de se declarar ilícita a dita resolução, porque não fundada nos pressupostos que a lei exige para o efeito, nada obstando a que o Tribunal assim o perspective (artº 664º do CPC).

A sanção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, para a omissão de pronúncia, resulta da inobservância do que se preceitua no n.º 2 do art. 660º, na parte que impõe ao juiz o dever de “...resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras...”.

Conforme resulta do disposto no n.º 4 do citado artigo 668º, a omissão de pronúncia não é de conhecimento oficioso[4] e deve ser arguida pela parte interessada na resolução da questão cuja apreciação se omitiu.

A ré não pode arguir a omissão de pronúncia que se consubstanciou na falta de apreciação de um pedido que contra ela foi formulado pela parte contrária, que é o que ocorre, afinal, com o vício que a Apelante aponta à sentença.[5]

Na redacção aplicável, que é a anterior à dada pela Lei nº 16/2012, de 20/4 - o artº 120º, nº 1, do CIRE estabelece que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

Pressupondo, esta resolução de que trata o art.º 120º, a má fé do terceiro, esta última presume-se, contudo, quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (nº 4 do artigo), consignando-se no nº 5 do preceito que a má fé consiste no conhecimento à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) Do início do processo de insolvência.

De acordo com o nº 3 do artº 120º do CIRE, “Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.

O art.º 121º, nº 1, do CIRE, por sua vez, consagra de entre outros, como actos passíveis de resolução, sem dependência de quaisquer outros requisitos:

- O pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir (al. g));

- Os actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte (al. h)).

Sob a epígrafe “Forma de resolução e prescrição do direito”, o art.º 123º do CIRE, preceitua no seu n.º 1 que “A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.”.

Por sua vez, o art.º 298º n.º 2 do CC dispõe que «quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente prescrição».

Ora, não obstante a referência à prescrição que consta da epígrafe do citado art.º 123º, não parece que nessa norma se estabeleça outra coisa senão um prazo de caducidade do direito de requerer a resolução do acto.

É na diferença dos conceitos de exercício do direito e de exigibilidade que se pode, numa primeira abordagem, descortinar a distinção entre a prescrição e a caducidade.

Estando subjacente à exigibilidade o cumprimento de uma obrigação insatisfeita, a prescrição integra a inexigibilidade. Sendo o exercício que perspectiva a realização do direito a modificar, extinguir ou constituir uma relação jurídica, a caducidade integra a falta de exercício.

Enquanto que a limitação da exigibilidade tem o escopo de colocar termo a uma situação antijurídica, a limitação do exercício tem a finalidade, nos direitos potestativos, de fazer cessar um estado de sujeição e, nos direitos subjectivos, de acelerar ou abreviar a sua realização.

O citado art.º 123º, ao estabelecer o prazo de seis meses, a contar do respectivo conhecimento por parte do Administrador, para que este exerça o direito potestativo de resolver os actos prejudiciais à massa, visa, em nosso entender, com este prazo curto que impõe para que seja exercido tal direito, abreviar o estado de sujeição decorrente do mesmo, estabelecendo, pois, atento o que acima ficou exposto, um prazo de caducidade.[6]

É assim, como sendo de caducidade que, por exemplo, Carvalho Fernandes e João Labareda classificam tal prazo, outro não tendo sido o entendimento que se seguiu no Acórdão da Relação do Porto, de 12/4/2011 (Apelação nº 707/07.1TBPRD-D.P1).[7]

Não obstante a ter qualificado erradamente, tem de se considerar que a Autora invocou, afinal, matéria que consubstancia a referida caducidade, excepção esta que, suportando-se nos factos alegados, o Tribunal pode e deve conhecer, atento o disposto no art.ºs 664º do CPC [8].

Acontece, porém, que os factos provados são insuficientes a que se tenha como verificada a invocada caducidade.

Efectivamente, a razão, neste aspecto, está com a Apelante.

O que está provado é, por um lado, que a resolução em causa foi comunicada à ora apelante por carta registada datada de 03.04.2012, e que a “E…, Lda.” recebeu em 11/4/2012 (cfr. supra 4), tendo-se dado como provado, por outro lado, que “o negócio jurídico celebrado entre a agora insolvente e a requerente era do conhecimento do Sr. Administrador de Insolvência há mais de seis meses”

Ora, dizer-se que o negócio jurídico celebrado entre a agora insolvente e a ora Ré era do conhecimento do Sr. Administrador de Insolvência há mais de seis meses - que foi o que a Autora alegou e que foi dado como provado -, não traduz a alegação de factos simples e concretos, sendo antes conclusão que, mais, a mais, não foi acompanhada da alegação desses factos que a permitiria retirar. Daí que não seja lícito, quer-nos parecer, considerar, por força do funcionamento do disposto no artº 484º, nº 1, tal conclusão, como matéria de facto provada.

Efectivamente, a operante falta de contestação implica, nos termos do artº 484º, nº 1 do CPC, que se julguem confessados os factos articulados pelo autor e não também as conclusões ou a matéria de direito, ao invés daquilo que, quanto a esta última, sucedia, no âmbito do processo sumário (artº 784º, nº 2), no regime que vigorava antes da reforma do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12 e pelo DL nº 180/96, de 25/09, onde, salvaguardadas as excepções previstas, a falta de contestação tinha efeito cominatório pleno, ou seja, implicava - sem necessidade de indagação sobre a existência do direito invocado pelo Autor - a condenação do Réu no pedido.[9]

O que constitui caso julgado formal, se não impugnado, é o despacho a considerar confessados os factos, nos termos do artº 484º, nº 1, e não os factos “per se”, pelo que, ainda que de facto concreto se tratasse, a desconsideração da conclusão “há mais de seis meses”, não traduziria qualquer violação de caso julgado, contrariamente ao que parece defender a Apelada.

Fundamental para a cabal alegação da excepção em análise no presente caso, seria, no mínimo, que a Autora tivesse alegado a data em que o Sr. Administrador havia tomado conhecimento do negócio jurídico cuja resolução comunicou àquela, para que, sabendo-se do termo “a quo” do aludido prazo de seis meses, se pudesse, em conjugação com a data da comunicação levada a efeito pelo Sr Administrador, concluir que a resolução havia sido efectuada já para além do termo “ad quem” de tal prazo.

Mas nem isso chegaria, quer-nos parecer, para se poder ter como cabalmente alegados os factos atinentes à caducidade de que tratamos, pois o que importaria alegar - e, subsequentemente, provar - para contar como termo “a quo” desse prazo, não era a mera data em que o Sr. Administrador tomara conhecimento do negócio jurídico em causa, mas sim a data em que aquele tomara conhecimento das circunstâncias que habilitavam a resolvê-lo, pois, como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 26/11/2012 (Apelação nº1056/09.6TBLSD-D.P1) «O conhecimento do acto não se basta, em nosso entender, com o simples conhecimento da realização do acto cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, mas requer também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução do acto em causa em benefício da massa insolvente. A não se fazer esta interpretação, poderia caducar o direito de resolução do acto sem que ainda se tivesse conhecimento do preenchimento dos pressupostos legais necessários para a resolução em benefício da massa insolvente.».

Poderá suceder que o conhecimento do acto por parte do Sr. Administrador e o conhecimento, por parte deste, dos requisitos necessários à existência do direito de resolução, coincidam temporalmente - o que acontecerá, em regra, mas não necessariamente, nos casos de resolução incondicional - mas, nesse caso, competirá, a quem pretenda aproveitar-se da caducidade prevista no artº 123º, nº 1, do CIRE, alegar essa circunstância.

Do exposto resulta, pois, que os factos provados não permitem considerar que, no caso, quanto foi comunicada a resolução em causa à Autora, ora Apelada, já se havia esgotado o prazo de seis meses previsto no citado artº 123º, nº 1, pelo que improcede a excepção da caducidade que, como prescrição a autora invocou e a 1ª Instância julgou procedente.

Assim, atento o disposto no artº 715º do CPC, resta-nos indagar se, em função da matéria provada, se verifica o circunstancialismo comunicado à Autora pelo Sr. Administrador como fundamento da resolução do negócio jurídico em causa.

Saliente-se que, não obstante o aí decidido quanto à caducidade, embora sob o “nomen juris” de prescrição, na sentença não deixou de analisar a bondade dos fundamentos invocados pelo Sr. Administrador para alicerçar a resolução, escrevendo-se: «Considerando a factualidade dada como provada, podemos afirmar que o acordo celebrado entre a aqui autora e a N… configura, no essencial, uma dação em cumprimento, que consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação, conforme dispõe o art. 837.º Código Civil.

Crê-se, porém, que a conclusão de que a obrigação foi extinta em termos não usuais no comércio jurídico deve assentar não tanto no facto da mesma o ter sido por um meio diverso do cumprimento, mas sim pela análise do concreto acordo celebrado entre as partes.

Assim, afigura-se que, para os efeitos do artigo 121.º n.º 1 g) do CIRE, a extinção de uma obrigação por dação em cumprimento não pode sem mais ser qualificada como um meio não usual no comércio jurídico. É certo que a experiência nos diz que, em regra, as obrigações extinguem-se pelo seu cumprimento, mas é igualmente certo que, generalidade das situações, o devedor está em condições que lhe permitem realizar esse cumprimento.

Conforme se entendeu no Ac. da Rel. de Coimbra de 24.04.2012 (processo n.º 221/09; relator António Beça Pereira), nos casos, como o dos autos, em que as empresas atravessam dificuldades financeiras, que muitas vezes acabam por as levar à insolvência, é de todo razoável que procurem liquidar as suas dívidas recorrendo a formas diferentes da do cumprimento das respectivas obrigações, desde que, naturalmente, o façam dentro do quadro legal e sem que o meio escolhido afecte os interesses dos restantes credores. Por isso, nestes cenários, há que encarar com normalidade o recurso a meios alternativos ao do cumprimento das obrigações, como são todos aqueles que se encontram consagrados nos artigos 837.º a 873.º Código Civil.

No caso em apreço, para além da dação em cumprimento, foi ainda acordado entre as partes que alguns dos bens ficariam ainda na posse da N… que os poderiam voltar a adquirir pelos valores constantes do auto de arresto (€84.000).

É certo que a soma dos valores atribuídos aos bens arrestados e que após foram oferecidos como meio de pagamento à requerente excede o valor da dívida fixado entre as partes em cerca de €5.000,00 (cinco mil euros). Todavia, tendo em conta este concreto valor e a circunstância de a agora insolvente ter ficado na posse, podendo usar, bens no valor de €84.000,00 (oitenta e quatro mil euros) durante 320 dias, crê-se que do acordo efectuado entre as partes não transparece uma manifesta desproporcionalidade entre as prestações das partes.».

Vejamos.

A primeira das questões que importa abordar e foi assim colocada no Acórdão da Relação do Porto, de 24/11/2011 (Apelação nº 297/09.0TBCPV-E.P1) é a de saber se, nos casos de “resolução incondicional” previstos no nº 1 do artº 121º, ou nos de “resolução condicional” em que não se verifique a presunção prevista no nº 4 do artº 120º, “são os autores impugnantes que têm de provar que o acto não é prejudicial para a massa insolvente (no sentido de não diminuir, frustrar, dificultar, por em perigo ou retardar a satisfação dos credores da insolvência - nº 2 do artº 120º) e que, quando o praticaram, não se encontravam de má fé (esta entendida no sentido de não se verificar nenhuma das situações previstas no nº 5 do artº 120º)”, ou se, pelo contrário, “é a ré massa insolvente que tem de provar que o acto é prejudicial para a massa insolvente e que os impugnantes estavam de má fé”

O ora relator, que, já seguiu o entendimento acima apontado em primeiro lugar, que também foi o perfilhado nos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 24/09/2009 (Apelação nº 725/06.7TBTVD-I.L1-8)[10] e de 09/03/2010 (Apelação nº 520/06.3TBLNH-F.L1-7),[11] tem agora entendimento diverso, que é o da jurisprudência maioritária dos nossos Tribunais Superiores.

De harmonia com esta jurisprudência maioritária, “…a acção de impugnação da resolução prevista no art. 125º do CIRE é uma acção de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada pelo AI e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com plasmado no nº 1 do art. 343º do CCiv.” (Acórdão da Relação do Porto, de 27/11/2012, Apelação nº 4694/08.0TBSTS-O.P1).[12]

Sabendo-se que a resolução também pode ser obtida por via judicial, em acção a intentar pelo Administrador da Insolvência, caso em que a impugnação deve ser levada a efeito na contestação e em que dúvidas não restam competir à Massa Insolvente o ónus da prova dos fundamentos em que alicerça a resolução (artº 342º, nº 1, do CC), não é coerente que tal ónus se inverta no caso de se ter utilizado a via extra-judicial para efectivar a resolução.[13]

Nos casos de resolução incondicional, como são os que aqui tratamos, não é exigida a verificação da má fé do adquirente e a prejudicialidade dos actos presume-se “juris et de jure”, sendo, pois, inilídivel.

Contudo, se é certo que quem beneficia de uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que a presunção legal conduz (350, n.º 1, do CC), não deixa de lhe competir alegar e provar os factos integradores da presunção.

Significa isto que, no que à matéria de que tratamos respeita, será necessário alegar e provar os factos que a lei considera fazerem presumir “juris et de jure” aquela prejudicialidade.

Daqui resulta que, nos casos como os que ora estão em análise, para que a Massa Insolvente beneficie da mencionada presunção, é necessário que alegue e prove os factos de onde a lei a faz decorrer, ou seja, que demonstre estar-se, no caso, perante o circunstancialismo que preenche a “fattispecie” que a lei estabelece como fundamento da resolução incondicional.

Concretizando, no caso “sub judice” à Massa Insolvente competiria provar que o negócio jurídico em questão consubstanciou:

- Uma forma de extinção de obrigações em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não podia exigir;

- Negócio oneroso em que as obrigações assumidas pela insolvente excederam manifestamente as da contraparte.
Ora, no caso, estando provado que - integrando uma transacção com dação em pagamento -, o acto impugnado consubstancia um negócio jurídico oneroso, uma forma de extinção das obrigações, não existe, contudo, matéria de facto provada que nos leve a concluir, que os termos do negócio não são usuais no comércio jurídico e que a autora não pudesse exigir o cumprimento da obrigação.
Repare-se que, como se diz no citado Acórdão desta Relação, de 22/3/2011, se por um lado, a mera utilização da dação em pagamento não pode, por si só, ter-se como forma de extinção de obrigações em termos não usuais no comércio jurídico, por outro, a exigibilidade de que trata o preceito “…é da obrigação, entretanto extinta, por pagamento ou por outro acto de extinção” o que releva, dada a ratio legis do preceito, “é se aquela obrigação concreta, que foi objecto de um acto extintivo entre o devedor e o credor, podia ou não ser exigível pelo credor.”.
Por outro lado, também não há factualidade provada de onde resulte que as obrigações assumidas no negócio pela insolvente excederam manifestamente as da contraparte.

Assim, não resultando logo do acto “per se”, como não resulta do presente caso, conforme se demonstrou na sentença recorrida, quer “os termos não usuais no comércio jurídico”, quer o excesso manifesto das obrigações assumidas pela insolvente[14], a conclusão que há a tirar é a de que não ficou demonstrado que o negócio se enquadrasse nos circunstancialismos previstos nas alíneas g) e h), do nº 1, do artº 121º do CIRE, invocados para efectivar a respectiva resolução, pelo que esta não foi lícita, o que implica que a acção de impugnação tem de proceder.
III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em revogar a sentença recorrida no que concerne à procedência da caducidade do direito de resolução - caducidade essa, aí tomada como prescrição, que julgam improcedente -, mas, não obstante, pelo motivos acima apontados, julgam a acção procedente e, consequentemente, declaram ilícita a resolução em benefício da Massa Insolvente praticada pelo Sr. Administrador de Insolvência e mantêm o determinado na sentença recorrida quanto à devolução à “E…, Lda.” dos bens identificados no artigo 15.º da petição inicial, apreendidos no âmbito dos autos principais.
Custas pela Apelante.



(Luís José Falcão de Magalhães - Relator)
(Sílvia Maria Pereira Pires)
Henrique Ataíde Rosa Antunes)

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[1] Diário da República, 2.ª série - N.º ...
[2] Código de Processo Civil, na versão decorrente do DL nº 303/2007, de 24/08.
[3] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ, ou os correspondentes sumários, citados sem referência de publicação.
[4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/99, Revista n.º 99B536.
[5] Em termos similares, entendeu o STJ de 24-10-2006 (Revista n.º 3576/06 - 7.ª Secção, sumariado em “http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2006.pdf”) que “O recorrente não pode invocar a nulidade do acórdão da Relação com fundamento na omissão de pronúncia relativa a questões suscitadas pelo recorrido no recurso de apelação.”.
[6] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, I Vol., pág. 443.
[7] Consultável, tal como os restantes da mesma Relação que se vierem a citar sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
[8] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 08/09/2008 (Apelação nº 3576/08 - 5ª Sec.), consultável, em texto integral, em http://www.trp.pt/jurisprudenciacivel/civel08_3576.html, cujo sumário, na parte que ora interessa, é o seguinte: “I- Para que o Tribunal possa conhecer da excepção da caducidade basta que seja alegada a factualidade que a integra, função das partes, cabendo ao julgador indagar, interpretar e aplicar as regras de direito, sem estar vinculado à qualificação, mesmo errada, que a parte tenha feito.”.
[9] Dizia-se, pois, que a falta de contestação traduzia, a confissão dos factos e a admissão do direito (Cons. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol III, 1972, pág. 447).
[10] Cfr. Tb., Fernando Gravato Morais, “in” “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, pág. 167, citado nesse aresto, que pode ser consultado, tal como os demais da mesma Relação aqui citados e sem outra referência de publicação em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.

[11] Também foi este o entendimento que se seguiu no Acórdão desta Relação, de 22/03/2011 (Apelação nº 51/09.0TBSRT-I.C1), consultável, tal como os restantes da mesma Relação que se vierem a citar sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[12] Também nesta linha de entendimento, por exemplo, o já citado Acórdão da Relação do Porto, de 24/11/2011, o Acórdão desta Relação de Coimbra, de 24-05-2011, Apelação nº 1791/08.6TBLRA-K.C1 e o Acórdão da Relação do Porto, de 26/11/2012, Apelação nº 1056/09.6TBLSD-D.P1.
[13] Cfr. Citado Acórdão da Relação do Porto de 12/4/2011.
[14] Saliente-se que, como se diz no Acórdão do STJ, de 15-11-2007 (Revista n.º 3008/07 - 7.ª Secção) o preceito exige que se verifique “…uma desproporcionalidade entre as correspectivas prestações, em que as vantagens patrimoniais obtidas pelo outro contraente, em detrimento do insolvente, ultrapassam os limites considerados razoáveis, por manifestamente desequilibradas.”, para o que é “necessário que tal excesso seja manifesto, claro e injustificado, não se integrando no curso normal das coisas.” (Acórdão com sumário em “http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2007.pdf”).