Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
113/09.3GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PENA DE PRISÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO FUNDÃO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 70º, 71º CP, 379º, Nº 1 C) CPP
Sumário: 1. Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida
2. O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.
3. Não o fazendo comete a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No processo sumário n.º 113/09.3GTCTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, o arguido V..., devidamente identificado nos autos, foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, bem como na (pena acessória) de proibição de veículos motorizados pelo período de um ano e seis meses.

            2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

· 1º- Ao arguido foi aplicada pena de 6 (seis) meses de prisão efectiva pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292° n°1 do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses por força do disposto no artigo 69 n°1 do mesmo código e ainda no pagamento de 2UC a título de taxa de Justiça.

· 2º- O arguido encontra-se socialmente integrado, contribuindo de forma determinante para a sobrevivência do seu agregado familiar.

· 3º- Devendo, por via disso, ser substituída a pena de prisão, à qual se deverá recorrer como última possibilidade, por outra que não a de prisão efectiva e caso assim não se entenda, deverá, após o consentimento do arguido, poder este cumprir a pena em regime de permanência na habitação previsto e punido pelo artigo 44º, n.º 1 do Código Penal, com vista a uma melhor reintegração social.

· 4ª- Foram violados, entre outros, os artigos 70º e 71º do Código Penal.

· Pelo exposto, deve ser dado provimento ao recurso»

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso[1], opinando que:

«1. O recorrente não motiva o recurso nos termos determinados nos n°s 1 e 2 do art.
412° do Código de Processo Penal, pelo que o mesmo não deve ser admitido, cf. preceitua o n°2,
in fine do art. 414° do mesmo preceito legal.

2. O recorrente limita-se a alegar circunstâncias, sendo que a mais incisiva, ou seja a necessidade de sustentar um agregado, nem sequer corresponde à realidade.

3. A escolha e medida da pena aplicada foram criteriosas e obedeceram ao disposto nos art. 70º e 71°, ambos do Código Penal, e o recorrente nada disse em contrário, limitando-se a dizer que deveria ser outra, sem o justificar.

4. Aliás, nada é mencionado quanto à medida concreta da pena e quanto à pena acessória.

5. O recorrente não indica qualquer norma violada.

6. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

Assim, e porque é manifesta a improcedência do recurso, deverá o mesmo ser rejeitado, cf. art. 420°, n°1, al. a) do Código de Processo Penal ou, assim não se entendendo, deverá o mesmo ser improcedente e mantida a decisão sob censura».

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 67 a 70, dando o seu PARECER nos seguintes termos:

            «(…)

            IV. 1. Apesar do convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, estas continuam a deixar muito a desejar — Vd., por exemplo, a indicação das normas jurídicas violadas (para já não falar nas demais exigências do n.2 do art°. 412° do C.P.P ) — afigurando-se-nos, todavia, que, com alguma dose de boa vontade, se extrai delas que a única questão suscitada é, de facto, a da substituição da pena de prisão por pena não detentiva ou, em última instância, o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica.

2. Ora, essa é questão que a douta sentença recorrida não colocou e, obviamente, não resolveu, ou, pelo menos, não o fez com a amplitude desejável.

Na verdade, o tribunal recorrido, depois de, em termos de pena principal, optar, justificadamente, pela pena de prisão em detrimento da pena
de multa, e de fixar a sua medida concreta nos seis meses, afastou quer a hipótese da sua substituição por multa quer a hipótese da suspensão da respectiva execução,
“ainda que condicionada ao cumprimento de injunções ou de regras de conduta”, por nem uma nem outra dessas penas de substituição satisfazerem “as exigências de prevenção e de reprovação do crime”. (Fls 31).

Ora, até aqui, tudo sem reparo. Só que se nos afigura que o julgador devia ter ido mais além e equacionado também as demais hipóteses de substituição que, no caso, cabiam, a saber: prestação de trabalho a favor da comunidade (art°. 58° do C. Penal), regime de permanência na habitação (art°. 44°), prisão por dias livres (art°. 45°) e regime de semidetenção (art°. 46º), sendo de manter a prisão efectiva apenas no caso de nenhuma destas alternativas se mostrar viável, que o mesmo é dizer, consentânea com as finalidades da punição nas circunstâncias concretas dos autos.

É que, como se escreve no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 1/06/2007 (disponível em www.dgsi.pt - Proc. 07P2059) a propósito da prestação de trabalho a favor da comunidade, mas, como se colhe do respectivo texto, com aplicação ás demais penas de substituição, “O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição, pois não detém unia faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena “.

3. Como também se decidiu no referido Acórdão, esta não ponderação da possibilidade de substituição da pena de prisão constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.1 do art.° 379° do C.P.Penal, no mesmo sentido se tendo pronunciado posteriormente este Tribunal da Relação de Coimbra pelo menos no Acórdão de 23/01/2008, também disponível na referida base de dados, com referência ao Proc. n°. 346/06.4GTAVR.C 1.

Tal nulidade — que o Supremo Tribunal de Justiça (Vd. Acórdão citado), bem como este Tribunal da Relação de Coimbra (por ex., Ac. de 26/11/08, no Rec. 196/00.1 GAMGL.C 1) vêm considerando de conhecimento oficioso — determina a anulação da sentença recorrida na parte relativa à possibilidade de substituição da referida pena de prisão por outra e a baixa do processo ao tribunal “a quo”3, a fim de que, se possível através da mesma senhora juíza, se pronuncie (de novo) sobre a questão, mas equacionando todas as hipóteses de substituição legalmente previstas, optando, a final, por uma delas, for caso disso, ou justificando por que o não faz e mantém a prisão efectiva.

4. Afigurando-se-nos ser esta a posição mais consentânea com os princípios enformadores do direito processual penal e também com os preceitos legais atinentes, emite-se, pois, parecer no sentido apontado».

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber:

            - se houve omissão de pronúncia por parte do tribunal recorrido pelo facto de não ter ponderado a substituição da pena de prisão por outras (mormente as previstas nos artigos 44º, 45º, 46º e 58º do CP);

- em caso negativo, qual a correcta ESCOLHA de pena no caso do arguido.

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

            «2.1.1 No dia 26/09/2009, pelas 22:35 horas, o arguido circulava ao km 165, Norte/Sul, da A23, área desta comarca do Fundão, conduzindo o veículo pesado de mercadorias com a matrícula QG….

2.1.2 Submetido ao teste de pesquisa de álcool de ar expirado através do aparelho de marca "Grager, modelo 7110 MKIII-P", acusou uma TAS de 2,53 gr/l de álcool no sangue.

2.1.3 Notificado para o efeito declarou não desejar ser submetido à realização do exame para efeitos da contraprova.

            2.1.4 Agiu o arguido livre, voluntaria e conscientemente, não desconhecendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

2.1.5 Confessou, integralmente e sem reservas, os factos por que vem acusado.

2.1.6 É divorciado, trabalha como motorista de pesados, fazendo com frequência serviços no estrangeiro, auferindo mensalmente a quantia de 800,00 euros. Reside com a mãe, em casa desta.

2.1.7 Possui como habilitações literárias o 7º ano liceal antigo.

2.1.8 Tem passado criminal, já tendo sido condenado quatro vezes pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez: a primeira delas em 19/12/2001, no âmbito do Processo Sumário nº259/2001, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por factos praticados em 14/12/01, numa pena de multa de 95 dias, à taxa diária de esc.1.000$00, no montante global de esc.94.000$00, e em cinco meses de inibição de conduzir, as quais cumpriu; a segunda em 29/05/2002, no âmbito do Processo Sumário nº0080/02.4GTCTB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por factos praticados em 17/05/01, numa pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e seis meses, e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de seis meses, a qual foi julgada extinta; a terceira, em 17/06/2003, no âmbito do Processo Sumário nº167/03.6GTCTB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, por factos praticados em 16/06/2003, numa pena de multa de 110 dias, à taxa diária de € 6,00, no montante global de €660,00, e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de sete meses, a qual foi julgada extinta e por último, em 06/07/2006, no âmbito do Processo Sumário nº 155/06.0GTCTB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por factos praticados em 26/07/2006, numa pena de prisão de 7 meses, suspensa na sua execução por 2 anos, e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 12 meses, as quais foram julgadas extintas.

2.1.9 Não tem outros processos pendentes».

2.2. Inexistindo factos não provados, o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

            «A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto assentou no talão junto a fls. 3 dos autos e relativo ao teste de alcoolémia efectuado ao arguido, nas declarações deste que confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, esclarecendo ainda o Tribunal quanto à sua situação económica e familiar, e condição social, bem como no seu certificado de Registo Criminal junto a fls.19 a 23 dos autos».

            3. APRECIAÇÃO DE DIREITO

3.1. Começamos por opinar que a 2ª peça de Motivação de recurso do arguido satisfaz minimamente os requisitos legais (artigo 412º/2 do CPP).

Não se verificando qualquer dos vícios enunciados no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, consideram-se assentes os factos supra descritos, sendo certo que não foi, de todo em todo, impugnada a matéria de facto.

3.2. DA ESCOLHA DA PENA

3.2.1. O tribunal «a quo» começou por escolher a modalidade da pena a aplicar ao arguido, tendo escolhido a pena de prisão, afastando a pena de multa substitutiva da de prisão (artigo 43º/1 do CP) e a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50º do CP).

O arguido discorda desta decisão, achando que deverá tal pena de prisão ser substituída por outra, em última instância, a prevista no artigo 44º do CP (regime de permanência na habitação).

3.2.2. A condenação do arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, não foi posta em causa no presente recurso, pois que, “quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1, 2g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

            O tribunal recorrido escolheu a pena de prisão, afastando, em primeiro lugar, a pena de multa como alternativa à pena de prisão pressuposta no tipo legal de crime.

            Depois, entendeu o tribunal que a medida da pena – de prisão - se devia situar a meio da moldura penal aplicável, demonstrando-se adequada e suficiente a pena de 6 meses de prisão, adiantando que, assente que o arguido já sofreu penas anteriores por idênticos delitos.

Em seguida, e entendendo que a substituição da pena de prisão pela pena de multa não iria de encontro às exigências preventivas especiais do caso concreto, afastou a conversão da pena de prisão em multa, nos termos do art. 43.º do CP, acabando também por excluir do leque das suas opções a suspensão da execução da pena de prisão.

Há, POIS, divergência quanto à ESCOLHA da pena aplicada ao arguido.

3.2.3. Para a fixação da pena o tribunal recorrido considerou, além do mais, as elevadas exigências de prevenção geral positiva, o elevado grau da ilicitude do facto, o dolo intenso e, em sede de prevenção especial, as anteriores condenações do arguido exactamente pelo mesmo tipo de ilícito o que revela que as penas aplicadas não têm surtido qualquer efeito.

Temos por adquirido que a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal. Também estatui o art. 70° do Código Penal que "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

Nos termos do preceituado no art. 40°, n.º 2, do Código Penal, uma das finalidades da punição é a reintegração do agente na sociedade prevenindo-se a prática de futuros crimes.

O princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas [da tutela penal] ou da máxima restrição das penas afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados, não sendo só os princípios dogmáticos do direito constitucional-penal que nos obrigam a uma reflexão mais profunda sobre a eficácia das penas privativas de liberdade.

São também os dados da reincidência a revelar que o espaço prisional mais do que reabilitativo é igualmente estigmatizante, e por consequência, alavanca maiêutica de mais criminalidade.

Aqui chegados, há que conhecer da invocada nulidade de omissão de pronúncia, avançada pelo Exmº PGA, exactamente pelo facto de não ter o tribunal recorrido sequer ponderado a possibilidade de substituição da pena de prisão de 6 meses pelas seguintes penas, admissíveis no caso vertente:

· Prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do CP[2]);

· Regime de permanência na habitação (artigo 44º do CP);

· Prisão por dias livres (artigo 45º do CP);

· Regime de semidetenção (artigo 46º do CP).

3.2.4. A determinação da pena envolve diversos tipos de operações.

Na parte que agora nos importa, o julgador, perante um tipo legal que prevê, em alternativa, como penas principais, as penas de prisão ou multa, deve ter em conta o disposto no artigo 70.º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina, em seguida, a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
Assim, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.

O artigo 70.º opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal, nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa.

Porém, a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º, o seu quantum.

No nosso caso, a moldura abstracta da pena do crime de condução de veículo em estado de embriaguez é a de prisão até um ano ou a de multa de 10 a 120 dias.

O tribunal a quo escolheu a prisão em detrimento da multa e fixou aquela em seis meses.

Já o assinalámos: da escolha da pena principal de prisão, no caso de moldura abstracta que contempla prisão ou multa, não decorre, necessariamente, que a pena privativa da liberdade tenha de ser cumprida.

O que pode acontecer é que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70.º, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, entenda dever proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (anterior artigo 44.º, agora artigo 43.º), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 364).

3.2.5. No caso em causa, a sentença recorrida não CONFUNDE os dois momentos atrás delineados: o da escolha da pena principal e o da ponderação da aplicação de uma pena de substituição.

Foi assim feito o procedimento de determinação da pena[3]:

· determinação da medida abstracta da pena (prisão OU multa);

· escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70.º do Código Penal (prisão, no caso);

· fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71.º do Código Penal (seis meses de prisão);

· ponderação da aplicação de uma pena de substituição (não substituição por multa[4] e não suspensão da execução);

· fixação, finalmente, desta pena, sendo caso disso (seis meses de prisão).

Contudo, só podemos concordar com a posição do Exmº PGA.

O tribunal deveria ter ido mais longe e continuar o seu raciocínio de escolha de pena, ponderando ainda a aplicação ou não das outras modalidades de pena aplicáveis à situação.

Ficou ele pelo seguinte: «No caso dos autos, verifica-se que o arguido já beneficiou inclusivamente por duas vezes de suspensão da execução das penas de prisão que lhe foram aplicadas, mas que apesar disso, não adequou a sua conduta em conformidade com a ordem jurídica, antes revelou indiferença às penas impostas, de onde se conclui que nem a substituição da aludida pena de prisão por multa, nem a suspensão da execução da mesma pena, ainda que condicionada ao cumprimento de injunções ou de regras de conduta, satisfazem as exigências de prevenção e de reprovação do crime».

Já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 21 de Junho de 2007, entendendo: «E não se pode dizer que, se não estavam reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena, também não estavam reunidos os pressupostos para a sua substituição nos termos do art. 58.º do CP. O trabalho a favor da comunidade não tem a mesma natureza (salvo a de ser também uma pena de substituição), nem as mesmas exigências, nem obedece às mesmas práticas de reinserção social, que a suspensão da execução da pena. Por isso, nada garante que, não podendo as exigências de punição ser satisfeitas com a suspensão da execução da pena, não o possam ser com a prestação de trabalho a favor da comunidade.» (P. 07P2059, disponível em www. dgsi.pt).

Segundo o entendimento do mesmo S.T.J., conclui-se que a sentença incorre na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.Penal ao nem sequer abordar a questão da pena de TFC (omissão de pronúncia).

O caso subjacente ao Acórdão do STJ prendia-se com a pena de prestação de trabalho de favor da comunidade. Mas o mesmo se dirá relativamente às penas dos artigos 44º, 45º e 46º do CP.

Diríamos que o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.

Ou seja:

Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

Dentro das penas de substituição em sentido próprio, para além da pena de multa (artigo.43.º, n.º 1 do C.P.), também as penas de suspensão de execução da prisão (art.50.º do CP) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do CP) podem substituir a pena de prisão de 6 meses aplicada ao arguido.

Há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do CP[5]), a prisão por dias livres[6] (art.45.º do CP - a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, QUE NÃO SEJA SUBSTITUÍDA POR PENA DE OUTRA ESPÉCIE, é cumprida em dias livres) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.º do CP), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
Tendo em conta a natureza e os pressupostos de cada uma das diferentes penas substitutivas, damos a nossa concordância à seguinte ordem de ponderação:
Substituição da pena de prisão por:
1º - multa (artigo 43º);
2º - suspensão da pena (artigo 50º);
3º - Prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º);
4º- regime de permanência na habitação (artigo 44º);
5º - prisão por dias livres (artigo 45º);
6º - regime de semidetenção (artigo 46º).

 

            3.2.6. Em processo desta Relação (RECURSO N.º 129/09.0GBNLS.C1), já tomámos a seguinte posição, quanto à pena do artigo 58º do CP:

«Haverá aqui alguma omissão de pronúncia, eventualmente reconduzível ao vício do artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP, nulidade de conhecimento oficioso?

Entendemos que não.

A fundamentação jurídica da medida da pena feita pelo tribunal recorrido, não obstante não se referir expressamente à possibilidade de substituição da prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do Código Penal), é clara no sentido de que o tribunal de 1ª instância considerou imperioso o cumprimento efectivo e contínuo da pena de prisão, afastando a aplicação ao arguido de qualquer pena de substituição ou de qualquer forma de cumprimento não contínuo da própria prisão.

Isto resulta, sem margem para dúvidas, da afirmação implícita por parte do tribunal de que é imperioso salvaguardar as necessidades de prevenção especial aqui reclamadas, que exigem um contacto com o sistema prisional, deixando-se escrito que «a execução da pena de prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes», «impondo-se o cumprimento efectivo de uma pena de prisão».

No fundo o que opina é que é premente um novo contacto do arguido com o sistema prisional.

Como tal, em face desta fundamentação, entendemos que inexiste qualquer nulidade por omissão de pronúncia que possa gera nulidade da sentença recorrida».

Acontece que o texto da decisão recorrida nesta nossa situação de hoje não é elucidativo no sentido de ter de ser em situação de reclusão a expiação do erro criminal do arguido.

E SE ASSIM É, qual o vício processual em que incorre a sentença OMISSA?

3.2.7. Não tendo o tribunal recorrido emitido expressa pronúncia sobre tais penas de substituição, cometeu a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP – nulidade que pode ser conhecida oficiosamente em recurso nos termos do n.º 2 do mesmo artigo e art. 425.º, n.º 4, ambos do mesmo diploma legal.

Na verdade, com a revisão introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, foi aditado ao mencionado preceito o seu actual n.º 2, que, para além de consagrar na lei o entendimento jurisprudencial anterior (expresso no Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 1/94, DR I-A, de 11-02-94) de que as nulidades da sentença enumeradas no n.º 1 desse artigo não têm de ser arguidas necessariamente nos termos estabelecidos na al. a) do n.º 3 do art. 120.º do CPP, podendo sê-lo em motivação de recurso para o tribunal superior, veio impor (com a expressão «ou conhecidas em recurso») o conhecimento de tais nulidades pelo tribunal ad quem, independentemente de arguição (o Acórdão do STJ de 21 de Junho de 2007 alude aos Acórdãos do STJ de 22-03-01, Proc. n.º 353/01 - 5.ª, de 18-10-01, Proc. n.º 3066/01 - 5.ª, de 06-02-02, Proc. n.º 4106/01 - 3.ª, e de 14-05-03, Proc. n.º 518/03 - 3.ª).

Também invocaremos, a favor desta tese, os Acórdãos do STJ de 31/5/2001 (SATJ – 51/97), da Relação de Lisboa de 20/5/2003 (CJ 2003-III-131) e da Relação do Porto de 27/9/2006 (CJ 2006-IV-196), expressando a nossa discordância relativamente à posição avançada por Paulo Pinto de Albuquerque no seu «Comentário…», a página 961 (3ª edição), assente que o termo «conhecidas» aposto no n.º 2 do artigo 379º é elucidativo, só podendo significar que tais nulidade de sentença são oficiosamente cognoscíveis, tendo um regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais.

Entende-se, pois, que pela anulação parcial da sentença, por força da omissão de pronúncia supra mencionada, estará o tribunal de 1.ª instância nas melhores condições para sanar a sua omissão.

                3.2.8. A constatação da referida nulidade prejudica o conhecimento da questão essencial colocada em crise pelo arguido, não estando esta Relação em condições de suprir a dita nulidade, já que não se trata de situação em que o tribunal se pronunciou sobre questão que não podia conhecer.

            Os autos devem, assim, baixar à 1ª instância para que se proceda à elaboração de nova sentença, completando-se a mesma com as menções em falta, não sendo anulado o próprio julgamento, como é bem de ver

Na nova sentença se ponderará a possibilidade de substituição da pena de prisão gizada por uma das 3 penas não conhecidas na fundamentação da 1ª sentença, optando, a final, por uma delas, se for caso disso, ou justificando por que o não faz, mantendo antes a prisão efectiva.

            III – DISPOSITIVO

            Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:

· anular parcialmente a sentença recorrida na parte relativa à possibilidade de substituição da pena de prisão aplicada ao arguido V... pela pena de trabalho a favor da comunidade, pelo regime de permanência na habitação, pela prisão por dias livres e pelo regime de semidetenção, para que o tribunal «a quo», de preferência através da mesma Magistrada Judicial, se pronuncie sobre tal questão, se necessário com produção suplementar de prova e respeitando-se o disposto no n.º 5 do art. 58.º, no n.º 1 do artigo 44º e no n.º 1 do artigo 46º do Código Penal,  decidindo-se a final em conformidade com tal ponderação.

Sem custas.


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)


[1] Note-se que tal resposta veio a ser apresentada em momento anterior à entrada em juízo da nova Motivação de recurso, convidado que foi pelo Exmº Juiz para completar e corrigir a primeira Motivação (precisamente pelos vícios enunciados pelo MP).

[2] Como se sabe, de acordo com a lei – artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal (revisto em 2007) – a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade “sempre que [o tribunal] concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – no fundo, estamos perante um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação desta medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão – ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 [Relator: Cons. Rodrigues da Costa], Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo II, p. 228.

Considerada como uma das mais relevantes e revolucionárias medidas de político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório [ver Maia Gonçalves, Código Penal Português – 11ª ed., em anotação ao art. 58.º] e recomendada pelas mais altas instâncias [v.g. as recomendações e resoluções do Conselho da Europa e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990 – com menção expressa à imposição de prestação de serviços à comunidade no ponto 8.2.i)], a prestação de trabalho a favor da comunidade concita elevadas expectativas na progressiva afirmação das medidas não institucionais como fórmulas punitivas indispensáveis à eficácia do sistema penal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/7/2008, no Pº 0842309 (nº convencional JTRP00041539 –http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5b7495cf2e91b4f5802574880050042a?)

Tal prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração [mesmo que em regime de dias livres] e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido. Ao mesmo tempo, apela a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica.

[3] A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
[4] Quanto à segunda ponderação da aplicação de uma pena de multa, estamos com o Acórdão da Relação do Porto de 20/4/2009, publicado no site do itij:
«Aparentemente, tendo o tribunal a quo optado pela aplicação da pena de prisão em alternativa à aplicação da pena de multa, levaria a crer que a questão da eventual substituição desta pena de prisão por multa, já não se colocaria. Puro engano, segundo a posição de Figueiredo Dias e que se acolhe.
Este jurisconsulto, na obra Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, afirma a fls. 363 e 364:
“Se, apesar deste comando, o tribunal se decide pela pena de prisão, que sentido poderá ter, quando ao crime fosse já aplicável em alternativa prisão ou multa, cominar a substituição-regra por multa da prisão concretamente fixada em medida não superior a 6 meses”?
Para logo responder:
“A resposta está em que uma coisa é a aplicação da pena de multa ser preferível à da prisão, outra diversa e muito mais estrita, é que a execução da prisão seja exigida por razões de prevenção; além temos um critério de conveniência e de maior ou menor adequação, aqui um critério estrito de necessidade: é necessário - e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável - que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção”».
[5] A vigilância electrónica é meio técnico de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação permitido no País a partir da introdução do n.º 2 do art. 201º do CPP pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, regulado pela Lei 122/99, de 20 de Agosto (medida de coacção que não se confunde, como é bem de ver, com o regime do artigo 44º do CP). A Lei n.º 59/2007 de 4.9 prevê que o disposto no n.º 1 do artigo 1º, no artigo 2º, nos n.ºs 2 a 5 do artº3º, nos artigos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artº 8º e no artº9º da Lei n.º122/99, de 20.8, que regula a vigilância electrónica prevista no artº201º do Código de Processo Penal, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 44º e 62º do Código Penal. Isso mesmo agora também resulta do texto do artigo 2º do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, a entrar em vigor proximamente
[6] Note-se que a prisão por dias livres constituiu-se como uma pena de substituição detentiva (em sentido impróprio), enquadrando-se, a par do regime da semidetenção (artigo 46º do CP), no quadro integrado dos esforços empreendidos para substituir as penas curtas de prisão (contínua) por medidas político-criminais mais aceitáveis. Tal pena só poder ter lugar quando anteriormente o tribunal tenha considerado, nos termos da parte final do artigo 43º, n.º 1, que a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir futuros crimes. Por isso, ou se aplica a prisão por dias livres, ou se suspende a execução da pena de prisão, não sendo possível a suspensão de uma pena de prisão por dias livres.