Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
485/12.2TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ACÇÃO ESPECIAL
PROCEDIMENTO
Data do Acordão: 02/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 98º, Nº 1, 98º-D, 98º-C, 98º-I E 98º-J DO CPT (VERSÃO DO DEC. LEI Nº 295/2009, DE 13/10; 193º, Nº 2, AL. A) DO CPC.
Sumário: I – Com a revisão do CPT/2009 e com a instituição da nova acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, agora o trabalhador terá apenas de apresentar um requerimento, feito em formulário electrónico, comunicando o seu despedimento e identificando o empregador, conforme o disposto no artº 98º-D.

II – Nesta fase inicial, embora dando impulso processual à impugnação do despedimento, fica o trabalhador dispensado de fundamentar a sua posição ou apresentar qualquer tipo de prova.

III – Passa a competir ao empregador o ónus de alegar e provar os factos que estiveram subjacentes ao despedimento e defesa da sua validade, apresentando o articulado motivador do despedimento a que se refere o artº 98º-J.

IV – Ou seja, o empregador passa a assumir processualmente uma posição muito semelhante à de um autor, apesar de ser a parte contra a qual é instaurada a acção, na medida em que lhe compete apresentar, junto do tribunal, um articulado que motive o despedimento, para o que oferecerá todas as provas, sendo depois o trabalhador notificado para responder, querendo, no prazo de 15 dias.

V – Esse articulado motivador assume claramente a natureza de uma petição inicial, onde o empregador deverá motivar o despedimento, apresentar as provas respectivas e formular o correspondente pedido, designadamente a validade do procedimento disciplinar e a licitude do despedimento, sob pena de essa “petição” ser inepta – artºs 193º, nº 2, al. a) e 467º, nº 1, als. d) e e) do CPC.

Decisão Texto Integral:                         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                      A... (adiante designada por Autora) instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra B..., LDª (adiante designada por Ré), através do formulário a que se alude no art. 98.º n.º 1 do Cod. Proc. Trabalho, na versão do  Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, alegando que foi despedida pela Ré em 14 de Março de 2012.

                        Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, foi a Ré notificada “para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas” – fls. 18.

                        Veio, então, a Ré apresentar a peça de fls. 23, do seguinte teor:

                        “ B..., Lda., R. nos autos à margem referenciados, notificada para juntar aos autos o original do processo disciplinar que moveu contra a A., vem cumprir com tal douto despacho, dando como reproduzidos todos os factos do mesmo constantes, quer quanto à conformidade procedimental quer quanto à matéria de facto que sustentou a decisão proferida, e entendeu haver justa causa para despedimento da A..

                        Mais declara opor-se à reintegração da Autora.

                        Para o caso de se entender necessário, indica como meios de prova os documentos constantes do processo disciplinar e ainda, como testemunha, a autora da declaração que constitui fls. 1 do processo disciplinar:

                        - C..., com domicilio profissional na sede da R ..

                        R. ainda a junção aos autos de fotocópia de despacho de arquivamento da queixa apresentada pela A. contra o gerente da R..

                        Junta: 2 documentos “

                        Posteriormente, foi proferida sentença, na qual, e com relevância, se decidiu o seguinte:

                        (...)Nos termos do disposto no artigo 98º-I nº 4 alínea a) do Código de Processo do Trabalho, frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

                        Sendo que, por força do disposto no artigo 98º-J do mesmo código:

                        1 - O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.

                        2 - No caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração do trabalhador nos termos previstos no artigo 392.º do Código do Trabalho, o empregador deve requerê-lo desde logo no mesmo articulado, invocando os factos e circunstâncias que fundamentam a sua pretensão, e apresentar os meios de prova para o efeito.

                        3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador e:

                        a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;

                        b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado;

                        c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

                        4 - Na mesma data, o empregador é notificado da sentença quanto ao referido nas alíneas a) e b) do número anterior.

                        Compulsados os autos constata-se que a entidade empregadora, efectivamente, no requerimento de fls. 23, deu como reproduzidos todos os factos constantes do procedimento disciplinar, “(...) quer quanto à conformidade procedimental, quer quanto à matéria de facto que sustentou a decisão proferida, e entendeu haver justa causa para despedimento da A.”.

                        Importa como tal aferir se tal será bastante, como sustenta a mesma, para que se entenda cumprido o ónus imposto pelos referidos artigos e caso não o seja se poderá ainda assim o Tribunal decidir no sentido do aperfeiçoamento nos termos propugnados.

                        Resulta da formulação ínsita no referido artigo 98º-I nº 4 alínea a) do Código de Processo do Trabalho, que o legislador impôs ao empregador, não apenas a junção do procedimento disciplinar mas igualmente que o mesmo motivasse o despedimento mediante a apresentação de um articulado.

                        Não se podendo esquecer que, conforme decorre do disposto no artigo 151º do Código de Processo Civil (disposição a ter em conta por remissão do artigo 1º no 2 alínea a) do Código de Processo Civil), os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes.

                        Impondo o legislador – adjectivando processualmente o disposto no artigo 387º nº 3 do Contrato de Trabalho – que o empregador apenas possa invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador (artigo 98º-J nº 1 do Código de Processo do Trabalho).

                        Daqui decorre que o legislador impôs que através do referido articulado a entidade empregadora expusesse os fundamentos de facto e de direito da acção no sentido da declaração da licitude do despedimento.

                        Sem que se possa entender o cumprimento de tal ónus pela mera junção de requerimento dando por reproduzidos os factos constantes do despedimento disciplinar, como aquele que foi junto a fls. 23.

                        Não se põe em causa, concordando-se com A. Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., Coimbra, 1999, p. 201 - nota 353) que “se ao abrigo do disposto no CPC de 1961, caracterizado por um maior rigor formal, já era maioritária a tese que admitia a alegação dos factos por referência a documentos simultaneamente apresentados com o respectivo articulado, a nova filosofia inerente aos princípios orientadores da reforma processual e a concretização normativa a que foram sujeitos torna ainda mais defensável a conclusão acerca da admissibilidade da alegação por remissão para documentos, desde que destes resulte qual o facto neles demonstrado que se procura invocar”, no que é acompanhado pela jurisprudência (cfr. a titulo de exemplo, acórdão do STJ de 13 de Maio de 1997, BMJ nº 467, p. 510).

                        Todavia, tal não admite a total inexistência de articulado, onde se exponham, em termos mínimos, a causa de pedir.

                        Devendo ter-se presente na interpretação dos preceitos legais em causa, de harmonia com o disposto no artigo 9º do Código Civil, que:

                        1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

                        2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

                        3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

                        Parecendo evidente que, bastando-se o legislador com a junção do procedimento disciplinar, não teria imposto igualmente a necessidade de junção de articulado motivando o despedimento.

                        Face a todo o exposto, impõe-se concluir que o requerimento junto pela entidade empregadora não preenche os requisitos legais para que se entenda cumprido o ónus de apresentação do articulado a que aludem os artigos 98º-I nº 4 alínea a) e 98º-J do Código de Processo do Trabalho.

                        Por outro lado, cumpre ainda concluir que está vedado ao Tribunal proferir qualquer despacho em ordem ao aperfeiçoamento do referido requerimento, ao abrigo do disposto no artigo 27º alínea b) do Código de Processo do Trabalho e 508º do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 61º nº 1 e 98º-M do C.P.T.

                         Isto porque tal aperfeiçoamento implica, em termos mínimos, que haja algo a aperfeiçoar, designadamente quando deixem de ser alegados alguns factos com relevo para a boa decisão da causa e não nos casos em que inexiste qualquer articulado, como a situação em apreço nos autos, em tudo equiparada à ineptidão prevista no artigo 193º do Código de Processo Civil, face à total ausência de factos motivando as razões que presidiram ao despedimento e susceptíveis de levar a conclusão da sua licitude.

                        Isto porque, como bem refere A. ABRANTES GERALDES (Temas da Reforma do Processo Civil, volume II, 1999, p. 81, “(...) a falta de alegação do facto integrador da norma aplicável ao caso concreto determina a ausência de causa de pedir ou da excepção determinante de um vicio do articulado insusceptível de ser corrigido (...)”.

                        Tudo para concluir não assistir razão à entidade empregadora e que como tal haverá que dar cumprimento de imediato ao disposto no 98º -J nºs 3 e 4 do Código de Processo do Trabalho.

                                                                       *

                        A trabalhadora deduziu contestação e reconvenção peticionando o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

                        Por força do atrás decidido caberá proferir decisão de imediato.

                        Ficando prejudicada a referida reconvenção, na medida em que a mesma sempre pressuporia que houvesse lugar a contestação (artigo 98º-L nº 3 do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo da notificação da trabalhadora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º-J alínea c) do Código de Processo do Trabalho.

                        Sendo que a trabalhadora poderá reclamar tais créditos mas já no âmbito de uma nova acção, na sequência de tal notificação, a seguir esta os termos da acção declarativa com processo comum, concordando-se com o entendimento de ALBINO MENDES BAPTISTA (A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, reimpressão, Coimbra, 2010, p. 96), quando discorrendo sobre o tema, refere o seguinte:

                        “(...) a lei não resolve o destino da acção a partir desse momento. Obviamente que o empregador tem direito a contestar esta “nova acção”, que deverá seguir o processo declarativo comum, perdendo a natureza urgente. É que se trata efectivamente de uma nova acção, porque o “formulário” que deu origem à anterior desembocou numa condenação.”.

                        Daqui se concluindo não haver lugar à admissão de qualquer reconvenção.

                                                                       *

                        Não há outras nulidades, excepções ou questões prévias a apreciar.

                                                                       *

                        Como atrás se deixou supra expresso, por força do disposto no artigo 98º-J nº 3 alíneas a) e b) do Código de Processo do Trabalho, se o empregador não apresentar o articulado motivador do despedimento, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador e:

                        a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos nos 2 e 3 do artigo 391o do Código do Trabalho;

                        b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado.

                        As custas serão suportadas pela entidade empregadora, considerando que a mesma a elas deu causa e o disposto no artigo 446º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (aplicável por remissão do artigo 1º nº 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho), fixando-se o valor da presente acção, nos termos do artigo 98º-P nº 2 do Código de Processo do Trabalho e à falta de outros elementos para o efeito, no valor previsto no artigo 12º nº 1 alínea e) do Regulamento das Custas Processuais.

                                                                       *

                        Pelos fundamentos expostos, declaro ilícito o despedimento da trabalhadora A... efectuado pela entidade empregadora B..., Lda. e em consequência condeno esta última a pagar à primeira:

                        a) Uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades auferidas pela trabalhadora por cada ano completo ou fracção de antiguidade da mesma na entidade empregadora até ao trânsito em julgado da presente decisão e nunca inferior a três meses;

                        b) As retribuições que a trabalhadora deixou de auferir da entidade empregadora desde a data do seu despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão.

                        Custas da acção pela entidade empregadora.

                        Valor da acção: O previsto no nº 1 da tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
                        Registe e notifique, sendo que a trabalhadora, nos termos do artigo 98º-J nº 3 alínea c) do Código de Processo do Trabalho, para, querendo e em 15 dias, vir apresentar articulado no qual peticione (outros) créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação e a entidade empregadora nos termos do artigo 98º-J nº 4 Código de Processo do Trabalho”.
                        Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
[…]
                       

                        Não foram apresentas contra-alegações.
                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido de ser formulado convite à Ré para aperfeiçoar a peça de fls. 23.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões em discussão:
                        - se se deve considerar a peça de fls 23., apresentada pela Ré, como o articulado motivado do despedimento a que se refere o artº 98º-J do CPT;
                        - se devia ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento de tal peça, ao abrigo do artº 27º, al. b), do CPT.
                                                                  x
                        Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.

                                                                       x
                        -o direito:
                        Como resulta do art.º 98º- C do CPT (diploma a que pertencerão as disposições legais que se passam a citar sem menção de origem), na versão introduzida pelo Dec-Lei nº 295/2009, de 13/10, em vigor desde 01/01/2010, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, é aplicável a nova acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

                        Com a nova acção especial, pretendeu o legislador criar um mecanismo processual que permita a resolução rápida e célere dos despedimentos individuais, atenta a natureza dos interesses em jogo, em particular para o trabalhador, que se vê desprovido do seu trabalho e do seu salário, em muitos casos por longos períodos, face à demora da resolução da acção (de impugnação judicial do despedimento) prevista no processo comum - artigos 51º e seguintes.       

                        É uma acção especial cuja tramitação está prevista nos artigos 98º-B a 98º-P do mencionado diploma legal.

                        Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, no prazo de 60 dias previsto no nº 2 do artigo 387º do CT.

                        Na audiência de partes, depois de o juiz a declarar aberta, o empregador expõe de forma sumária os fundamentos que motivam o despedimento (artº 98º-I, nº 1). Após esta exposição dos fundamentos que no entender do empregador motivaram o despedimento o trabalhador responderá expondo também, de forma sumária, as suas razões.

                        Frustrada a conciliação, o juiz, caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção com processo comum (artº 98º-I, nº 3).

                        Caso não se verifique a inadequação processual o juiz, conforme dispõe o nº 4 do artº 98º-I, logo na audiência de partes procede à notificação do empregador para, em 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar, documentos, rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas [alínea a)], fixando, ainda, a data da audiência final [alínea b)].

                        Se o empregador não apresentar o mencionado articulado, ou este for apresentado intempestivamente, ou, mesmo que apresentado, não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador e:

                        a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos nºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;

                        b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado;

                        Anteriormente, o trabalhador que instaurasse uma acção de impugnação de despedimento tinha necessariamente que elaborar uma petição inicial, e nela expor as razões de facto e de direito que fundamentavam a sua posição. 
Com a revisão do CPT e instituição desta nova acção especial agora o trabalhador terá apenas de apresentar um requerimento, feito em formulário electrónico, comunicando o seu despedimento e identificando o empregador, conforme o disposto no artº 98.º-D.



                        Nesta fase inicial, embora dando impulso processual à impugnação do despedimento, fica o trabalhador dispensando de fundamentar a sua posição ou apresentar qualquer tipo de prova.

 Passa a competir ao empregador o ónus de alegar e provar  os factos que estiveram subjacentes ao despedimento e defesa da sua validade, apresentando o articulado motivador do despedimento a que se refere o artº  98º-J.

                        Ou seja, o empregador passa a assumir processualmente uma posição muito semelhante à de um autor, apesar de ser a parte contra a qual é instaurada a acção, na medida em que lhe compete apresentar, junto do tribunal, um articulado que motive o despedimento, para o que oferecerá todas as provas, sendo depois o trabalhador notificado para responder, querendo, no prazo de quinze dias- cfr. Ana Luísa Beirão e Inês Coelho Simões, em estudo publicado em http://emprego.sapo.pt/guia-carreira/artigo/139/artigo.htm.

                        Assim, temos que esse articulado motivador assume claramente a natureza de uma petição inicial, onde o empregador deverá motivar o despedimento, apresentar as provas respectivas e formular o correspondente pedido, designadamente a validade do procedimento disciplinar e a licitude do despedimento.

                        A petição será inepta quando “falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir” - al. a) do nº 2 do artº 193º do CPC.

                        A petição inicial, como  articulado através do qual o autor propõe a acção, constitui a peça fundamental de todo o processo, delimitando o objecto da causa e conduzindo a certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito e dos fundamentos respectivos, nela devendo o autor expor os fundamentos da acção e concluir pela formulação do pedido – artº 467º, nº 1, als. d) e e) do Código de Processo Civil.

                        Refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pag. 111, que na petição inicial o autor deve expor a causa de pedir – acto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito  que o autor invoca e pretende fazer valer e deve o autor indicar o direito para que solicita ou requer tutela judicial e o efeito jurídico pretendido.

                        Como decorre do disposto no artigo 498º, nº 4, do CPC, a causa de pedir é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, ou seja, o facto ou o conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais há-de derivar o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, se pretende ver juridicamente reconhecidos.

                        Refere, por outro lado, Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, Vol. I, 3ª ed., 253 que a “(...) p.i. há-de expor um facto jurídico (causa de pedir) e tirar dele, como conclusão, um efeito de direito, que o autor impetra lhe seja reconhecido (pedido). Se não se formula qualquer pedido ou se não se expõe a causa de pedir, ou se se faz aquela formulação, ou esta exposição em termos incompreensíveis, só materialmente se poderá falar em p.i., porque substancialmente é evidente que o não é. Tal peça jurídica, com falta desses requisitos, não se mostrará apta a reproduzir, em Juízo, o litígio – daí a sua ineptidão.”

                        Mas, como salienta Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 372, importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente... . Quando a petição, sendo suficiente quanto (...) à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga”.

                        É que, como refere este autor, “Podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir”.

                        Como articulado que é, a motivação do despedimento está sujeita às regras processuais no que diz respeito à sua existência e requisitos.  

                        Assim, nele deve o empregador expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formular o pedido- als. d) e e) do nº 1 do artº 467º do CPC.

                        Os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes” - nº 1 do artº 151º do mesmo diploma
                        “Nas acções, nos seus incidentes e nos procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessem à fundamentação do pedido ou da defesa, sem prejuízo dos casos em que a lei dispensa a narração de forma articulada”- nº 2 de tal artigo.

                        Em regra, no julgamento do pleito o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes (artºs 664º e 264º, nº 2, do CPC). No caso específico da acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a entidade empregadora  apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador (artigo 98º-J, nº 1, do CPT).

                        O autor alegará os factos em que se baseia a sua pretensão (causa de pedir) na petição inicial (artºs 264º, nº 1, e 467º, nº 1, al. d), do CPC) e o réu deduzirá toda a sua defesa na contestação (artº 489º do CPC).

                        Chegados aqui, e se face à alegação da Ré, contida na citada peça de fls. 23, se deveria considerar como suficientemente indicada a causa de pedir, com o consequente convite ao aperfeiçoamento, incluindo a alegação por artigos, nos termos do citado artº 151º do CPC, e a descrição discriminada, sem a mera remessa para o procedimento disciplinar, dos factos que integrariam a justa causa de despedimento, há, todavia,  que considerar a ineptidão da petição inicial, revestindo, como vimos, essa natureza o articulado motivador do despedimento, já que a aqui Ré não formula, em tal peça, qualquer pedido, designadamente, como vimos, a validade do procedimento disciplinar e a licitude do despedimento.

                        Não se pode, assim, qualificar essa peça /requerimento como articulado motivado do despedimento, inexistindo este, como tal, nos presentes autos.

                        Também por essa inexistência/ineptidão, evidente se torna que fica excluída qualquer possibilidade de aperfeiçoamento, designadamente nos termos do artº 27º, al. b), do CPT. Não se pode aperfeiçoar aquilo que não existe.

                        Não merece, assim, qualquer censura a sentença recorrida, improcedendo as conclusões do recurso.


                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                        Custas pela apelante.

Ramalho Pinto (Relator)

Azevedo Mendes

Joaquim José Felizardo Paiva