Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2106/09.1TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXTINÇÃO DE EXECUÇÃO
LEVANTAMENTO DE PENHORA
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 713º E 728º, Nº 2 DO NCPC.
Sumário: 1. A extinção da execução não impede o tribunal de apreciar qualquer outra questão que se possa colocar relativamente a alguma penhora que devesse ser levantada, a alguma quantia não restituída nos autos, a algum título por emitir.

2. A declaração de extinção da execução com fundamento na adjudicação de direito de crédito ao exequente a título de dação pro solvendo, não à obsta à apreciação de um requerimento pelo qual o executado alega que os descontos no vencimento já excederam o montante da quantia exequenda da responsabilidade daquele executado.

Decisão Texto Integral:








            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Nos presentes de execução para pagamento de quantia certa que R..., Lda., instaurou contra A... e outros,

veio a co-executada T..., Lda apresentar requerimento que denomina de Reclamação, no qual concluiu nos seguintes termos:

“Torna-se patente que existe nos presentes autos tanto a nulidade parcial da dívida exequenda, em decorrência direta e imediata da inexistência de grande parte da mesma dívida, como existem também pagamentos em excesso por parte dos executados.

Na sequência:

A) Invoca-se a INEXISTÊNCIA PARCIAL da alegada DÍVIDA EXEQUENDA para efeitos da declaração de NULIDADE PARCIAL da MESMA DÍVIDA e de INEXIGIBILIDADE PARCIAL da OBRIGAÇÃO EXEQUENDA (art. 713.º C.P.C.), o que se requer, mais se requerendo também o conhecimento oficioso desta exceção dilatória, para todos os legais e devidos efeitos, nomeadamente para absolvição dos executados (art. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º do C.P.C.) da parte executada em excesso: €38.634,25 (€48.146,95 (valor execução) - €9.512,70 (valor realmente devido no início Execução)) e para efeitos de anulação de atos processuais (art. 195.º, n.º 2 “ex vi” do art. 551.º, n.º 1, ambos do C.P.C.), como seja a transação usurária levada a efeitos nos presentes autos (cfr. fl.s 79 e 80);

B) IMPUGNA-SE também o VALOR da EXECUÇÃO vertente, pois que além do seu montante não ser exigível na parte em excesso, também ao montante de capital inicialmente em dívida de €25.367,21, deverão ser deduzidos os pagamentos já realizados à exequente por conta dessa dívida (€15.854,51), e que ela aceitou, desde Abril/2008 até final de janeiro/2009, que reduziram a dívida exequenda realmente devida para o montante de € 9.512,70, mais se requerendo também o conhecimento oficioso desta exceção perentória (art.s 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º, ambos do C.P.C.) e, na sequência, a absolvição dos executados;

C) Em consequência, e nos termos dos art.s 305.º, n.º 1, 306.º e 308.º, todos do C.P.C., MAIS SE REQUER que seja o VALOR da Execução RETIFICADO e FIXADO AGORA em €9.512,70 (nove mil quinhentos e doze euros e setenta cêntimos);

D) Por falta de aptidão dos títulos executivos ou desconformidade entre os títulos e a pretensão (inexistência do alegado crédito neles constantes), IMPUGNAM-SE alguns TÍTULOS EXECUTIVOS (letra de € 19.025,40 e o cheque), e cujo conhecimento oficioso desta exceção dilatória inominada (art. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º do C.P.C.) ora se requer para os devidos e legais efeitos, nomeadamente, para absolvição dos executados do pedido nessa parte;

E) Reclama-se a declaração de extinção, por pagamento integral e completo da verdadeira dívida exequenda (€9.512,70) e restantes quantias ora exequendas efetivamente devidas, nada mais tendo a reclamante e co-executados que pagar seja a que título for;

F) Requer-se que seja decretado o levantamento imediato de toda e qualquer penhora, por serem ilegais e inúteis (art.s 130.º e 195.º, n.º 2 do C.P.C.), nomeadamente, a penhora sobre o salário da executada L... (art.s 130.º e 195.º, n.º 2, ambos do C.P.C.), a expensas exclusivas da ora exequente;

G) Requer-se que seja ordenada a imediata restituição das quantias pagas em excesso pelos executados, no valor até ao presente momento de €63.923,86 (€73.436,56 (valor pago pelos executados desde 24 Abril/2008 até novembro de 2017) - €9.512,70 (valor realmente em dívida início Execução)), bem como se requer também a devolução das quantias que sejam penhoradas a partir do presente momento;

H) Mais deverá ser julgado procedente, nos termos dos artigos 542.º e 543.º, ambos do Cód. Proc. Civ., o pedido de condenação da Exequente em multa e expressiva indemnização a favor da ora Reclamante, por litigância de má-fé.

Pelo Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho, de que agora se recorre:

Req. 15.12.2017 (cfr. ref. n.º ...) e req. 15.12.2017 (cfr. ref. n.º ...): Uma vez que a execução está extinta e que a pretensão da executada consubstancia uma verdadeira oposição à execução para a qual já foi citada e não deduziu, indefere-se o requerido pela executada.

Notifique.”

  Não se conformando com tal decisão, o Credor Reclamante C... dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:

1º Na indeferida Reclamação de nulidade parcial (agora adequada formalmente em Oposição à Execução), de cujo douto despacho de indeferimento ora se recorre, carrearam-se aos autos os seguintes problemas básicos:

A) Nulidade parcial da presente execução e suas penhoras inerentes, em virtude (também) da existência de factos modificativos e extintivos supervenientes que existiram após o momento da citação para a Oposição à Execução;

B) Nessa Reclamação foram invocadas exceções perentórias, as quais são de conhecimento oficioso.

2º A Meritíssima Senhora Juíza do tribunal “a quo” adequou formalmente (artigo 547.º do novo C.P.C.) e equiparou, desde logo, a Reclamação indeferida a uma Oposição à Execução.

3º Porém, se se concorda com esta adequação formal da Reclamação indeferida,

4º já não se pode aceitar, então, o facto de tal Oposição à Execução não ter sido aceite e apreciada.

5º Isto porque - e conforme se pode extrair da letra e do pensamento que subjaz ao douto despacho ora recorrido -, a Reclamação foi indeferida não porque configure uma verdadeira Oposição à Execução,

6º mas foi indeferida, isso sim, porque no entender do Tribunal “a quo”, sendo tal Reclamação uma Oposição à Execução, esta não foi apresentada em devido tempo,

7º ou seja, aquando da citação dos executados para se oporem à Execução….

8º Embora não seja invocado “expressis verbis”, da leitura do douto Despacho ora recorrido facilmente se depreende que ele alude, sem dúvida alguma, ao artigo 728.º, n.º 1 do novo C.P.C..

Porém, sucede que:

9º O art. 728.º, n.º2 do novo C.P.C. preceitua que: “2 — Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.”

Ora,

(…)

14º A co-executada (devedora principal), ora recorrente, deduziu imediatamente e DENTRO DOS 20 (vinte) DIAS após este conhecimento, a Reclamação ora indeferida,

15º - A Reclamação indeferida entrou em juízo, via CITIUS, no dia 15 de dezembro de 2017, às 13:11:46 -,

(…),

18º Pelo que a Reclamação em causa – agora adequada formalmente sob a capa de Oposição à Execução por factos supervenientes - deveria ter sido, então, aceite e devidamente apreciada.

19º Mas não foi !!

20º O douto despacho ora recorrido é, assim, nulo, porque ilegalmente não conheceu das questões concreta e legalmente colocadas pela recorrente, a saber:

- Factos modificativos e extintivos supervenientes que existiram após o momento da citação para a Oposição à Execução, factos esses que vieram, assim, tornar nula parcialmente a presente execução e as penhoras inerentes;

- Invocadas exceções perentórias constantes da Reclamação (agora adequada em: Oposição à Execução), as quais são, aliás, de conhecimento oficioso.

21º Nulidade (at. 195.º, n.º 1 do C.P.C.) e omissão de pronúncia esta, por não cumprimento dos art.s 152.º, n.º 1 e 411.º, ambos do novo C. P.C., a qual se invoca para todas os legais e devidos efeitos, e da qual a ora recorrente se pretende fazer valer.

Consequentemente,

22º A Meritíssima Senhora Juíza do tribunal “a quo”, ao indeferir a Reclamação, agora sob a forma de Oposição à Execução,

23º Veio inviabilizar todo e qualquer meio de defesa que o Código de Processo Civil coloca à disposição de um executado.

Com efeito, (…),

27º O tribunal “a quo” não respeitou os princípios processuais da igualdade de armas (art. 4. do novo C.P.C.); do dispositivo (artigo 5.º do novo C.P.C.) e do inquisitório (artigo 411.º do novo C.P.C.).

Com efeito, (…),

34º O douto despacho ora recorrido é ilegal, porque viola princípios processuais da igualdade de armas, do dispositivo e do inquisitório e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, (…).

Destarte,

36º O douto despacho ora recorrido ao não aceitar e ao não apreciar, assim, a Reclamação (agora: Oposição à Execução), levou a que, ilegalmente:

A) Não tivesse sido cumprido, desde logo, o artigo 728.º, n.º 2 do novo C.P.C.;

B) Não fossem respeitados os princípios processuais da igualdade de armas; do dispositivo e do inquisitório;

C) Não tenham sido conhecidos e atendidos (também) os factos modificativos e extintivos supervenientes que existiram após o momento da citação para a Oposição à Execução, factos esses que vieram, assim, tornar nula parcialmente a presente execução e as penhoras inerentes.

D) Não tenham sido conhecidas as invocadas exceções perentórias constantes da Reclamação, as quais são, aliás, de conhecimento oficioso.

(…).

Destarte,

41º O douto despacho também por aqui é nulo, pois omitiu o poder-dever que impende sobre o julgador: apreciar oficiosamente exceções invocadas perante ele (art.s (at. 195.º, n.º 1, 576.º, n.º 3, e 579.º, todos do novo C.P.C.),

42º nulidade esta a qual ora se invoca e pretende a recorrente fazer-se valer para todos os legais e devidos efeitos.

43º Mais incorreu o tribunal “a quo” em manifesta inconstitucionalidade, pois que:

44º O douto Despacho ora recorrido ao não aceitar a Reclamação (agora: Oposição à Execução) nos termos do n.º 2 do art. 728.º do novo C.P.C., fez pura tábua-rasa ou letra morta deste referido comando legal.

45º E repare-se que não é um preceito legal de somenos importância, pois que serve de válvula de escape no sistema processual judiciário,

46º de modo a que, assim, as partes venham, precisamente, invocar e fazer valer-se de factos modificativos, impeditivos ou extintivos da pretensão da contra parte,

47º e assim assegurar um processo justo, equitativo e com igualdade de armas.

Ora, (…).

Nessa medida,

51º O douto despacho ora recorrido enferma de inconstitucionalidade, tanto porque ao indeferir a Reclamação (agora: Oposição à Execução) ofendeu o princípio constitucional da igualdade, plasmado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa,

52º e ofendeu o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no art. 20.º também do nosso Diploma Básico,

53º bem como violou o disposto em Convenções Internacionais a que Portugal aderiu e se obrigou a cumprir nesta matéria.

54º A recorrente invoca tal inconstitucionalidade para todos os devidos e legais efeitos, desde logo, para a imediata revogação do douto despacho ora recorrido e sua substituição por outro que aceite a Reclamação (agora: Oposição à Execução), nos termos do n.º 2 do art. 728.º do novo C.P.C. e, bem assim, para efeitos de possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional se for o caso.

55º Deve, pois, esse Venerando Tribunal apreciar e declarar as nulidades e omissões legais invocadas pela recorrente,

56º Mais declarando nulo o Douto Despacho ora recorrido, e substituí-lo por outro que ordene a aceitação e a devida apreciação da Reclamação - agora: Oposição à Execução por factos modificativos e extintivos supervenientes -, apresentada.



Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpridos que foram os vistos legais ao abrigo do nº2 do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.  
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo –, e apesar da extensão das suas conclusões de recurso, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Se o juiz a quo se podia abster de apreciar o Requerimento apresentado pela Executada a 15 de dezembro de 2017:
1.2. por consubstanciar uma verdadeira oposição à execução quando, tendo sido devidamente citada, não deduziu oposição;
1.3. por a execução se encontrar extinta.
1.4. A integrar uma oposição à execução extemporânea, se o juiz dela devia conhecer oficiosamente.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A questão objeto do presente recurso passa por decidir se o juiz a quo se poderia ter abstido de apreciar o Requerimento apresentado pela executada a 15.12.2017, com fundamento em que o mesmo, por um lado, configura uma oposição à execução, quando devidamente citada não deduziu oposição e, por outro lado, porque a execução já se encontraria extinta.

Da análise dos autos, nomeadamente da consulta ao processo executivo onde foi proferido o despacho sob recurso, teremos em consideração os seguintes factos, com interesse para a decisão das questões em apreço:

1. A execução foi instaurada por requerimento executivo apresentado a 10 de abril de 2009, e do qual consta que o exequente é portador de: i) letra no valor de 25.367,21€; ii) letra no valor de 19.025,40€ e cheque no valor de 1.902,54€; mais alega o exequente que “O avalista ora executado L... garantiu o pagamento da letra no valor de 19.025,40€e que “O avalista ora executado A..., garantiu o pagamento da letra no valor de 25.367€, responsabilizando-se pela executada, aceitante, afiançada.”
2. Por auto de 29 de fevereiro de 2019 foi efetuada a penhora no vencimento da executada L..., no montante mensal de 681,69€, até um total de 52.961,65€ (48.146,95€ de dívida exequenda mais 4.814,70€ de despesas prováveis), penhora de que lhe foi dado conhecimento por carta enviada a 29 de fevereiro de 2019.

3. A 16-012-2013, foi proferido o seguinte despacho:

“Do expediente junto aos autos resulta que já estão asseguradas as despesas relativas à intervenção do Senhor Agente de Execução, impondo-se, tão só, a notificação da entidade pagadora das quantias penhoradas para pagamento direto à Exequente das quantias vincendas até liquidação integral da crédito do mesmo, ao abrigo do previsto no art.º 779º, n.os 3 e 4 do atual C.P.C., aplicável ex vi art.º 6º, n.º 1 da L 41/2013 de 26 de Junho.

Pelo exposto, ao abrigo do previsto no art.º 779º, n.os 3 a 5 do C.P.C., determina-se a notificação da entidade pagadora para entrega à Exequente das quantias vincendas até integral pagamento da quantia exequenda e, consequentemente, declara-se extinta a execução, sem prejuízo da renovação da instância nos termos e para os efeitos previstos no art.º 850º, n.º 5 do C.P.C..

Dê baixa.

Notifique.

4. A 21.02.2014 consta uma informação do A.E. no sentido de que o montante então em dívida ascendia a 41.167,94€, encontrando-se a decorrer os descontos sobre o vencimento da executada L..., prevendo-se que seriam necessários 68 meses para a recuperação integral do crédito.

5. A 09.05.2015, pelo A.E. foi junto aos autos o expediente respeitante à citação dos executados, resultando dos respetivos A/R que a executada L... foi citada a19 de junho de 2009, o executado A... e a executada reclamante foram citados a 02.03.2012, sendo que, nenhum dos executados deduziu oposição à execução.

6. A 03-09.2015, é proferido o seguinte despacho:

Face ao requerimento da exequente com a referência 19574820, de 11 de Maio de 2015, a dar conta da existência de um acordo de pagamento em prestações da dívida exequenda, notifique o Sr. Agente de Execução para, em 10 dias, extinguir a execução, nos termos do disposto no artigo 806.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou justificar a não extinção.”

7. O A.E. responde a 14.09.2015 que “os presentes autos já se encontram extintos pela adjudicação da penhora de vencimento”.

8. A 22.09.2016, foi nos autos aposto visto em correição.

9. O Requerimento em apreço foi enviado eletronicamente a 17 de dezembro de 2017.

Vejamos, então, se no requerimento a que a executada denomina de Reclamação formula pretensões que constituem uma verdadeira “oposição à execução”.

São as seguintes as pretensões aí formuladas:

1. “Inexistência da dívida exequenda” – fundamentando-se a presente execução em duas letras e um cheque que derivam de uma única divida original, sendo que a letra inicial, no valor de 25.367,21€ (aqui apresentada como titulo executivo), foi objeto de amortização através de um cheque que foi efetivamente pago, pelo que a 2ª letra exequenda, no montante de 19.025,40€, foi a letra de reforma da 1ª, letra esta que por sua vez foi reformada, por meio de um cheque no valor de 1.902,54€, sendo emitida uma 2ª letra de reforma, no valor de 17.122,86€, que por sua vez foi também amortizada, tendo sido emitida uma 3ª e ultima letra de reforma, agora no valor de 11.415,24€, para cujo pagamento foram entregues dois cheques, um dos quais foi aqui dado à execução por não ter sido pago. De tal alegação conclui que, ao tempo da apresentação do requerimento executivo a divida exequenda era apenas no montante de 9.512,70€, requerendo a retificação do valor da ação e que o restante valor seja declarado inexistente e inexigível.

2. Dos pagamentos realizados durante a execução – no decurso da execução, pela empresa reclamante e por uma outra terceira face à execução, foram sendo efetuados pagamentos que discrimina, efetuados entre 18 de agosto de 2009 e 30 de novembro de 20011, num total de 18.181,69€; por outro lado, tendo sido penhorado nos autos o vencimento da executada L..., desde dezembro de 2011 a fevereiro de 2015, já tinha sido penhorado o montante global de 24.165,58€; e desde março de 2015 a novembro de 2017 foi penhorada a quantia de 15.234,78€; a penhora e adjudicação do vencimento da executada mantém-se até à presente data; conclui que no âmbito dos presentes autos foi já foi paga à exequente a quantia total de 73.436,56€, pelo que teria de receber o que já pagou em excesso.

3. Da ilegalidade das penhoras – tendo a executada L... avalizado unicamente a primeira letra de reforma no valor de 19.025,00€, a executada não poderá ser penhorada pelas restantes quantias exequendas, pelo que esta penhora continua indefinidamente sem qualquer fundamento.

Da análise das várias pretensões formuladas em tal Requerimento/ Reclamação, constata-se que a alegação em que se baseia o que denomina a “inexistência da dívida exequenda”, por dizer respeito às obrigações incorporadas em tais títulos, integra fundamentos de oposição à execução que só poderiam ter sido invocados na execução durante o prazo disponível para dedução de oposição à penhora.

Com efeito, tendo a presente execução por base e como títulos executivos uma livrança no valor de 25.367,21€, uma segunda livrança no valor de 19.025,40€, e um cheque no valor de 1.902,54€, pretende a Executada/Apelante com a referida alegação demonstrar que, do valor aposto em tais títulos, à data da instauração da execução apenas se encontrava em dívida o montante de 9.51,70€, sustentando que a execução deverá prosseguir unicamente por este valor.

Veiculando uma oposição de mérito à ação executiva, a pretensão exercida pela executada é de verificação da inexistência, ainda que parcial, do direito exequendo, integrando-se tal fundamento na previsão do artigo 731º do CPC – quaisquer outros meios que possam ser invocados em defesa no processo de declaração.

Tratando-se da alegação de factos com os quais pretende demonstrar que uma parte do valor aposto nos títulos de crédito exequendo não é devido, apenas poderiam ter sido invocados pelos executados no prazo que, com a citação, lhes é concedido para deduzir oposição.

Constituiu entendimento pacífico que se a dedução de oposição à execução não representa a observância de qualquer ónus cominatório (ónus de contestação, ónus de impugnação especificada) como sucede na ação declarativa, nada impedindo a sua invocação posterior em outra ação.

Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo[2].

Como tal, o decurso do prazo de oposição sem que tal defesa tenha sido apresentada como fundamento de oposição à execução, fez precludir a possibilidade da sua invocação na presente execução – sem prejuízo da sua invocação pelos executados numa ulterior ação declarativa de repetição do indevido.

Ou seja, a invocação de tais fundamentos de oposição à execução é extemporânea.

Sustenta a Apelante a tal respeito que, de qualquer modo, tendo sido invocadas exceções perentórias, o tribunal delas deveria ter conhecido oficiosamente.

Contudo, não esclarece, de entre todos os factos por si alegados quais, em seu entender, poderiam integrar “exceções perentórias”, sendo certo que, de qualquer modo, apenas serão de conhecimento oficioso as exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado (artigo 579º do CPC)., dependendo da vontade do interessado, desde logo, a invocação de direitos e as exceções de direito material, como é, por ex., o pagamento.

Como tal, nada mais cumpre apreciar relativamente a tal alegação.

Entramos agora na análise da alegação da executada aqui sintetizada na 1ª parte do ponto 2, respeitante a pagamentos extrajudiciais ocorridos na pendência da execução, entre 18 de agosto de 2009 e 30 de novembro de 2011.

Segundo o nº 2 do artigo 728º do CPC, quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo para a dedução de oposição mediante embargos conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto.

Facto ou o seu conhecimento superveniente é aquele que ocorre em data posterior à citação do executado[3].

Tendo os alegados pagamentos ocorrido todos em data anterior à citação para a execução da aqui executada/reclamante – o último dos alegados pagamento ocorreu a 30 de novembro de 2011 e a executada veio a ser citada a 2 de março de 2012, não se trata de verdadeiros factos supervenientes pelo que teriam de ter sido alegados dentro do prazo de 20 dias a contar da sua citação.

A invocação de tais pagamentos era, também ela, extemporânea.

Por fim, resta a questão respeitante ao facto de os descontos efetuados no vencimento da executada em resultado da penhora mensal no seu vencimento, terem atingido então o valor global de 39.400,36€, penhora esta que se encontra ainda a prosseguir, montante este que é superior ao da única livrança avalisada por esta, no valor de 19.025,40€, matéria esta que, sendo superveniente, o juiz a quo não se podia ter eximido à sua apreciação.

Passamos a analisar o 2º fundamento invocado no despacho recorrido para a não apreciação do teor do requerimento em causa – de que a execução se encontrava extinta.

Em primeiro lugar, ainda que a execução se encontrasse, de facto, extinta, na verdadeira aceção da palavra – por alguma das causas de extinção, pagamento voluntário ou coercivo, desistência, ou qualquer outra causa de extinção determinada na sequência de oposição deduzida à execução ou oficiosamente determinada (art. 849º, als. a) e b), e f), 732º, nº4, CPC) –, a circunstância de a execução ter sido declarada extinta (assim como na ação declarativa após a sentença final), não privava o juiz do poder de proferir qualquer despacho no processo, impedindo-o, tão só, de reapreciar o objeto da ação.

Quando no nº1 do artigo 613º se dispõe que “proferida a sentença esgotado fica ao poder jurisdicional do juiz”, tal significa, tão só, a impossibilidade de o juiz alterar a sua própria decisão e não que o mesmo se encontre impossibilitado de conhecer qualquer outra questão no processo (ex. invocação de nulidades, apreciação de algum ato superveniente que importe a inutilidade da lide, etc.).

Como referia Alberto dos Reis[4], o alcance e a justificação de tal princípio consiste unicamente em que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão nem os fundamentos em que ela se apoia, e que constituem com ela um todo incindível: relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se. “Mas isto não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu[5]”.

 Ou seja, ainda que nos encontrássemos perante uma tradicional causa de extinção da instância executiva – e não estamos, como analisaremos de seguida –, tal não impediria o tribunal de apreciar qualquer outra questão “nova”, nomeadamente de determinar o levantamento de alguma penhora que se tenha tornado inútil, poderá ser necessário, emitir algum título, pedir a devolução de alguma quantia que se encontre depositada nos autos e que não tenha sido necessária para pagamento das quantias em cobrança nos autos, etc.

Mas, no caso em apreço, nem sequer nos encontramos perante uma verdadeira “extinção” da execução.

Da análise dos autos constata-se que no âmbito da execução se encontra em curso a penhora do vencimento mensal da executada – determinado até montante global de 41.167,94€, prevendo-se a penhora se prolongue por 5 anos e 6 meses, ou seja, tal penhora prolongar-se-ia previsivelmente até agosto de 2019. A execução encontra-se a prosseguir com a penhora mensal do vencimento da executada e cujo desconto é entregue diretamente ao exequente.

A extinção da execução em sentido próprio, ocorre pela satisfação do crédito exequendo, seja pelo pagamento coercivo ou voluntário da obrigação exequenda, ou quando ocorra outra causa de extinção da obrigação exequenda prevista na lei civil e ocorrida dentro (por ex. desistência do processo) ou fora do processo executivo (consignação em depósito, perdão renúncia, etc.), ou ainda quando, pela procedência de embargos de executado ou por apreciação de alguma exceção de conhecimento oficioso relacionada com o título executivo, o juiz considera que a execução não pode prosseguir.

A par destas causas comuns de verdadeira extinção da ação executiva – que, como tal, em regra, não poderá vir a ser reaberta[6] –, com as alterações introduzidas à ação executiva pelo DL nº 38/2008, de 20 de novembro, o legislador veio a denominar como “extinção” da instância (supondo-se que, com preocupações de estatística), situações que até aí integravam causas de “suspensão” da instância ou em que a execução ficava a aguardar o impulso do exequente sem prejuízo da interrupção ou deserção da instância.

Com tal diploma, aditando uma alínea b) ao nº1 do artigo 919º, o legislador veio a consagrar como causas de extinção, por inutilidade superveniente da lide, as seguintes situações[7]:

- quando contra o executado tenha sido movida execução terminada sem integral pagamento e o agente de execução, procedendo de imediato a diligencias prévias à penhora, não venha a encontrar bens penhoráveis e estes nenhuns sejam indicados pelo exequente (nº3 do artigo 832º);

- se após as consultas não forem encontrados bens penhoráveis, o exequente os não indicar e o executado não pagar nem indicar bens após citado para o efeito (nº6 do art. 833º-B);

- adjudicação de direito de crédito ao exequente deita a título de dação pro solvendo e a execução não prosseguir relativamente a outros bens (nº6 art. 875º).

Trata-se de situações em que a execução é declarada “extinta” sem que se mostre integralmente satisfeita a quantia exequenda, podendo vir a ser reaberta no caso de virem a ser nomeados bens pelo exequente, ou no caso de adjudicação pro solvendo de direito de crédito quando a execução não prossiga por outros bens – caso em que o executado continua sujeito aos descontos mensais decorrentes da ordenada penhora.

No caso em apreço encontramo-nos precisamente perante uma extinção decretada com fundamento nesta última situação, fundamento atualmente consagrado no nº 6 do art.799º - penhora no vencimento da executada seguida de adjudicação pro solvendo ao exequente.

Assim sendo, se no decurso da efetivação de tais descontos, como é o caso dos autos, o executado vier alegar que os valores recebidos pelo exequente – a título de descontos no vencimento ou através de pagamentos diretos – já ultrapassam o montante da quantia exequenda, ou o montante pelo qual aquele executado é responsável –, o juiz tem necessariamente que apreciar tal questão.

Constando expressamente do requerimento executivo inicial que o que é imputado à executada L... é unicamente a responsabilidade que lhe advém de, como avalista, ter garantido “o pagamento da letra no valor de 19.025,40€, responsabilizando-se pela executada aceitante, afiançada”, o alegado facto de lhe estarem a ser penhorados montantes que ultrapassam em muito o valor da letra por si avalizada, não constituiu matéria que a executada pudesse ter invocado em sede de embargos de executado. No requerimento executivo a exequente é clara na definição da responsabilidade de cada um dos executados: da L... – enquanto avalista da letra de 19.025,40€, a – do executado A... – enquanto avalista da letra no montante de 25.367,40€ - e da executada T... enquanto aceitante de ambas as letras e do cheque. O Agente de Execução é que, no momento de proceder à penhora não se terá apercebido desta distinção na quota-parte de responsabilidade de cada um dos executados e determinou a penhora no vencimento pela totalidade da quantia exequenda.

Esta constituiu uma questão superveniente à própria execução, que extravasa o próprio título e os termos em que a execução é deduzida contra cada um dos executados e que resultou supomos que, de lapso do Agente de execução que não terá atentado na distinção que no requerimento executivo se fazia relativamente à responsabilidade de cada um dos executados.

Concluindo, entende-se que o tribunal se encontrava obrigado a apreciar tal questão que, a nosso ver, integraria mesmo uma questão de conhecimento oficioso.

A Apelação é de proceder parcialmente.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do alegado pela executada sobre o ponto iii) – se há excesso nos montantes penhorados à executada L... face à responsabilidade que lhe é imputada no título executivo –, e pretensão daí decorrente, de devolução dos montantes eventualmente penhorados em excesso.

Custas da Apelação a suportar pela apelante[8].

                                                    Coimbra, 13 de novembro de 2019

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

1. A extinção da execução não impede o tribunal de apreciar qualquer outra questão que se possa colocar relativamente a alguma penhora que devesse ser levantada, a alguma quantia não restituída nos autos, a algum título por emitir.

2. A declaração de extinção da execução com fundamento na adjudicação de direito de crédito ao exequente a título de dação pro solvendo, não à obsta à apreciação de um requerimento pelo qual o executado alega que os descontos no vencimento já excederam o montante da quantia exequenda da responsabilidade daquele executado.

                                                           ***


[1] Dado o nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, em violação do disposto no nº1 do art. 639º CPC.
[2] Entre outros, cfr., José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, p. 214-215, e “Concentração da defesa e formação de caso julgado em Embargos de Executado”, in “Estudos de Direito Civil e Processo Civil”, Coimbra Editora, p.465-466.
[3] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 2003, p. 311.
[4] Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora – 1984, p. 126.
[5] Cfr., José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, p. 127.
[6] Diz-se em regra, porquanto mesmo nestes casos, o artigo 920º do CPC, nos casos de título com trato sucessivo, admitia a sua renovação para pagamento de prestações que se vencessem posteriormente, ou o seu prosseguimento a requerimento de algum credor graduado sobre bem penhorado que não tivesse chegado a ser liquidado.
[7] Correspondendo ao atual artigo 849º, que continua a prever semelhantes causas de “extinção” da instância.
[8] A Apelada não deduziu oposição à Reclamação em causa, nem apresentou contra-alegações na Apelação.