Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1662/16.2PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JL CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 69.º DO CP
Sumário: I - Pela redacção introduzida no artigo 69.º, n.º 1, do CP, pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, o legislador fez desaparecer as menções referentes a qualquer pressuposto material que ultrapassasse a objectiva condenação por qualquer um dos crimes.

II - O que revela claramente o seu entendimento de que nos casos referenciados naquele normativo, a condenação em pena acessória não depende da verificação de quaisquer especiais circunstâncias que justifiquem a necessidade da sua aplicação, mas unicamente do cometimento de um dos crimes enumerados e sempre cumulando com a pena principal (neste sentido, v.g. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 53/2011[ ], acessível em www.tribunalconstitucional.pt e Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Setembro de 2009, acessível em www.dgsi.pt).

Decisão Texto Integral:








Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

No âmbito do processo acima identificado, foi proferida sentença em que foi decidido condenar o arguido A... como autor de um crime de desobediência previsto e punível pelo artigo 348º n.º 1 alínea a. do Código Penal, por referência ao artigo 152º n.º 1 e n.º 3 do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros) e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses.

Inconformados, os arguidos recorreram. Apresentaram as seguintes conclusões:
“I. o presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido por um crime de desobediência, p. e p. pelo art.° 348°, n.º 1, alinea a), do Código Penal, por referência ao art.” 152°, n.” 1 e 3° do Código da_Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros); na pena de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses;
II. O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que:
- O arguido é comerciante e arifere mensalmente a quantia correspondente ao salário mínimo nacional,·
- Vive com a sua companheira numa casa que pertence ao seu pai e paga de empréstimo bancário para aquisição da mesma a
quantia mensal de € 280,00;
- A sua companheira é jornalista e aufere mensalmente a quantia correspondente ao salário mínimo nacional;
- Tem o 12° ano de escolaridade;
- O arguido é pessoa respeitada e inserida no meio social onde vive;
- O arguido não tem antecedentes criminais.
III. O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena acessória de cinco meses de proibição de conduzir veículos motorizados.
IV. De acordo com o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, expressamente consagrado no art. 65°, n° 1, do CP, “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos CIVIS, profissionais ou políticos”.
V. Assim, para que se justifique a aplicação de uma pena acessória é necessário que o juiz comprove um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação da pena acessória.
VI. No caso concreto e uma vez que o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram médios não existe justificação para a elevada pena acessória aplicada.
VII. Na verdade, o arguido, no momento da prática dos factos que lhe foram imputados, encontrava-se extremamente ansioso e nervoso como o próprio confessa.
VIII. O arguido tem 33 anos de idade e não tem antecedentes criminais, sendo que o crime que lhe foi imputado consubstancia episódio único na sua vida.
IX. O arguido nunca cometeu nenhuma contra-ordenação grave ou muito grave, sendo, por 1SS0, um condutor exemplar.
X. o arguido está inserido profissional e socialmente.
XI. Sem prescindir sempre se diga que, face à matéria dada como provada, o período de 5 meses aplicado é manifestamente excessivo.
XII. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69°, n° 1, do CP, apresenta uma moldura variável entre um limite mínimo (3 meses) e um limite máximo (3 anos).
XIII. A sua determinação deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção (art. 71°, do CP).
XIV. Ora, para além dos factos já referidos, o arguido é comerciante, utilizando o automóvel como instrumento de trabalho.
XV. Acresce que, não tendo possibilidades económicas para contratar um motorista, a pena aplicada causar-­lhe-á inúmeros prejuízos, que podem colocá-lo numa situação de absoluta carência económica, atentas as despesas provadas a seu cargo.
XVI. Paralelamente, é de notar que o período de 5 meses aplicado, não é sustentado nos mesmos argumentos que o tribunal invocou para a determinação da pena principal (para os quais remeteu), designadamente a ilicitude do facto (média), a inexistência de antecedentes criminais, a confissão voluntária do essencial dos factos, as condições pessoais do arguido e a sua situação económico e profissional.
XVII. Por outro lado, as exigências de prevenção especial e geral também não justificam tal medida.
XVIII. Assim, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses).
XIX. O recorrente discorda igualmente da taxa diária da multa que lhe foi aplicada de 8€, considerando que a que vier a ser aplicada não deverá ser superior a 5€ por dia, único valor que se reputa adequado com base na situação económica apurada e que corresponde ao Salário Mínimo Nacional com uma despesa fixa de €280,00 de prestação da sua habitação.
XX. o valor da multa aplicada não permitirá o desenvolvimento normal e digno da vida do arguido,
I resultando numa pena muito superior à própria finalidade da moldura penal aplicada ao crime específico
em causa nos presentes autos.
XXI. Pelo exposto, o tribunal a quo violou, entre outros, os arts. 65°, 69° e 71°, todos do CP.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:
I - O ARGUIDO SER ABSOLVIDO DA PENA ACESSÓRIA APLICADA OU, SUBSIDIARIAMENTE,
II - A MESMA SER REDUZIDA PARA O SEU LIMITE MÍNIMO (3 MESES).
III - A PENA DE MULTA SER REDUZIDA PARA 5€ POR DIA.

Na resposta, o Ministério Público manifestou o entendimento de que o recurso deveria ser parcialmente provido com a redução da taxa diária da multa reduzida para € 6,00 (seis euros),00.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer no mesmo sentido.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal não houve resposta.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[1]].

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o art.º 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[2]].
Questões a decidir:
Condenação em pena acessória
Quantum das penas principal e acessória

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):
 “1. No dia 10 de Dezembro de 2016, pelas 03 horas e 32 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (...), no entroncamento da artéria da Rua Pedro Álvares Cabral com a Rua do Bairro de Santo Eugénia, nesta cidade de Viseu, vindo a ser interceptado e fiscalizado por agentes da PSP, a cerca de 1km de distância daquele local;
2. Na sequência da fiscalização, foi ordenado que se submetesse a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo o arguido recusado proceder a tal exame, recusando fazê-lo quer no aparelho qualitativo, quer quantitativo e recusando também dirigir-se ao Hospital para recolha de sangue para análise;
3. Com efeito, confrontado com a obrigatoriedade de efectuar o dito exame, o arguido recusou-se dizendo que não o faria;
4. O arguido foi advertido formalmente pelo agente fiscalizador para efectuar os testes acima referido, sendo certo que manteve o mesmo propósito, recusando-se sistematicamente a fazê-lo;
5. A ordem de que deveria submeter-se ao teste foi emanada de autoridade competente que o arguido reconheceu;
6. A ordem era legítima;
7. A comunicação para efectuar o teste foi feita regularmente por agente da autoridade em exercício de funções, o qual também comunicou ao arguido que incorreria em crime de desobediência caso persistisse naquela conduta, sendo certo que a própria lei comina com desobediência a recusa;
8. O arguido sabia, e porque disso também foi advertido, que por ser condutor do veículo automóvel estava legalmente obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado influenciado pelo álcool ou outras substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas e que, ao recusar-se a efectuar o teste, incorria na prática do crime de desobediência;
9. E, ciente de tal, o mesmo agiu querendo proceder dessa forma, recusando submeter-se ao teste de alcoolemia;
10. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que os factos praticados eram proibidos e punidos por lei como crime;
11. O arguido é comerciante a aufere mensalmente a quantia correspondente ao salário mínimo nacional;
12. Vive com a sua companheira numa casa que pertence ao seu pai e paga de empréstimo bancário para aquisição da mesma a quantia mensal de € 200,00;
13. A sua companheira é jornalista e aufere mensalmente a quantia correspondente ao salário mínimo nacional;
14. Tem o 12º ano de escolaridade;
15. O arguido é pessoa respeitada e inserida no meio social onde vive;
16. O arguido não tem antecedentes criminais.

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Diz o recorrente que “de acordo com o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, expressamente consagrado no art. 65°, n° 1, do CP, nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos CIVIS, profissionais ou políticos”, pelo que “para que se justifique a aplicação de uma pena acessória é necessário que o juiz comprove um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação da pena acessória”, o que não acontece no caso concreto “uma vez que o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram médios não existe justificação para a elevada pena acessória aplicada.”

Analisando a questão assim apresentada, podemos dizer que o entendimento do recorrente poderia colher alguma razão até à entrada em vigor da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho.

Com efeito, a redacção do artigo 69º, nº 1 do Código Penal era a seguinte até então:
“1 - É condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido:
a) Por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; ou
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.
(…)”

A partir da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo referido diploma legal, a sua redacção passou a ser a seguinte
“1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º;
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou
c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
(…)”

Ora, como claramente se alcança da redacção introduzida no artigo 69º, nº 1 pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho — que, no que ao caso em apreço, ainda se mantém —, o legislador fez com ela desaparecer as menções referentes a qualquer pressuposto material que ultrapassasse a objectiva condenação por qualquer um dos crimes, o que em nosso entender revela claramente o seu entendimento de que nos casos referenciados naquele normativo, a condenação em pena acessória não depende da verificação de quaisquer especiais circunstâncias que justifiquem a necessidade da sua aplicação, mas unicamente do cometimento de um dos crimes enumerados e sempre cumulando com a pena principal (neste sentido, v.g. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 53/2011[[3]], acessível em www.tribunalconstitucional.pt e Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Setembro de 2009, acessível em www.dgsi.pt)

Assim sendo, nenhuma razão assiste ao recorrente nesta vertente do recurso, o que quer dizer que nenhuma censura merece a sentença quando nela se condena em pena de multa e em pena acessória de proibição de conduzir, sem que a aplicação desta última seja justificada em pressuposto diverso da mera prática do crime.

Mas o recurso também improcederá quanto ao resto.

Vejamos:

Começaremos por dizer que dentro da moldura penal de dez a cento e vinte dias de multa é, perante as circunstâncias do caso, claramente adequada a pena de noventa dias de multa.

Explicando:

Na concretização da pena há que ter em consideração que a culpa (enquanto censura dirigida ao agente em virtude da sua atitude desvaliosa e avaliada na dupla vertente de culpa pelo facto criminoso e de culpa pela personalidade[[4]]) para além de constituir o suporte axiológico-normativo da pena, estabelece o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há pena e que esta não pode ultrapassar a sua medida (retribuição justa).

Por outro lado e ainda numa primeira linha, relevam as necessidades de prevenção (com um fim preventivo geral, ligado à contenção da criminalidade e defesa da sociedade — e cuja justificação assenta na ideia de sociedade considerada como o sujeito activo que sente e padece o conflito e que viu violado o seu sentimento de segurança com a violação da norma, tendo, portanto, direito a participar e ser levada em conta na solução do conflito — e com um fim preventivo especial, ligado à reinserção social do agente).

Assim e em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.

Para além de constituir um elemento dissuasor da prática de novos crimes por parte de terceiros, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas.

No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente necessidade de ressocialização do agente e a vertente necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir (devendo ser especialmente considerado um factor que também toca a culpa: a susceptibilidade de o agente ser influenciado pela pena).

Como bem explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 2000 (processo n.º 1193/99), “se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal —, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social” e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000 (processo n.º 2803/00-5ª), “pelo que nos art.ºs 71. °, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, se plasma, logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos — dentro do que é consentido pela culpa — e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.”

Em suma, “a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997, processo n.º 624/97)

Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente.

Assim e para além do mais (como ensina Jorge Figueiredo Dias in “Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 245, § 335 v.g., factores relativos à própria vítima — personalidade, concorrência de culpas, etc. — e/ou relacionados com a necessidade de pena — decurso do tempo), deverá ser sopesado o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Assim e concretizando quanto ao caso “sub judice”:

A culpa é de grau elevado.

As exigências de prevenção geral são muito elevadas e as de prevenção especial mostram-se normais.

O grau de ilicitude é normal e o arguido agiu com dolo específico.

Por isso, tomando ainda em consideração a sua situação sócio-económica, que não tem antecedentes criminais e que não beneficia de importantes atenuantes de carácter geral como sejam a confissão integral (a sua “confissão” é apenas parcial tem que se considerar condicionada pela prova carreada para os autos) e o arrependimento, temos de considerar que tendo-lhe sido aplicada uma pena cujo quantum é um pouco superior à media legal, nenhuma razão existe para que seja censurada a decisão o tribunal “a quo”.

Quanto à taxa diária:

Diz-nos o art.º 47.º, n.º 2 do Código Penal que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais” o que impõe que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1997, in Acs STJ V, 3, 183).

Temos assim que, se o doseamento da pena é feito em função do grau de culpa e das necessidades de prevenção já a determinação do quantitativo diário deverá ser feito em função da situação económica do arguido (art.º 47º, n.º2 CP).

O montante diário da multa deve, pois, ser fixado em termos tais que signifique um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, afectar o indispensável para que o arguido garanta as suas necessidades.

“Trata-se de dar realização ao princípio de igualdade de ónus e sacrifícios; enquanto a fixação de número de dias visa adequar-se ao mal do crime, a do quantitativo diário tem em vista o mal da pena e tenta distribuí-lo por igual entre ricos e pobres” (Figueiredo Dias, in Direito Penal, 2ª ed., 1998, 133 e 165.

Assim e não esquecendo que “a pena de multa, (que) se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Junho de 2004, processo n.º 101/03), diremos que, atenta a factualidade apurada — onde a indigência está claramente afastada —, não merece qualquer censura o quantitativo diário de € 8,00 (oito euros).

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No que respeita ao quantum da proibição de conduzir podemos dizer que, a exigir censura, seria a de se mostrar exíguo.

Com efeito, a pena em causa, muito embora tenha natureza acessória, está ao mesmo nível sancionatório das penas principais, o que não implica proporcionalidade, ou seja, a pena principal e a pena acessória são autónomas e a determinação dos respectivos “quantum” não pode resultar da aplicação de uma regra de três simples, embora ambos resultem da concretização dos critérios do artigo 71º do Código Penal.

Assim sendo, e tomando em consideração o que acima dissemos acerca dos critérios do artigo 71º e ponderando a questão no sentido de que “dentro do limite da culpa, [a pena acessória de proibição de conduzir] desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, (…) uma função preventiva adjuvante da pena principal” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 165) e de que a conduta em causa revela um elevado “grau de perigosidade relativamente aos valores de segurança rodoviária”, o que “não só inviabiliza o controlo pelas autoridades policiais das condições em que os condutores (…) se encontram” como também impossibilita “a detecção e neutralização dos comportamentos perigosos e situações de perigo” e inviabiliza “a realização da disciplina rodoviária”, para além de revelar “o perigo de uma condução não submetida às regras de segurança rodoviária no futuro” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 53/97, acessível em www.tribunalconstitucional.pt), teremos de concluir que o quantum da pena acessória peca por defeito, erro que é inócuo perante o disposto no artigo 409º, nº 1, do Código de Processo Penal.

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Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso

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Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.

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Coimbra, 22 de Novembro de 2017

(Luis Ramos – relator)

(Olga Maurício – adjunta)


[1] Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt).
[2] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011 (acessível in www.dgsi.pt).
[3] Acórdão onde se decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, quando interpretado no sentido segundo o qual, com a condenação pela prática do crime previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, tem lugar, sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito, a aplicação da sanção acessória consistente na inibição de conduzir.
[4] Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2010: “A culpa responde à pergunta de saber de se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece.”