Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
420/10.2TTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
IMPUGNAÇÃODA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
TIPICIDADE
FORMULÁRIO INICIAL
Data do Acordão: 06/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 199º CPC; 98º-B, 98º-C E 98º-D DO CPT/2009 (DEC. LEI Nº 295/2009, DE 13/10); PORTARIA Nº 1460-C/2009, DE 31/12.
Sumário: I - A tipicidade do formulário/requerimento inicial, previsto para a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, não significa que a formulação da pretensão noutra forma (ou fórmula), nomeadamente através de uma petição inicial, destrua por completo a viabilidade de aproveitamento do que, ainda que de forma errada, se trouxe a juízo.

II – Necessário é que a petição, independentemente de trazer mais informação do que (traria) o formulário, traga, pelo menos, aquela que o formulário exige.


III – A ponderação do erro na forma do processo é essencialmente um juízo sobre a utilidade e o aproveitamento dos actos praticados.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

1.1 O processo na 1.ª instância

A... instaurou a presente acção declarativa com processo comum e, demandando a Associação Centro Cívico B..., pediu que fosse declarado ilícito o seu despedimento e que a demandada fosse condenada no pagamento de uma indemnização de antiguidade, no valor das prestações vencidas e também numa indemnização por danos não patrimoniais.

A autora, fundamentando a pretensão, invocou a relação de trabalho, o despedimento comunicado por escrito, mas sem procedimento, a retribuição auferida e os danos por si sofridos.

Realizada a audiência de partes, a ré contestou e deduziu reconvenção. Invocou o erro na forma do processo, em razão da autora ter feito uso da acção comum e não da especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento. Sem prescindir, invoca a validade do procedimento disciplinar e a falta de razão da autora, quanto à ilicitude e ao ressarcimento dos danos que invoca. Em reconvenção invoca os prejuízos materiais e morais que o comportamento da autora causou, pretendendo a reparação dos mesmos, liquidada em 13.920,00€.

A autora respondeu. Em relação ao erro na forma do processo, reconhece a razão da contestante, mas considera que a petição inicial pode ser aproveitada, tal como a audiência de partes, devendo o processo prosseguir. No que à reconvenção respeita, entende que a mesma se baseia em factos da defesa, mas, além, não correspondem à verdade os factos que a suportam. Finaliza com o pedido de condenação da ré como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a 10.000,00€.

No saneamento dos autos considerou-se a existência de erro na forma do processo e que “a petição apresentada pela autora era totalmente inaproveitável”, tendo-se decidido anular todo o processo e absolvido a ré da instância.

1.2. O recurso

A autora não se conformou com o decidido e apelou. Termina o respectivo articulado com as seguintes – e ora resumidas - conclusões:

[…]

                                             

A ré contra-alegou e defendeu a manutenção da decisão de 1.ª instância. Resumidamente, conclui que:

[…]

Depois de recebido o recurso, já nesta Relação o Ministério Público pronunciou-se pela sua procedência, defendendo que o erro na forma do processo não afecta a validade da petição inicial apresentada pela autora e da audiência de partes. Ao Parecer a ré respondeu, entendendo novamente que o tribunal decidiu bem e que concluir diversamente representaria uma total subversão do sistema legal instituído.

Considerou-se legal e tempestivo o recurso. Dispensados os Vistos, cumpre decidir.

1.3 Objecto do recurso

A questão a resolver, reconhecida a existência de erro na forma do processo, é a de saber se a utilização do processo comum em lugar do processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento implica uma anulação total dos actos praticado ou permite o aproveitamento de algum deles e, por isso, o prosseguimento do processo.

2.Fundamentação

2.1 Fundamentação de facto

Para a decisão da questão objecto do recurso revelam-se bastantes e suficientes os factos que resultam do relatório, supra. Para os mesmos se remete.

2.2 Aplicação do direito.

Como se disse, a questão objecto desta apelação é, não propriamente a existência de erro na forma do processo (sobre o que ambos os litigantes estão de acordo), mas a relevância desse erro, no sentido de apurar se a 1.ª instância bem decidiu ao não aproveitar qualquer acto praticado (incluindo a petição inicial apresentada) ou, ao invés, se o processo deve prosseguir, pois não é totalmente inaproveitável.

Importa, de início, esclarecer que a resposta à questão se tem de encontrar na viabilidade do prosseguimento da acção correcta e não nas possibilidades da acção errada e, por outro lado, tendo em conta o momento processual actual e não as possibilidades pretéritas, que não foram efectivadas. Dito de outro modo, parece-nos irrelevante se a acção especial comporta ou não a possibilidade de reconvenção (afinal, quem invoca o erro é quem reconvém) ou se o articulado inicial podia (devia) ser liminarmente indeferido: a questão é, relevantemente, se este concreto processo tem alguma viabilidade para prosseguir – e desde quando – como acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

E, recolocada a questão nos termos do parágrafo anterior, o problema não é tanto se a acção especial se inicia com um formulário tipo (o que não há dúvida), mas se não se tendo iniciado assim, está irremediável e totalmente perdida, enquanto processo que pode passar a seguir a forma adequada. É que, repete-se, o objecto do recurso não é se há erro na forma do processo, mas, tendo ocorrido, que actos podem ser aproveitados. O aproveitamento pressupõe, precisamente, o erro, mas com ele não se confunde.

O princípio da adequação formal emerge, cada vez mais acentuadamente, do processo civil, mas é ainda mais sentido no processo laboral. O que se dispõe para a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento no artigo 98.º- I, n.º 3 não deixa de estar presente para o processo comum, no artigo 56.º, alínea b), ambos do CPT. Por outro lado – e ainda que essa não seja, verdadeiramente, a questão relevante – só à primeira vista se pode ter do requerimento/formulário uma visão de requisito ad substantiam: se a sua falta implica o não recebimento pela secretaria (o que se compreende), não deixa de ser certo que a própria lei prevê casos em que sequer ele é a formulação utilizável (98.º-C, para a pretensão de suspensão preventiva do despedimento)[1].

A acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento representa uma verdadeira novidade, trazida pela reforma do processo laboral, operada pelo Decreto-Lei 295/2009, de 13 de Outubro. Podíamos dizer – como o preâmbulo deste diploma não deixa de acentuar, que ela é a verdadeira novidade das alterações ocorridas no processo do trabalho na sequência – e por causa – da aprovação do CT/2009. Sem cuidar aqui dos seus contornos e dos problemas aplicativos que suscita, é inequívoco que ela pretende trazer à impugnação do despedimento, mormente na fase inicial (instaurativa) uma simplificação que está em sintonia com a simplificação operada em sede de procedimento pelo CT/2009[2]. Daí que a possibilidade de dar início à impugnação tenha sido concretizada procedimentalmente na apresentação de um (simples) formulário ou requerimento típico, que a ser a “forma” identificada pela Portaria n.º 1460-C/2009, de 31 de Dezembro.

Sem embargo, a tipicidade do formulário inicial não significa, em nosso entender, que a formulação da pretensão noutra forma (ou fórmula), nomeadamente, como aqui ocorre, através de uma petição inicial, destrua por completo a viabilidade de aproveitamento do que, ainda que de forma errada, se trouxe a juízo. A ponderação do erro na forma do processo é essencialmente, e repetimo-nos, um juízo sobre a utilidade dos actos praticados. Necessário é que a petição, independentemente de trazer mais informação que o formulário, traga, pelo menos, a que o formulário exige.

  

A questão que os autos – e o recurso – suscitam, por outro lado, não é completamente nova. A Relação de Lisboa, nomeadamente, em acórdãos publicados na dgsi, tem-se pronunciado recentemente sobre situações similares ou equiparadas. E se não acompanhamos o seu entendimento maioritário que resulta no aproveitamento do requerimento/formulário para o prosseguimento da acção comum (Processo 429710.2TTALM.L1-4 e voto de vencido no Processo 72/10.0TTCDL.L1-4) já o aproveitamento da petição inicial de uma acção comum para prosseguir uma acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, nos parece – como resulta da posição unânime constante do acórdão proferido no processo 799/10.6.TTLRS.L1-4 – a posição mais adequada ao entendimento dos efeitos do erro na forma do processo. Como se escreve no sumário deste acórdão, e integralmente acompanhamos, “o formalismo processual não tem um carácter rígido ou absoluto, podendo as irregularidades cometidas ser objecto, em princípio, das necessárias correcções ou adaptações” e, “verificado o erro na forma do processo, o juiz deve em princípio, convolar a forma de processo que foi adoptada para a que devia ter sido utilizada, e só deve anular os actos que de todo em todo não poderem ser aproveitados ou se desse aproveitamento resultar uma diminuição das garantias do réu”.

Em sentido muito semelhante, realçando a natureza relativa do formulário típico (“o dito formulário deve pois ser considerado como uma fórmula que não se esgota em si mesmo, não passando de uma mera “choca” para transposição de elementos ditos essenciais, num modelo incompleto”) Messias de Carvalho, Acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, edição IFPA, 2009, págs. 16/22.

Em suma, no entendimento concordante com o acórdão da Relação de Lisboa que se citou, na consideração da prevalência da pretensão substantiva sobre o formalismo processual, quando daí não resulta – como sucede – qualquer prejuízo para a defesa, e tendo em mente a razão de ser do regime do erro na forma do processo, somos a concluir que, tal como defende o Ministério Público no seu Parecer, a presente apelação merece provimento e é aproveitável a petição inicial, que vale como requerimento da acção especial e igualmente é aproveitável a audiência de partes: esta porque, não estando em causa (manifestamente e sob pena de contradição nos seus termos) a previsão do n.º 3 do artigo 98.º-I do CPT, o formalismo previsto nos números 1 e 2 do mesmo preceito é equivalente ao da acção comum, necessariamente já observado. E, acrescente-se, se caberia ordenar a notificação prevista no n.º 4, alínea a) do citado artigo, nada obsta que à mesma se proceda, sem convocação das partes.

Em conformidade, só se justifica a anulação do processado a partir da ocasião em que a empregadora foi notificada para contestar e essa notificação deve agora ser substituída pela prevista no artigo 98.º-I, n.º 4 do CPT.

3. Sumário (artigo 713.º, n.º7 do CPC):

1 - A tipicidade do formulário/requerimento inicial, previsto para a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, não significa que a formulação da pretensão noutra forma (ou fórmula), nomeadamente através de uma petição inicial, destrua por completo a viabilidade de aproveitamento do que, ainda que de forma errada, se trouxe a juízo.

2 - Necessário é que a petição, independentemente de trazer mais informação do que (traria) o formulário, traga, pelo menos, aquela que o formulário exige.

3 - A ponderação do erro na forma do processo é essencialmente um juízo sobre a utilidade e o aproveitamento dos actos praticados.

4. Decisão:

 Pelas razões que foram sendo ditas, acorda-se em julgar procedente a presente apelação, interposta pela autora A... e onde é recorrida a Associação Centro Cívico B... e, em conformidade, revogar o despacho que absolveu a recorrida da instância, ordenando-se que, corrigida a espécie, a empregadora seja notificada nos termos previstos pelo artigo 98.º-I, n.º 4 do CPT, prosseguindo o processo como acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, com aproveitamento unicamente, nesse prosseguimento, da petição inicial apresentada pela trabalhadora, e da audiência de partes já realizada.

Custas pela recorrida.

José Eusébio Almeida (Relator)

Manuela Fialho

AzevedO Mendes


[1] António Abrantes Geraldes, Suspensão de Despedimento e outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho, Almedina, 2010, pág. 35.
[2] Segundo o relatório elaborado pela chamada “comissão do Livro Branco” (CLBRL), antecessora programática do que veio a ser o CT/2009, a alteração do prazo de impugnação do despedimento (drasticamente de um ano para 60 dias) sustentava-se na circunstância de o trabalhador despedido, no novo regime, ter apenas que alegar o despedimento, ou seja, estar dispensado de apresentar articulado inicial (Hélder Quintas, “A (nova) acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento”, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ/Coimbra Editora, n.º 86, págs. 135/173, a pág. 148.