Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
175/07.8TASRT-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ESTATUTO DE ARGUIDO
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Data do Acordão: 09/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 120.º DO CP; ARTS. 61.º E 97.º DO CPP; ART. 205.º DA CRP
Sumário: I - O estatuto de arguido compreende um conjunto de regras, de direitos e deveres, que o irão acompanhar durante todo o processo. Esses direitos são, brevitatis causa, os direitos de presença, de audição, ao silêncio, a defensor, de intervenção e à informação.

II - O que é necessário é que a fundamentação da decisão judicial, dando executoriedade ao respectivo dever, assegure sempre os fins para que existe isto é, o auto-controlo de quem a profere, a sua total transparência objectivada na percepção e compreensão, pelos seus destinatários directos e pela própria comunidade, dos juízos de facto e de direito que dela constam, e, já em momento posterior, a possibilidade de fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso.

III - A decisão judicial não tem por objecto discutir argumentos ou posições jurídicas mas definir o direito na concreta questão que lhe é submetida, e este objectivo cumpriu-o o despacho recorrido.

IV - A prescrição do procedimento criminal, numa perspectiva substantiva, radica no esbatimento do juízo de censura e das exigências de prevenção especial e de prevenção geral positiva, causados pelo decurso do tempo.

V - A suspensão da prescrição não depende da prolação de despacho que a determine mas apenas da objectiva verificação da circunstância legal que a desencadeia.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No processo comum singular nº 175/07.8TASRT, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Sertã – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, no qual são arguidos A... e B..., com os demais sinais nos autos, foi em 16 de Outubro de 2014 proferido despacho com o seguinte teor:

Requerimento de 09/07/2014:

Vieram os ora Réus apresentar reclamação quanto ao despacho proferido em 16/06/2014.

O Ministério Público pugna pela improcedência daquela.

Cumpre apreciar e decidir.

No que diz respeito ao despacho em referência cumpre mencionar que o mesmo nesta data já transitou em julgado, porquanto a única forma processualmente admissível de reacção contra o mesmo não foi accionada, que seria o recurso.

Feito aquele reparo, cumpre apreciar a reclamação apresentada, referindo que a mesma não merece procedência, mantendo-se todo o teor do despacho proferido em 16/06/2014, pelos fundamentos nele expostos.

Em face do exposto, julgo improcedente a reclamação deduzida.

Notifique.


*

            Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1 – No Douto Despacho de que se recorre surge uma referência ao que será uma Promoção do Ministério Público, Promoção essa que não foi comunicada aos arguidos, ora recorrentes.

            2 – A não notificação dessa posição aos recorrentes, em violação ao seu direito de serem informados de todos os actos processuais que directamente lhes disserem respeito, configura uma nulidade processual, que expressamente se argui, para todos os devidos e legais efeitos.

            3 – Contrariamente ao que é referido no Douto Despacho recorrido, o Despacho proferido pelo Tribunal a quo em 16/0612014 não se encontra transitado em julgado, urna vez que foi impugnado mediante reclamação tempestivamente apresentada pelos ora recorrentes.

4 – As decisões judiciais podem ser impugnadas mediante reclamação ou mediante recurso, consistindo a reclamação num pedido de reapreciação de urna decisão dirigido ao Tribunal que proferiu essa decisão, com ou sem a invocação de elementos novos pelo reclamante e o recurso num pedido de reapreciação de uma decisão ainda não tramitada dirigido a um Tribunal de hierarquia superior, fundamentado na ilegalidade da decisão e visando revoga-la ou substitui-la por urna outra mais favorável ao recorrente.

5 – Assim, todas as decisões, sejam ou não passíveis de recurso, poderão ser objecto de reclamação, o que aconteceu nos presentes autos, não tendo essa reclamação sido liminarmente rejeitada por legalmente inadmissível.

6 – O Douto Despacho de que se recorre, e salvo o devido respeito, não se encontra devidamente fundamentado.

7 – A fundamentação de uma decisão consiste na exposição, ainda que sucinta e concisa, mas completa, da motivação de facto e de direito que fundamenta essa decisão, com a indicação do processo de formação dessa decisão do julgador, ou seja, as razões pelas quais foi tornada a decisão em apreço, o que não acontece no Despacho em crise.

8 – Na reclamação sobre a qual o Douto Despacho recorrido se pronuncia, os arguidos recorrentes apresentaram factos e documentos que sustentam a sua posição sobre os quais o Tribunal a quo não se pronunciou. Essa ausência de pronúncia, conjugada com uma breve remissão para urna outra decisão a título de fundamentação torna o Despacho recorrido nulo, e de nenhum efeitos, nos termos do disposto nos artigos 379.º, n.º 1 e 374.º, ambos do Código Penal.

Sem prescindir,

9 – O prazo de prescrição do presente procedimento criminal é de sete anos e meio – Cfr. conjugadamente o disposto no artigo 256.º, n.º 1, b), d) e e); artigo 118º, n.º 1, c), artigo 119º, n.º 1 e 121º, n.º 3, todos do Código Penal.

10 – Resultando dos autos que o alegado acto que constitui ilícito criminal foi alegadamente praticado em 11 de Agosto de 2006 e atendendo à moldura penal prevista para o crime em análise nos autos, o limite do prazo normal da prescrição acrescido de metade, ocorreu em 11-02-2014.

11 – Encontra-se também demonstrado nos autos que na referida data de 11 de Fevereiro de 2014, o Acórdão condenatório dos autos ainda não havia transitado em julgado. Isto porque,

12 – Na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 23-10-2013, os arguidos, ora recorrentes, apresentaram reclamação ao mesmo, em 11 de Novembro de 2013 e posterior recurso em 05-12-2013, pugnando, em ambas as peças, pela admissão da reclamação apresentada em 11-09-2013 e, consequentemente, pelo facto de referido Acórdão ainda não ter transitado em julgado.

13 – A reclamação foi indeferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e apenas em 12 de Março de 2014 foi proferido Despacho no sentido da não admissão do recurso apresentado.

14 – Após a notificação do Despacho que não admitiu o recurso apresentado, vieram os ora recorrentes reclamar dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, reclamação essa que foi indeferida, por Decisão proferida em 24 de Abril de 2014 e notificada aos arguidos em 07 de Maio de 2014 (tudo conforme documentos já juntos aos autos e que aqui se dão por integrados para todos os devidos e legais efeitos).

15 – Pelo exposto, o referido Acórdão condenatório não transitou em julgado em 11-09-2013, bem como ainda não se encontrava transitado na data do requerimento apresentado pelos arguidos, ora recorrentes, para extinção, por prescrição, do presente procedimento criminal.

16 – De igual modo, no âmbito dos presentes autos não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição. De facto,

17 – A ratio dos artigos 120.º e 121.º do Código Penal é compaginar a segurança jurídica – que reclama que a possibilidade de perseguir criminalmente alguém tenha limites no tempo, atento ao direito constitucionalmente estabelecido no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, de qualquer pessoa ser julgada em prazo razoável – com o direito de assiste aos arguidos de serem julgados num curto período de tempo.

18 – Decorre do nosso Código Penal a necessidade de alargar os limites temporais do procedimento criminal apenas nos casos em que tenham lugar eventos que impeçam a possibilidade de tal procedimento se iniciar ou prosseguir, sob pena de se ter que admitir que simples atrasos no processo, alheios a qualquer motivo estranho impeditivo da sua tramitação normal, constituiriam causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

19 – Verifica-se assim que nos presentes autos não ocorreu qualquer causa que impedisse o presente procedimento de prosseguir, pelo que também não se verificou qualquer suspensão do prazo de prescrição do mesmo.

20 – Aliás, para que o processo se pudesse considerar pendente ou suspenso, deveria ter existido um despacho nesse mesmo sentido, uma vez que a suspensão não acontece automaticamente, tem que ser declarada para que, em rigor, se possa afirmar quando começa e quando termina a causa da suspensão. É que, se tem que haver uma concreta causa a determinar a suspensão, ela tem de ser judicialmente afirmada para se saber quando começa o momento a partir do qual se suspende a prescrição do procedimento criminal e quando termina.

21 – Assim e da análise ao presente procedimento verifica-se que não existe qualquer causa que determinasse a suspensão do prazo de prescrição, nem essa suspensão foi declarada pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo que o prazo de prescrição é de sete anos e meio, encontrando-se assim o procedimento criminal prescrito, pelo que deverá o mesmo ser declarado extinto por esse motivo.

22 – Deste modo, o Douto Despacho recorrido viola o disposto nos artigos 118.º, 119.º, 120.º e 121.º do Código Penal, bem como nos artigos 61.º, 379.º e 374.º do Código de Processo Penal e ainda os princípios constitucionais do direito à garantia dos direitos (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) em conformidade com os princípios da garantia de todos os direitos de defesa e da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 1 e 2 da CRP e artigos 6.º, n.º 2 da CEDH e 48.º da CDFUE), do princípio do processo leal e justo (artigo 6.º, n.ºs 1 e 2 da CEDH e 47.º da CDFUE), do princípio do direito a um recurso efectivo (artigo 13.º da CEDH), do princípio da proibição da discriminação e da proibição do abuso do direito (artigos 14.º e 17.º da CEDH e 53.º e 54.º da CDFUE), bem como o direito a uma boa administração da justiça (artigo 41.º da CDFUE).

Termos em que, no integral provimento do presente recurso, requerem a Vossas Excelências se dignem revogar o Douto Despacho de que ora se recorre, substituindo-o por outro que julgue procedente a reclamação apresentada e, em consequência, declarar-se o presente procedimento criminal extinto, por prescrição do mesmo, por assim ser de Lei e de inteira Justiça!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando, em síntese, que os arguidos recorrem de um despacho de mero expediente pois que se limita a ordenar algo que é da competência oficiosa da secretaria, não estando por isso sujeito aos requisitos de fundamentação previstos nos arts. 374º e 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal, que os arguidos não foram nem tinham que ser notificados da promoção nele, despacho, referida, que tendo os factos ocorrido em 11 de Agosto de 2006 e não tendo decorrido mais de cinco anos entre as causa de interrupção da prescrição, não contando ainda assim o período de suspensão da prescrição, pelas causa previstas no art. 120º, nº 1, b) e e) do C. Penal, o prazo normal de prescrição acrescido de metade, teria ocorrido a 11 de Fevereiro de 2014 portanto, já depois de transitada em julgado a decisão condenatória, e conclui pela improcedência do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer, subscrevendo parte da contramotivação do Ministério Público, afirmando a verificação da causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no art. 120º, nº 1, e) do C. Penal e por via dela, a não prescrição do procedimento, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido os arguidos, reiterando a argumentação da motivação e concluindo pela procedência do recurso.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade decorrente da omissão da notificação da promoção do Ministério Público;

- A nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação;

- A prescrição do procedimento criminal.


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            Com relevo para a resolução das questões propostas colhem-se dos autos os seguintes elementos:

            i) O recorrente A... foi constituído arguido em 25 de Outubro de 2007 e o recorrente B... foi constituído arguido em 30 de Janeiro de 2008 [certidão de fls. 72].

            ii) Os arguidos foram notificados da acusação pública em 26 de Julho de 2010 [certidão de fls. 72].

            iii) Por sentença de 2 de Outubro de 2012, que tinha por objecto factos de 11 de Agosto de 2006 foram os arguidos A... e B... condenados, como co-autores, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 255º, a) e 256º, nº 1, b), d) e e) do C. Penal (na redacção anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro), na pena de duzentos dias de multa à taxa diária de € 12, e na pena de cento e cinquenta dias de multa à taxa diária de € 15, respectivamente [fls. 78 a 100]. 

            iv) Os arguidos recorreram da sentença, vindo a Relação de Coimbra, por acórdão, a julgar o recurso improcedente.

            v) Em 11 de Setembro de 2013 os arguidos reclamaram então do acórdão da Relação, suscitando questões relativas à prova e sua apreciação e à, em seu entender, falta de lógica da sentença recorrida e do acórdão reclamado, requerendo a declaração de nulidade do acórdão da Relação e a anulação e repetição do julgamento, e deduzindo ainda o incidente de recusa dos desembargadores subscritores do acórdão [fls. 101 a 110].

vi) Por acórdão de 23 de Outubro de 2013 a Relação de Coimbra considerou inválida a reclamação, pela utilização irregular de telecópia e recepção tardia do original [o termo do prazo para o acto ocorreu a 11 de Setembro de 2009 e o original deu entrada a 17 de Setembro de 2009], considerou ainda inválida a reclamação por dela só haver lugar de decisão sumária do relator, considerou extemporânea a recusa deduzida, por há muito ter tido lugar a conferência para julgamento do recurso, e declarou a data de 11 de Setembro de 2013 como a do trânsito do acórdão que conheceu do recurso, referido em iv) [fls. 111 a 120].

vii) Em 11 de Novembro de 2013 os arguidos reclamaram para o Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra do acórdão da mesma Relação de 23 de Outubro de 2013, pedindo a revogação do acórdão de 23 de Outubro de 2013 e consequente admissão da reclamação de 11 de Setembro de 2013, referida em v) [fls. 121 a 124].

viii) A reclamação de 11 de Novembro de 2013 foi indeferida.  

ix) Em 5 de Dezembro de 2013 os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Outubro de 2013 [fls. 127 a 138].

x) Por despacho de 12 de Março de 2014 o recurso não foi admitido, por não ser recorrível a decisão [fls. 143]. 

xi) Em 1 de Abril de 2014 os arguidos reclamaram da não admissão do recurso para o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça [fls. 144 a 146].

xii) A reclamação foi indeferida por despacho de 24 de Abril de 2014 do Sr. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça [fls. 152 a 156].

xiii) Em 15 de Maio de 2014 os arguidos requereram a declaração de extinção do procedimento criminal por prescrição por entenderem que, tendo os factos ocorrido em 11 de Agosto de 2006, sendo o prazo de prescrição do crime de sete anos e meio e não estando a sentença transitada, estaria a mesma verificada [corpo da motivação]. 

xiv) O Ministério Público pronunciou-se, em 13 de Junho de 2014, pelo indeferimento do requerimento dos arguidos, por entender que, mesmo não considerando as causas de suspensão do prazo de prescrição, que se verificaram efectivamente, e porque não decorreram mais de cinco anos entre cada causa de interrupção do prazo de prescrição, o termo deste, considerando o prazo normal de cinco anos, acrescido de metade, só ocorreria em 11 de Fevereiro de 2014 portanto, já depois do trânsito da sentença condenatória [fls. 74 a 75].

xv) Em 16 de Junho de 2014 foi proferido o seguinte despacho:

Pelos fundamentos constantes da douta promoção que antecede, com os quais concordamos e aqui damos por integralmente reproduzidos, e tendo em consideração o teor de fls. 743, donde consta a declaração pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra da ocorrência do trânsito em julgado a 11.09.2013, indefere-se a arguida prescrição.

Notifique com cópia da promoção que antecede.

Sem custas, atenta a simplicidade da questão. [fls. 76].

xvi) Os arguidos reclamaram deste despacho, requerendo a sua reapreciação, alegando que o acórdão da Relação de Coimbra que confirmou a sentença condenatória não transitou em 11 de Setembro de 2013, devido à reclamação que deduziram ao acórdão da mesma Relação de 23 de Outubro de 2013 e ao recurso que dele interpuseram, reclamação que foi indeferida e recurso que não foi admitido, que deu origem a reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça que só a indeferiu por despacho de 24 de Abril de 2014, notificado a 7 de Maio de 2014, sendo certo que não ocorreu nos autos qualquer causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, pois nada impediu o prosseguimento do processo nem existiu despacho a declarar a suspensão pelo que, face ao prazo de sete anos e meio, o procedimento estará prescrito [corpo da motivação].

xvii) O Ministério Público, remetendo para os fundamentos da promoção referida em xiv) e para o teor do despacho referido em xv), promoveu o indeferimento da reclamação e da arguida prescrição. 

xviii) Foi então proferido o despacho recorrido.


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            Da nulidade decorrente da omissão da notificação da promoção do Ministério Público

            1. Alegam os arguidos – conclusões 1 e 2 – que no despacho recorrido é feita referência a uma promoção do Ministério Público que não lhes foi comunicada, o que viola o seu direito de informação dos actos processuais que lhes respeitam e acarreta a nulidade do despacho recorrido. 

            Começando por notar que, a propósito da invocada nulidade, os recorrentes não convocam qualquer norma jurídica para sustentar a sua tese, vejamos então se lhes assiste, ou não razão.

            Como é sabido, o estatuto de arguido compreende um conjunto de regras, de direitos e deveres, que o irão acompanhar durante todo o processo. Esses direitos são, brevitatis causa, os direitos de presença, de audição, ao silêncio, a defensor, de intervenção e à informação.

            Aparentemente, os recorrentes entendem que foi afectado este último, o direito à informação. Não cremos que assim seja. Com efeito, o núcleo deste direito consiste na informação que lhe deve ser prestada pela autoridade sobre os direitos que lhe assistem em razão da sua qualidade processual e muito particularmente, do direito a ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar quaisquer declarações. Manifestamente, não é este a situação suscitada nos autos.

            Pelo contrário, o que efectivamente os recorrentes questionam é a inobservância pelo tribunal a quo do direito de audição, entendido este como não apenas como o direito de o arguido se pronunciar sobre os factos imputados mas também, como o direito de se pronunciar sempre que o tribunal tenha que decidir sobre algo que o possa afectar pessoalmente. Sucede que a promoção do Ministério Público referida pelos recorrentes foi a resposta deste sujeito processual ao prévio requerimento daqueles, onde solicitavam a declaração de extinção do procedimento criminal por prescrição. Com tal promoção foi assegurado o contraditório [que também assiste ao Ministério Público], não havendo lugar a ‘resposta’ dos recorrentes, pelo que, conhecidas as posições dos sujeitos processuais, o tribunal a quo, como se impunha, proferiu decisão. 

            Em conclusão, não se mostra praticada a apontada nulidade.  


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Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação

2. Alegam os arguidos – conclusões 6 a 8 – que o despacho recorrido não se encontra devidamente fundamentado por se limitar a remeter para a fundamentação de uma outra decisão e por não se ter pronunciado sobre factos e documentos que sustentavam a sua posição na reclamação que indeferiu, sendo por isso, nulo.

Aqui, a nulidade invocada é sustentada pelos recorrentes nos arts. 374º e 379º, nº 1 do C. Processo Penal.

Vejamos se lhes assiste ou não razão.

O dever de fundamentação das decisões judiciais tem hoje consagração constitucional no art. 205º, nº 1, da Lei Fundamental, nos termos do qual, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Ao nível infraconstitucional, e no que ao processo penal diz respeito, encontramos reflexos deste imperativo constitucional no art. 97º, nº 5 do C. Processo Penal, ao estabelecer o princípio geral de que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. É certo que o art. 374º do C. Processo Penal, invocado pelos recorrentes, impõe que da fundamentação da sentença conste a enumeração dos factos provados e não provados e uma exposição completa mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que formaram a convicção do tribunal. Mas esta norma, regendo especificamente para a sentença penal, só é aplicável aos despachos que, substancialmente, configurem sentenças, v.g., o despacho proferido nos termos do art. 64º, nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas. Vale isto dizer que a fundamentação reforçada imposta por esta norma não é exigível para os meros despachos, para os actos decisórios dos juízes que não conhecem do objecto do processo.  

O que é necessário é que a fundamentação da decisão judicial, dando executoriedade ao respectivo dever, assegure sempre os fins para que existe isto é, o auto-controlo de quem a profere, a sua total transparência objectivada na percepção e compreensão, pelos seus destinatários directos e pela própria comunidade, dos juízos de facto e de direito que dela constam, e, já em momento posterior, a possibilidade de fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso.

Posto isto.

3. Como se referiu já, o despacho recorrido tem por objecto uma reclamação dos recorrentes referente a um despacho anterior, datado de 16 de Junho de 2014, que conheceu da requerida, também pelos recorrentes, prescrição do procedimento criminal, pretendendo estes, por esta via, a ‘reapreciação’ do despacho reclamado, com a consequente declaração de prescrição.

Tendo-se entendido no despacho reclamado – pelas razões que dele constam, e que não se reduzem à declaração de trânsito em julgado proferida pelo acórdão desta Relação de 23 de Outubro de 2013 – que o procedimento criminal não se encontrava extinto, a remissão para os fundamentos e dispositivo daquele despacho, no despacho que conheceu da reclamação, por se considerar inalterados os respectivos pressupostos de facto e de direito, deu plena execução ao dever de fundamentação, na medida em que, como inquestionavelmente resulta da motivação do recurso, assegurou o perfeito entendimento aos recorrentes das razões de o tribunal assim ter decidido e não de qualquer outra forma.

Por outro lado, não se vê que factos e documentos ‘novos’ possam os recorrentes ter apresentado com a dedução da reclamação. O que sucedeu foi terem dado, pela argumentação deduzida, uma diferente interpretação aos factos e documentos que constam dos autos. Sucede que a decisão judicial não tem por objecto discutir argumentos ou posições jurídicas mas definir o direito na concreta questão que lhe é submetida, e este objectivo cumpriu-o o despacho recorrido.

Em conclusão, não enferma o despacho recorrido de falta de fundamentação.


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            Da prescrição do procedimento criminal

            4. Alegam por fim os arguidos – conclusões 3 a 5 e 9 a 22 – e nisto se consubstancia a questão essencial do recurso, que não só o despacho reclamado [o de 16 de Junho de 2014] não se encontra transitado em julgado precisamente porque dele foi, em tempo oportuno, interposta reclamação, como na data em que requereram a extinção do procedimento criminal por prescrição a sentença condenatória não se encontrava transitada e não tinha ocorrido qualquer causa de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição pelo que, tendo os factos ocorrido em 11 de Agosto de 2006, o termo do prazo normal acrescido de metade ocorreu em 11 de Fevereiro de 2014.

            Sem razão, porém. Explicando.

            Começaremos por dizer que é exacto, como alegam os recorrentes, que o despacho reclamado de 16 de Junho de 2014 não se encontra transitado uma vez que dele reclamaram, sendo o despacho que dela conheceu a, aqui, decisão em recurso, pois que, a decisão só transita em julgado quando já não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. art. 628º do C. Processo Civil).     

            Trata-se, no entanto, que questão completamente irrelevante para o objecto do presente recurso. Quanto ao mais.

            5. Como é sabido, a prescrição do procedimento criminal, numa perspectiva substantiva, radica no esbatimento do juízo de censura e das exigências de prevenção especial e de prevenção geral positiva, causados pelo decurso do tempo. São, portanto, na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 699), exigências político-criminais ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes à consciência jurídica da comunidade, que justificam a limitação temporal da perseguibilidade do facto típico. Numa perspectiva adjectiva ou processual, o instituto justifica a sua existência nas dificuldades acrescidas que o decurso do tempo trás à investigação do facto e da culpa do agente, potenciando o erro judiciário. 

            Constituindo o decurso do tempo sobre a prática do facto o fundamento básico da prescrição do procedimento criminal, ele não deve, no entanto, beneficiar o agente quando a pretensão punitiva do Estado é revelada por determinados actos de perseguição criminal ou quando determinadas situações excluem aquela perseguição e daí que a lei preveja causas de interrupção e de suspensão da prescrição. E aqui cabe deixar registado que, enquanto a interrupção da prescrição tem como feito a destruição do prazo já decorrido, começando a correr novo prazo (art. 121º, nº 2 do C. Penal), a suspensão da prescrição tem como efeito que o prazo não corre enquanto se verificar a causa que a determina, voltando a correr logo que ela cessa (art. 120º, nº 6 do C. Penal).

           

            Os factos pelos quais foram os recorrentes condenados, como co-autores de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 255º, a) e 256º, nº 1, b), d) e e) do C. Penal (na redacção anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro), ocorreram, nos termos da sentença condenatória, no dia 11 de Agosto de 2006.

Atento o crime em questão, o prazo de prescrição a considerar é, nos termos do art. 118º, nº 1, c) do C. Penal, o de cinco anos, prazo que, nos termos do disposto no art. 119º, nº 1 do mesmo código, começou a correr a 11 de Agosto de 2006.  

Alegam os recorrentes que não se verificaram causas de interrupção da prescrição mas sem razão. Aliás, no que constitui uma contradição, os próprios recorrentes referem como prazo de prescrição, o de sete anos e meio ou seja, o prazo normal de prescrição acrescido de metade o que, atento o disposto no art. 121º, nº 3 do C. Penal, pressupõe que tinham ocorrido interrupções do prazo.

E assim aconteceu de facto. Em primeiro lugar, com a constituição de arguido (art. 121º, nº 1, a) do C. Penal), ocorrida em 25 de Outubro de 2007 quanto ao recorrente A... e em 30 de Janeiro de 2008 quanto ao recorrente B... . Portanto, ficou inutilizado o prazo corrido desde 11 de Agosto de 2006 e até cada uma destas duas datas, e a partir delas começou a correr um novo prazo.

Acresce que a acusação foi notificada aos arguidos em 26 de Julho de 2010 o que, nos termos do art. 121º, nº 1, b) do C. Penal, interrompeu novamente a prescrição que corria para cada um dos arguidos, inutilizando os prazos então em curso.

Porém, nesta data – 26 de Julho de 2010 – não começou a correr novo prazo porque a notificação da acusação é também, nos termos do art. 120º, nº 1, b) do C. Penal, causa de suspensão da prescrição a qual, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, não pode ultrapassar três anos.   

            A este propósito, duas notas cumpre efectuar. Em primeiro lugar, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, a suspensão da prescrição não depende da prolação de despacho que a determine mas apenas da objectiva verificação da circunstância legal que a desencadeia. Em segundo lugar, os recorrentes, em abono da tese que sustentam, citam o acórdão da Relação do Porto de 22 de Março de 2000 o qual, indubitavelmente douto, decidindo uma questão de prescrição do procedimento criminal, foi proferido na vigência do 120º, nº 1, b) do C. Penal, na redacção anterior à do Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março, que considerava como causa de suspensão da prescrição, a pendência do procedimento a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente e não, como passou a suceder com a entrada em vigor das alterações operadas pelo citado decreto-lei, a pendência do procedimento a partir da notificação da acusação sendo certo que, em nosso entender, e ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, a pendência do procedimento criminal, seja a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, seja a partir da notificação da acusação, significa que a prescrição se suspende a partir da notificação – da acusação, no actual regime, ou do despacho de pronúncia ou equivalente, no anterior regime – e durante o tempo em que o procedimento estiver pendentes [com o limite estabelecido no nº 2 do art. 120º], não sendo necessária, para o efeito, a verificação de uma qualquer circunstância que impeça o normal andamento do processo, circunstância impeditiva que a lei, aliás, não refere, nem define ou enuncia.

            Face ao que fica dito temos que, em 26 de Julho de 2010, o prazo de prescrição não se iniciou, permanecendo suspenso durante três anos, o que significa que começou a correr apenas em 26 de Julho de 2013. E assim, apenas há agora que verificar se a prescrição do procedimento criminal ocorreu ou não, por força do limite inultrapassável previsto no art. 121º, nº 3 do C. Penal (na redacção anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro).

            Pois bem. Considerando que o prazo normal de prescrição para o crime em questão é o de cinco anos, considerando que metade deste prazo normal corresponde a dois anos e seis meses, considerando ainda que o prazo de prescrição esteve suspenso durante três anos temos que, para factos ocorridos em 11 de Agosto de 2006 a prescrição do procedimento só ocorreria em [5 anos de prazo normal + dois anos e meio correspondentes a metade do prazo normal + 3 anos correspondentes ao período de suspensão = 10 anos e 6 meses] 10 de Fevereiro de 2017. 

            Não se questionando que, pelo menos, na data da prolação do presente acórdão a sentença condenatória proferida nos autos se encontra transitada em julgado, resta concluir que o procedimento criminal que neles, autos, é exercido contra os recorrentes não se encontra prescrito. 

            6. Para além de, como dissemos, não se encontrar prescrito o procedimento criminal, não descortinamos qualquer violação das normas dos arts. 2º e 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, dos arts. 6º, nº 2 e 13º, 14º e 17º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos arts. 41º, 47º, 48º, 53º e 54º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia pelo despacho recorrido, sendo certo que, nem no corpo da motivação, nem nas conclusões formuladas os recorrentes fizeram qualquer esforço argumentativo que excedesse a simples invocação de tais normas, para a demonstração da pretendida violação.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.


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Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, individualmente, em 3 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).

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Coimbra, 9 de Setembro de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)