Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
55/14.0TBMIR-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO
VENDA
PROPOSTA
CREDOR
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.17, 158, 164 CIRE
Sumário: 1. - Cabe ao administrador da insolvência o poder legal de decidir quanto à escolha da modalidade da alienação dos bens (art.º 164.º, n.º 1, do CIRE), incluindo a definição dos respetivos valores base.

2. - A norma do n.º 3 daquele art.º 164.º prevê uma forma de compensação do credor garantido, salvaguardando o interesse deste e da massa insolvente, que viu a sua proposta ser afastada e o bem ser alienado a outrem por preço inferior, caso em que o administrador da insolvência fica obrigado a colocá-lo na situação em que estaria se a alienação fosse realizada ao preço superior que propusera, solução legal que privilegia a celeridade, prescindindo de aprovação, seja judicial, seja pelos intervenientes processuais.

3. - Em caso de proposta condicional de aquisição de bem por credor garantido – sob condição suspensiva de redução, logo requerida, do valor mínimo fixado –, não pode exigir-se o cumprimento do disposto no n.º 4 daquele art.º 164.º sem prévia decisão quanto à redução.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                ***

I – Relatório

Nos autos de liquidação por apenso ao processo de insolvência em que são insolventes

C (…) e M (…), ambos com os sinais dos autos,

o Administrador da Insolvência (doravante, AI) veio, em 20/06/2016, apresentar requerimento nos seguintes termos:

«1. O AJ foi notificado pelo credor hipotecário, requerendo a redução do valor mínimo de venda da verba 1 para € 184.000,00.

2. Caso que tal proposta seja aceite, pretende a adjudicação do imóvel;

3. Requereu ainda o credor hipotecário a redução do valor mínimo de venda da verba 2 para € 190.000,00, e devendo o AJ promover nova diligência de venda quanto a esta verba.

Termos em que,

Requer-se a V.ª Ex.ª que se digne a notificar todos os credores para se pronunciar quanto a proposta do credor hipotecário.» (cfr. o certificado a fls. 44 v.º destes autos de recurso em separado).

Seguidamente, vieram os Insolventes, em 14/07/2016, pronunciar-se sobre o requerimento do dito credor hipotecário, Caixa Geral de Depósitos (doravante, CGD), requerendo “que se determine, ao invés da redução do valor mínimo de venda das verbas n.ºs 1 e 2 para 184.000,00 € e 190.000,00 € e da adjudicação da verba 1 à CGD por aquele valor, que deve ser indeferido, a avaliação das verbas apreendidas e que deverão ser vendidas por avaliador imobiliário a designar e, em função de tal avaliação, fixar-se-lhes os valores base e os valores mínimos de venda, bem como que o Sr. Administrador de Insolvência diligencie pela prospecção e divulgação de mercado e publicidade inclusivamente com recurso a sites especializados na internet onde os imóveis possam estar publicitados com anúncios com fotografias e ainda com recurso a um mediador imobiliário.

Requer-se que o Sr. Administrador de Insolvência seja notificado para informar e comprovar nos autos as diligências que tem efectuado para a venda das verbas imóveis a liquidar – para prova do alegado (…)”(cfr. o certificado a fls. 46 e segs. destes autos de recurso).

Após o que foi proferido despacho (datado de 23/09/2016) com o seguinte dispositivo:

«Nestes termos, e uma vez mais, indefere-se ao requerido pelos devedores insolventes, competindo ao senhor AI decidir sobre a fixação dos valores base dos imóveis apreendidos para os autos, bem como sobre a modalidade de venda e as formas de divulgação da mesma (para além das legalmente previstas), sendo certo que, atentas as inúmeras diligências de venda já realizadas no processo, todas elas infrutíferas, não se vislumbra que uma nova redução de tais valores não possa deixar de ser atendida.

Notifique, sendo o senhor AI para prosseguir com as diligências de venda, competindo-lhe decidir sobre a redução dos valores base dos bens, e seguindo, no caso de adjudicação de bens a credores hipotecários, os legais trâmites.» (cfr. o certificado de fls. 53 e seg. destes autos de recurso).

Não se conformando com esta decisão, recorrem os Insolventes, os quais, tendo alegado, formulam as seguintes

Conclusões ([1]):

«A) A decisão recorrida julgou indeferir ao requerido pelos devedores insolventes (…).

B) O que está em causa são os valores mínimos de venda dos imóveis apreendidos aos insolventes nos presentes autos sob as verbas n.ºs 1, 2 e 3 inicialmente fixados respectivamente em 240.000,00€, 350.000,00€ e 79.126,55€ (cfr. auto de apreensão de imóveis e anúncio de venda que se juntam como docs. 2 e 3), bem como o requerimento da credora CGD S.A., dado a conhecer nos autos por requerimento do Sr. AI de 20.06.2016, em que pede a redução do valor mínimo de venda da verba 1 para 184.000,00€ e da verba 2 para 190.000,00€, bem como a adjudicação imediata à credora CGD da verba 1 pelo montante de 184.000,00€ e com dispensa de depósito do preço e promoção de nova diligência de venda quanto à verba 2 pelo valor reduzido (cfr. doc. 4 que se junta), tendo os aqui insolventes e ora recorrentes se oposto a tal pretensão da credora CGD requerendo nos termos do seu requerimento de 17.07.2016 que se junta como doc. 5.

C) Como o imóvel que constitui a verba n.º 1 é a casa de habitação e domicílio dos aqui insolventes e ora recorrentes (…), o despacho recorrido, conferindo ao Sr. AI o poder de decidir sobre os valores de venda dos imóveis e a modalidade de venda e determinado que prossiga com as diligências de venda com a possibilidade até de adjudicação dos bens aos credores hipotecários, designadamente o próprio imóvel que constitui a verba n.º 1 e que é a casa de habitação e domicílio dos aqui insolventes e ora recorrentes, coloca em causa a posse e propriedade da casa de habitação dos aqui insolventes e recorrentes.

D) Razão pela qual o presente recurso tem efeito suspensivo da decisão recorrida, nos termos do disposto no art. 647.º, n.º 3, b), do CPC aplicável ex vi do art. 17.º do CIRE, o que deve e se requer seja decretado.

E) Segundo o n.º 3 do art. 164.º do CIRE, a proposta de aquisição do bem por credor garantido tem que ser por valor superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado, e a proposta de adjudicação da verba n.º 1 efectuada pela credora CGD pelo montante de 184.000,00€ fica abaixo de tais valores, incumprindo e violando assim o disposto no n.º 3 do art. 164.º do CIRE.

F) E, segundo o n.º 4 do art. 164.º do CIRE, a proposta só é eficaz se for acompanhada de caução consistente em cheque visado à ordem da massa falida, no valor de 20% do montante da proposta, o que a proposta da credora CGD manifestamente não cumpre, violando assim também o disposto no n.º 4 do art. 164.º do CIRE.

G) Por conseguinte, em obediência aos preceitos legais e normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 164.º do CIRE, o despacho recorrido, ao invés do que em violação de tais normas decidiu, devia ter decidido declarar ineficaz e recusar a proposta da credora CGD por tal adjudicação proposta do imóvel verba n.º 1, que é o que agora deverá decidir-se em cumprimento de tais normas legais e remédio da decisão recorrida.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e provido, revogando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais.».

Contra-alegou a Massa Insolvente, concluindo pela inadmissibilidade do recurso, por versar sobre questões anteriormente decididas com trânsito em julgado, e, ainda que assim não se entenda, pela sua total improcedência.

***

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem.

Em anterior despacho – não reclamado – do Relator, foi decidido não admitir a junção de documentos pelos Recorrentes (requerida na fase recursória) e manter o fixado efeito recursivo meramente devolutivo.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento de meritis do recurso, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo antes definido, está em causa na presente apelação:

a) Admissibilidade do recurso;

b) Valores mínimos de venda dos imóveis apreendidos;

c) Recusa da proposta do credor CGD.

***

III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

Os factos relevantes, a tomar em consideração para decisão recursória, são os enunciados no antecedente relatório, cujo teor se dá por reproduzido, bem como os constantes da fundamentação da decisão recorrida, por não impugnados, assim enunciados:

1. - «O senhor AI, em resposta a tal requerimento ([2]), veio a fls. 65 v.º, alegando que, para além dos termos da venda serem por si determinados, em conformidade com a vontade dos credores, têm vindo a ser promovidas diligências de venda adequadas, conforme resulta dos vários anúncios juntos aos autos, estando, aliás, em curso nova tentativa de venda. Quanto aos valores de venda, salienta que o mercado não tem reagido às iniciativas de venda que já se realizaram no processo, pelos valores mínimos fixados, requerendo, a final, que o tribunal se pronuncie sobre tais valores mínimos.».

2. - «(…) tendo sido realizada diligência judicial de abertura de propostas para aquisição de bens imóveis apreendidos para a massa insolvente, no dia 16.06.2015, não foram apresentadas propostas, razão pela qual prosseguiu a liquidação do ativo para venda extrajudicial (cf. 23). Nesta ocasião, foram levadas à venda as verbas n.ºs 2 e 3, pelos valores mínimos de 350.000,00€ e 79.126,65€, respetivamente (correspondentes a 85% dos valores base fixados).».

3. - «Subsequentemente, foi designado o dia 23.09.2015 para diligência de venda extrajudicial dos bens imóveis apreendidos, não tendo novamente sido apresentadas quaisquer propostas de aquisição (cf. 31). Nesta diligência de liquidação, foram levadas à venda as verbas n.ºs 1, 2 e 3, pelos valores mínimos de 240.000,00€, 350.000,00€ e 79.126,65€, respetivamente (correspondentes a 85% dos valores base fixados).».

4. - «Após, foi ainda designado o dia 22.12.2015 para diligência de venda extrajudicial dos bens imóveis apreendidos, não tendo, uma vez mais, sido apresentadas quaisquer propostas de aquisição (cf. 39), sendo que os valores mínimos de venda foram os mesmos que na diligência anterior.».

5. - «Por fim, no dia 07.03.2016, procedeu-se a nova diligência de venda extrajudicial, tendo as verbas n.ºs 1, 2 e 3 sido levadas à venda pelos valores mínimos de 191.999,73€, 280.011,76€ e 63.301,32€, respetivamente (correspondentes a 85% dos valores base fixados). Uma vez mais, não foram apresentadas quaisquer propostas de aquisição das mesmas (cf. fls. 43, 55 v.º e 67).».

6. - «Os devedores insolventes, em 16.12.2015, opondo-se, já então, à redução do valor base dos imóveis apreendidos para a massa insolvente, requereram ao processo a adoção de um processo de venda diferente do adotado, designadamente com a divulgação daqueles em sites especializados e com recurso a imobiliárias conhecedoras do mercado na área em que se localizam, tendo tal pedido sido indeferido pelos motivos constantes do despacho de fls. 49 e 50 (processo em papel).».

         B) Admissibilidade do recurso

         Como visto, a Recorrida Massa Insolvente vem suscitar, na sua contra-alegação, a questão da inadmissibilidade do recurso, por a matéria ora impugnada (a decidida no despacho recorrido) já ter sido objeto de anterior decisão transitada em julgado.

E da factualidade apurada – como tal, não impugnada – resulta que já em 16/12/2015 os Devedores/Insolventes (e ora Recorrentes), opondo-se à redução do valor base dos imóveis apreendidos, requereram ao processo a adoção de um processo de venda diferente do adotado, designadamente com a divulgação daqueles em sites especializados e com recurso a imobiliárias conhecedoras do mercado na área em que se localizam, tendo tal pedido sido indeferido (pelos motivos constantes do despacho de fls. 49 e 50 dos autos respetivos em suporte de papel).

Como assim, só pode concluir-se que, nesta parte – em que já ocorreu anterior pronúncia decisória do Tribunal, até com trânsito em julgado formal (dito despacho de fls. 49 e 50 dos autos respetivos) –, não é admissível o recurso, por anterior ocorrido trânsito em julgado (cfr. art.ºs 628.º e 638.º, n.º 1, do NCPCiv., e 14.º, n.º 5, do CIRE).

Porém, no mais – matéria que se reporta ao objeto do aludido requerimento do credor CGD, oposição dos Insolventes e respetivo despacho decisório – não ocorreu trânsito em julgado, pelo que é admissível o recurso (cfr. al.ªs E) a G) das conclusões da apelação).

Assim delimitada a impugnação recursória admissível, cabe dela conhecer.

C) O Direito

1. - Valores mínimos de venda imobiliária

Consta da fundamentação da decisão recorrida:

“(…) o artigo 158.º, n.º 1, do CIRE dispõe que, transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de credores de apreciação do relatório, o AI procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente.

Em conjugação com este dispositivo legal, prevê o artigo 164.º, n.º 1, do citado diploma, que cabe ao AI escolher a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente, sendo que, nos termos do seu n.º 2, o credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada.

Tal como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação a este preceito – vd. CIRE Anotado2.ª Ed., Quid Iuris, p. 651, nota 5 –, «o facto de o n.º 2 limitar a audição ao credor com garantia real afasta a necessidade de auscultar o devedor insolvente, que decorreria da aplicação subsidiária do dito n.º 1 do artigo 812.º, legitimada pelo artigo 17.º do CIRE (sobre estes pontos, e no sentido propugnando, podem ver-se os acs. da Rel. Guim. de 15/SET/2011, no processo 4771/07.5TBBCL-H-G1, e de 28/JUL/2008, no processo 1566/08-2)».

Resulta do exposto que, não havendo qualquer obrigação legal de auscultação do devedor insolvente sobre a escolha da modalidade de venda e sobre o valor base fixado para a mesma, tal competência cabe unicamente ao AI nomeado, o qual assume, naturalmente, a devida responsabilidade por quaisquer danos causados ao devedor e aos credores, nos termos previstos no artigo 59.º do CIRE.”.

Defendem os Apelantes, socorrendo-se do disposto no n.º 3 do art.º 164.º do CIRE, que a proposta de aquisição da “CGD” teria que ser por valor superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado, sendo que a proposta efetuada quanto à verba n.º 1, pelo montante de € 184.000,00, fica abaixo de tais valores, violando aquela disposição legal [conclusão E)].

Ora, sem prejuízo do aludido anterior trânsito em julgado em matéria de redução do valor base dos imóveis apreendidos e do poder legal atribuído ao AI ([3]) para escolher a modalidade da alienação dos bens (art.º 164.º, n.º 1, do CIRE), incluindo a definição do respetivo valor base – como, aliás, salientado na decisão em crise –, sem prejuízo dos poderes de fiscalização a cargo do Tribunal ([4]), a norma do n.º 3 do mesmo art.º 164.º é clara no sentido de, proposta (em tempo útil), por credor garantido, a aquisição de algum bem, por preço superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado, o AI, caso não aceite essa proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, se ela vier a ocorrer por preço inferior.

Isto é, prevê-se nesta norma uma forma de compensação do credor garantido que viu a sua proposta ser afastada e o bem ser alienado a outrem por preço inferior, caso em que o AI fica constituído na obrigação de o colocar na situação em que estaria se a alienação fosse realizada ao preço superior que propusera.

Trata-se, pois, aqui de norma destinada a salvaguardar o interesse do credor e da massa insolvente, não impedindo a redução, se necessária – como no caso, para permitir a alienação, pois que falharam as anteriores tentativas a valores/preços mais elevados –, do valor base dos imóveis apreendidos e a vender, num modelo processual que privilegia a celeridade (cfr. art.º 9.º do CIRE), prescindindo de aprovação, seja judicial, seja pelos intervenientes processuais, designadamente, a comissão de credores ([5]).

Donde que nada haja a censurar nesta parte à fundamentação da decisão recorrida, assim improcedendo as conclusões dos Recorrentes em contrário.

2. - Recusa da proposta do credor CGD

Invocam ainda os Insolventes/Recorrentes que a proposta do credor garantido “CGD” não observa o disposto no n.º 4 do aludido art.º 164.º, que impõe dever a proposta, sob pena de ineficácia, ser acompanhada de caução consistente em cheque visado à ordem da massa falida, no valor de 20% do montante da proposta, ineficácia essa que devia ter sido declarada pelo Tribunal a quo.

Este, diversamente, decidiu competir ao AI a fixação dos valores base, modalidade de venda e formas da sua divulgação, sendo adequada, ante a frustração das sucessivas diligências já realizadas, uma nova redução de tais valores, pelo que devia aquele AI prosseguir com as diligências de venda, seguindo, no caso de adjudicação de bens a credor hipotecário, os legais trâmites.

Ora, já se viu que estamos no quadro de matérias cuja decisão é reservada, por lei, ao AI, pelo que é a este que cabe tomar posição sobre a pretendida ineficácia de proposta.

Acresce que, como se pode retirar da leitura do certificado a fls. 44 v.º e seg. (respetivamente, peça processual do AI e requerimento a este dirigido pela “CGD”), o que o credor “CGD” pede é apenas/ainda a “redução do valor mínimo de venda” (da verba n.º 1, para € 184.000,00) e, se tal viesse a ser deferido, “a adjudicação imediata”.

Perante o que o AI apenas veio requerer a notificação de todos os credores para pronúncia nesta matéria (observância do contraditório, para subsequente decisão).

Assim, nem sequer houve decisão pelo AI quanto à pretendida “redução do valor mínimo de venda”, sendo que apenas em caso de ocorrer tal redução o credor pretende a adjudicação.

O que logo tornaria prematura a exigência de observância dos requisitos do preceito do art.º 164.º, n.º 4, do CIRE, sem que haja decisão sobre a pretendida redução de valor.

Bem se compreendendo que, a ser decidido nesse sentido (redução para € 184.000,00), se conceda, então, a oportunidade ao credor de complementação da sua proposta/requerimento, por ora meramente condicional, de “adjudicação imediata”, com todos e requisitos legais.

Seria, pois, prematuro exigir qualquer caução no imediato (previamente à decisão sobre o “valor mínimo”), sendo que o AI apenas requereu notificação para observância prévia do contraditório e o despacho recorrido se limitou a sinalizar, como devia, competir àquele a decisão sobre a fixação de valores base e observar, em caso de adjudicação de bens a credores hipotecários, os trâmites legais.

Posto que – repete-se – estamos perante matéria da competência decisória do AI, num figurino processual ditado pela exigência de celeridade.

Improcede, assim, in totum, a apelação.

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IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Cabe ao administrador da insolvência o poder legal de decidir quanto à escolha da modalidade da alienação dos bens (art.º 164.º, n.º 1, do CIRE), incluindo a definição dos respetivos valores base.

2. - A norma do n.º 3 daquele art.º 164.º prevê uma forma de compensação do credor garantido, salvaguardando o interesse deste e da massa insolvente, que viu a sua proposta ser afastada e o bem ser alienado a outrem por preço inferior, caso em que o administrador da insolvência fica obrigado a colocá-lo na situação em que estaria se a alienação fosse realizada ao preço superior que propusera, solução legal que privilegia a celeridade, prescindindo de aprovação, seja judicial, seja pelos intervenientes processuais.

3. - Em caso de proposta condicional de aquisição de bem por credor garantido – sob condição suspensiva de redução, logo requerida, do valor mínimo fixado –, não pode exigir-se o cumprimento do disposto no n.º 4 daquele art.º 164.º sem prévia decisão quanto à redução.

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V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da massa insolvente (art.º 304.º do CIRE).

Escrito e revisto pelo relator.

Assinatura eletrónica.

Coimbra, 20/06/2017

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Que se deixam transcritas, quanto ao não repetitivo, com negrito e itálico retirados.
([2]) Trata-se do requerimento supra aludido dos Insolventes (o certificado a fls. 46 e segs. destes autos de recurso).
([3]) A este cabe decidir, neste âmbito, de acordo com o seu critério e o que entenda ser mais conveniente para os interesses da massa e dos credores.
([4]) O AI exerce a sua atividade sob a fiscalização do juiz, que pode, a todo o tempo, exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de relatório da atividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação (cfr. art.º 58.º do CIRE, sob a epígrafe “Fiscalização pelo juiz”).
([5]) Como referem Ana Prata e outros – em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, Coimbra, 2013, p. 464 –, a decisão do AI a que alude o n.º 1 do art.º 164.º do CIRE “é insindicável”, sem prejuízo das “sanções de que o administrador pode ser alvo, se tiver atuado culposamente em detrimento dos interesses da massa insolvente”, mais adiantando que “terá sido privilegiado o interesse da celeridade em detrimento da maior segurança que se obteria mediante a exigência de aprovação por parte de outros intervenientes processuais (a comissão de credores ou o juiz). Entre outros, aplaude a celeridade, Menezes Cordeiro (“Perspetivas …”, op. cit.)”.