Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/12.1GECTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PAGAMENTO DE MULTA A PRESTAÇÕES
PRAZO
REQUERIMENTO
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL CRIMINAL - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 47.º, N.º 3, DO CP; ART. 489, N.ºS 2 E 3, DO CPP
Sumário: I - O prazo para o requerimento de pagamento em prestações é o definido no art. 489.º, n.º 2, do CPP.

II - Não fazendo o requerimento dentro daquele prazo, sob pena de subversão dos mecanismos processuais, o condenado sujeita-se aos trâmites subsequentes com vista ao pagamento coercivo, subsequente apuramento das razões do não pagamento e só em última instância à aplicação da prisão subsidiária.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

O digno magistrado do Ministério Público recorre do despacho proferido em 10/07/2014 que indeferiu o pedido do arguido para pagamento em prestações da pena de multa aplicada na sentença – 120 dias à taxa diária de € 5,00.

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Na motivação do recurso formula as seguintes CONCLUSÕES

1- O arguido foi condenado (…)

2- Na douta decisão recorrida a Mmª Juiz indeferiu, por intempestividade, o requerimento do arguido de pagamento de multa em prestações;

3- A Mmª Juiz a quo para indeferir o requerimento do pagamento de multa em prestações considerou que o requerimento para pagamento da multa em prestações tem necessariamente que ser feito dentro do prazo de pagamento voluntário:

4- Porém, salvo o devido respeito por opinião contrária não é essa a leitura que fazemos do artigo 47º nº 3 do Código Penal e 489°, n°2 e 3 do CPP.

5- Na verdade, dispõe o primeiro artigo referido que “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação."

6- E, por outro lado, estipula a segunda disposição penal mencionada com a epígrafe prazo de pagamento no respectivo n°2 que "O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito." para logo de seguida excepcionar no nº 3 que "O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações”.

7- Assim sendo, da leitura conjugada de tais disposições legais, afigura-se-nos que as mesmas foram violadas na douta decisão recorrida, sendo que não é estipulado qualquer prazo, mormente de quinze dias, quando se pretende requerer o pagamento da multa em prestações, pelo que entendemos que tal requerimento dentro dos limites do art. 47° n°3 do Código Penal - que in casu não se mostra ultrapassado - poderá ser feito a todo o tempo.

8- Deverá em conclusão, a nosso ver, ser revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída que notifique o arguido para vir comprovar aos autos a sua situação financeira.

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Não foi apresentada resposta.

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Neste tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu profícuo parecer no qual, depois de expender sobre as divergências jurisprudenciais sobre a questão conclui que “nos parecem válidos os argumentos apresentados, no sentido de que no espírito da lei, quando aplica e executa penas não privativas da liberdade, não deve o intérprete ater-se exclusivamente ao elemento literal das normas em causa, mas sim ao contexto e interpretação conjugada das apontadas normas, no sentido de que deverá, sempre que possível, no caso concreto, salvaguardar a possibilidade de cumprimento da pena sem a privação da liberdade do arguido.

Este argumento se poderá extrair na interpretação conjugada das apontadas normas, com a legal possibilidade prevista no art. 49º, nº3 do CP que permite inclusivamente a suspensão da prisão subsidiária por razões que não lhe são imputáveis”.


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II.

Está em causa, no recurso a interpretação do regime substantivo previsto no artigo 47º nº 3 do Código Penal com o correspondente ritual, adjectivo, previsto e 489°, n°2 e 3 do CPP, sobre o prazo em que é admissível o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações.

Estabelece o art. 47º, n.º 3 do CP: Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

Por sua vez, postula o art. 489º do CPP:

1- A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nela fixado, não podendo ser acrescido de quaisquer adicionais.

2- O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.

3- O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.

Como vem doutamente equacionado, a questão não tem obtido resposta uniforme.

Sobre a questão, temos como mais ajustada à letra e ao espírito dos preceitos em questão a interpretação dada pelo Ac. TRC de 18-09-2013, RECURSO 68/11.3GBLSA-A.C1, acessível em www.dgsi.pt:

1- O prazo processual estabelecido no n.º 2 do art.489.º do C.P.P, para pagamento voluntário da pena de multa, é um prazo peremptório;

2- Sendo um prazo peremptório, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o condenado apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações (de diferimento do pagamento ou de substituição da pena de multa por dias de trabalho) para além do prazo de 15 dias contados da notificação para proceder ao seu pagamento voluntário.

E o Ac. TRC de 18-09-2013, recurso 145/11.1TALSA-A.C1, também acessível em www.dgsi.pt: Salvo no caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações tem de ser requerido, pelo condenado, no prazo (peremptório) de 15 dias, fixado no artigo 489º, nº 2, do CPP.

Com efeito é o prazo para o requerimento de pagamento em prestações é o definido no art. 489º, nº2.

A excepção prevista no nº3 – no caso de o pagamento da multa “ter sido diferido ou autorizado” pelo sistema de prestações – tem precisamente em vista o caso em que o pagamento em prestações “ter sido” requerido dentro do prazo legal e “ter sido diferido”. O tempo verbal utilizado, no passado, reforça o argumento.

O condenado, além do prazo do trânsito em julgado da sentença dispôs de 15 dias para o efeito.

Se o não fez, sob pena de subversão dos mecanismos processuais, sujeita-se aos trâmites subsequentes com vista ao pagamento coercivo, subsequente apuramento das razões do não pagamento e só em ultima instância à aplicação da prisão subsidiária.

O argumento de que deverá, sempre que possível, salvaguardar a possibilidade de cumprimento da pena sem a privação da liberdade, não colhe, porquanto da não admissão do requerimento para pagamento em prestações para lá do termo do prazo, peremptório, de 15 dias a partir do trânsito em julgado da sentença, não decorre nem automática nem necessariamente, o cumprimento da prisão subsidiária. Impondo-se antes a tentativa de execução patrimonial e, em última instância, provando-se que o não pagamento da multa não é imputável ao condenado, pode ainda ser suspensa a execução, nos termos do art. 49º, nº3.

Aliás também a substituição por prestação de trabalho tem o mesmo prazo peremptório – remissão do artigo 490º, nº1 para o artigo 489º, nº2 do CPP.

Não se vislumbrando razões materiais de relevo para ser de outra forma, no que toca ao pagamento em prestações.

O argumento de que o escopo da lei de que deve dar-se primazia à vontade manifestada pelo arguido no sentido do cumprimento voluntário compatibiliza-se com o entendimento em causa – além de poder sempre pagar a multa voluntariamente, tem a oportunidade de requerer o pagamento em prestações desde que o requeira no prazo legalmente fixado.

Se o arguido, notificado da sentença, não quis fazê-lo no prazo de 15 dias, segue-se o preceituado na lei com execução – e não está em causa o cumprimento da prisão subsidiária em que o arguido, nos termos da lei (art. 49º, nº3 do CP), pode sempre evitar a prisão pagando a multa.

Não requerendo o pagamento em prestações dentro do prazo legal, sujeita-se aos termos subsequentes previstos na lei.

Aliás na perspectiva oposta, o prazo definido no art. 489º do CPP deixava de ter qualquer sentido.

Conclui-se assim, com os citados arestos deste Tribunal, que, salvo em caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações deve ser requerido pelo condenado dentro do prazo peremptório de 15 dias, fixado no artigo 489º, nº 2, do CPP.

III.

Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso.

Sem tributação.

Coimbra, 11 de Fevereiro de 2015

(Belmiro Andrade - relator)

(Abílio Ramalho - adjunto)