Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MANUELA FIALHO | ||
Descritores: | ACÇÃO ESPECIAL ACIDENTE DE TRABALHO SEGURO PRÉMIO VARIÁVEL SEGURANÇA NO TRABALHO VIOLAÇÃO DAS REGRAS | ||
Data do Acordão: | 05/26/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | DL Nº 72/2008, DE 16/04. APÓLICE UNIFORME DE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO PARA TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM (NORMA Nº 12/1999 DO ISP, PUBLICADA NO D. R., II SÉRIE, DE 30/11/1999. ARTºS 18º, Nº 1 E 37º, Nº 2 DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 | ||
Sumário: | I – Num contrato de seguro a prémio variável a seguradora garante a responsabilidade do tomador de seguro em relação às pessoas seguras identificadas na apólice. II – Nesta modalidade de seguro o objecto do contrato há-de achar-se definido pela natureza da actividade económica a que o tomador do seguro se dedica e pretendeu ver coberta, determinando-se o prémio a cobrar, as pessoas abrangidas pelo seguro e os montantes reparatórios através do teor das folhas de salários que são remetidas à seguradora nos termos e periodicidade legal e contratualmente estabelecidos. III – Donde ser inoponível ao sinistrado a circunstância de a actividade exercida não se enquadrar no âmbito da sua categoria profissional ou no objecto social do empregador. IV – É obrigação do empregador velar pela execução do trabalho em perfeitas condições de segurança. V – As concretas medidas de segurança a adoptar dependem da existência do risco. VI – Não há responsabilidade agravada por violação de regras de segurança se, muito embora não implementadas medidas contra o risco de queda para o interior do edifício, os factos não revelam uma relação de causalidade entre a queda e a não implementação de tais medidas. VII – O que no artº 18º da LAT se prevê é a responsabilidade decorrente da concreta violação de uma específica regra de segurança, causal do acidente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Coimbra:
A... COMPANHIA DE SEGUROS, SA., sedeada na ..., interpôs recurso da sentença. Pede a respectiva revogação com consequente absolvição do pedido ou a sua condenação a título subsidiário. Formula as seguintes conclusões: […] B..., A. na acção, residente na…, contra-alegou. Pugnou pela manutenção da sentença. C..., LDA., R. na acção, sedeada…, contra-alegou defendendo que a sentença não merece qualquer censura.
* Para cabal compreensão, eis um resumo dos autos: B..., com o patrocínio do MºPº, apresentou petição inicial para impulsionar a fase contenciosa da presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra “ A..., Companhia de Seguros, SA” e “ C..., Ldª” pedindo a condenação: -- da ré empregadora, como primeira e principal responsável, a pagar-lhe pensão anual e vitalícia no valor de € 8.357,30, indemnização por 374 dias de ITA no valor de € 12.403,29, subsídio por elevada incapacidade no valor de € 5.400,00, prestação suplementar de terceira pessoa correspondente à remuneração anual de um trabalhador (€ 6.650,00); -- da ré seguradora, como responsável subsidiária, a pagar-lhe pensão anual e vitalícia no valor de € 7.640,96, indemnização por 374 dias de ITA no valor de € 8.682,30, subsídio por elevada incapacidade no valor de € 5.400,00, prestação suplementar de terceira pessoa correspondente à remuneração anual de um trabalhador (€ 6.650,00). Alegou para o efeito, e em síntese, que em 09.03.2009 sofreu acidente de trabalho, quando ao serviço da ré empregadora, de que resultaram lesões de que derivou a redução da sua capacidade de ganho, não tendo a empregadora disponibilizado qualquer meio de protecção nem deu qualquer formação sobre as medidas necessárias devendo-se a queda à ausência desses meios de protecção. Citadas as rés apresentaram contestação sustentando: -- a ré empregadora que a tarefa do trabalhador era excepcional e esporádica, executada apenas no dia em questão, tendo o telhado inclinação quase nula, está murado em todo o seu perímetro e tem um passadiço em chapa em todo o correr do armazém, donde não haver necessidade de adopção de medidas de protecção colectiva ou individual ou de formação, tendo em processo de contra-ordenação sido decidido não ser de aplicar o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil; conclui dever ser absolvida do pedido. -- a ré seguradora, por um lado, que na participação do acidente consta que o trabalhador é «caixeiro de 2ª» mas o mesmo procedia a tarefa que se fosse do conhecimento da seguradora implicava o pagamento de prémio superior, pelo que é de concluir não estar a actividade desenvolvida no momento do acidente coberta pelo contrato de seguro; e por outro lado, que o acidente se ficou a dever a culpa da entidade empregadora que violou as normas de segurança pois não havia no local qualquer dispositivo de protecção contra quedas em altura nem foi dada formação; conclui dever ser absolvida do pedido ou se assim não se entender dever ser considerada responsável meramente subsidiária. A ré empregadora apresentou articulado de resposta à contestação da co-ré, reafirmando o já alegado para concluir dever ser absolvida do pedido. Procedeu-se à realização do julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo-se: I) absolver a ré “ C..., Ldª” do pedido. II) condenar a ré “ A..., Companhia de Seguros, SA” a pagar ao autor: a) a quantia de € 8.704,50 a título de indemnização pelo período de ITA; b) pensão anual e vitalícia no valor de € 7.664,84 desde 20.03.2010, e sem prejuízo de actualizações; c) a quantia de € 5.400,00 como subsídio de elevada incapacidade; d) a quantia de € 4.433,33 como auxílio de terceira pessoa pelo período de 20.03.2009 a 31.12.2009, passando no ano de 2011 e seguintes para o valor de € 485,00 mensais, sem prejuízo de alteração do valor em função da alteração da «retribuição mínima mensal garantida». e) serão devidos juros de mora sobre o já vencido a partir da notificação da presente sentença até pagamento.
*** Das conclusões acima exaradas extraem-se as seguintes questões a decidir: 1ª – O contrato de seguro não cobre o acidente dos autos? 2ª – O acidente ocorreu por violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho?
*** A matéria de facto cuja prova se obteve é a seguinte: […]
*** É chegado o momento de nos determos sobre a primeira questão enunciada, a saber, se o contrato de seguro não cobre o sinistro dos autos. A Recrte. assenta a sua tese na circunstância de estarmos em presença de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho por conta de outrém, na modalidade de prémio variável por folhas de férias, tendo sido coberto o risco “comércio por grosso de aços inox”, risco esse que foi o assumido por si e com base no qual foi calculado o prémio. Mais alega que os riscos inerentes a actividades perigosas, designadamente trabalhos em altura, implicam maior risco e, por isso, também um prémio mais elevado, pelo que, tendo o acidente ocorrido quando o sinistrado procedia à limpeza de caleiras, a cerca de 8 metros de altura, conclui-se que a actividade desenvolvida pelo mesmo não tem qualquer correspondência com a categoria profissional de caixeiro de 2ª, nem se insere na actividade do empregador, razão pela qual não está a coberto do seguro. Vejamos, então! O contrato de seguro deve, conforme decorre do que dispõe o DL 72/2008 de 16/04, e já constava do Artº 426º do CCom[1], ser reduzido a escrito. Entre as suas menções hão-de constar, todo o conteúdo do acordado pelas partes e, especificamente, a natureza do seguro e os riscos cobertos, sendo que o contrato se regulará, como é próprio dos contratos, pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por Lei e, é claro, pela lei aplicável na parte em que esta se revelar de natureza imperativa (Artº 37º e 11º do DL 72/2008 e 426.º e 427.º do CCom). No campo específico dos acidentes de trabalho, o seguro a prémio variável é uma das modalidades possíveis (Artº 4.º/2 da Apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem - Norma n.º 12/1999 do ISP, publicada no D. R., II Série, de 30.11.99). Neste caso, a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de férias de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro. Tal seguro garante a responsabilidade do tomador de seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também identificada nas condições particulares, independentemente da área em que exerçam a sua actividade (Artº 2.º/1 da Apólice Uniforme). Nesta modalidade de seguro, o objecto do contrato há-de achar-se definido pela natureza da actividade económica a que o tomador do seguro se dedica e pretendeu ver coberta, determinando-se o prémio a cobrar, as pessoas abrangidas pelo seguro e os montantes reparatórios, através do teor das folhas de salários que são remetidas à seguradora nos termos e periodicidade legal e contratualmente estabelecidos. Com a sua alegação parte a Recrte. de alguns pressupostos, os quais não encontram correspondência na matéria fáctica. Começa por afirmar que foi coberto o risco comércio por grosso de aços inox. Nada ali revela que assim tenha ocorrido. E, de um adicional da apólice que integra os autos, resulta mesmo que o risco coberto é “Comércio Miner, Metais Prod Quim Indústr” (fls. 26), o que se nos afigura como substancialmente distinto[2]. Afirma ainda que o prémio inerente a trabalhos em altura é mais elevado, facto este também não provado. Por outro lado, afirma que a actividade exercida não tem qualquer correspondência com a categoria profissional de caixeiro de 2ª, nem se insere na actividade do empregador. Ora, para afirmar que a actividade exercida não corresponde ao núcleo de funções próprias da categoria, deveria, previamente, ter alegado e provado que funções são essas. O que, de todo, não se mostra efectuado. E, quanto á actividade não se inserir na do empregador, também ficou por alegar e provar qual a actividade que constituía o objecto social da R.. Mas, ainda que não se exigisse a prova de tais pressupostos fácticos, a tese da Recrte. não tem sustentáculo legal. Por um lado, mesmo atendendo a um determinado objecto social que se desenvolva como actividade permanente, ocorrem, mesmo na vida dos entes colectivos, circunstâncias que, por vezes, impõem desvios ao exercício de tal actividade. Assim, ainda que se parta do pressuposto de que a tomadora do seguro exercesse a actividade de comércio por grosso de aços, isso não significa que não pudesse socorrer-se da prestação de um trabalhador, caixeiro, para levar a cabo uma limpeza esporádica de uma parede ou de um telhado das suas instalações comerciais. A tanto não se opõe a legislação laboral, e muito concretamente o Artº 120º do CT. Conforme os autos indiciam, terá sido esse o caso. Na verdade, pelo menos uma semana antes do dia 09 de Março de 2009, porque havia chovido e houve infiltrações de água no armazém, foi verificado que o problema era a existência de musgo nas telhas de luzalite e acumulação de resíduos nas caleiras, que provocava as infiltrações de água da chuva, sendo então determinado ao autor que no dia seguinte procedesse à limpeza do musgo das telhas de luzalite e caleiras, trabalho que o autor cumpriu nos dias seguintes, até ao dia 09 de Março de 2009. A R. não alegou, sequer (em sede de contestação), que este fosse um trabalho que o A. desenvolvia permanentemente, circunstância que modificaria quanto vimos expondo. Por último, ainda que a actividade concretamente exercida se não enquadrasse no objecto do contrato de trabalho, tal questão seria inoponível pela seguradora ao trabalhador. A seguradora, conforme decorre da Apólice Uniforme, garante a responsabilidade do tomador de seguro em relação às pessoas seguras identificadas na apólice (Artº 2º). Donde, a eficácia da sua argumentação, apenas se repercute na relação que tem estabelecida com a tomadora do seguro. Termos em que improcede a questão que vimos analisando.
* Podemos, agora, debruçar-nos sobre a segunda questão enunciada – se o acidente ocorreu em virtude da violação de regras de segurança por parte da empregadora. Pretende a Apelante que foram violadas as regras enunciadas nos Artº 2º, 7º e 22º do DL 273/2003 de 29/10, 2º, 3º, 8º, 36º a 39º do DL 50/2005 de 25/02 e 44º, 45º e 46º do Decreto 41821 de 11/08/58, o que faz com o objectivo de, a final, imputar á R. empregadora a responsabilidade no acidente por violação de regras de segurança. A propósito desta questão escreveu-se na sentença que “é inquestionável que o bom senso e a prudência reclamavam que na execução de trabalhos como os que estavam a ser realizados (face à altura em que decorriam) fosse usado meio de protecção contra queda em altura, se não colectivo (como redes anti-queda), pelo menos individual (como cinto de segurança com arnês), assim como se impunha dar formação sobre os riscos específicos do trabalho em altura ao sinistrado. No entanto, no caso em apreço o risco de queda que existia não seria para o exterior (existia um murete e a inclinação do telhado é quase nula), antes sendo o risco de queda para o interior (por exemplo por quebra de telha) como a que ocorreu, mas os elementos disponíveis, além de não permitirem saber se existiam condições para sua colocação, afiguram-se-nos escassos para se dizer que a queda não se tenha inserido numa normal aceitação de um perigo inerente à actividade.” Vejamos, então! Considerando a data de ocorrência do acidente – 9/03/2009 – é aplicável ao caso concreto a Lei 100/97 de 13/09. De acordo com o que aí se dispõe no Artº 18º/1, tendo o acidente resultado da falta de observação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a responsabilidade decorrente da lei é agravada e incide, em primeira linha, sobre o empregador (Artº 37º/2). É, assim, necessário, que se estabeleça um nexo causal entre o acidente e a inobservância das regras sobre segurança, isto é, não basta que ela ocorra, impõe-se que ela seja determinante na produção do evento, exigência que, não obstante a presunção de culpa que a lei anterior consagrava – o que ora não ocorre – a jurisprudência dos Tribunais Superiores já contemplava no regime anteriormente vigente (neste sentido, os Ac. do STJ de 29/09/99, 13/10/99, 25/10/00 e da RC de 18/05/00). Como se deixou expresso no Ac. do STJ de 12/11/2009 “a responsabilização da entidade empregadora nos termos daquele preceito” exige “que se demonstre (cabendo esse ónus a quem vier a tirar proveito dessa forma mais acentuada de responsabilização) um nexo causal entre a postergação das regras de segurança, saúde e higiene no trabalho e o evento infortunístico” (www.dgsi.pt). O Artº 563.º do CC, adoptou, a propósito do nexo de causalidade, e como é reconhecido pelos autores, a teoria da causalidade adequada. Conforme ensina Antunes Varela, “um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrém) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 800). Detenhamo-nos, então, sobre os factos cuja prova se obteve, para, após, e integrando-os nas normas legais sobre segurança aplicáveis, decidirmos. No dia 09 de Março de 2009 o autor, quando procedia a limpeza na cobertura/telhado de armazém utilizado pela “ C..., Ldª”, por ordem da sua empregadora, sofreu queda de altura de cerca de 8 metros, sofrendo lesões que o incapacitaram para o trabalho. A queda deu-se quando uma das telhas de cor branca/translúcidas, que são de material plástico, partiu. O telhado/cobertura do armazém apresenta uma inclinação pouco acentuada ou quase nula, e encontra-se murado em todo o seu perímetro por um parapeito com altura que varia ao longo da sua extensão entre cerca de um e meio metro. No telhado/cobertura do armazém referido em B) existia um passadiço em chapa em todo o correr do armazém, por onde era possível circular quem pretendesse nele circular, o qual estava a ser desmontado pelo autor, por indicação da ré, para aceder às caleiras. Pelo menos as telhas de cor branca/translúcidas não resistem ao peso do autor. “ C..., Ldª”, para execução da tarefa de limpeza em causa, não deu ao autor qualquer formação sobre trabalhos em altura, nem disponibilizou ao autor qualquer meio de protecção contra quedas em altura (designadamente cinto de segurança com arnês para prender a linha de vida, plataforma de trabalho ou redes de segurança). Ora, conforme decorre da matéria fáctica, o telhado/cobertura do armazém apresenta uma inclinação pouco acentuada ou quase nula, e encontra-se murado em todo o seu perímetro por um parapeito com altura que varia ao longo da sua extensão entre cerca de um e meio metro. E, existia no mesmo um passadiço em chapa em todo o correr do armazém, por onde era possível circular quem pretendesse nele circular, o qual estava a ser desmontado pelo autor, por indicação da ré, para aceder às caleiras. Assim, não há, em presença das concretas características do local, risco de queda para o exterior. Desenvolvendo-se, porém, os trabalhos no telhado, o risco que se perspectiva é o de queda para o interior, pelo que se poderá questionar a necessidade de colocação de rede de segurança ou de uso de arnês.
* *** * Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recrte. Notifique. * LUÍS AZEVEDO MENDES JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA
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