Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
128/09.1T4AVR .C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURO
PRÉMIO VARIÁVEL
SEGURANÇA NO TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS
Data do Acordão: 05/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 72/2008, DE 16/04. APÓLICE UNIFORME DE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO PARA TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM (NORMA Nº 12/1999 DO ISP, PUBLICADA NO D. R., II SÉRIE, DE 30/11/1999. ARTºS 18º, Nº 1 E 37º, Nº 2 DA LEI Nº 100/97, DE 13/09
Sumário: I – Num contrato de seguro a prémio variável a seguradora garante a responsabilidade do tomador de seguro em relação às pessoas seguras identificadas na apólice.

II – Nesta modalidade de seguro o objecto do contrato há-de achar-se definido pela natureza da actividade económica a que o tomador do seguro se dedica e pretendeu ver coberta, determinando-se o prémio a cobrar, as pessoas abrangidas pelo seguro e os montantes reparatórios através do teor das folhas de salários que são remetidas à seguradora nos termos e periodicidade legal e contratualmente estabelecidos.

III – Donde ser inoponível ao sinistrado a circunstância de a actividade exercida não se enquadrar no âmbito da sua categoria profissional ou no objecto social do empregador.

IV – É obrigação do empregador velar pela execução do trabalho em perfeitas condições de segurança.

V – As concretas medidas de segurança a adoptar dependem da existência do risco.

VI – Não há responsabilidade agravada por violação de regras de segurança se, muito embora não implementadas medidas contra o risco de queda para o interior do edifício, os factos não revelam uma relação de causalidade entre a queda e a não implementação de tais medidas.

VII – O que no artº 18º da LAT se prevê é a responsabilidade decorrente da concreta violação de uma específica regra de segurança, causal do acidente.

Decisão Texto Integral:    Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Coimbra:

   A... COMPANHIA DE SEGUROS, SA., sedeada na ..., interpôs recurso da sentença.

   Pede a respectiva revogação com consequente absolvição do pedido ou a sua condenação a título subsidiário.

   Formula as seguintes conclusões:

[…]

   B..., A. na acção, residente na…, contra-alegou.

   Pugnou pela manutenção da sentença.

   C..., LDA., R. na acção, sedeada…, contra-alegou defendendo que a sentença não merece qualquer censura.


*

   Para cabal compreensão, eis um resumo dos autos:

   B..., com o patrocínio do MºPº, apresentou petição inicial para impulsionar a fase contenciosa da presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra “ A..., Companhia de Seguros, SA” e “ C..., Ldª” pedindo a condenação:

-- da ré empregadora, como primeira e principal responsável, a pagar-lhe pensão anual e vitalícia no valor de € 8.357,30, indemnização por 374 dias de ITA no valor de € 12.403,29, subsídio por elevada incapacidade no valor de € 5.400,00, prestação suplementar de terceira pessoa correspondente à remuneração anual de um trabalhador (€ 6.650,00);

-- da ré seguradora, como responsável subsidiária, a pagar-lhe pensão anual e vitalícia no valor de € 7.640,96, indemnização por 374 dias de ITA no valor de € 8.682,30, subsídio por elevada incapacidade no valor de € 5.400,00, prestação suplementar de terceira pessoa correspondente à remuneração anual de um trabalhador (€ 6.650,00).

   Alegou para o efeito, e em síntese, que em 09.03.2009 sofreu acidente de trabalho, quando ao serviço da ré empregadora, de que resultaram lesões de que derivou a redução da sua capacidade de ganho, não tendo a empregadora disponibilizado qualquer meio de protecção nem deu qualquer formação sobre as medidas necessárias devendo-se a queda à ausência desses meios de protecção.

   Citadas as rés apresentaram contestação sustentando:

   -- a ré empregadora que a tarefa do trabalhador era excepcional e esporádica, executada apenas no dia em questão, tendo o telhado inclinação quase nula, está murado em todo o seu perímetro e tem um passadiço em chapa em todo o correr do armazém, donde não haver necessidade de adopção de medidas de protecção colectiva ou individual ou de formação, tendo em processo de contra-ordenação sido decidido não ser de aplicar o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil; conclui dever ser absolvida do pedido.

   -- a ré seguradora, por um lado, que na participação do acidente consta que o trabalhador é «caixeiro de 2ª» mas o mesmo procedia a tarefa que se fosse do conhecimento da seguradora implicava o pagamento de prémio superior, pelo que é de concluir não estar a actividade desenvolvida no momento do acidente coberta pelo contrato de seguro; e por outro lado, que o acidente se ficou a dever a culpa da entidade empregadora que violou as normas de segurança pois não havia no local qualquer dispositivo de protecção contra quedas em altura nem foi dada formação; conclui dever ser absolvida do pedido ou se assim não se entender dever ser considerada responsável meramente subsidiária.

   A ré empregadora apresentou articulado de resposta à contestação da co-ré, reafirmando o já alegado para concluir dever ser absolvida do pedido.

   Procedeu-se à realização do julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo-se:

I) absolver a ré “ C..., Ldª” do pedido.

II) condenar a ré “ A..., Companhia de Seguros, SA” a pagar ao autor:

a) a quantia de € 8.704,50 a título de indemnização pelo período de ITA;

b) pensão anual e vitalícia no valor de € 7.664,84 desde 20.03.2010, e sem prejuízo de actualizações;

c) a quantia de € 5.400,00 como subsídio de elevada incapacidade;

d) a quantia de € 4.433,33 como auxílio de terceira pessoa pelo período de 20.03.2009 a 31.12.2009, passando no ano de 2011 e seguintes para o valor de € 485,00 mensais, sem prejuízo de alteração do valor em função da alteração da «retribuição mínima mensal garantida».

e) serão devidos juros de mora sobre o já vencido a partir da notificação da

presente sentença até pagamento.


***

   Das conclusões acima exaradas extraem-se as seguintes questões a decidir:

   1ª – O contrato de seguro não cobre o acidente dos autos?

   2ª – O acidente ocorreu por violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho?


***

   A matéria de facto cuja prova se obteve é a seguinte:

[…]


***

   É chegado o momento de nos determos sobre a primeira questão enunciada, a saber, se o contrato de seguro não cobre o sinistro dos autos.

   A Recrte. assenta a sua tese na circunstância de estarmos em presença de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho por conta de outrém, na modalidade de prémio variável por folhas de férias, tendo sido coberto o risco “comércio por grosso de aços inox”, risco esse que foi o assumido por si e com base no qual foi calculado o prémio. Mais alega que os riscos inerentes a actividades perigosas, designadamente trabalhos em altura, implicam maior risco e, por isso, também um prémio mais elevado, pelo que, tendo o acidente ocorrido quando o sinistrado procedia à limpeza de caleiras, a cerca de 8 metros de altura, conclui-se que a actividade desenvolvida pelo mesmo não tem qualquer correspondência com a categoria profissional de caixeiro de 2ª, nem se insere na actividade do empregador, razão pela qual não está a coberto do seguro.

   Vejamos, então!

   O contrato de seguro deve, conforme decorre do que dispõe o DL 72/2008 de 16/04, e já constava do Artº 426º do CCom[1], ser reduzido a escrito.

   Entre as suas menções hão-de constar, todo o conteúdo do acordado pelas partes e, especificamente, a natureza do seguro e os riscos cobertos, sendo que o contrato se regulará, como é próprio dos contratos, pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por Lei e, é claro, pela lei aplicável na parte em que esta se revelar de natureza imperativa (Artº 37º e 11º do DL 72/2008 e 426.º e 427.º do CCom).

   No campo específico dos acidentes de trabalho, o seguro a prémio variável é uma das modalidades possíveis (Artº 4.º/2 da Apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem - Norma n.º 12/1999 do ISP, publicada no D. R., II Série, de 30.11.99).

   Neste caso, a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de férias de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.

   Tal seguro garante a responsabilidade do tomador de seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também identificada nas condições particulares, independentemente da área em que exerçam a sua actividade (Artº 2.º/1 da Apólice Uniforme).

  Nesta modalidade de seguro, o objecto do contrato há-de achar-se definido pela natureza da actividade económica a que o tomador do seguro se dedica e pretendeu ver coberta, determinando-se o prémio a cobrar, as pessoas abrangidas pelo seguro e os montantes reparatórios, através do teor das folhas de salários que são remetidas à seguradora nos termos e periodicidade legal e contratualmente estabelecidos.

   Com a sua alegação parte a Recrte. de alguns pressupostos, os quais não encontram correspondência na matéria fáctica.

   Começa por afirmar que foi coberto o risco comércio por grosso de aços inox. Nada ali revela que assim tenha ocorrido. E, de um adicional da apólice que integra os autos, resulta mesmo que o risco coberto é “Comércio Miner, Metais Prod Quim Indústr” (fls. 26), o que se nos afigura como substancialmente distinto[2].

   Afirma ainda que o prémio inerente a trabalhos em altura é mais elevado, facto este também não provado.

   Por outro lado, afirma que a actividade exercida não tem qualquer correspondência com a categoria profissional de caixeiro de 2ª, nem se insere na actividade do empregador. Ora, para afirmar que a actividade exercida não corresponde ao núcleo de funções próprias da categoria, deveria, previamente, ter alegado e provado que funções são essas. O que, de todo, não se mostra efectuado. E, quanto á actividade não se inserir na do empregador, também ficou por alegar e provar qual a actividade que constituía o objecto social da R..

   Mas, ainda que não se exigisse a prova de tais pressupostos fácticos, a tese da Recrte. não tem sustentáculo legal.

   Por um lado, mesmo atendendo a um determinado objecto social que se desenvolva como actividade permanente, ocorrem, mesmo na vida dos entes colectivos, circunstâncias que, por vezes, impõem desvios ao exercício de tal actividade.

   Assim, ainda que se parta do pressuposto de que a tomadora do seguro exercesse a actividade de comércio por grosso de aços, isso não significa que não pudesse socorrer-se da prestação de um trabalhador, caixeiro, para levar a cabo uma limpeza esporádica de uma parede ou de um telhado das suas instalações comerciais. A tanto não se opõe a legislação laboral, e muito concretamente o Artº 120º do CT.

   Conforme os autos indiciam, terá sido esse o caso. Na verdade, pelo menos uma semana antes do dia 09 de Março de 2009, porque havia chovido e houve infiltrações de água no armazém, foi verificado que o problema era a existência de musgo nas telhas de luzalite e acumulação de resíduos nas caleiras, que provocava as infiltrações de água da chuva, sendo então determinado ao autor que no dia seguinte procedesse à limpeza do musgo das telhas de luzalite e caleiras, trabalho que o autor cumpriu nos dias seguintes, até ao dia 09 de Março de 2009.

   A R. não alegou, sequer (em sede de contestação), que este fosse um trabalho que o A. desenvolvia permanentemente, circunstância que modificaria quanto vimos expondo.

   Por último, ainda que a actividade concretamente exercida se não enquadrasse no objecto do contrato de trabalho, tal questão seria inoponível pela seguradora ao trabalhador.

   A seguradora, conforme decorre da Apólice Uniforme, garante a responsabilidade do tomador de seguro em relação às pessoas seguras identificadas na apólice (Artº 2º).

   Donde, a eficácia da sua argumentação, apenas se repercute na relação que tem estabelecida com a tomadora do seguro.

   Termos em que improcede a questão que vimos analisando.


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   Podemos, agora, debruçar-nos sobre a segunda questão enunciada – se o acidente ocorreu em virtude da violação de regras de segurança por parte da empregadora.

   Pretende a Apelante que foram violadas as regras enunciadas nos Artº 2º, 7º e 22º do DL 273/2003 de 29/10, 2º, 3º, 8º, 36º a 39º do DL 50/2005 de 25/02 e 44º, 45º e 46º do Decreto 41821 de 11/08/58, o que faz com o objectivo de, a final, imputar á R. empregadora a responsabilidade no acidente por violação de regras de segurança.

   A propósito desta questão escreveu-se na sentença que “é inquestionável que o bom senso e a prudência reclamavam que na execução de trabalhos como os que estavam a ser realizados (face à altura em que decorriam) fosse usado meio de protecção contra queda em altura, se não colectivo (como redes anti-queda), pelo menos individual (como cinto de segurança com arnês), assim como se impunha dar formação sobre os riscos específicos do trabalho em altura ao sinistrado. No entanto, no caso em apreço o risco de queda que existia não seria para o exterior (existia um murete e a inclinação do telhado é quase nula), antes sendo o risco de queda para o interior (por exemplo por quebra de telha) como a que ocorreu, mas os elementos disponíveis, além de não permitirem saber se existiam condições para sua colocação, afiguram-se-nos escassos para se dizer que a queda não se tenha inserido numa normal aceitação de um perigo inerente à actividade.”

   Vejamos, então!

   Considerando a data de ocorrência do acidente – 9/03/2009 – é aplicável ao caso concreto a Lei 100/97 de 13/09.

   De acordo com o que aí se dispõe no Artº 18º/1, tendo o acidente resultado da falta de observação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a responsabilidade decorrente da lei é agravada e incide, em primeira linha, sobre o empregador (Artº 37º/2).

   É, assim, necessário, que se estabeleça um nexo causal entre o acidente e a inobservância das regras sobre segurança, isto é, não basta que ela ocorra, impõe-se que ela seja determinante na produção do evento, exigência que, não obstante a presunção de culpa que a lei anterior consagrava – o que ora não ocorre – a jurisprudência dos Tribunais Superiores já contemplava no regime anteriormente vigente (neste sentido, os Ac. do STJ de 29/09/99, 13/10/99, 25/10/00 e da RC de 18/05/00).

   Como se deixou expresso no Ac. do STJ de 12/11/2009 “a responsabilização da entidade empregadora nos termos daquele preceito” exige “que se demonstre (cabendo esse ónus a quem vier a tirar proveito dessa forma mais acentuada de responsabilização) um nexo causal entre a postergação das regras de segurança, saúde e higiene no trabalho e o evento infortunístico” (www.dgsi.pt).

   O Artº 563.º do CC, adoptou, a propósito do nexo de causalidade, e como é reconhecido pelos autores, a teoria da causalidade adequada.

   Conforme ensina Antunes Varela, “um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrém) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 800).

  Detenhamo-nos, então, sobre os factos cuja prova se obteve, para, após, e integrando-os nas normas legais sobre segurança aplicáveis, decidirmos.

   No dia 09 de Março de 2009 o autor, quando procedia a limpeza na cobertura/telhado de armazém utilizado pela “ C..., Ldª”, por ordem da sua empregadora, sofreu queda de altura de cerca de 8 metros, sofrendo lesões que o incapacitaram para o trabalho.

   A queda deu-se quando uma das telhas de cor branca/translúcidas, que são de material plástico, partiu.

   O telhado/cobertura do armazém apresenta uma inclinação pouco acentuada ou quase nula, e encontra-se murado em todo o seu perímetro por um parapeito com altura que varia ao longo da sua extensão entre cerca de um e meio metro.

   No telhado/cobertura do armazém referido em B) existia um passadiço em chapa em todo o correr do armazém, por onde era possível circular quem pretendesse nele circular, o qual estava a ser desmontado pelo autor, por indicação da ré, para aceder às caleiras.

   Pelo menos as telhas de cor branca/translúcidas não resistem ao peso do autor.

   “ C..., Ldª”, para execução da tarefa de limpeza em causa, não deu ao autor qualquer formação sobre trabalhos em altura, nem disponibilizou ao autor qualquer meio de protecção contra quedas em altura (designadamente cinto de segurança com arnês para prender a linha de vida, plataforma de trabalho ou redes de segurança).
   Conforme acima se exarou, a lei exige, nesta matéria, que a violação de regras de segurança seja determinante do acidente, pelo que a primeira operação de subsunção do caso à lei aplicável consiste na determinação da norma de segurança violada.
   A este propósito cabe, desde já, salientar que a lei não se basta com a violação de um qualquer dever de cuidado ou de alguma genérica obrigação de segurança. Tais violações inserem-se nos riscos próprios da actividade e são absorvidas pela responsabilidade geral (objectiva) decorrente de acidentes de trabalho.
   O que no Artº 18º da LAT se prevê é a responsabilidade decorrente da concreta violação de uma específica regra de segurança, causal do acidente.
   Invoca a Recrte o disposto no DL 273/2003 de 29/10.
   Ocorre, porém, que este diploma legal, tal como o mesmo enuncia, estabelece regras gerais de planeamento, organização e coordenação em estaleiros da construção (Artº 1º).
   Em parte alguma dos autos se evidencia a existência de um estaleiro de construção no qual se deva levar a cabo alguma obra.
   É, assim, evidente que no caso concreto não há lugar, por força deste diploma, nem a elaboração de plano de segurança, nem à implementação de algum específico cuidado.
   Por outro lado, o DL 50/2005 de 25/02 regula a utilização de equipamentos de trabalho.
   No caso concreto, nenhum equipamento foi distribuído ao sinistrado, pelo que não tem qualquer cabimento falar do dever de informação sobre equipamentos de trabalho previsto no Artº 8º.
   Já o Artº 36º se debruça sobre trabalhos temporários. Decorre dali a necessidade de utilização de equipamento apropriado a assegurar condições de trabalho seguras (nº 1), devendo o empregador dar prioridade a medidas de protecção colectiva (nº 2), para o que devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura (Artº 37º/2).
   Segundo o Artº 30º, estas regras de utilização dos equipamentos de trabalho são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado.
   Convém realçar que, para efeitos deste diploma, equipamento de trabalho é também qualquer instalação utilizada no trabalho (Artº 2º/a)).
   No que se reporta ao Decreto 41821, o mesmo regula os trabalhos de construção civil e, por isso, não é aqui aplicável.
   Sendo obrigação do empregador velar pela execução do trabalho em perfeitas condições de segurança, e sendo reconhecido que “a execução de trabalhos em altura expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmente quedas”[3], conclui-se que não estavam a ser cumpridas todas as normas que regulam a execução de trabalhos em altura, designadamente as que impõem o recurso a medidas de protecção colectiva ou individual (Artº 37º) – não foi instalada plataforma de trabalho, rede de segurança ou disponibilizado arnês.
   Contudo, e como acima vimos, as medidas em causa dependem da existência de risco no equipamento, ou seja, na instalação utilizada no trabalho que, no caso, era – tudo indica – o próprio telhado (factos A) e D)).

   Ora, conforme decorre da matéria fáctica, o telhado/cobertura do armazém apresenta uma inclinação pouco acentuada ou quase nula, e encontra-se murado em todo o seu perímetro por um parapeito com altura que varia ao longo da sua extensão entre cerca de um e meio metro. E, existia no mesmo um passadiço em chapa em todo o correr do armazém, por onde era possível circular quem pretendesse nele circular, o qual estava a ser desmontado pelo autor, por indicação da ré, para aceder às caleiras.

   Assim, não há, em presença das concretas características do local, risco de queda para o exterior. Desenvolvendo-se, porém, os trabalhos no telhado, o risco que se perspectiva é o de queda para o interior, pelo que se poderá questionar a necessidade de colocação de rede de segurança ou de uso de arnês.
   Conforme acima se exarou e é jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, impõe-se que se demonstre não só a violação de normas de segurança, higiene e saúde no trabalho, como também o nexo de causalidade entre a inobservância destas mesmas regras e o acidente.
   Significa isto, no caso concreto, que da não disponibilização de protecção (colectiva ou individual) há-de ter resultado o acidente (Artº 18º/1 da Lei).
   O acidente consistiu na queda de uma altura de 8 metros, que se deu quando uma das telhas translúcidas, de plástico, se partiu (B e D), o que inculca no sentido de a queda se ter dado a partir daqui.
   Desconhece-se – porque a matéria de facto é exígua a esse respeito – o que é que motivou a queda, ou seja, qual a necessidade de o sinistrado se colocar em posição de levar à quebra da telha e consequente queda, sendo que se sabe da existência de um passadiço em chapa por onde era possível circular e da existência de um muro de protecção.
   E, se em abstracto, a inexistência de protecção móvel (colectiva ou individual) é apta a causar o acidente, em concreto, as condições do local, acima mencionadas, não inculcam no sentido de uma relação de causalidade adequada entre essa ausência e o evento. Ou seja, não se pode dizer, mesmo através de ilações tiradas da matéria de facto, que, se não fosse a inexistência de medidas de protecção colectiva, a queda do sinistrado não tinha ocorrido.
   Na verdade, os factos não revelam o local onde se encontrava o sinistrado e a razão de aí se encontrar e revelam que era possível circular por um passadiço, o que, muito provavelmente, evitaria a queda. Além de que, a ter-se esta dado a partir da telha translúcida, é do sendo comum que uma tal telha não aguenta o peso de um homem.
   Mesmo sendo lícito retirar ilações da matéria de facto – o que se deve fazer a partir das regras da experiência e de juízos de probabilidade –, urge que esta seja de molde a permiti-las.
   Como se escreveu no Ac. do STJ de 12/11/2009, já citado, “a apreciação do nexo de causalidade envolve dois patamares. O primeiro prende-se com a determinação naturalística dos factos, em ordem a determinar a sua causa-efeito e constitui matéria de facto... e que, por isso, implica uma avaliação de prova. O segundo implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada, o que já é uma operação de subsunção jurídica.”
   Significa isto, que constituindo, em abstracto, como acima se disse, a falta de protecção específica, condição idónea à ocorrência de quedas em altura, o que levaria á conclusão deste nexo causal, em concreto não dispomos de factos suficientes para estabelecer a correspondência exigida. Ou seja, a exiguidade da matéria de facto não nos permite estabelecer o nexo de causalidade entre a violação da regra acima assinalada e o acidente.
   E, assim, na ausência da alegação e prova de tal factualidade, a apelação improcede.


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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

   Custas pela Recrte.

   Notifique.


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MANUELA BENTO FIALHO (RELATORA)
LUÍS AZEVEDO MENDES
JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA


[1] A matéria de facto não nos informa acerca da data de celebração do contrato de seguro. Daí a necessidade de mencionar o regime actualmente vigente e o que o precedeu
[2] Não se vê que a apólice tenha sido junta aos autos
[3] Preâmbulo do DL 50/2005